Tag: Filmes de Western

  • Crítica | Dez Segundos de Perigo

    Crítica | Dez Segundos de Perigo

    Dentre as nossas raras certezas, é dito que todo mestre possui um filme que destoa da sua carreira. Ninguém escapa desse karma que o universo reserva, cedo ou tarde, até para as maiores lendas do Cinema. Em Hollywood, isso costuma rolar quando um grande nome, no auge da fama, ganha a confiança de um estúdio para realizar um projeto dos sonhos. O Primeiro Homem é o exemplo mais recente disso: com todo o louvor mega exagerado de La La Land, Damien Chazelle ganhou liberdade total na Universal, e o projeto da primeira missão à lua foi um fracasso tanto de público, quanto crítico. Mas Dez Segundos de Perigo, título esperto e referente ao tempo médio que o peão se mantém em cima do touro, nunca foi sonho de Sam Peckinpah – estando mais para um vislumbre (nada criativo) desses que temos numa rápida soneca vespertina.

    Porque o filme é totalmente deslocado das obras-primas do diretor nos anos 1970, a ponto de fazer quem não conhece os grandes clássicos de Peckinpah se desinteressar em descobri-los se começar por aqui. Ao revelar que esse faroeste urbano está entre Meu Ódio Será Sua Herança (1969) e Billy the Kid (1973), é o mesmo que assistir um pato manco jogando bola no intervalo entre duas partidas com Pelé e Garrincha. Todo o brilhantismo que veio antes e depois nesses filmes destoa violentamente do marasmo deste raquítico drama sobre um ex-campeão de rodeio, Junior Bonner, de volta à sua cidade rural no Arizona, a qual vive um intenso processo de urbanização. E é justamente essa ambientação que melhor se encaixa na perspectiva naturalista e bem-humorada do cineasta, mas que no filme em questão é preenchida pelo vazio de uma trama que poderia ser interessante, caso Peckinpah não estivesse tão no modo automático.

    Precisando de grana para sobreviver e ajudar o pai acidentado, o veterano Bonner (Steve McQueen, moreno e de chapéu de cowboy) tenta a sorte uma última vez na vida após uma longa pausa na arena, mas não antes de ser pressionado pelo próprio irmão ganancioso a vender a propriedade da família naquelas áridas planícies do oeste americano, em busca de mais dinheiro – e problemas à vista. Um misto de drama rasteiro acerca do impacto que o dinheiro pode ter nas relações de família e amigos, com breves momentos de entretenimento (as cenas de rodeio são o ponto alto, no típico estilo de câmera lenta e edição frenética de Peckinpah, salvando a fita do absoluto esquecimento), Dez Segundos de Perigo é a maior digressão da carreira sublime de seu diretor. E se não é uma sessão de fato ruim, esta oferece a certeza amarga de que todo grande cineasta carrega consigo um O Poderoso Chefão: Parte III para chamar de seu. C’est la vie.

  • Crítica | Como Vivem os Bravos

    Crítica | Como Vivem os Bravos

    Como Vivem os Bravos envolve um grupo de camponeses que resolvem seus problemas de maneira truculenta, em trocas de tiros que espalham sangue pelas areias do sertão. No início, impera o silêncio, e as pessoas são mostradas mirando sua armas para o lado de fora de um círculo formado pelos protagonistas, em uma reunião de pistoleiros bem diferentes entre si.

    Os pistoleiros, índios e cowboys tentam se proteger em um movimento sofisticado, utilizado por militares que tem noção tática de autoproteção, e do alto de suas machadinhas e carabinas, espalham o sangue de seus inimigos pela mesma areia que pisam todos os dias, e esse cenário pode obviamente refletir o nordeste brasileiro, mas também poderia ser do interior do México, no Texas ou mesmo nos cenários de Almería onde se filmaram boa parte dos Western Spaghetti clássicos.

    A obra de Daniell Abrew começa imitando os filmes de Sergio Leone, sem falas, com pessoas mal encaradas prontas para matar seus rivais. A escolha da produção em deixar o filme praticamente sem diálogos torna a apreciação da obra confusa. Provavelmente essa opção se deu por uma questão estética e universalidade do drama.

    As paisagens são bem enquadradas, a direção de fotografia ajuda a compor um conjunto de imagens arrojado, mas infelizmente os efeitos digitais são aquém em comparação com restante dos aspectos técnicos. Abrew claramente tinha a intenção de trazer uma obra mais pomposa, mas não tinha grandes recursos para tal. As cenas com corpos em decomposição são artificiais, o sangue que sai das perfurações e tiros idem, destoando completamente dos figurinos e cenários mostrados anteriormente.

    O aspecto fantástico da obra é sútil, e dentro da proposta de filme funciona bem. Como Vivem os Bravos reúne momentos épicos, mesmo tendo toda atuação baseada em acontecimentos mudos, mas é irregular, coleciona tropeços quando precisa usar efeitos especiais. No entanto, o que mais fica na memória de quem assiste são as referências aos clássicos do gênero Western.

  • Crítica | Inferno na Fronteira

    Crítica | Inferno na Fronteira

    O cinema western sempre se caracterizou por trazer histórias épicas, majoritariamente de mocinhos corretos ou de personagens ambíguos. Inferno na Fronteira, lançado em 2019 mistura esses dois estilos e usa como base avida do lendário cowboy afro-americano Bass Reeves, primeiro vice-marechal negro dos Estados Unidos, enquanto residia no oeste do Rio Mississipi. Durante sua longa carreira entre Arkansas e Oklahoma, foi creditado a ele a prisão de mais de 3000 criminosos.

    Nessa versão conduzida por Wes Miller, Reeves é interpretado por David Gyasi, e a trama se passa no ano de 1875. A produção bastante barata conta com um elenco interessante, como Frank Grillo e Ron Perlman, mas não possui na direção de atores um grande trunfo. Boa parte dos diálogos e interações são tão mal pensados que parecem emular as peças de teatro do ensino fundamental.

    De positivo, existe a forma como a violência é representada, mas que certamente não agradará a todos. Para o fã de filmes de terror que busca uma produção com muito sangue e gore há um certo apelo neste longa. No entanto, isso é muito pouco e o filme soa um bocado trash. Sua narrativa se arrasta ao longo dos quase 90 minutos e faz o filme parece bem mais longo do que realmente é graças as cenas tão mal exploradas e a falta de ritmo. Isso fica bastante claro nas cenas de ação, a maioria delas bastante lenta, fazendo parecer que os pistoleiros estão todos lesionados de tão vagarosos que são os embates.

    O fim de Inferno na Fronteira se dá com uma musica no estilo hip-hop, mas até esse apelo estilístico é tardio, caso fosse lançado antes e na trama principal ao invés de estar nos créditos poderia causar nas cenas algum caráter de inventividade maior e dinamismo. No final, toda a sequência de fatos soa genérica, sem qualquer traço de personalidade ou alma.

    https://www.youtube.com/watch?v=zLKFPrIpHo0

  • Crítica | A Proposta (2005)

    Crítica | A Proposta (2005)

    A Proposta 1

    A implacável ira do cenário desértico do Oeste Americano pré-século XIX é exibida antes mesmo do início das cenas, com uma abertura levada por uma música doce, exibindo fotos de cemitérios e de outros massacres que ocorrem naquela terra. O intenso tiroteio envolvendo os personagens Charles Burn (Guy Pearce) e seu irmão, Mike (Richard Wilson), ambienta o espectador na espiral de morte em que entrará por mais de cem minutos, no mundo particular que John Hillcoat costuma exibir em sua filmografia.

    Capturados pelo Capitão Stanley (Ray Winstone), os dois foras da lei olham ao redor, vendo cada um dos que os acompanhavam, mortos. Charles, o mais maduro e talhado para a vida, recebe então uma proposta que traria a redenção a ele e ao caçula, mas que o atingiria em cheio no coração. A alternativa pesada assemelha-se mais a uma sentença de se colocar em desgraça perante os seus, com a incumbência de assassinar o mais velho dos irmãos Burns, principal responsável por um massacre no passado.

    A sujeira presente nos dentes e no suor da têmpora dos personagens faz A Proposta se diferenciar dos westerns clássicos de John Ford & Wayne, passando um pouco pelo cinismo da trilogia dos dólares de Sergio Leone com a mesma alma encruada e mal cheirosa de Os Imperdoáveis, sobretudo nos personagens periféricos, como o beberrão Jellon Lamb (John Hurt), decadente em essência e caráter, amoral como todo o background dos anti-heróis do faroeste.

    Após alucinações, provenientes do torpor do veneno que faz Charles quase ir para o outro mundo, o personagem finalmente encontra o primogênito dos Burns, interpretado por um diferenciado Jack Huston, de cabelos longos e aparência tão surrada e mal cuidada quanto a dos outros membros do clã. A miséria é comum tanto a suas posses materiais quanto no comportamento de sua alma, mas não há qualquer capacidade mútua de fazer mal aos membros da família.

    O desprezo pelas leis se reflete também no comportamento errático de Arthur com os seus. Mesmo que suas intenções sejam boas para com seus semelhantes, falta ação e atitudes mais sinceras, o que faz Charlie balançar, não o bastante para ceder à proposta de fácil execução. Ele precisa ainda experimentar o pior de seu irmão ao vê-lo cometendo um ato imperdoável, tanto de negligência dos seus quanto de crueldade de espírito.

    Seu inimigos se postam em uma mesa figurativa à sua frente, como no conto bíblico que pede que se prepare um jantar diante de seus adversários, e o principal fator aviltante a ele é a intimidade com os que lhe impingem mal. Curiosa é a base do roteiro de Nick Cave, que usa as tragédias gregas de Sófocles como inspiração para os conflitos, algo semelhante ao que faziam os realizadores de western spaghetti com os filmes de samurai de Akira Kurosawa. A profundidade do texto está nas sutilezas que apresentam uma resistência interessante, mesmo diante de toda a violência que a fita apresenta. A forma não substitui o conteúdo, pelo contrário, fortalece o argumento repleto de viradas, dualidades e podridões de espírito.

  • Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

    Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

    O Star Wars no Oeste, antes de ser no espaço. Pensaram que onde não existe som – mas, nos filmes de George Lucas, o que não existe é a física – seriam mais bacanas duelos de rifle com sabres de luz, espaçonaves ao invés de cavalos etc. Pode ser, pode não ser, mas se de fato há discordância da qualidade da interminável série da família Skywalker, o mesmo não se remete aos clássicos indiscutíveis de Sergio Leone, seminais em sua proposta mas não em realização: os filmes são deliciosamente exagerados na abordagem das histórias, sendo que esse “excesso de Cinema” tornou imortal a trilogia justamente pela precisão na aplicação de intenções artísticas que Leone empregava, na fartura de linguagens em um mesmo filme, tal qual Akira Kurosawa ou Sam Peckinpah posteriormente, cada um com a sua manha. Além do gênero e sub-gênero spaghetti, exagero mesmo é não encaixar a quinquagenária Trilogia dos Dólares (em 2014, o primeiro filme completou 50 anos) entre as maiores trilogias, junto à Trilogia de Apu, do indiano Satyajit Ray, ou de Michelangelo Antonioni, a da Incompatibilidade. Leone vai além do diretor favorito de gente como Quentin Tarantino, foi um dos mestres que, com poucos filmes, feito Stanley Kubrick ou Hiroshi Teshigahara, se tornou uma lenda e elevou o Cinema ao respeito do mundo.

    Por Um Punhado de Dólares

    Em cada bala, e não são poucas, se justifica a relevância da metáfora na figura de um abutre, vulgo feitor de caixões. A clássica frase: “Erro meu, quatro caixões” se encaixa e é a essência do manifesto italiano a um cinema de hipóteses e incertezas contra qualquer permanência de clichês anteriores na filmografia do país. Leone se preocupa só em criar a mitologia primária da trilogia, a ética de um microcosmo empoeirado onde a moral é matar ou morrer ou servir, no máximo. Cada figura, e isso se aplica aos dois outros filmes, arrasta suas esporas num fio de navalha que ajudam a tecer e tornar cada vez mais mortal em seus conflitos de interesses, divertidos, unilaterais, havendo nestas questões planos óbvios para próximos filmes, que naturalmente iriam superar este primeiro exemplar, humilde síntese ao cunho de Sérgio Leone. Por Um Punhado de Dólares é o berço de gigantes como Sergio Corbucci, Enzo G. Castellari e Fernando Di Leo, ases da terra da Sicília que não escondem em obra alguma referências à excelência da história de gringo, cowboy sem nome, passado e, graças à sábia incerteza que o filme se apropria durante a projeção, futuro.

    Por Uns Dólares a Mais

    A morte, entretanto, é um excesso de certeza – lê-se isso nos olhos de Lee Van Cleef. A cena de Clint Eastwood e Cleef atirando em seus chapéus, dois raios no gatilho, para provar suas miras é emblemática: um sobrevivente avisando ao outro para não traí-lo em sua parceria desconfiada, só pra chegarem mais rápido na recompensa de ambos, no violento Índio, vilão sem limites cujo desejo repousa no banco de El Paso, e que o grande ator Gian Maria Volonté tratou de tornar inesquecível. Agora, o vilão e o parceiro de Gringo ganham pretérito e propósito para distinguir suas condutas em sentido imediato perante Gringo, caçador de recompensas que a morte parece não querer cruzar seu caminho. Num trote infinito de causas e consequências, um mural de esporas e verdadeiros centauros consagra um gênero como Cinema quente e abafado de primeira qualidade. Leone agora é mais dono de si, dono de suas marcas registradas. Por Uns Dólares a Mais carrega consigo uma propriedade mais refinada para representar sozinho, se for preciso, o trio que faz parte, lapida o que deu errado antes e o que dará certo mais tarde, e concede honra ao fazê-lo.

    Três Homens Em Conflito

    É o ponto máximo, é o épico que toda trilogia com começo, meio e fim tenta ter, mas poucas conseguem – todos sabemos bem disso. Leone não só atingiu a veia suprema na exploração de temas e recursos de sua trilogia, como maximizou seu legado sem precedentes em Era Uma Vez no Oeste, de 1968, um colosso incorruptível diante dos arquétipos da mise en-scène contemporânea. Il Buono, il Brutto, il Cattivo (porque no idioma original é sempre melhor) é tudo que o cinema permite, é um abuso positivo das quatro extremidades de uma tela de cinema em prol de uma história longa, 161 minutos cabíveis ao sentido de epicidade que Leone não abriu mão de conjurar. É difícil imaginar outros atores melhores: Eastwood, Van Leef e o extraordinário Eli Wallach – recém falecido, o eterno Tuco – são o ménage à trois, o real cenário pulsante e vivo de uma teia de fetiches ordinários, descompromissados, contudo cercados numa abordagem cirúrgica aos rumos que um dos maiores expoentes do western mundial ao longo dos anos tomou, aos poucos, sem pressa, até um clímax/aula de edição cinematográfica muito além do deserto de Almería, no nordeste de Madri (Espanha), que serviu de cenário a Por um Punhado de Dóles, e antes a O Xerife de Queixo Quebrado (1958), um spaghetti western britânico.

    Três Homens em Conflito é um marco histórico a ser celebrado ao mostrar (e definir, para muitos) o Velho Oeste de forma mais realista que John Ford ou Howard Hawks mostraram, para efeito de comparação, é claro. No encerramento da trilogia, Leone deixa a ambição subir à cabeça mas sabe como a usar em benefício próprio; chave difícil de se encontrar. O filme persegue suas personas, seus protagonistas, em três histórias que não evitam de se chocar de uma forma para a qual, hoje em dia, quase não se abre exceção. E sobretudo, se num mundo onde um homem vale o quanto mata e a mulher o quanto vê e silencia, muito da experiência irresistível se deve à alegoria sonora, a inconfundível música composta por um dos maestros seminais da trilha sonora fílmica, o veterano que em 2012 fez ingresso aos domínios de Quentin Tarantino – e desaprovou – com Django Livre, uma homenagem aos moldes de um tarado por Leone.

    Ennio Morricone, de timbres seletos e cada vez mais diversos no uso de instrumentos inusitados, tão inusitados quanto o espírito irreverente que se sente na tela, cria um bálsamo sonoro presente em 90 porcento do tempo, com aperitivos presentes neste artigo. Sua melodia, sensibilidade à flor da pele, embala e aprofunda um universo ao constituir aspectos subjetivos que nenhum diálogo e nem ação poderiam alcançar senão com a música. A digressão dos momentos não teriam a mesma emoção sem a fórmula sensorial desenvolvida por poucas e tão eficientes intervenções musicais. Morricone cria sublimes concertos e faz a poeira testemunhada ter gosto e cheiro, maturidade que num cenário merece tamanha identidade acústica. Numa trilogia que faz permanecer sua qualidade técnica até o fim como forma de personalidade linear, a música só é cortada pelos tiros que falam mais alto que qualquer coisa, afinal, señor, isso ainda é um bang bang. †

  • Crítica | Dívida de Honra

    Crítica | Dívida de Honra

    Divida de Honra 1

    O revisionismo é um artifício comum no cenário cinematográfico, uma vez que os temas tendem a se esgotar dentro dos formatos e categorias de gênero. Dívida de Honra é acima de tudo uma reinvenção, tanto da carreira de seu diretor Tommy Lee Jones, com poucas realizações, apesar de ser um veterano com quase 50 anos de sétima arte, quanto na escolha e construção do ethos de seus protagonistas.

    Marie Bee Cuddy (Hilary Swank) é uma mulher resignada, cuja existência é pautada essencialmente emsua origem do Nebraska, fazendo dela uma pária em meio a um conservador e recrudescente Texas, que se torna ainda mais conservador e assustador para uma mulher sem marido. A pequena comunidade, composta por menos de uma dezena de chefes de família, se preocupa com sua subsistência, ante a escassez de bens básicos, inclusive alimentos, que rareavam graças à intensa seca, agravada pela permanência de três damas com problemas que as impedem de viver plenamente. Cuddy se oferece para uma jornada em busca de mantimentos em outras paragens, já que os poucos homens que restam na aldeia recusam o chamado aventuresco.

    Jones é o autêntico filho de sua terra: seu cinema quase sempre abarca o estado em que nasceu, como foi com Três Enterros e Os Bons e Velhos Companheiros, e com o remake ainda em pré-produção The Cowboys. Ainda assim, Dívida de Honra promete reavivar a chama de Era Uma Vez no Oeste – com uma Claudia Cardinale que se vale mais da força bruta do que de seu corpo voluptuoso –, além de apresentar um forte código ético, capaz de produzir mudanças em seres decadentes, como é o caso de George Briggs, um maltrapilho condenado à morte e à própria sorte, quase enforcado em árvores de galhos secos, no meio do nada.

    O personagem de Tommy Lee Jones é um anti-herói, mesclado ao arquétipo de herói falido. Sua honra é tão baixa que a submissão a um desígnio com poucas chances de dar certo não é sequer discutida. A repaginação de persona chega a ter uma comicidade, com a reversão da figura de homem forte, pondo toda a sua história como ator em pauta. Logo, Cuddy enxerga na fuga das três mulheres a melhor possibilidade para elas e para a aldeia, decidindo então cruzar o país entre os gemidos de suas comadres e o crescente temor de tornar-se semelhante a elas.

    A jornada segue invertendo as figuras de temor, substituindo a figura de fragilidade e inimizade dos índios nativos americanos, transformando-os em figuras ameaçadoras, diante da carência de chumbo, para revidar possíveis ataques. Mas o fôlego do filme se perde após a primeira hora de exibição, apesar do bom começo. A metade final reforça a carência e destempero da personagem principal, que em hora alguma se prova forte ou minimamente interessante, o que obviamente dificulta qualquer sentimento empático, facilitando a mudança de foco que ocorre na parte final da película.

    O forçado enlace entre a dupla de personagens centrais ocorre de modo tão engessado e robótico quanto a interação lasciva entre eles. A despeito da bela fotografia, direção de arte e de algumas boas cenas, especialmente as que retratam a desforra do homem forçadamente desonrado, quase não há momentos em que o espectador sinta-se compelido a importar-se com a história, mesmo contando as reviravoltas do roteiro que, em suma, revelam a necessidade de Jones de tornar-se protagonista da história que conta.

    O agridoce epílogo repete a vã tentativa de salvar Dívida de Honra da banalidade, mostrando o personagem sem passado, cuja única certeza é o fato de ter cometido um crime, tentando festejar e achar algum alento à sua miserável existência, que só teve algum momento de honradez ao final de sua jornada. O esforço não salvaguarda nada, nem faz a qualidade da fita subir. A dificuldade de Tommy Lee Jones em imprimir um ritmo interessante ao seu filme agrava o conceito em relação a sua direção, fazendo com que se pareça inapto no ofício, já que nem o interesse por parte dos fãs de western ele parece ter conquistado.

  • Crítica | Onde os Fracos Não Têm Vez

    Crítica | Onde os Fracos Não Têm Vez

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    Onde os Fracos Não Têm Vez, ganhador de 4 Oscars e já cultuado filme dos irmãos Coen, ganhou tantas críticas e interpretações que soa difícil analisa-lo depois de tantos anos de seu lançamento. Mas sua qualidade é tão grande que, igual ocorre com todo grande filme, ele será sempre revisitado, pois enquanto a sociedade muda, e com ela as percepções das pessoas sobre ela e si próprios, novas camadas sobre ele vão sendo descobertas.

    O filme é uma adaptação do livro de Cormac McCarthy, e se passa no ambiente já conhecido e preferido dos Coen, o sul dos EUA e suas características, que compõem um personagem a parte. Em 1980, com o crescimento do tráfico de drogas na fronteira com o México e também o crescimento da violência urbana e da degradação social e moral que o mundo começou a ver com maior frequência, Llewelyn Moss (Josh Brolin) encontra uma mala com dois milhões de dólares em meio a cadáveres de traficantes. Enquanto isso, Anton Chigurh (Javier Bardem) é colocado em seu encalço para tentar recuperar o dinheiro, deixando uma trilha de corpos e destruição pelo caminho. Seguindo essa trilha está o xerife quase aposentado Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones), que cada vez mais fica surpreso e desiludido com a brutal realidade desse mundo novo, até então praticamente desconhecido para ele.

    O sotaque sulista, característica marcante do cinema dos Coen, soa como música aos ouvidos, onde cada palavra é pronunciada de forma elegante, e as frases montadas com uma certa erudição e um toque leve de comédia garantem uma diversão a parte e um deleite ao espectador atento. Porém, ao contrário das outras produções como E aí meu irmão, cadê você?, dessa vez a música não ganha o destaque principal, e é substituída por sons diegéticos que contribuem para o suspense das cenas de perseguição entre os personagens.

    O trio de personagens principais forma uma síntese da sociedade. Moss representa o selvagem do oeste clássico lutando pela sobrevivência. Chigurh representa a pura maldade e a psicopatia quase inexplicável que vemos ser cada vez mais comum, enquanto Ed Tom é o homem bom, civilizado, que luta para se manter equilibrado em meio ao turbilhão de eventos que está fora de seu controle, e que só resta a ele assistir a tudo impassível.

    A composição de Bardem em seu personagem merece um destaque a parte, pois desde o início somos apresentados a ele de forma crua e direta, sem origem e sem explicação, pois ele não necessita disso. Sua expressão corporal, rosto imóvel e olhar frio conseguem gelar qualquer ser humano ao menor contato, e a cena onde ele, algemado, mata um policial, com um close em seu rosto transfigurado pelo seu ódio impessoal, já diz tudo o que precisamos saber sobre sua violência. Porém, como é lembrado várias vezes durante o filme, Chigurh também parece operar sob um código próprio, distorcido de acordo com sua distorcida visão da sociedade. Quando ele é incomodado por uma simples pergunta de um dono de posto de gasolina a ponto de jogar uma moeda para decidir a sua vida, conseguimos acompanhar a crescente tensão da cena ao mesmo tempo que incomodamente conseguimos entender parte do funcionamento doentio de sua lógica.

    Enquanto avança o jogo de gato e rato entre Moss e Chigurh, fica cada vez mais claro que o primeiro não terá muitas chances contra o segundo. Tampouco conseguimos ter esperanças que Ed Tom conseguirá pegar algum dos dois. Dessa forma, o filme em seu ato final abdica de contar a história de perseguição e passa a refletir sobre o papel de cada um desses homens dentro da sociedade contra seus males, e mesmo a origem desses males. Ed Tom conversa com seu antigo parceiro, que sabiamente diz que nada daquilo é pessoal. Achar que o mundo está pior para nos punir por algo é pura vaidade. A complexidade das relações sociais que leva a isso vai além da cor de cabelo ou piercings, como outro personagem afirma, da forma que todos estamos habituados a ouvir.

    O espetáculo visual proporcionado pelos Coen garante um realismo e uma solidez aos ambientes dos personagens. A sisudez de ambos nos incomoda, ao mesmo tempo em que nos deixa com os olhos grudados na tela, querendo saber mais sobre aquele mundo, cujas portas sabemos que deveriam permanecer fechadas. Onde os Fracos Não Têm Vez mergulha no profundo abismo que a humanidade possui, e retorna de lá com essa mensagem incômoda e complexa de entender. Cabe a nós tirarmos conclusões sobre esse abismo e o seu reflexo em cada um de nós, ao mesmo tempo em que nos digladiamos para manter a nossa humanidade frente a tamanha escuridão.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | Meu Nome é Ninguém

    Crítica | Meu Nome é Ninguém

    meu nome e ninguem

    Baseado numa ideia de Sergio Leone – e esta é a única prerrogativa a ele alcunhada nos créditos – Meu Nome é Ninguém chegaria aos cinemas em 1973, sobre a régia de Tonino Valleri, de O Dia da Ira, e protagonizado pelo amigo da família e bom moço – já não tão moço – Henry Fonda e o herói cômico Terence Hill, famoso por seu cowboy Trinity, até por esse arquétipo há uma expectativa em relação à história que será contada.

    Nobody – Hill – é um sujeito maltrapilho, rápido no gatilho e que passa a seguir Jack Beauregard – Fonda – seu herói de infância, que oscila entre a figura do paladino e a do assassino a sangue frio com uma facilidade mórbida.

    Mas o tom de comédia é o que prevalece. Terence Hill é muito carismático e tem uma veia cômica muito eficiente, mas esse estilo cabe mais nos produtos de Trinity e Bambino. O filme fica cansativo e enfadonho, especialmente no meio da fita. A trilha de Ennio Morricone é boa, mas ajuda a forçar ainda mais o tom humorístico. É um western leve, quase não há sangue, a temática é até infantilizada, como um filme de super-herói no ambiente árido do oeste americano. O excesso de piadas empobrece o roteiro, mas não faz dele algo reprovável.

    Os indícios e pistas dados no começo aos poucos se desenrolam, formando a emboscada de Nobody como um mosaico somente para mostrar qual o intuito do bem-feitor desconhecido. A referência a Sam Peckinpah prenuncia o epílogo, e é claro, explana a larga influência dele nos realizadores italianos. A despedida de Sergio Leone do gênero é com uma temática bem diferente do habitual, a não ser pelas últimas cenas.

    Nobody quis libertar Jack de um desfecho anônimo para o seu destino, e deu fim à sua existência humana para torná-lo uma lenda. O discurso do “morto” evidencia o rompimento como uma época romântica, a do faroeste clássico, e a abertura para uma exploração menos idealizada do Oeste Selvagem, como era retratado no Western Spaghetti e sobretudo na filmografia de Leone, que por sua vez dá lugar a uma forma de crime mais organizado. O final maravilhoso tem um tom de profecia, como um axioma do que aconteceu após a queda de popularidade do gênero e consequente substituição do tema por ternos de risca de giz, o cinema acompanhou a realidade e mudou o foco de sua criminalidade, retratando-a de forma mais ostentosa, honrada e sofisticada. O roteiro nesse ponto é tocante e de uma sensibilidade única.

  • Crítica | Era Uma Vez no Oeste

    Crítica | Era Uma Vez no Oeste

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    Sergio Leone já era considerado um dos maiores gênios do gênero ao resgatar os faroestes como grandes filmes e não mero entretenimento, tudo isso graças aos excelentes Por um Punhado de Dólares e suas continuações, ele agora queria trilhar novos horizontes, mas por uma imposição da Paramount, que só arcaria com os custos de seu novo filme caso ele fizesse mais um Western e graças a essa imposição, Leone traz ao público um faroeste muito diferente de tudo o que já havia feito até então e se reinventa com Era uma Vez no Oeste.

    Cheio de conceitos e cenas brilhantes como o próprio início do filme, onde em plena tarde, sob um sol escaldante, três homens armados chegam a estação de trem, aparentemente, não querem viajar, apenas aguardam algo. E como aguardam. Com enquadramentos belíssimos, que remetem ao mais puro tédio, Leone amplifica o som de uma goteira onde estava um dos homens que esperava, enquanto o outro é incomodado por uma mosca persistente e irritante. Todo o som é voltado para essas pequenas coisas, tornando-as mais irritantes do que já são, tudo isso somado ao excelente trabalho de câmeras de Leone, transforma a cena uma das mais antológicas do cinema.

    Finalmente surge o que esperavam, o trem, mas o que querem ali? Os três homens procuram por alguém, de arma em punho, pistolas engatilhadas, mas nada encontram. O apito do trem soa novamente, sinalizando sua saída e começa a andar. Os três homens não encontram o que queriam e dão as costas, eis que ouve-se o som de uma gaita e todos viram bruscamente em direção ao trilho e se deparam com um homem com uma gaita em suas mãos. Corte.

    Toda a cena inicial descrita acima, não tem um diálogo sequer, apenas o poder da imagem, e Leone usa isso como ninguém durante todo o filme. Mostrando um estilo muito diferente da clássica trilogia dos dólares que o havia consagrado, o Diretor se reúne com Sergio Donati, Bernardo Bertolucci e Dario Argento para escrever o roteiro de um Western diferente de tudo que já havia sido feito. Se engana aquele que julga Era uma Vez no Oeste como um mero “bang bang”, pois ele está muito mais para um drama ambientado no velho oeste. O Roteiro é profundo, não deixa espaço para canastrices, como era comum nos filmes com o Clint Eastwood, talvez por isso, a escolha de Charles Bronson é tão acertada, o personagem dele é frio, calado e impõe sua vontade à força quando se faz necessário.

    A motivação de seu personagem é um mistério até o final da sequência, vamos apenas nos deliciando com seu desejo de vingança cena-a-cena. O antagonista interpretado por ninguém menos que Henry Fonda é mais um entre tantos pontos acertados. Fonda foi imortalizado pela suas interpretações de bom moço, e aqui temos ele como o vilão sujo e implacável da história. Há de se ressaltar as brilhantes interpretações de Claudia Cardinale, faz o papel de uma ex-prostituta que acaba de chegar na cidade para se casar com um fazendeiro víuvo e pai de três crianças, álias, o que é a primeira cena dela, onde temos a personagem descendo do trem e Leone com o plano fechado nela, seguindo seus passos para de repente se afastar e abrir o plano bem ao alto, para vermos toda a grandiosidade do cenário. A personagem de Cardinale, Jill, tem papel fundamental na trama e isso é muito importante para entender a evolução do Cinema de Leone, que nunca havia dado nenhum papel importante para mulheres. O outro personagem que merece ser comentado é Cheyenne, interpretado por Jason Robards, este é o personagem que faz contraponto ao jeitão sisudo de Bronson, e consegue tirar um pouco o peso dramático, remetendo ao velho estilo de faroeste que todos estavam acostumados. O fato é que Cheyenne é um dos melhores personagens do filme.

    O filme cria tensão a cada cena, tudo em ritmo bem calculado. Leone buscou um sentido para cada cena que captava, o close nos olhos de Bronson e Fonda no duelo final é um bom exemplo disso. Outro ponto que merece ser comentado é a trilha sonora composto por Ennio Morricone, ou mesmo a ausência desta e a maximização dos sons naturais, como o vento, ou mesmo a goteira e a mosca, já comentados anteriormente, e é claro, a gaita de Charles Bronson, que se tornou até o nome do personagem “O Gaita”. Sem dúvida, o melhor trabalho de Morricone até então.

    Era uma Vez no Oeste é uma obra de arte dos cinemas. Obrigatório não só para os apaixonados por western, Sergio Leone ou os atores citados, mas sim para todos os amantes de cinema.