Tag: Sergio Leone

  • Crítica | Três Homens em Conflito

    Crítica | Três Homens em Conflito

    Inúmeros fatores atemporais tornam uma grande obra, na melhor obra da carreira de um grande e marcante artista. No caso de Oscar Niemeyer, por exemplo, o sinônimo de arquitetura moderna do Brasil e laureado, em 1988, por um Pritzker, considerado o Nobel da arquitetura, a construção dos edifícios governamentais de Brasília ainda são consideradas sua obra máxima, devido à importância para com o contexto político brasileiro; já no caso de Leonardo da Vinci, os mistérios envolvendo absolutamente tudo em torno da sua Monalisa a consagram como a magnum opus inigualável do pintor, façanha intocável feito as sinfonias de Ludwig van Beethoven, os livros de Machado de Assis, as peças de William Shakespeare, e assim por diante.

    Contudo, adentrando finalmente nos assuntos que nos interessam, e na sétima-arte que os abriga e os ilumina ao longo das décadas que vieram, e dos séculos por vir, poucos(as) cineastas podem se dar ao luxo de terem um currículo invejável a ponto de ser um desafio crítico a escolha de seu principal triunfo. Vejamos alguns, saltando na memória: Charles Chaplin, Kenji Mizoguchi, John Ford, Stanley Kubrick, Jean Renoir, Alfred Hitchcock… e nosso amigo, Sergio Leone.

    Muito se discute de qual seria sua pérola suprema, e para qual são discutidos (eternamente) os mesmos fatores de sempre: Estilo, história, sofisticação, etc. Na verdade, cinéfilos se dividem entre três exemplares do seu mais do que rico portfólio: Era Uma Vez no Oeste, Era Uma Vez na América e Três Homens em Conflito. Seria então este último, por ser o mais famoso dos três, o pináculo da visão Leônica de Cinema, já que apresenta bem mais reconhecimento popular do que os outros, já citados?

    Há de se admitir aqui o início do projeto de mistificação moderna do faroeste, a partir de agora completamente livre das regras do passado. Um projeto ambicioso e extremamente presente na última história de Clint Eastwood como o homem sem nome. Depois de Três Homens em Conflito e Era Uma Vez no Oeste, a cartilha formal e quadrada de John Ford e Howard Hawks seria seguida apenas pelos cineastas mais tradicionais, que não se deixavam seduzir pelas experimentações cada vez mais bem-sucedidas de Leone, Sergio Corbucci e companhia Após a trilogia dos dólares, novas e divertidas possibilidades estilísticas surgiram junto e oriundas desse marco triplo do bang-bang, e, novamente, muito além do gênero que emula como pouquíssimos filmes se atreveram a conseguir.

    No comando de um tour de force inesquecível (e atrevido), nas três horas de uma projeção incansável, Leone não teria mais nada a provar depois de 1966 – senão sua falta de ousadia em projetos futuros. Afinal, é inconcebível drenar do histórico cinemático de cada um de nós as lembranças de cenas como o mítico duelo entre os três principais pistoleiros em um cemitério (o bom, o mal e o feio), tudo por causa dos malditos dólares de sempre, é óbvio (honra e paraíso são conceitos tardios demais para aquelas almas do deserto que parecem ter sido extraídas dali mesmo, sujas e cansadas de viver, mas ainda inimigas da morte; arquétipos desenterrados pela câmera e a montagem soberba do seu criador).

    Fato é que há pouco a se falar sobre este filme que ainda não foi elucubrado, justamente por ser uma das grandes referências de Cinema com C maiúsculo para muita gente. Mas há sempre algo de novo para descobrir ao assisti-lo – e se o “novo” for difícil de teorizar, de colocar em palavras ou até mesmo de se refletir sobre, é essa novidade percebida que não poderia ser mais nobre e ambicionada por parte de nós, meros espectadores. É logo abaixo do encanto dessa síndrome de Deus que todo cineasta carrega, logo abaixo também dessa apoteose de elementos próprios tão irônicos e apaixonantes, que o mundo de Leone se espalha sem medo no tempo e nos nossos corações, não podendo ser mais preciso nos seus efeitos sobre tudo aquilo que convém as intenções de um artista tão completo, quanto Leone nos é, hoje e sempre.

    Dono das suas histórias, da sua assinatura, independente até o fim, e fiel à sua realidade aonde, através das aventuras de suas personagens deliciosamente amorais, banhadas pelas trilhas de Ennio Morricone e um sol desértico tão acachapante quanto, talvez seja na exploração dela em Três Homens em Conflito que se explica, no caso de Leone, o que faz este filme ser, talvez, sua chegada tão sonhada ao Eldorado: O poder da direção no Cinema, tão explícito e forte como se manifesta aqui. Em cada frame, em cada uma das sequências clássicas.

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  • Crítica | Por Uns Dólares a Mais

    Crítica | Por Uns Dólares a Mais

    Por Uns Dólares a Mais foi Sergio Leone mostrando um pouco mais de sua ambição, e os fundamentos justificáveis a tanto. Ainda sob o pretexto dos homens sem passado, e muito provavelmente tidos como sem futuro, sendo arquétipos de uma masculinidade agressiva em uma terra sem-dono e sem-lei, a história agora gira em torno de dois homens, dois caçadores de recompensa e seus cavalos cujo alvo é um dos grandes vilões do faroeste, o cruel e implacável Índio. Aliás, Leone arriscou ter um assumido vilão numa filmografia de estereótipos constantemente superados por personagens nem bons, nem maus, apenas sobreviventes de uma realidade árida em todos os sentidos.

    Por ser o filme do meio da famosa trilogia dos dólares, reverenciada por tantos cineastas e outros entusiastas críticos mundo afora, o filme de 1965 tinha a responsabilidade de expandir e solidificar da melhor forma possível aquele mundo de bang bang, já tão Leônico, com assinaturas reconhecíveis do mestre (elementos de set, diálogos, paleta de cores, efeitos sonoros, trilha sonora de Ennio Morricone, até mesmo ângulos de câmera típicos do mestre, como hiper closes e zoom chicote), aqui mais bem desenvolvidas que no primeiro exercício cinematográfico de antes. Pois, se Por um Punhado de Dólares ainda detinha uma aparência e uma vibe ainda experimentais não apenas em sua estética inconfundível, mas na sua premissa e construção de mundo, sua continuação é mais divertida, mais bem resolvida em si, e produzida com primor e consciência superiores por parte de Leone do material riquíssimo que tinha em mãos, tratado com exímia classe na ação.

    Uma ação que nos arrebata a cada sequência. De um trabalho para o outro, com apenas um ano de maturidade artística separando-os, o filme ainda carrega consigo a responsabilidade de entreter e provocar reflexão a partir de sua potência estilística, ou seja de sua carga estética e imagética, mas com uma sofisticação notável e cada vez mais forte na abordagem dos temas que movem a trama. O fato torna-se absolutamente claro numa ótima sequência, motivada por grana e por orgulho, onde o pistoleiro Blonde (Clint Eastwood) mostra-se mais rápido que o fantástico ator Lee Van Cleef atirando no seu chapéu, mas é Cleef que mostra-se mais preciso fazendo o chapéu de cowboy do outro virar uma peneira de pano. A forma como o breve e hilário duelo de habilidades é filmada é formidável, usando sem abusar de um domínio elegante na mise em-scène que Leone ainda não havia demonstrado em outros pequenos grandes momentos da sua carreira.

    A aposta no poder do visual, puramente falando, é acentuada aqui e nos torna refém do bom gosto talhado em tela. Noutra sequência que deve ter destaque sobre o assunto do apuramento visual presente no decorrer da fita, também se baseando na ausência de diálogos, menos famosa mas tão icônica quanto a outra, Blonde chega numa vila e demonstra sua precisão no gatilho ajudando um garoto a pegar frutos de uma árvore ao atirar neles, e derrubando-os. Nisso, atrás dele, o personagem de Cleef também resolve demonstrar ser um oponente (ou amigo) a altura do primeiro, e derruba alguns limões da mesma árvore frondosa. Eles se olham, e um percebe do que o outro é capaz, algo imprescindível para as situações de conflito e competitividade que melhor retratam a trilogia, em questão (ela merece o nome que tem). Uma das inúmeras piadas visuais do filme.

    Aqui, Leone ainda não se levava tão a sério como se levaria, adiante, talvez por ainda não ostentar a alcunha de mestre que viria a ganhar, logo em seguida, mas já estavam no seu campo grande elenco jogando com seus elementos dispostos para a construção formal de seus clássicos (o ator Gian Maria Volonté dá um show, encarnando de verdade a personalidade sádica do detestável Índio, talvez o mais marcante personagem da trilogia). Na época, é incrível pensar como Por uns Dólares a Mais foi considerado apenas mais um western spaghetti (sub-gênero que ajudou a emblemar) com a cara de seu criador, e se hoje consta na lista de inúmeros cinéfilos como um dos melhores, ou um dos mais divertidos exemplares já estabelecidos na história da arte que o abraça do seu gênero, é porque o tempo basta por ser justo, e recompensa com a lembrança de bom grado da existência então ignorada de joias como essa que podemos ter a sorte e o prazer de rever, e rever, sempre.

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  • Crítica | Por Um Punhado de Dólares

    Crítica | Por Um Punhado de Dólares

    Na época, as produções da Itália estavam deixando de atrair público aos cinemas de lá, fenômeno já visto no Brasil. Foi preciso então algo novo, um filme que fizesse sucesso ao ponto de virar referência. Antes de iniciar suas magnum opus tempo afora, Sergio Leone dirigiu e concebeu outros filmes, sem a metade do prestígio do que viria depois em sua prolífica carreira na almejada cadeira da direção. Falando mais um pouco de história, a origem dos western spaghetti (filmes que mostravam o velho-oeste de um jeito mais verdadeiro do que o jeito americano) foi meramente política, como uma subjetiva estratégica política em 1937. Mesmo assim, tudo se solidificou, se imortalizou, se estendeu para toda a Europa e se adequou também aos padrões geográficos do velho continente: Em 1957, o deserto de Almeria, a nordeste de Madri, na Espanha, serviu de cenário para O xerife de queixo quebrado, um spaghetti britânico.

    O sentido de cenário externo deu certo, e a fronteira mexicana dos Estados Unidos serviu para gravar cenas da obra que iria se tornar parâmetro para o que iria vir, pelas mãos do maior nome do gênero: Leone, e seu Por um Punhado de Dólares. Este não foi o primeiro faroeste italiano, mas foi o primeiro a conseguir grande sucesso. Não é para menos… Mesmo sendo o mais fraco da Trilogia dos dólares, você com certeza já viu essa cena narrada a seguir: Homem estranho e sem personalidade clara chega em um lugar, e vira o lugar de ponta cabeça, involuntariamente ou não. É difícil imaginar outra pessoa que encarnaria tão bem esse papel quanto Clint Eastwood, na época totalmente desconhecido do grande público que hoje em dia o reverencia por inúmeras razões. Aqui, Clint vive o caçador de recompensas Joe, pistoleiro nem de todo mal, nem de todo bom que, solto no mundo com sua mula, sua pistola e seu inseparável cigarro, decide tirar proveito monetário de uma guerra entre duas gangues, em uma pequena cidade no meio de lugar nenhum.

    É claro que isso rende muitas tramas e conflitos colaterais, e também é nítido um paralelo entre Por um Punhado de Dólares e Django, de outro grande diretor, Sergio Corbucci. Ambos usam como estopim um sujeito sem presente, passado ou futuro, e que se garante com sua esperteza e suas armas. Clint a partir daí virou a figura definitiva desse tipo de personagem no cinema, com seu rosto sério e suas expressões sistemáticas debaixo do velho chapéu de cowboy, e mesmo com todos os outros bons personagens coadjuvantes ao redor, fica difícil prestar atenção noutro alguém.

    A genialidade de Leone em reger o filme é óbvia para quem sabe apreciar essa verdadeira obra de arte. Apesar dos excessos típicos do mestre e ainda em processo de lapidação de uma visão artística (Personagens em demasia diminuem o impacto das mortes), algo que seria aprimorado em Por uns Dólares a Mais, e elevados à perfeição em Três Homens em Conflito, Leone junto do seu diretor de arte criaram juntos um novo conceito para direção de arte, construindo verdadeiras cidades no set de filmagem, algo realista e incomum para os filmes de 1960. É impossível não acreditar no que está se vendo na tela, tamanho realismo contínuo para que o espectador possa sentir o senso de realidade que emana das locações.

    Não apenas nos cenários, mas em figurinos, maquiagem, sons e outros aspectos técnicos, Leone também inovou, logo no primeiro exemplar da Trilogia dos Dólares, e influenciou gente do nível de Stanley Kubrick, Ridley Scott e George Lucas, em produções muito além do gênero faroeste. É claro que a genialidade e visionarismo do diretor não estão presentes somente nisso: Aqui, Leone promoveu um simples personagem coadjuvante (o homem dos caixões) como um exercício de dualidade, em meio aos estereótipos dos protagonistas e das paisagens áridas ao redor. Uma vez enxergando esses detalhes, vem a pergunta: Todas essas histórias são sobre o quê? Só por um punhado de dólares, ou existiria algo a mais, por trás?

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  • Especial | Sergio Leone

    Especial | Sergio Leone

    “Durante anos, um homem povoa um espaço com imagens, províncias, reinos, montanhas, baías, navios, ilhas, peixes, quartos, instrumentos, estrelas, cavalos e pessoas. Pouco antes de morrer, ele descobre que o paciente labirinto de linhas traça a imagem de seu próprio rosto”. (Jorge Luis Borges)

    Qualquer criatura que tenha optado por estudar e decupar a obra de um cineasta feito Sergio Leone pode ter encontrado limites e desafios intrínsecos ao seu discurso apodítico, empregando elogios ou algum tipo de censura estilística sobre algum expoente de uma carreira invejável. Isso porque falar de Cinema, tido aqui pela visão específica que o italiano tinha de sua arte nos anos de 1950, é encontrar limites no poder da dialética que tenta conjurar sentidos extravisuais e literais para com um compêndio de imagens e sonoridades que conservam diálogos próprios, exclamando por si só. Um trabalho de análise ingrato como de praxe, inclusive sendo franco ao leitor-espectador aqui presente, mas que sempre faz justiça ao longo dos anos às noções e viés de um gênio da linguagem cinemática que revolucionou e aperfeiçoou a roda propulsora não somente do gênero de faroeste, deixemos isso claro desde o começo, mas do Cinema, assim como tantos outros mestres de sua geração que surgem para esgazear o normal.

    O Vortex Cultural, assim, baseando-se nas obras atemporais reunidas logo a seguir, em suas reflexões construtivas, espera traçar aqui um ponto de referência, convidando a todos que ainda não conhecem, ou ainda teimam a não reconhecer a importância vital e estrutural de Leone às resoluções artísticas do século passado e contemporâneo para que o façam. Para que se sintam convidados(as) a experimentar a linguagem histriônica e deliciosamente inconfundível de um tremendo arquiteto de imagens em movimento, e que na sua maestria, não deveu ou deve nada a outros titãs visionários, tais como Sam Peckinpah, Sergio Corbucci e/ou Damiano Damiani, cujas biografias devem ser merecidamente tratadas com respeito similar. Eis aqui, a partir do marco Por Um Punhado de Dólares, as dimensões Leônicas da forma de expressão moderna que lhe serviu de ninho para poder germinar a sua típica visão carismática dos conflitos que nutrem a experiência humana, do ser. Estamos pousando neste ninho de bravatas.

    Em 1964, Leone achou com Por Um Punhado de Dólares o crepúsculo de sua voz, ainda trôpega em busca de uma base sólida de expressão. Ao narrar a primeira grande aventura do marrento Clint Eastwood, indissociável ao papel que representa, um homem fora da linha de eventos temporais que regem a humanidade, e posto a vagar sem rumo em lugar algum, a iconicidade de sua postura e dos eventos que se desenrolam a partir de sua presença. Saem de cena os cowboys de sempre para entrar pistoleiros barra pesada, sem um pingo daquela moralidade dos heróis de John Wayne, Henry Fonda ou James Stewart.

    Apesar de aos 18 anos ter largado a faculdade, e ter ido trabalhar com cinema com Vittorio de Sica, a sensação de ser um outsider no meio era presente. Inspirado pelo filme japonês Yojimbo, de Akira Kurosawa, de cavalo, arma em punho e mais nada, o tempo nos mostrou como as aventuras do homem sem nome refletia a verdadeira condição de Leone enquanto principiante, intruso num cenário ainda desprovido dos efeitos de sua ambição. Leone ainda tinha alcunha de reles artesão de personagens com um universo por tecer e desdobrar, mas após esse debute tímido já nos presenteando com a parceria do maestro Ennio Morricone, seu estilo ainda em formação já começara a ser interessante a críticos e espectadores dos mais entusiastas.

    Um ano depois, todos já tinham percebido que, de Leone, não iria vir submissão ou rendição ao classicismo de um Matar ou Morrer, de Fred Zinnemann. A trilogia dos dólares, hoje tida como uma das melhores da história, já tomava corpo e identidade postulada na figura de Eastwood e seus coadjuvantes. O cenário em Por Uns Dólares a Mais era habitual, espécie de purgatório onde aquelas almas pareciam coexistir sem compaixão ou remorso diante dos seus atos escabreados e espontâneos. No limiar de um universo imprevisível de caçadores de recompensa, enquanto personas do calibre de um Lee Van Cleef estão mais preocupados com seus quinhões sujos de sangue, Leone discursa afinal sobre quanto vale o destino de quem vive para a cobiça, para puxar o tapete do outro numa selva sem regras, e ainda sem um amanhã, sequer.

    Num esperto diálogo sobre pistoleiros em ação, o que os motiva num mundo ultra masculinizado, o verdadeiro discurso situa-se nas chagas de um nada existencial, insuflado por elementos criativos como close-ups e efeitos sonoros icônicos para ganhar riqueza de significados e brilhantismo, na tela. Por Um Punhado de Dólares é a primeira obra Leônica onde se denota o ótimo domínio de fluxo narrativo por parte do mestre, contudo ainda em lapidação entre uma divertida sequência, e outra das mais trágicas possíveis. Tudo antes de 1966, quando Leone já era encarado pela grande indústria com um respeito que já o permitia fazer filmes maiores.

    Um exemplo de genialidade precoce: Promover um simples personagem coadjuvante (o homem dos caixões) como um exercício de dualidade, em meio aos estereótipos dos protagonistas e das paisagens no filme de 64. Dois anos depois, o tamanho da evolução se faz presente em infindáveis momentos de Três Homens em Conflito, talvez o filme mais famoso e simbólico de Leone, em especial na sequência do triplo duelo final. Puro Cinema, numa cena que só poderia se dar do jeito memorável que se imortalizou através de um poderoso esquema audiovisual. Sobretudo seria este o primeiro filme Leônico que melhor evidencia e elucida o método particular do diretor.

    Um método que emula seus mitos em prol de um equilíbrio entre o lado do chiste e o lado mais dramático do sistema capitalista que se fez sinônimo enraizado nas fundações da América. Também por isso, suas obras sem exceção casam perfeitamente bem com o solo americano que estão, pois foram feitas sob a égide do capitalismo do Tio Sam, um sistema econômico onde inclusão e exclusão social são lados inevitáveis da moeda. É a corrida do ouro por essa moeda que contamina tudo, e é nessa corrida aonde os aspectos de um belo, de um feio e de um mocinho se mesclam que Leone configura seu filme mais célebre, sórdido e barroco, tendo chegado talvez aonde queria para lançar voos mais altos, mais especificamente, em 1968.

    O ano em que Kubrick rasgou nosso manto celeste, e foi ao espaço. Quando duas garotas românticas assolavam o cinema francês, Rosemary tinha um bebê, e Cassavetes fazia examinar suas faces fantasmagóricas sem puder algum. Foi justamente neste ano que Leone escolheu revisitar os seus mitos, já sem a responsabilidade de uma trilogia, e os elevando ao expoente máximo numa ópera monumental de cavalos, suspense, revólveres e lágrimas de alegria e pesar que, por quase 3 horas, extravasa a tela e nos arrebata devastadoramente. Chegamos ao ponto deste dossiê em que palavras não carregam muito poder, mais, apelando contudo as do próprio Leone: “O ritmo do filme pretendeu criar a sensação dos últimos suspiros que uma pessoa exala antes de morrer. Ele é, do começo ao fim, uma dança da morte. Todos os personagens do filme, exceto Claudia (Cardinale), têm consciência de que não chegarão vivos ao final”. Depois de 1968, depois de Era Uma Vez no Oeste, sem dúvida um dos grandes filmes já feitos, em solo norte-americano ou não, o cinema não seria o mesmo.

    Depois de quatro filmes insubstituíveis na carreira de qualquer um, Leone continuou fazendo um Cinema tão materialista quanto cheio de subjetividades debaixo de suas aparências que seduzem qualquer um, em especial na sua possível magnum opus que veio antes de 1971, quando já era visto como um mestre de irrefutável presença ornamental para as produções, da época. No referido ano, ao adentrar uma década menos prolífica pra ele, o cineasta reciclou seus elementos e fez os bem menos conhecidos Quando Explode a Vingança, obra que ele queria produzir, somente, se não fosse um desentendimento com o diretor Peter Bogdanovich, e a comédia Meu Nome é Ninguém, de 1973, provavelmente seu filme mais fraco e digno de problematização quanto ao bom gosto que ronda as questão da produção, uma espécie de ode lânguida, pretensa e até mesmo nostálgica do seu próprio cineasta com seus códigos.

    Que as crias de Leone ganham afinidade total com o tema da ilegalidade que infla o gênero policial no mundo inteiro, disso ninguém duvida. Basta contemplar, indo apenas um pouco além disso, o mote que rege quem encarna suas narrativas cheias de tiros ricocheteantes, e dívidas a quitar muitas vezes com a própria vida. Os dois “Era Uma Vez” do cineasta são um capítulo à parte por objetivarem um levante e um refinamento de sua voz, constituindo-se como dois sucessores superiores a tudo que veio antes. Focando no seu título fabulesco mais voltado a urbanização dos seus elementos, é aquela tragicomédia até agora ambientada nas províncias e desertos de sol quente, recolocada entre prédios modernos e becos ainda mais traiçoeiros. Era Uma Vez na América conseguiu ser, deveras, o pináculo da formação de todos os sentidos de toda a ótica Leônica de se encarar o mundo.

    Um conto substancial e formalmente épico de um bando de pistoleiros de terno tão imorais quanto aqueles pistoleiros de poncho e cigarrinho na boca, lidando com a mesma selvageria de antes. Um diamante que rivaliza com O Poderoso Chefão nas listas de melhores do gênero. No mais, é um canto de cisne onde mais se pesa o quesito da espacialidade do cinema do velho mestre vítima de um ataque cardíaco, em 1989, e que nos deixou, cedo, aos 60 anos, uma dezena exata de joias, algumas em estado bruto, outras mais bem lapidadas, a formar seu legado infilmável por qualquer outro(a), senão pelo bilheteiro do trem que podemos ver neste seu último filme. Aliás, sua única aparição na frente das câmeras, artifícios que usou tão bem para desencadear certo sentido a sua vida; uma vida que nós do Vortex esperamos que o leitor-espectador faça jus a esse termo e averigue, pela própria concepção, os seus ideais mais fundamentais e valiosos possíveis.

    Filmografia (Diretor)

    (1961) O Colosso de Rodes
    (1964) Por Um Punhado de Dólares
    (1965) Por uns Dólares a Mais
    (1966) Três Homens em Conflito
    (1968) Era Uma Vez no Oeste
    (1971) Quando Explode a Vingança
    (1984) Era Uma Vez na América

    (Não Creditado)

    (1948) Ladrões de Bicicleta – Assistente de Diretor
    (1959) Os Últimos Dias de Pompéia – Assistente de Diretor
    (1959) Ben-Hur – Diretor de Unidade
    (1962) Sodoma e Gomorra
    – Diretor de Unidade
    (1973) Meu Nome é Ninguém
     – Diretor de Unidade
    (1975) Trinity e Seus Companheiros
     – Diretor

    Artigos

    Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

  • Resenha | Trinity e Seus Companheiros

    Resenha | Trinity e Seus Companheiros

    Um filme que pra sempre fica sob a alcunha de penúltimo filme do mestre Sergio Leone, cineasta favorito de gente feito Quentin Tarantino. Quando o mesmo iniciou sua carreira, na época, as produções da Itália estavam deixando de atrair público aos cinemas de lá, fenômeno já visto no Brasil. Foi preciso então algo novo, um filme que fizesse sucesso ao ponto de virar referência. Antes de iniciar suas magnum opus tempo afora, como Três Homens em Conflito, Era Uma Vez na América e esse Trinity e Seus Companheiros, Leone, juntando suas forças aqui com Damiano Damiani, mais conhecido por seus filmes policiais dos anos 60 e 70, dirigiu e concebeu outros filmes, assim como seu colega de direção, em sua prolífica carreira na cadeira de direção.

    Falando aqui mais um pouco de história, a origem dos western spaghetti (filmes que mostravam o velho-oeste de um jeito mais verdadeiro do que o jeito americano) foi meramente política, como uma subjetiva estratégica no âmbito político em 1937. Mesmo assim, tudo se solidificou, se imortalizou, se estendeu para toda a Europa e se adequou também aos padrões geográficos do velho continente: Em 1957, o deserto de Almeria, a nordeste de Madri (Espanha) serviu de cenário para O Xerife de Queixo Quebrado, um western spaghetti britânico esquecido no tempo.

    O sentido de cenário externo deu certo, e a fronteira mexicana dos Estados Unidos serviu para gravar cenas da obra que iria se tornar parâmetro para o que iria vir, pelas mãos do maior nome do gênero: Leone, e seu Por um Punhado de Dólares, junto a uma das maiores trilogias de todos os tempos, a fantástica Trilogia dos Dólares – quem não viu, que vá e veja. Muito tempo se passou, e filmes como Era Uma Vez no Oeste, e na Uma Bala para o General, de Damiani, catapultaram a valia e o poder do cinema ao longo de suas primeiras sete ou oito décadas de coexistência com obras que deixaram seu legado de forma efetiva. Aliás, em ‘Trinity’, o amor de Leone e Damiani pelo cinema, mesmo, pela arte de contar histórias exala tão forte que essa talvez seja, pelo menos que eu me lembre, uma das poucas vezes que dois diretores dirigem um mesmo filme e o resultado é absolutamente pleno, e belo.

    Trinity e Seus Companheiros, todavia, sendo um dos menos famosos filmes de Damiani e Leone por ser uma reciclagem substancial de todas as suas outras empreitadas, carrega toda a assinatura de dois dos grandes estetas de uma arte e de um gênero que dedicaram suas vidas para refinar. Na trama, três bandidos, canalhas de moral absurdamente duvidosa muito antes da primeira interação dentre eles, buscam roubar uma boa grana de uma cavalaria indiana, apostando suas vidas nessa operação de risco, mero pano pra manga pra Leone e seu amigo destilarem seus estilos tragicômicos refletidos em suas técnicas cheias de closes, sons exagerados e brilho estourando na tela que, afinal, nos cativam pelo gosto inebriante de paixão pelo poder do Cinema que cada um dos seus filmes carregam, e carregam em abundância.

    Não apenas nos cenários, mas em figurinos, maquiagem, sons e outros aspectos técnicos, Damiani e Leone conseguiram o triunfo de manter suas identidades fielmente intactas até o final, e isso sem sombra de dúvida é um feito para poucos numa indústria que obriga seus artistas a se reinventarem o tempo todo, em ordem de sobreviver as novas tendências e exigências do público, sempre em constante mudança. Leone por exemplo inovou desde o começo até o fim na sua utilização de cenários, na forma impulsiva, ultra impactante e de tirar o fôlego de contar uma boa história, e assim influenciou gente do nível de Stanley Kubrick, Ridley Scott e George Lucas, em produções muito além do gênero faroeste.

    É claro que a genialidade e o visionarismo dos dois diretores italianos não se esgotam em Trinity, longe disso, porém já há sinais de cansaço e exaustão assombrando a recepção daqueles já familiarizados nesse universo certamente constituído por comicidade, e tragédia. Aqui, personagens simples são promovidos, outros dos típicos heróis sem passado nem futuro de Leone, como exercício de dualidade, ou seja: Pessoas constantemente presas entre bem e mal na sobrevivência que precisam levar numa terra de ninguém, num Estados Unidos árido que Deus e o Diabo ou já tinham se esquecido, ou ainda não o tinham descoberto em meio aos estereótipos dos seus protagonistas, suas fugas (pra onde?) e das paisagens ao redor.

    Uma vez enxergando esses detalhes em todo esse bang bang irresistível no meio do nada, chega-se ao território da filosofia Damiânica e Leônica, por excelência: Todas essas histórias, esses conflitos são sobre o quê? Para quê? Apenas por um punhado de dólares, por uma morte a mais, sempre, ou existiria algo mais forte e profundo por trás? No seu último faroeste, Leone diz que sim, há algo mais valioso que rege essa realidade, e o momento em que retifica esse aprofundamento de significados é seguramente um dos mais belos de toda a filmografia destes velhos mestres. Quando as moedas, pela primeira vez ali, não foram o sentido da vida.

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  • Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

    Dossel dos Dólares – A Trilogia do Oeste

    O Star Wars no Oeste, antes de ser no espaço. Pensaram que onde não existe som – mas, nos filmes de George Lucas, o que não existe é a física – seriam mais bacanas duelos de rifle com sabres de luz, espaçonaves ao invés de cavalos etc. Pode ser, pode não ser, mas se de fato há discordância da qualidade da interminável série da família Skywalker, o mesmo não se remete aos clássicos indiscutíveis de Sergio Leone, seminais em sua proposta mas não em realização: os filmes são deliciosamente exagerados na abordagem das histórias, sendo que esse “excesso de Cinema” tornou imortal a trilogia justamente pela precisão na aplicação de intenções artísticas que Leone empregava, na fartura de linguagens em um mesmo filme, tal qual Akira Kurosawa ou Sam Peckinpah posteriormente, cada um com a sua manha. Além do gênero e sub-gênero spaghetti, exagero mesmo é não encaixar a quinquagenária Trilogia dos Dólares (em 2014, o primeiro filme completou 50 anos) entre as maiores trilogias, junto à Trilogia de Apu, do indiano Satyajit Ray, ou de Michelangelo Antonioni, a da Incompatibilidade. Leone vai além do diretor favorito de gente como Quentin Tarantino, foi um dos mestres que, com poucos filmes, feito Stanley Kubrick ou Hiroshi Teshigahara, se tornou uma lenda e elevou o Cinema ao respeito do mundo.

    Por Um Punhado de Dólares

    Em cada bala, e não são poucas, se justifica a relevância da metáfora na figura de um abutre, vulgo feitor de caixões. A clássica frase: “Erro meu, quatro caixões” se encaixa e é a essência do manifesto italiano a um cinema de hipóteses e incertezas contra qualquer permanência de clichês anteriores na filmografia do país. Leone se preocupa só em criar a mitologia primária da trilogia, a ética de um microcosmo empoeirado onde a moral é matar ou morrer ou servir, no máximo. Cada figura, e isso se aplica aos dois outros filmes, arrasta suas esporas num fio de navalha que ajudam a tecer e tornar cada vez mais mortal em seus conflitos de interesses, divertidos, unilaterais, havendo nestas questões planos óbvios para próximos filmes, que naturalmente iriam superar este primeiro exemplar, humilde síntese ao cunho de Sérgio Leone. Por Um Punhado de Dólares é o berço de gigantes como Sergio Corbucci, Enzo G. Castellari e Fernando Di Leo, ases da terra da Sicília que não escondem em obra alguma referências à excelência da história de gringo, cowboy sem nome, passado e, graças à sábia incerteza que o filme se apropria durante a projeção, futuro.

    Por Uns Dólares a Mais

    A morte, entretanto, é um excesso de certeza – lê-se isso nos olhos de Lee Van Cleef. A cena de Clint Eastwood e Cleef atirando em seus chapéus, dois raios no gatilho, para provar suas miras é emblemática: um sobrevivente avisando ao outro para não traí-lo em sua parceria desconfiada, só pra chegarem mais rápido na recompensa de ambos, no violento Índio, vilão sem limites cujo desejo repousa no banco de El Paso, e que o grande ator Gian Maria Volonté tratou de tornar inesquecível. Agora, o vilão e o parceiro de Gringo ganham pretérito e propósito para distinguir suas condutas em sentido imediato perante Gringo, caçador de recompensas que a morte parece não querer cruzar seu caminho. Num trote infinito de causas e consequências, um mural de esporas e verdadeiros centauros consagra um gênero como Cinema quente e abafado de primeira qualidade. Leone agora é mais dono de si, dono de suas marcas registradas. Por Uns Dólares a Mais carrega consigo uma propriedade mais refinada para representar sozinho, se for preciso, o trio que faz parte, lapida o que deu errado antes e o que dará certo mais tarde, e concede honra ao fazê-lo.

    Três Homens Em Conflito

    É o ponto máximo, é o épico que toda trilogia com começo, meio e fim tenta ter, mas poucas conseguem – todos sabemos bem disso. Leone não só atingiu a veia suprema na exploração de temas e recursos de sua trilogia, como maximizou seu legado sem precedentes em Era Uma Vez no Oeste, de 1968, um colosso incorruptível diante dos arquétipos da mise en-scène contemporânea. Il Buono, il Brutto, il Cattivo (porque no idioma original é sempre melhor) é tudo que o cinema permite, é um abuso positivo das quatro extremidades de uma tela de cinema em prol de uma história longa, 161 minutos cabíveis ao sentido de epicidade que Leone não abriu mão de conjurar. É difícil imaginar outros atores melhores: Eastwood, Van Leef e o extraordinário Eli Wallach – recém falecido, o eterno Tuco – são o ménage à trois, o real cenário pulsante e vivo de uma teia de fetiches ordinários, descompromissados, contudo cercados numa abordagem cirúrgica aos rumos que um dos maiores expoentes do western mundial ao longo dos anos tomou, aos poucos, sem pressa, até um clímax/aula de edição cinematográfica muito além do deserto de Almería, no nordeste de Madri (Espanha), que serviu de cenário a Por um Punhado de Dóles, e antes a O Xerife de Queixo Quebrado (1958), um spaghetti western britânico.

    Três Homens em Conflito é um marco histórico a ser celebrado ao mostrar (e definir, para muitos) o Velho Oeste de forma mais realista que John Ford ou Howard Hawks mostraram, para efeito de comparação, é claro. No encerramento da trilogia, Leone deixa a ambição subir à cabeça mas sabe como a usar em benefício próprio; chave difícil de se encontrar. O filme persegue suas personas, seus protagonistas, em três histórias que não evitam de se chocar de uma forma para a qual, hoje em dia, quase não se abre exceção. E sobretudo, se num mundo onde um homem vale o quanto mata e a mulher o quanto vê e silencia, muito da experiência irresistível se deve à alegoria sonora, a inconfundível música composta por um dos maestros seminais da trilha sonora fílmica, o veterano que em 2012 fez ingresso aos domínios de Quentin Tarantino – e desaprovou – com Django Livre, uma homenagem aos moldes de um tarado por Leone.

    Ennio Morricone, de timbres seletos e cada vez mais diversos no uso de instrumentos inusitados, tão inusitados quanto o espírito irreverente que se sente na tela, cria um bálsamo sonoro presente em 90 porcento do tempo, com aperitivos presentes neste artigo. Sua melodia, sensibilidade à flor da pele, embala e aprofunda um universo ao constituir aspectos subjetivos que nenhum diálogo e nem ação poderiam alcançar senão com a música. A digressão dos momentos não teriam a mesma emoção sem a fórmula sensorial desenvolvida por poucas e tão eficientes intervenções musicais. Morricone cria sublimes concertos e faz a poeira testemunhada ter gosto e cheiro, maturidade que num cenário merece tamanha identidade acústica. Numa trilogia que faz permanecer sua qualidade técnica até o fim como forma de personalidade linear, a música só é cortada pelos tiros que falam mais alto que qualquer coisa, afinal, señor, isso ainda é um bang bang. †

  • Crítica | Era Uma Vez na América

    Crítica | Era Uma Vez na América

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    Sergio Leone teria recusado dirigir a versão cinematográfica do best-seller de Mario Puzo, entre outros motivos, para fazer o seu próprio filme de gangsters americanos. Era Uma Vez na América não poderia começar de forma melhor – violentíssimo, mostrando uma perseguição implacável a David Noodles, personagem de Robert De Niro. Os temas de Ennio Morricone casam perfeitamente com a ambientação – e é impossível não comparar seu trabalho com o de Nino Rota em O Poderoso Chefão, tão competente quanto – sua trilha concorreu ao Globo de Ouro de 1985 e ganhou o Bafta do mesmo ano. A música preenche os vazios de diálogo e eleva a aura do filme, tornando-o edificante e nostálgico em questão de segundos.

    A história segue uma linha do tempo pouco linear, e transita por três épocas: anos 20, na tenra infância da “gangue”, anos 30 com o auge de suas ações e anos 60 com a velhice e amargura de David, único sobrevivente da época marginal. A reconstituição de Nova Iorque beira a perfeição, com um trabalho primoroso da direção de arte – que também venceu o Bafta.

    Não é só a violência exposta em tela que trata de temas espinhosos, o texto também. Ainda adolescente, o personagem principal suborna um policial, acusando-o de forma justa, de cometer pedofilia. A marginalidade torna-se algo comum para ele e seus amigos, que logo sofrem um enorme baque ainda neste primeiro momento, fato que mudaria principalmente a vida de David – que viria a ser preso e só retornaria já adulto.

    O foco do filme são as relações, seja a amizade entre o protagonista e Max, um James Woods perfeito no papel, que passa por percalços e vai da rejeição no início, passa pela empatia e fraternidade e desemboca no remorso inevitável, após uma enorme divergência quanto as áreas de atuação, em especial no fim da Lei Seca.

    Outro vínculo explorado é o amor nunca concluído de Noodles com Deborah – a razão aparente para ambos não ficarem juntos é vida de “rufião” do protagonista, além claro da possessividade dele – “Você me trancaria e jogaria a chave fora!”, e ele responde positivamente, e ambos percebem o inevitável, mas antes que pudessem se despedir, um ato põe números finais a união que jamais existiu, deixando Deborah magoada e afastando de vez os dois apaixonados.

    O protagonista havia mudado de vida após um assalto que tomou a vida de seus três parceiros do crime, trocou sua identidade e se isolou, até receber um convite a uma festa. Remexer no seu passado o machuca e o faz viajar pelos bons e maus momentos que vivera, mas o que o manteve na cidade foi principalmente a curiosidade. Relembrou do plano megalomaníaco de Max, e descobre que tal artimanha era uma forma sofisticada de suicídio, pois seu amigo se via em um beco sem saída, mas não teria coragem o suficiente para fazer o que tinha que ser feito. Voltar a essas lembranças é torturante para ele, a culpa e o remorso o corroem.

    O motivo do convite se revela, o Senhor Bailey, político casado com o antigo amor de Noodles, o chama para que ele faça um último favor e possa assim enfim fazer justiça. Mesmo após perceber que grande parte da culpa que viveu foi em vão, o herói falido não cede aos seus instintos básicos e a chance da desforra, na verdade recusa o pedido de uma das pessoas que este sempre amou – os papéis se invertem, pois é Bailey que se ressente no final e tal rejeição é para ele um enorme golpe. “Meu amigo morreu num assalto, e eu o entreguei!”.

    O final é melancólico e até depressivo. O rancor de Noodles feriu sua amada, e o rancor de Deborah a impediu de ser feliz em sua velhice, aliando-se aos adversários de quem ela amava. A últimas cenas amarram as pontas soltas desde começo. O roteiro serve como uma crítica ao American Dream, principalmente quanto à gana por alcançá-lo, aliado a ganância e cobiça, suplantam as necessidades e sentimentos humanos. As cortinas se fecham, mostrando David Noodles jovem, ébrio, anestesiado, apático e a espera da tristeza que ocupará sua vida até a velhice.

  • Crítica | Quando Explode a Vingança

    Crítica | Quando Explode a Vingança

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    O italiano Sergio Leone se tornou um dos principais nomes no faroeste, não só por dirigir alguns dos filmes clássicos como a Trilogia dos Dólares ou Era Uma Vez No Oeste, mas também por ser um dos principais cineastas que ajudou a modernizar o gênero. É o que ele fez neste Quando Explode a Vingança.

    Sinopse: um irlandês perito em explosivos e ex-membro do IRA se alia a um bandido mexicano e acabam sendo jogados no meio da revolução mexicana e acabam ajudando na luta.

    O filme começa com um impressionante assalto à uma diligência por Juan Miranda, interpretado por Rod Steiger, e logo depois promove um encontro explosivo entre os dois protagonistas que se estranham, dando a entender que se trataria de mais um filme com história similar à da trilogia dos dólares. Felizmente, o diretor segue por outro caminho ao escolher uni-los em favor da revolução mexicana, trazendo algo diferente ao espectador.

    Os traços da direção de Sergio Leone, que o acompanham desde Por Um Punhado de Dólares (1964), mostram porque ele se tornou um dos principais nomes do faroeste: os closes e planos detalhes, além dos característicos zooms, são filmados para tornar a edição fluida nos momentos de tensão; a direção de atores com pouca ou nenhuma marcação, aliado as improvisações deixa os atores soltos para construir os personagens e tornar a mise-en-scene mais realista, menos conservadora, sem as interpretações teatrais dos filmes clássicos. No entanto, Leone também filma demais algumas das cenas, elas acabam sendo mais longas do que deveriam. O filme de 2 horas e meia poderia ter menos 40 ou 50 minutos que não faria muita diferença para a narrativa.

    James Coburn interpreta o irlandês John Mallory, enquanto Rod Steiger faz com que o bandido mexicano Juan Miranda ganhe vida. Ambos os atores fazem o que é exigido deles, no entanto, sem tornar nenhuma cena memorável ou digna de nota para a história do cinema do ponto de vista da atuação.

    Já do ponto de vista do roteiro a coisa muda de figura. O filme é bem escrito, e, fugindo um pouco da tradição dos faroestes do diretor, aqui temos constantes flashbacks em pontos chaves do filme que fazem o cruzamento entre a narrativa atual e passada, ajudando a criar a personalidade de Mallory e o seu passado revolucionário, o que dá ao espectador motivo suficiente para que o personagem participe da revolução mexicana quase que por vontade própria, diferente um pouco do mexicano Juan Miranda, que só pensa em tirar proveito próprio de situações da guerra. Este, até então resoluto em participar, muda de lado na impressionante cena de revelação da caverna.

    A fotografia realista mais uma vez denota o cuidado de Sergio Leone com uma mise-en-scene menos fantasiosa. Os constantes tons de marrom criam contraste com a filmagem no deserto, além dos figurinos igualmente marrons de quase todos os atores e figurantes. A decupagem das cenas é outro ponto alto: os já citados zooms, os closes e os planos americanos são recorrentes, no entanto, quase não há câmera na mão, recurso que alguns diretores de vanguarda passaram a usar nos anos 60 e 70 para quebrar com o cinema clássico. O resultado são as impressionantes cenas de batalhas que Leone ainda filma de forma conservadora, com a câmera no tripé.

    A edição do filme, como já dito, reforça a importância de Sergio Leone para o cinema e principalmente para o gênero do faroeste. Ela se utiliza dos inúmeros closes para aumentar a tensão do espectador nas cenas de conflito. No mais, o editor Nino Baraglia seguiu o roteiro e a direção mantendo as principais características do diretor. Ennio Morricone empresta o seu talento na criação da identidade musical do filme, que apesar de bonita, também passa batido no geral.

    Para finalizar, quem se interessa pelo gênero ou principalmente pelos filmes do Sergio Leone, este filme é obrigatório.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Colosso de Rodes

    Crítica | Colosso de Rodes

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    Antes da parceria com Clint Eastwood, e após participação como diretor de segunda unidade em alguns filmes (Quo Vadis, Ben Hur, Uma Cruz à Beira do Abismo) Sergio Leone finalmente iniciaria sua carreira como realizador (oficial) de filmes, lançando em 1961 uma versão sobre a catástrofe lendária em Rodes.

    O paupérrimo orçamento fica evidente logo de cara, seja com as cenas de luta sofríveis, pelos erros de continuidade, pelo cromaqui tosco. Uma das marcas de Leone aparecia com a escolha do elenco cosmopolita, com o americano Rory Calhoun – um decadente ator de westerns clássicos, como A Lei do Oeste, Domino Kid, O Vingador e Revólver Mercenário -, com o francês Georges Marchal e com a belíssima italiana Lea Massari. Os cenários também carregam em si um caráter de filme de baixo orçamento, especialmente nas masmorras e cavernas, no entanto, tais instalações contrastam com as suntuosas e quase perfeitas obras arquitetônicas.

    A estátua/monumento faria de Rodes uma boa alternativa para a rota marítima de Grécia, e internamente, os opositores eram raptores, meio bárbaros e nada abertos ao diálogo, o que pode gerar no espectador um pouco de xenofobia. O caráter da fita ainda não era visceral como as fitas de westerns spaghetti, os astros usavam gomex e seus cabelos permaneciam intactos mesmo com todas as adversidades do tempo, mas também não cai no erro de ser panfletário e não faz propaganda nacionalista gratuita, características comuns aos filmes históricos estadunidenses.

    As planícies, as montanhas e a paisagem formam um belo quadro ao fundo da película e é mérito total de Leone, que em alguns momentos dá ares de cinemão ao seu barato filme.

    Apesar da abissal diferença entre os atores e os dublês – flagrados em closes algumas vezes – a luta no interior do Colosso é muito boa, tanto na reconstituição do artefato histórico, quanto na forma de filmar, os ângulos escolhidos por Leone põem a visão do espectador a perspectiva que importa, escondendo as falhas nos objetos de cenário. No entanto, o pieguismo nas cenas edificantes de Dario é enorme, em nada diferente de outras produções semelhantes.

    A catástrofe natural subjuga os planos de dominação do lado dos “mocinhos” e dos “bandidos”, a destruição da cidade mostra que as artimanhas e conchavos feitos por parte dos mortais não são nada diante dos desígnios e vontades do Divino, as maquetes sendo destroçadas tornam-se uma piada involuntária, mas não constituem incômodos. Foi preciso que o símbolo maior do poder local para que a máxima de “Cidade da Paz” fizesse real sentido. O esqueleto do roteiro de Colosso de Rodes é muito semelhante ao de Os Últimos Dias de Pompeia, com temas como revolta, insurreição, desastre orgânico e com um final feliz para o casal de protagonistas. Colosso de Rodes é dos filmes de Leone o menos notável, mas possui muitos dos méritos que tornariam o diretor na lenda que se tornaria.

  • Crítica | Meu Nome é Ninguém

    Crítica | Meu Nome é Ninguém

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    Baseado numa ideia de Sergio Leone – e esta é a única prerrogativa a ele alcunhada nos créditos – Meu Nome é Ninguém chegaria aos cinemas em 1973, sobre a régia de Tonino Valleri, de O Dia da Ira, e protagonizado pelo amigo da família e bom moço – já não tão moço – Henry Fonda e o herói cômico Terence Hill, famoso por seu cowboy Trinity, até por esse arquétipo há uma expectativa em relação à história que será contada.

    Nobody – Hill – é um sujeito maltrapilho, rápido no gatilho e que passa a seguir Jack Beauregard – Fonda – seu herói de infância, que oscila entre a figura do paladino e a do assassino a sangue frio com uma facilidade mórbida.

    Mas o tom de comédia é o que prevalece. Terence Hill é muito carismático e tem uma veia cômica muito eficiente, mas esse estilo cabe mais nos produtos de Trinity e Bambino. O filme fica cansativo e enfadonho, especialmente no meio da fita. A trilha de Ennio Morricone é boa, mas ajuda a forçar ainda mais o tom humorístico. É um western leve, quase não há sangue, a temática é até infantilizada, como um filme de super-herói no ambiente árido do oeste americano. O excesso de piadas empobrece o roteiro, mas não faz dele algo reprovável.

    Os indícios e pistas dados no começo aos poucos se desenrolam, formando a emboscada de Nobody como um mosaico somente para mostrar qual o intuito do bem-feitor desconhecido. A referência a Sam Peckinpah prenuncia o epílogo, e é claro, explana a larga influência dele nos realizadores italianos. A despedida de Sergio Leone do gênero é com uma temática bem diferente do habitual, a não ser pelas últimas cenas.

    Nobody quis libertar Jack de um desfecho anônimo para o seu destino, e deu fim à sua existência humana para torná-lo uma lenda. O discurso do “morto” evidencia o rompimento como uma época romântica, a do faroeste clássico, e a abertura para uma exploração menos idealizada do Oeste Selvagem, como era retratado no Western Spaghetti e sobretudo na filmografia de Leone, que por sua vez dá lugar a uma forma de crime mais organizado. O final maravilhoso tem um tom de profecia, como um axioma do que aconteceu após a queda de popularidade do gênero e consequente substituição do tema por ternos de risca de giz, o cinema acompanhou a realidade e mudou o foco de sua criminalidade, retratando-a de forma mais ostentosa, honrada e sofisticada. O roteiro nesse ponto é tocante e de uma sensibilidade única.

  • Crítica | Sodoma e Gomorra

    Crítica | Sodoma e Gomorra

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    Neste épico bíblico dirigido por Robert Aldrich, Ló – sobrinho de Abraão no livro do Gênesis – é um herói idealizado, cheio de fé, invulnerável e movido pelo bem maior – devoção ao Divino. A frente de um povo que viaja pelo deserto, mesmo com todo esse código de honra ele recebe atos de insubmissão armada. No entanto o líder interpretado por Stewart Granger trata a todos com benevolência e muita paciência.

    O roteiro de Hugo Butler e Giorgio Prosperi, baseado no romance de Richard Wormser toma muitas liberdades poéticas, muitas delas pouco importantes. Atribui fala a Ló, que no original seria de Abraão, assim como o código moral e senso de justiça do protagonista que mais lembra a figura do seu tio do que a sua própria. Viúvo, Ló tem repúdio pelo escravismo. É um devoto fiel, mesmo diante das adversidades.

    No livro “sagrado”, a história de Sodoma e Gomorra é um sinônimo de punição aos prazeres carnais e sem pudor ou moralismo. As orgias e bacanais são sugeridas de forma bastante tímida, há no máximo uma citação ao lesbianismo com a rainha tomando sempre uma escrava como a sua “preferida”, mas esse é o máximo de ousadia que a fita permite. Os “pecadores” são retratados como malévolos desalmados e sem coração, além de bastante egoístas. É levantada a possibilidade de uma conspiração contra o governo – plot parecido com outros dois trabalhos em que Sergio Leone se envolveu, a saber, Os Últimos Dias de Pompeia e Colosso de Rodes – mas ela é deixada de lado por falta de importância e claro, devido ao final apoteótico.

    A ex-escrava real Ildith (a belíssima Pier Angeli) é posta entre os hebreus para ser informante, mas ela se recusa devido à mágoa com a rainha que a abandonou aos bárbaros, mas aos poucos sua motivação dobra-se a causa hebreia. Ela se recusa a deitar com Ló até que os dois se casem, pois ele “precisa ser um bom homem e dar exemplo” – sua vida lasciva em Sodoma a condenaria a não ter felicidade jamais, o que justifica seu trágico fim. No entanto Ló a garante como merecedora de sua “masculinidade suprema”. É curioso como a relação entre os dois não é minimamente construída, na verdade é gratuita e jogada.

    Os efeitos especiais da água tomando o deserto são de um realismo “invejável”, seja pelo CGI tosco ou as maquetes molhadas, tudo funciona como uma piada de mau gosto. Os traidores pagam com as suas vidas, no fogo, em outra cena sofrível. Ló fixa residência em Sodoma contra sua vontade, depois de passados mais de 90 minutos de exibição. O filme é lento e excessivamente longo. Ao mudar-se para a cidade, o protagonista muda. Ele – e o resto dos hebreus – começa a comercializar sal, passa a ostentar roupas mais luxuosas, renega sua origem humilde, mas não trai sua palavra e nem a sua fé, é um sujeito incorruptível acima de tudo.

    Após 2 horas e 12 minutos, é dada a sentença para a vida pecaminosa dos sodomitas. A ira de Jeová cairá sobre os escravos também e todos os que se recusarem a deixar a cidade – curioso o censo de justiça. A estátua de sal é qualquer coisa, Ló fica inconsolável e é sustentado pelas duas filhas – volta à estaca zero, é novamente um ermitão. Toda a construção da figura imponente e infiel a história bíblica sucumbe ao mesmo final.

    A designação de Leone é oficialmente a de diretor de segunda unidade, e sua participação neste é bem menor do que no filme de Mario Bonard. Os Últimos Dias de Sodoma e Gomorra não é nem de longe um dos melhores produtos de Robert Aldrich – principalmente se comparado a Doze Condenados e Assim Nascem os Heróis – e só não é plenamente descartável pela curiosidade em ver como era o retrato dos filmes épicos sessentistas.

  • Crítica | Os Últimos Dias de Pompeia

    Crítica | Os Últimos Dias de Pompeia

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    Lançado em 1959, esta versão do romance de Edward Bulwer Lytton tem seu roteiro adaptado por quatro cineastas que estourariam na década que viria, Duccio Tessari (diretor de Tex e o Senhor dos Abismos e Uma Pistola para Ringo), Sergio Corbucci (Django), Ennio De Concini (roteirista de ÁtilaGuerra e Paz), e claro, Sergio Leone, que substituiria o diretor Mario Bonnard quando este teve de se ausentar devido a problemas de saúde.

    A fotografia ficou por conta de Antonio Ballesteros, que viria a trabalhar novamente com Leone em sua estreia na direção de longa-metragens com o Colosso de Rodes, e mesmo com essa semelhança na equipe de produção, o estilo de filmar de Bonnard é completamente distinto do de Leone, e muito mais ligado ao modo do cinema clássico americano, com ângulos panorâmicos, câmera parada e sem muitos maneirismos, além é claro do cast. O elenco é encabeçado por Steve Reeves, o protótipo do brucutu, seu personagem  era independente, destemido e super-forte, ao ponto de conseguir puxar uma corrente de uma parede de pedra e arrancar uma porta de metal com as mãos nuas. Não à toa, Reeves inspiraria Arnold Schwarzenegger a seguir a carreira de ator.

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    O roteiro trata de uma conspiração que mataria inúmeras famílias romanas, ao passo de que a assinatura dos crimes era uma cruz avermelhada, o que fez os investigadores suporem que os facínoras mascarados eram cristãos insatisfeitos com o regime, mas logo isso se mostra um engodo, e uma conspiração romana surge.

    As cenas de embate físico são lastimáveis, tão mal coreografadas que Reeves dispensou dublês na maioria das vezes, devido principalmente aos seus opositores, em sua maioria homens rotundos  e com pouca agilidade. Depois ele queima a face do vilão Gallinus (Mimmo Palmara), mas não há nenhuma consequência grave para o antagonista, a não ser uma maquiagem mequetrefe que surge minutos após o combate. Não há sangue ou técnica de luta, a não ser é claro na genial cena de batalha de Glaucus com um jacaré, que deixaria Roger Corman morrendo de inveja.

    A tentativa de isentar os romanos da culpa de assassinar os cristão nas arenas com os leões mostrando-os sendo enganados falha miseravelmente, e além de não fazê-los parecer inocentes, ainda os classifica como imbecis e ingênuos. Os reais malfeitores são o Consul (Mino Doro) e Julia (Anne-Marie Baumann) – estrangeiros adoradores de Isis – mais uma vez denunciando o politeísmo evidenciando que  os seus dias estavam contados.

    A natureza pune os infiéis, e ela pode ser encarada como a mão pesada do Divino, que busca vingança e pune aos soberbos que trataram os inocentes que não queriam negar sua fé, é quase um recado ao Império, de que não deve mexer com os herdeiros de Israel. Os que tentam tomar para si, o ouro e as riquezas, morre soterrado, a ganância é paga com a morte. As últimas cenas envolvendo o vulcão em erupção são muito bem realizadas, o épico tem em seu caráter a indelével mensagem de que viver sem fé é pior do que morrer.

  • Crítica | Ladrões de Bicicleta

    Crítica | Ladrões de Bicicleta

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    Em 1948, a Europa, e principalmente a Itália, estava sob a sombra do pós-guerra: viúvas e mães sem filhos, jovens feridos, pobreza, desemprego e a memória ainda muito fresca do nazismo formavam a paisagem. A Segunda Guerra representa, culturalmente, um marco tão importante não só pelo número concreto de mortos e feridos, mas porque simbolicamente foi o fim de um projeto, o fim da ideia da Europa como marco da civilização e progresso, o fim de um mundo que acreditava que ciência e racionalidade só podiam trazer o bem. No centro do velho continente havia mais barbárie que nos confins da África, foi a grande descoberta do povo europeu.

    Se é um novo mundo, é necessária uma nova arte e, consequentemente, um novo cinema. O pós-guerra marca o início dos movimentos de modernização que culminariam nas diversas “Nouvelle Vagues” ao longo da década de 60 e na liberdade de diretores como Federico Fellini e Ingmar Bergman. Na Itália essa mudança vem com o nome de Neorrealismo.

    O Neorrealismo, como a maioria dos “movimentos” do cinema, não era um grupo organizado ou unificado, mas sim um momento da produção italiana em que diversos cineastas, cada um de forma individual, pareciam caminhar na mesma direção. Embora não exista um manifesto, ou um conjunto de regras, algumas características marcam os filmes neorrealistas: eles saem do estúdio e passam a filmar em externas, trazem personagens “do povo”, buscam olhar para os problemas sociais da Itália da época, trabalham com frequência com não-atores. A ideia é, como o nome do movimento indica, captar a realidade o máximo possível.

    Ladrões de Bicicleta é tido como um dos filmes marcos do Neorrealismo e, a princípio, ele é de fato um ótimo exemplar. O filme narra as dificuldades que um operário desempregado enfrenta para sustentar a família, é quase todo filmado em externas e o protagonista é interpretado por um verdadeiro operário de fábrica. Mas são inovações apenas de produção e o longa de De Sica permanece, em narrativa e linguagem, um filme clássico.

    O que não quer dizer que não seja uma obra prima do cinema. Mas há, efetivamente, pouca novidade em Ladrões de Bicicleta, ainda mais quando comparado com os outros filmes significativos da época, como Roma, Cidade Aberta e A Terra Treme. A narrativa acompanha Antonio, um operário desempregado que encontra uma possibilidade de emprego como pregador de cartazes, mas que logo no primeiro dia tem sua bicicleta roubada. Mas De Sica, ao contrário do que faziam seus contemporâneos, não se satisfaz em deixar a realidade e a miséria falarem por si só, ele é didático, emotivo e aproxima seu filme de um melodrama: a cena no restaurante não é realista, é milimetricamente construída para emocionar o espectador.

    Mesmo o momento em que alguma ambiguidade moral entra em cena e Antonio ensaia ser um anti-herói (o anti-herói, o bandido charmoso e sem moral, seria o personagem preferido das Nouvelle Vagues) a coisa foi contada de tal forma que o protagonista não chega nem perto de ser um ladrão, ele é uma vítima, um mártir. Os personagens de De Sica não são figuras anônimas da massa romana, como nos filmes de Rosselini, mas personagens “especiais”, heróis de suas próprias histórias, mesmo que estas sejam tristes, como em qualquer narrativa clássica.

    O Neorrealismo é uma resposta a um mundo de menos certezas, menos preto no branco. Roberto Rosselini mata sua protagonista nos primeiros quinze minutos de filme, Visconti sequer elege um personagem principal em A Terra Treme, a cidade e a multidão invadem seus filmes. Mas não Ladrões de Bicicleta. O rosto de Antonio aparece em close diversas vezes, assim como o da criança, mas a miséria generalizada do país não aparece, o protagonista é construído como um ser azarado, um sofredor individual, e não como um exemplo de uma situação maior.

    Ainda assim, Ladrões de Bicicleta é um lindo filme, De Sica conduz sua história com delicadeza e simpatia. Há humor e a cena final é, sem dúvidas, um dos grandes momentos da história do cinema. É um drama muito bem feito, mas o tema e a forma de produção são apenas uma fachada de novidade, essencialmente é um filme clássico, ainda mais quando colocado ao lado de obras revolucionárias. Um dos grandes momentos do cinema, mas não um momento que mudou seus rumos.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.

  • Crítica | Era Uma Vez no Oeste

    Crítica | Era Uma Vez no Oeste

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    Sergio Leone já era considerado um dos maiores gênios do gênero ao resgatar os faroestes como grandes filmes e não mero entretenimento, tudo isso graças aos excelentes Por um Punhado de Dólares e suas continuações, ele agora queria trilhar novos horizontes, mas por uma imposição da Paramount, que só arcaria com os custos de seu novo filme caso ele fizesse mais um Western e graças a essa imposição, Leone traz ao público um faroeste muito diferente de tudo o que já havia feito até então e se reinventa com Era uma Vez no Oeste.

    Cheio de conceitos e cenas brilhantes como o próprio início do filme, onde em plena tarde, sob um sol escaldante, três homens armados chegam a estação de trem, aparentemente, não querem viajar, apenas aguardam algo. E como aguardam. Com enquadramentos belíssimos, que remetem ao mais puro tédio, Leone amplifica o som de uma goteira onde estava um dos homens que esperava, enquanto o outro é incomodado por uma mosca persistente e irritante. Todo o som é voltado para essas pequenas coisas, tornando-as mais irritantes do que já são, tudo isso somado ao excelente trabalho de câmeras de Leone, transforma a cena uma das mais antológicas do cinema.

    Finalmente surge o que esperavam, o trem, mas o que querem ali? Os três homens procuram por alguém, de arma em punho, pistolas engatilhadas, mas nada encontram. O apito do trem soa novamente, sinalizando sua saída e começa a andar. Os três homens não encontram o que queriam e dão as costas, eis que ouve-se o som de uma gaita e todos viram bruscamente em direção ao trilho e se deparam com um homem com uma gaita em suas mãos. Corte.

    Toda a cena inicial descrita acima, não tem um diálogo sequer, apenas o poder da imagem, e Leone usa isso como ninguém durante todo o filme. Mostrando um estilo muito diferente da clássica trilogia dos dólares que o havia consagrado, o Diretor se reúne com Sergio Donati, Bernardo Bertolucci e Dario Argento para escrever o roteiro de um Western diferente de tudo que já havia sido feito. Se engana aquele que julga Era uma Vez no Oeste como um mero “bang bang”, pois ele está muito mais para um drama ambientado no velho oeste. O Roteiro é profundo, não deixa espaço para canastrices, como era comum nos filmes com o Clint Eastwood, talvez por isso, a escolha de Charles Bronson é tão acertada, o personagem dele é frio, calado e impõe sua vontade à força quando se faz necessário.

    A motivação de seu personagem é um mistério até o final da sequência, vamos apenas nos deliciando com seu desejo de vingança cena-a-cena. O antagonista interpretado por ninguém menos que Henry Fonda é mais um entre tantos pontos acertados. Fonda foi imortalizado pela suas interpretações de bom moço, e aqui temos ele como o vilão sujo e implacável da história. Há de se ressaltar as brilhantes interpretações de Claudia Cardinale, faz o papel de uma ex-prostituta que acaba de chegar na cidade para se casar com um fazendeiro víuvo e pai de três crianças, álias, o que é a primeira cena dela, onde temos a personagem descendo do trem e Leone com o plano fechado nela, seguindo seus passos para de repente se afastar e abrir o plano bem ao alto, para vermos toda a grandiosidade do cenário. A personagem de Cardinale, Jill, tem papel fundamental na trama e isso é muito importante para entender a evolução do Cinema de Leone, que nunca havia dado nenhum papel importante para mulheres. O outro personagem que merece ser comentado é Cheyenne, interpretado por Jason Robards, este é o personagem que faz contraponto ao jeitão sisudo de Bronson, e consegue tirar um pouco o peso dramático, remetendo ao velho estilo de faroeste que todos estavam acostumados. O fato é que Cheyenne é um dos melhores personagens do filme.

    O filme cria tensão a cada cena, tudo em ritmo bem calculado. Leone buscou um sentido para cada cena que captava, o close nos olhos de Bronson e Fonda no duelo final é um bom exemplo disso. Outro ponto que merece ser comentado é a trilha sonora composto por Ennio Morricone, ou mesmo a ausência desta e a maximização dos sons naturais, como o vento, ou mesmo a goteira e a mosca, já comentados anteriormente, e é claro, a gaita de Charles Bronson, que se tornou até o nome do personagem “O Gaita”. Sem dúvida, o melhor trabalho de Morricone até então.

    Era uma Vez no Oeste é uma obra de arte dos cinemas. Obrigatório não só para os apaixonados por western, Sergio Leone ou os atores citados, mas sim para todos os amantes de cinema.