Tag: Yorgos Lanthimos

  • Critica | A Favorita

    Critica | A Favorita

    Chega ao circuito brasileiro o filme A Favorita, do diretor grego Yorgos Lanthimos, o mesmo que há pouco tempo atrás lançou A Lagosta e O Sacrifício do Cervo Sagrado. Nesta nova historia, ele discorre sobre uma guerra de vaidades que ocorre entre duas mulheres que visam o posto de conselheira da rainha, isso tudo ocorrendo com uma bela reconstituição de época, com figurino, fotografia, direção de arte e afins dignas do clássico Barry Lyndon de Stanley Kubrick. No entanto, as semelhanças com o filme de 1975 param por ai, o que se vê é uma historia bem diferente, e um jeito de filmar igualmente diverso.

    Lady Sarah Churchill, interpretada por Rachel Weiss é, no momento que o filme retrata, a mulher mais próxima da rainha Ana (Olivia Calmon), seus dias se resumem a ter que aturar o mal gênio de sua majestade, enquanto manter seu posto como próxima dos nobres, papel esse obviamente bem pequeno e cordato. De viagem, chega a Abigail Masham de Emma Stone, uma criada que já nesse caminho é mostrada como uma personagem que não tem luxos, chegando ao palácio real em uma carroça apertada e repleta de gente. Quando se estabelece como serviçal ela passa mal enquanto aprende seu trabalho, e seu lamento casa com os choros mimados da rainha, que por sua vez, é capaz de um enorme chilique só por conta de um pesadelo.

    Lanthimos debocha dos ricos, mostra-os como mimados e usa ângulos de câmera diferenciados para registrar momentos comuns da vida de cada um dos personagens, há profundidade em momentos em que as pessoas andam a cavalo, varrem o chão ou simplesmente respiram, e esse exercício a principio parece despropositado mas valorizam os atos cotidianos de uma maneira ímpar exatamente para destacar esses como diferenciados que são . O cineasta busca a todo momento  retomar a forma diferenciada de contar historias, que basicamente encontra pouco eco em sua filmografia desde que fez Dente Canino dez anos atrás.

    Enquanto registra o desespero desnecessário da realeza, a trilha sonora tem músicas de sons agudos, que fazem lembrar as canções instrumentais dramáticas que permeavam o clássico remake de Scarface que Brian de Palma realizou. Essa sonoridade marca demais a rivalidade que aos poucos se estabelece entre Abigail e Sarah pela preferência da rainha, e na maioria dos momentos o que se vê é uma historia com um caráter bastante semelhante aos folhetins e as antigas radio novelas, com uma larga exploração da volúpia e de relações proibidas, onde as moças basicamente brigam para serem exploradas por uma pessoa poderosa e que ganhou suas regalias de maneira imerecida.

    Há momentos grotescos, não só envolvendo a figura do personagem de Calmon, mas também ao mostrar as manifestações de tesão da maioria dos poderosos. Por mais estranho que tudo isso soe, as lentes de Lanthimos parecem só se importar com as duas serviçais que disputam os anseios carnais da rainha, e nesse ponto mora o melhor do filme, pois tanto Weiss quanto Stone tem um desempenho excelente, ambas estão inspiradas e parecem mesmo desejar ter a atenção da soberana inglesa.

    Os  atos de crueldade  trocados entre as duas competidoras garantem um pouco de dinamismo a trama, e diferente do que havia feito em A Lagosta, Lanthimos não faz muitos rodeios e não tenta apelar para uma forma surrealista de contar historia, embora haja claro um bocado de imponderável nos fatos que ocorrem em A Favorita. Ao contrário do que muito se falou, esse é um filme bem menos arrogante e pretensioso que os anteriores, onde Lanthimos se permite usufruir de outras formulas, mesmo que a historia que tenho escolhido contar seja de pura frivolidade.

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  • Crítica | O Sacrifício do Cervo Sagrado

    Crítica | O Sacrifício do Cervo Sagrado

    Adjetivo duplo, então: Morbidamente cínico. O grego Yorgos Lanthimos conjura suas narrativas e perspectiva com uma excentricidade tola, e que se encerra nela mesma. Cineasta do vazio, como tantos que se proliferam numa velocidade impressionante (e que preocupa) no cinema pós-moderno, operando para as pós-verdades da era da web 3.0, a sua alegoria é da nulidade e o seu campo de análise é o vácuo que existe entre as pessoas, entre as coisas, ou mais precisamente aqui, entre o ceticismo que permeia a atualidade global (não acreditamos mais em lendas e nossos folclores giram em torno da tecnologia) e o credo nas nossas relações, rápida e igualmente pautadas em aparelhos que surgiram há pouco mais de duas décadas e redefiniram nosso olhar para o outro. Lanthimos parece ter um interesse fetichista por esse tema de sociedade global cyber impactada, e a cada filme seu, desde o bom Dente Canino até O Sacrifício do Cervo Sagrado, premiado em Cannes e tudo o mais, parece lapidar seu gosto apenas numa pegada diferente, sendo que não há profundidade aparente que o cineasta almeje tocar.

    Para tanto, delineia com delicadeza confundida por alguns espectadores com sensibilidade a história do intruso, no seio familiar. História velha ainda que bela, travestida aqui em território cirúrgico: Médico (Colin Farrell, na segunda parceira com o cineasta depois do controverso A Lagosta) que se orgulha em nunca ter ferido um paciente sequer deixa-se envolver, a si próprio, esposa e filhos com um jovem em pleno desenvolvimento de sua identidade psicopata. A atuação coletiva do filme primeiramente merece palmas, em especial a de Nicole Kidman, excelente quando acha motivação e se permite ser a grande diva de Hollywood que é, e a do jovem assassino em formação, Barry Keoghan, cuja verdadeira potência de seu personagem infelizmente por nós nunca é atestada, tal qual as outras personas afetadas pelo garoto, devido a morbidez vaidosa que a própria história respira e caminha, vacilante rumo a uma tragédia de indiscutíveis probabilidades de acontecer – e quando irrompe, mesmo assim é questionável o impacto que nos proporciona. Lanthimos, em momento algum tenta evitar isso, nos afogando consigo na sua letargia que não atinge, tirando breves átimos, toda a tal da hipnose pretendida.

    Há um quê às vezes subjetivo, e noutros instantes bem explícitos de A Pele que Habito, de Pedro Almodóvar, mas também certa alma de Stanley Kubrick, contudo sem o mesmo pedantismo histriônico de ambas as mentes, o que melhora as coisas de certa forma. Mas, novamente no Cinema de hoje em dia, é a abstração temática e a abordagem cínica proposital que acaba com tudo, e faz lembrar muita gente, incluindo eu mesmo, o quão insuportável ainda é assistir famílias “tragicamente desdobradas de forma morbidamente cínica”. Não é esse mesmo filme que Michael Haneke recicla, todo ano? Uma pena. Fica-nos a impressão, aliás, diante de O Sacrifício do Cervo Sagrado, de que estamos assistindo uma melancolia que serve apenas ao olhar pessimista de um autor para a sociedade que vive, ou melhor ainda, quem sabe estamos aqui a observar um De Olhos Bem Abertos assexuado, sem o Tom Cruise, com a mesma belíssima Nicole Kidman, sem rituais de irmandades secretas, trilha sonora alguma ou o apuro kubrickiano agregando diamantes ao storytelling. Se tirássemos tudo isso do maravilhoso filme de 1999, o último do mestre que ele nem teve a chance sequer de assistir montado, o que teríamos? A resposta, especialmente a Lanthimos, o apóstolo grego sobre o nada, poderia ser bastante cruel.

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  • Crítica | O Lagosta

    Crítica | O Lagosta

    The Lobster 1

    The Lobster é um filme que funciona fundamentalmente para quem é afeito à filmografia de seu diretor, Yorgos Lanthimos, realizador dos anteriores Alpes e Dente Canino, inclusive reprisando grande parte dos conceitos dos produtos citados. A sinopse do longa é bizarra, fazendo valer conceitos como apatia, concessão e obediência sem discussão.

    A primeira metade do roteiro de Efthymis Filippou funciona quase perfeitamente, gradativamente revelando uma sociedade distópica, baseada em um sistema insano de repressão a quem não possui um par matrimonial, que captura os divorciados e solteiros para alocá-los en um hotel, onde todos teriam 45 dias para conseguir encontrar seu par, sob a pena de, ao final do prazo, ser transformado em um animal. A história é narrada a partir do olhar de David (Colin Farrell), que escolhe para si a possibilidade de virar uma lagosta.

    O esforço para não transmutar faz com que os alocados no hotel tentem achar aspectos em comum, para finalmente formar um par e se ver livre do destino terrível. As instruções dentro da pousada reforçam o maniqueísmo, simplismo e o discurso de ódio, evocando a cultura de estupro, funcionando bem como paródia da banalização comum aos tempos atuais, onde qualquer falácia torna-se automaticamente válida, somente para fortificar argumentos sem base e veracidade.

    Apesar de discutir a comum dependência humana mútua, The Lobster pouco acrescenta, e utiliza-se de um argumento que piora ainda mais ao revelar que a resistência ao regime também vive sob os mesmos preceitos imbecis, demonstrando que não há fuga minimamente aceitável, ainda que em paralelo com o quadro político mundial. Ainda assim, é demasiado simplista para um filme que busca ser irônico. A narração executada por Rachel Weisz ajuda a desmistificar ainda mais o texto que, a priori, deveria evoluir o destaque aos defeitos do estado atual.