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  • Crítica | A Proposta (2005)

    Crítica | A Proposta (2005)

    A Proposta 1

    A implacável ira do cenário desértico do Oeste Americano pré-século XIX é exibida antes mesmo do início das cenas, com uma abertura levada por uma música doce, exibindo fotos de cemitérios e de outros massacres que ocorrem naquela terra. O intenso tiroteio envolvendo os personagens Charles Burn (Guy Pearce) e seu irmão, Mike (Richard Wilson), ambienta o espectador na espiral de morte em que entrará por mais de cem minutos, no mundo particular que John Hillcoat costuma exibir em sua filmografia.

    Capturados pelo Capitão Stanley (Ray Winstone), os dois foras da lei olham ao redor, vendo cada um dos que os acompanhavam, mortos. Charles, o mais maduro e talhado para a vida, recebe então uma proposta que traria a redenção a ele e ao caçula, mas que o atingiria em cheio no coração. A alternativa pesada assemelha-se mais a uma sentença de se colocar em desgraça perante os seus, com a incumbência de assassinar o mais velho dos irmãos Burns, principal responsável por um massacre no passado.

    A sujeira presente nos dentes e no suor da têmpora dos personagens faz A Proposta se diferenciar dos westerns clássicos de John Ford & Wayne, passando um pouco pelo cinismo da trilogia dos dólares de Sergio Leone com a mesma alma encruada e mal cheirosa de Os Imperdoáveis, sobretudo nos personagens periféricos, como o beberrão Jellon Lamb (John Hurt), decadente em essência e caráter, amoral como todo o background dos anti-heróis do faroeste.

    Após alucinações, provenientes do torpor do veneno que faz Charles quase ir para o outro mundo, o personagem finalmente encontra o primogênito dos Burns, interpretado por um diferenciado Jack Huston, de cabelos longos e aparência tão surrada e mal cuidada quanto a dos outros membros do clã. A miséria é comum tanto a suas posses materiais quanto no comportamento de sua alma, mas não há qualquer capacidade mútua de fazer mal aos membros da família.

    O desprezo pelas leis se reflete também no comportamento errático de Arthur com os seus. Mesmo que suas intenções sejam boas para com seus semelhantes, falta ação e atitudes mais sinceras, o que faz Charlie balançar, não o bastante para ceder à proposta de fácil execução. Ele precisa ainda experimentar o pior de seu irmão ao vê-lo cometendo um ato imperdoável, tanto de negligência dos seus quanto de crueldade de espírito.

    Seu inimigos se postam em uma mesa figurativa à sua frente, como no conto bíblico que pede que se prepare um jantar diante de seus adversários, e o principal fator aviltante a ele é a intimidade com os que lhe impingem mal. Curiosa é a base do roteiro de Nick Cave, que usa as tragédias gregas de Sófocles como inspiração para os conflitos, algo semelhante ao que faziam os realizadores de western spaghetti com os filmes de samurai de Akira Kurosawa. A profundidade do texto está nas sutilezas que apresentam uma resistência interessante, mesmo diante de toda a violência que a fita apresenta. A forma não substitui o conteúdo, pelo contrário, fortalece o argumento repleto de viradas, dualidades e podridões de espírito.

  • Crítica | A Teoria de Tudo

    Crítica | A Teoria de Tudo

    A Teoria de Tudo - Poster brasileiro

    O século XX, mesmo sendo considerado um dos períodos mais sangrentos da história da humanidade, deixou heranças culturais sólidas em nossa cultura, e a popularização da ciência e do discurso científico foi uma delas. Einstein é mais conhecido por suas frases a respeito da moralidade da humanidade e por sua oposição à violência do que por sua obra na física. Depois dele, o grande divulgador da ciência (e polemista nato) é o astrofísico britânico Stephen Hawking, que, além de ter mudado os rumos da física moderna, é portador de uma doença séria chamada esclerose lateral amiotrófica (ELA), que o impossibilita de se movimentar, tornando sua figura ainda mais interessante aos olhos do mundo.

    Sua ex-esposa, Jane Hawking, publicou em 2008 o livro A Teoria de Tudo – A Extraordinária História de Jane e Stephen Hawkin contando a experiência de ter sido casada durante tantos anos com o físico. Em 2014, o diretor James Marsh e o roteirista Anthony McCarten trazem essa interessante história aos cinemas com A Teoria de Tudo, tendo o excelente Eddie Redmayne no papel de Hawking, e Felicity Jones como sua esposa.

    Por não se tratar de um filme biográfico sobre a vida e obra do cientista, a história começa com Hawking já na faculdade, buscando um tema para seu doutorado. O jovem, então, começa a perceber que algo está estranho com seus movimentos musculares, ao mesmo tempo que lida com colegas, professores e conhece a jovem estudante de línguas Jane. Após pouco tempo, quando ambos já estavam em um relacionamento, ele sofre um tombo do qual não consegue se levantar. Levado ao hospital e diagnosticado com a grave doença, recebe uma estimativa de vida de dois anos. Por isso, tenta afastar Jane, que reluta e decide manter-se ao lado do físico teórico, o que se manterá por 26 anos e três filhos.

    Retratando fielmente a perseverança do britânico, o filme mostra o passo a passo de sua degeneração física em contraponto a sua ascensão meteórica como astrofísico, desafiando todas as convenções da academia impostas até então, como, por exemplo, sua ideia a respeito dos buracos negros (que ele iria alterar posteriormente) e conceitos sobre a expansão do universo. O filme também aborda, de maneira mais leve, a postura que possui em relação a religião e à crença em deus. Apesar de se declarar publicamente ateu, o filme evita escancarar tais posições e mostra a vida de Stephen Hawking, de jovem cientista arrogante a um idoso cientista que “prevê a possibilidade de deus”, sendo que isso está longe da realidade. O que faz é brincar com as palavras e as convenções das pessoas usando seu famoso senso de humor, e essa fina ironia o filme não consegue captar nesse aspecto.

    Porém, a relação entre ele e sua esposa Jane possui momentos belos e profundos. Jane se doa à família, e deixa sua própria vida de lado. Mesmo quando tenta retomar seus estudos, o pesado cotidiano a impede de prosseguir com isso. A sombra de Hawking é muito grande, e sua teimosia em aceitar ajuda profissional reforça sua visão tradicionalista, beirando o machismo. Porém, tudo muda quando Jane conhece o professor de música de uma igreja local Jonathan H. Jones (Charlie Cox), que logo passa a morar com o casal, suscitando vários boatos de que ele e Jane eram amantes, o que o filme em momento algum aborda diretamente, apesar de ser fato conhecido por todos.

    A relação apaixonada e conturbada de Jane e o marido também é mostrada de forma interessante. Com empenho no começo e depois passando por problemas, como quando Jane explica a Jonathan um resumo das ideias de Stephen (sobre como ele queria uma teoria que explicasse todo o funcionamento do universo, desde as grandes massas até as pequenas partículas) de forma passivo-agressiva, tentando conter ao máximo a frustração de sua própria vida sendo contida ali dentro daquele universo.

    Porém, após uma complicação em uma viagem, Hawking é submetido a uma traqueostomia e perde a habilidade de falar para sempre, o que causa também o afastamento de Jonathan da família. É nesse momento que o físico teórico recebe o sintetizador de voz, que hoje é uma de suas maiores características.

    O peso de cada uma das dificuldades que Hawking precisou passar é enorme. Superar o diagnóstico, a expectativa de vida, o uso da cadeira de rodas e depois o sintetizador seriam brutais para qualquer pessoa. Porém, ele consegue continuar avançando e produzindo. De onde ele tira essa força é um mistério para todos nós, e o filme falha em problematizar justamente esse lado. O cosmólogo britânico sempre foi contrário à eutanásia (apesar de recentemente ter mudado de opinião) e nunca se apoiou em nenhuma religião para obter conforto ou uma fuga da realidade. Sua mente genial está para sempre aprisionada nesse corpo, e raras vezes o filme parece questionar como foi passar por tudo isso. Em sua família, conseguimos sentir esse peso, mas não nele.

    A ciência também vai, conforme o filme avança, perdendo importância na narrativa. Cada vez menos as universidades e professores aparecem, tornando a história cada vez mais pessoal e intimista, o que por sua vez dificulta um pouco a compreensão do espectador a respeito da forma com a qual Hawking se tornou conhecido realmente. O caminho é corrigido subitamente quando aborda a publicação de seu primeiro livro, Uma Breve História do Tempo, em que ele tenta explicar um assunto complicado e “chato” para o leitor comum, e com isso vende milhões de cópias por todo o mundo, saindo de vez das revistas científicas e indo parar nos jornais e tabloides. O tempo sempre foi sua grande paixão. E compreendê-lo por completo, seu maior desafio.

    A vantagem de A Teoria de Tudo é sua honestidade. Não se propõe a decifrar por completo a figura do cientista ou de sua esposa, e sim os frutos de sua interação por todos os anos de casamento, e como um impactou a vida do outro na intimidade. Apesar de flertar com momentos um pouco clichês em cenas românticas, mostrar epifanias criativas em momentos aleatórios e expor discursos de autoajuda em palestras que mais parecem motivacionais do que científicas, consegue jogar luz dentro deste personagem tão fascinante. Vale a assistida, mas consciente de suas limitações, como qualquer biografia.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Crítica | A Menina Que Roubava Livros

    Crítica | A Menina Que Roubava Livros

    the book thief - movie poster

    O livro de Markus Zusak, em que se baseia o filme, é muito, muito bom. É um daqueles que dá vontade de reler. Seu grande trunfo é ser narrado pela própria morte, o que confere à trama um ponto de vista único, incomum. Além do narrador, o mais interessante do livro é o contraponto entre o encantamento de Liesel pela leitura e suas experiências com a morte. Há nele um quê de Fahrenheit 451 e de Preciosa, ao focar no poder transformador, libertador, redentor da leitura e da escrita. Contudo, devido a um roteiro que se preocupou apenas em pinçar os eventos – mas não as reflexões – que ocorrem no livro, esse enfoque se perdeu totalmente. E o filme se tornou apenas mais um (melo)drama de guerra. Uma pena. E mesmo o ato de “roubar livros” é vazio de significado, já que pouco se explora a motivação das personagens, tampouco a evolução do relacionamento entre elas – a ladra, Liesel, e a proprietária dos livros, Ilsa Hermann.

    A direção é bastante burocrática, com poucos arroubos e nenhuma inovação. A falta de criatividade confirma-se na previsibilidade do desfecho de algumas cenas, mesmo para os que não leram o livro. E, apesar de o ritmo ser arrastado, o final é abrupto. Como se, de repente, o diretor se desse conta de que não tinha mais tempo e precisava concluir tudo em menos de 10 minutos. O que, obviamente, acaba deixando o espectador com a impressão de que perdeu um trecho da história.

    Do elenco, vale destacar a atriz Emily Watson como Rosa Hubermann, mãe de Liesel. Apesar de sua performance não ter grandes momentos, é, sem dúvida, a personagem com o arco dramático melhor escrito e desenvolvido. Geoffrey Rush – Hans Hubermann – como sempre não decepciona e consegue uma boa interação com Sophie Nélisse – Liesel.

    É um detalhe, mas incomoda bastante se o espectador começar a reparar: o sotaque alemão dos personagens, que vai e vem indiscriminadamente. Todo mundo já está habituado a assistir filmes ambientados em países “não-ingleses” e falados em inglês. Ninguém mais questiona por que em Os Homens Que Não Amavam As Mulheres, que se passa na Suécia, todos falam inglês. Tarantino, em Bastardos Inglórios, optou por colocar os personagens falando em seu idioma nativo. São duas boas opções amplamente aceitas pelo público. Então, por que optar por utilizar um sotaque alemão? E por que abrir mão disso temporariamente e colocar o prefeito da cidade discursando em alemão?

    Mais uma adaptação de livro que decepcionou. Como filme “independente” é apenas mediano – a melhor nota seria 2,5. Como adaptação fica bem aquém das expectativas dos leitores. Quem não leu o livro, talvez aprecie um pouco mais.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.