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  • Crítica | Alice Através do Espelho

    Crítica | Alice Através do Espelho

    alice atraves do espelho“Se você não sabe onde quer chegar, então qualquer caminho serve”, disse o Gato Que Ri à Alice, que conta suas aventuras pelo País das Maravilhas no livro de Lewis Caroll. E é exatamente esse conselho que a direção de Alice Através do Espelho, de James Bobin, parece seguir no longa. A obra original, Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá, é uma espécie de sequência que simplesmente ignora a fonte, e embora possa ser “mais do mesmo” acaba por ser uma leitura agradável no fim das contas. Já o filme está bem longe disso. Do material original, apenas o título e a passagem pelo espelho se mantiveram. De resto, nada tem a ver com o livro, ignorando passagens memoráveis como o conto da Morsa e o Carpinteiro, ou a conversa com as flores no jardim.

    A maioria das adaptações da obra não seguem-na ao pé da letra, é verdade, e muitos filmes misturam o primeiro livro com o segundo – como os próprios estúdios da Disney fizeram nas duas versões anteriores a essa – mas sempre guardam alguma semelhança. Dessa vez, apenas o título mesmo foi usado. Fica claro desde o começo que não passa de uma forma de ganhar dinheiro com um produto já conhecido do público, com um esforço mínimo de trazer personagens memoráveis ou sequer significantes para a trama. Revemos velhos conhecidos, como o Coelho Branco ou a Lebre de Março, que apenas desfilam pela tela sem qualquer relevância.

    Logo no início, como de costume, vemos Alice (Mia Wasikowska) no “mundo real”, como capitã de um navio enfrentando perigos, e em seguida, resolvendo negócios de família e sendo ridicularizada por ser mulher. Se tivéssemos mais tempo com a Alice do mundo real, talvez poderíamos até mesmo ver uma história interessante. Infelizmente, esses problemas são tratados de forma superficiais e sequer arranham a superfície das questões que poderiam ser levantadas, mesmo que de forma anacrônica, por uma personagem feminina forte. Isso não ocorre, talvez pela falta de carisma da protagonista ou do raso desenvolvimento de sua personalidade. Temos que ser informados por sua mãe de que ela é “teimosa”, quebrando uma das regras fundamentais das artes cênicas de mostrar, não contar.

    Alice ouve a voz da Lagarta, agora transformada em Borboleta, que a guia até um espelho. Ao atravessá-lo, Alice volta para o Mundo Subterrâneo (Underland no original, fazendo um trocadilho com Wonderland). Se algo se salva nessa cena é a voz da Borboleta, interpretada pelo finado Alan Rickman, o eterno Professor Snape de Harry Potter, em seu último papel. Essa cena, que deveria ser de extrema importância por estar no título do filme, é totalmente banalizada. Alice simplesmente atravessa o espelho e pronto! Não existe encantamento, deslumbre, motivação… nada! Talvez por puro fan service, vemos um tabuleiro de xadrez senciente e Humpty Dumpty (o homem-ovo da rima infantil inglesa), em uma breve aparição, fazendo a única coisa que ele sabe fazer.

    Alice se encontra então com a “turma antiga” (seus amigos de Alice no País das Maravilhas), que estão todos tomando chá e se mostram felizes por vê-la. Assim, ela fica sabendo que o Chapeleiro Louco caiu em desgraça e precisa muito de sua ajuda. Ao conversar com o conturbado Chapeleiro (Johnny Depp, que parece querer reprisar mais uma vez o papel de Jack Sparrow) descobre que ele está abatido devido a um drama familiar. Alice, para ajudá-lo, vai até o Senhor do Tempo (Sacha Baron Cohen, ainda mais caricato que seu famoso personagem Borat) atrás de um artefato que a permita voltar no tempo. E é aí que a trama se torna genérica de uma vez!

    A Rainha de Copas interpretada por Helena Bonhan Carter é a vilã novamente – e novamente é mesclada com a Rainha Vermelha do livro – e também quer o mesmo artefato, chamado cronosfera, e para isso isso envolve-se em um relacionamento com o Senhor do Tempo. O desenrolar da história é tão mal-feito que descobrimos que tudo que acontece é por causa de uma… torta! Sim, a torta que faz parte do julgamento no primeiro livro e é apenas um recurso narrativo para parodiar os absurdos e arbitrariedades do sistema de Justiça, aqui é um elemento principal da história. E mais uma vez vemos o recurso narrativo da “escolhida” sendo usado, pois Alice é a única que pode salvar o mundo e por aí vai…

    O filme carece de uma lógica interna, o que torna seu desenvolvimento ainda mais sem sentido. Durante as viagens no tempo, ficou estabelecido que não se pode mudar o passado, mas mesmo assim, o passado é mudado! Os personagens são simplesmente desperdiçados e as piadas até tentam fazer rir, mas não funcionam. A melhor parte do filme é quando Alice volta ao mundo real pela primeira vez e quase temos um plot twist – bastante sombrio e que levantaria muitas questões a serem discutidas sobre a veracidade das viagens da personagem – mas que sequer é comentado no fim, quando ela volta de vez e resolve os problemas que havia deixado pra trás.

    No fim das contas, o filme não parece ir para lugar nenhum. Além da parte estética e fotografia, que emulam muito bem o estilo que Tim Burton imprimiu no também sofrível primeiro filme, não há nada que justifique o tempo perdido com essa película. Se a ideia era realmente não ir a lugar nenhum, então todos os envolvidos na produção estão de parabéns por atingir o objetivo.

  • Crítica | A Colina Escarlate

    Crítica | A Colina Escarlate

    Colina Escarlate 1

    Ainda que um exemplar do cinema mainstream que Guillermo Del Toro adotou para si, o pretenso terror A Colina Escarlate usa de cenários magnânimos para aludir o principal talento de seu diretor: o de montar espetáculos visuais indiscutíveis, cujo deslumbre alcança até as plateias que não são muito afeitas ao seu tipo de abordagem cinematográfica.

    O grave problema da fita é o seu texto. A premissa, envolvendo a aspirante a escritora Edith Cushing (Mia Wasikowska), compreende uma paixão impossível, entre a bela moça e o britânico em ascensão econômica Thomas Sharpe (Tom Hiddleston). Acompanhado de sua irmã, Lucille (Jessica Chastain), Thomas corteja a romancista embrionária, apoiando-a até no momento em que o patriarca Cushing é emboscado e morto. O maior problema do filme é a obviedade, já que a partir da ida dos personagens à Europa – para a tal colina vermelha – toda a trama já aparenta clareza.

    Os escritos de Edith são ligados ao terror, sempre sonhando e lidando com espíritos fantasmagóricos, que se manifestam em sua vida desde a infância até a intimidade de esposa do investidor inglês. Na enorme mansão decadente ocorrem contatos ainda mais intensos com o sobrenatural, com efeitos visuais interessantes e até gore, em comparação com o visual mais limpo dos dois filmes de Hellboy. Mas, ainda assim, os sustos são inexistentes e o terror é raso. Não há aprofundamento nem de personagem, história ou de aura atemorizante.

    A caracterização do filme é tão mal concebida que a ideia de ser uma reverência a outros estilos de filmes de horror, dá lugar uma reimaginação de contos de fadas ao estilo Malévola, ainda que a violência nesse seja muito mais presente. Mesmo os momentos de horror são bastante leves, como se Del Toro tentasse repetir os méritos de A Espinha do Diabo de um modo pasteurizado, com medo de chocar seu novo público, ignorando o grupo de admiradores que sempre lhe foi fiel.

    Os detalhes das magníficas instalações não sustentam os terríveis erros de roteiro, piorando mais ainda quando se percebe a atuação de Chastain, histriônica e caricata, além da dramaturgia automática de Hiddlestone. As participações de Wasikowska passam longe de reprisar seus melhores momentos em Hollywood, assim com Charlie Hunman, que faz o Dr. Alan McMichael, um personagem genérico que faz o público perguntar se sua amizade com o diretor é verdadeira, já que sua personagem é completamente desimportante.

    Até temas tabu, como incesto e resignação, são diluídos, e os mesmos defeitos de obviedade de Círculo de Fogo se reprisam em A Colina Escarlate, agravando-se pelo fato de não possui o massavéio para desviar a atenção dos sérios defeitos do texto. O aspecto teatral e a coloração que faz lembrar O Orfanato – talvez o último acerto indiscutível entre os filmes que o mexicano ajudou a fazer – não conseguem livrar a obra da mediocridade em que insistentemente abarcou. Só salvando-se, nos momentos finais, a extrema violência da fita – essa sim um aspecto interessante da filmografia de Del Toro.

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  • Crítica | Alice no País das Maravilhas

    Crítica | Alice no País das Maravilhas

    O conceito de re-conto permeia toda a produção do filme da Disney encabeçado por Tim Burton, não só pelas dezenas de outras adaptações do romance de Lewis Carroll, mas também por apresentar a personagem-título vivendo outros paradigmas, que não só os de discutir os devaneios que teve ao ter contato com o mágico mundo visitado em sua infância. Aproximadamente dez anos após os eventos do livro, Alice (Mia Wasikowska) não se lembra da viagem ácida que fez no passado, sempre relegando estes eventos a lembranças de sonhos, destacando um ou outro elemento enquanto frequenta uma festa pomposa, repleta de socialites.

    Já próxima da fase adulta, Alice vê em si a responsabilidade de salvar sua família da crise financeira que a acometeu desde que sua mãe (Lindsay Duncan) ficou viúva, restando à garota um casamento forçado com uma figura efeminada, que certamente não supriria quaisquer de suas necessidades maritais, factoide este aplacado, claro, pelo fato desta obra ser uma fábula infantil.

    Para Alice, mais interessante é dar vazão à perseguição ao Coelho. A busca pela clarividência dos fatos esquecidos pela personagem principal ocorre em meio a um grotesco cenário, com uma paleta de cores que não tem identidade, nem ser clara o suficiente para remeter aos desenhos animados dos tempos áureos de Walt Disney, mas não tão escura o suficiente para reproduzir o barroco comum da filmografia de Burton. É curioso como a completa falta de espírito alastra-se na fita tanto quanto com a representação de sua heroína, fazendo se perguntar se o erro não é proposital, desconsiderando a costumeira incompetência do diretor em apresentar histórias simples.

    Os desencontros seguem com uma enorme gama de personagens descartáveis e sem carisma, praticamente proibindo qualquer rastro de empatia com a jornada. O script de Linda Woolverton é banguela, sem qualquer possibilidade de uma digestão saudável por parte do público. Tudo é motivado pelo péssimo e enorme conjunto de falhas e incongruências que fazem discutir a culpabilidade da ruim qualidade da obra, se da roteirista ou do diretor. Burton costuma transformar bons textos em apresentações demasiadamente incongruentes, fator que faz pesar a responsabilidade, uma vez que Woolverton coleciona muito menos pecados filmográficos que o cineasta.

     O Chapeleiro Louco de Johnny Depp nem é tão irritante se comparado ao pastiche do ator através dos anos com a saturação de Jack Sparrow, Tonto, seu personagem em Sombras da Noite – também de Burton –, e, claro, se confrontado com o porre causado pela Rainha de Copas de Helena Bonham Carter. O grotesco da maquiagem e as colocações verbais não conseguem ofuscar todo o equívoco que é sua performance dramática, certamente um dos mais lamentáveis aspectos do já combalido filme.

    Outra infeliz coincidência de erro dentro da trama é a aleatoriedade do tamanho de Alice, que em muitos momentos tomava algum tipo de poção que a fazia aumentar e diminuir de tamanho, uma tentativa óbvia de exibir que, para uma adulta, aquele mundo louco já não era cabível, tornando a inadequação o ponto máximo do incômodo que é terminar de assistir à película. Evidencia-se, assim, o quão banal é toda aquela caracterização grotesca e descabida, que serve quase que somente para desvirtuar os rumos dos personagens clássicos de Lewis Carroll. A falta de resolução de tamanhos também remete à dificuldade de propor uma identidade do filme, que demonstra problemas em demonstrar o variável entre pesado e/ou infantil, sendo enfadonho em ambos os aspectos.

    O ponto de partida, onde o roteiro poderia finalmente ser maduro, é completamente ignorado, dando lugar a uma pífia batalha épica, que seria comum no futuro em outros filmes semelhantes – a lembrar-se de Branca de Neve e o Caçador – jogando por terra qualquer possibilidade de discussão minimamente interessante, tudo para apelar ao óbvio hype de Game of Thrones que tomava as noites da HBO.

    De todas as criaturas birutas que habitam aquele cenário, Absolem (voz de Alan Rickman), que, assim como Alice, também está em fase de maturação, tornando física – também igual à personagem-título – sua transformação em algo maior. A máscara de mentor lhe serve perfeitamente, pois é no drama que Alice perceberá que são necessários uma movimentação maior e um desprendimento das certezas pseudo-amadurecidas que tem, tendo no encontro com a forma em casulo do seu mestre a ciência de tudo que viveu quando ainda era muito jovem.

    Basicamente, o roteiro demoniza os deformados, mostrando-os como seres ressentidos e amargurados, que têm sua dor causada pela rejeição, uma vez que a tirania é vazada a partir de um deles. O pretenso crescimento espiritual da protagonista é interrompida por dancinhas constrangedoras com a intenção de quebrar o decoro da forçada cordialidade dos nobres presentes no mundo real, mas que, em essência, só ridicularizam a nova postura da personagem. Mia Wasokwska, aliás, não parece inspiradora mesmo quando consegue vencer os preconceitos que a cercam. A versão de Burton acerta em poucos aspectos, tendo uma trilha sonora acertada, mas que nem incorre como deveria. A sensação da análise final é de que Alice no País das Maravilhas é um equívoco completo: bobo, patético e deslocado.

  • Crítica | Mapas Para as Estrelas

    Crítica | Mapas Para as Estrelas

    Mapa Para As Estrelas 1.5

    A viagem em um ônibus popular que atravessa municípios está longe demais da realidade almejada por Agatha Weiss (Mia Wasikowska, cada vez mais linda e madura), que chega a Hollywood para dar uma volta na limusine dirigida pelo aspirante a ator Jerome (Robert Pattinson). Numa breve conversa, revelam-se as dificuldades que se apresentam ao viver no olho do furacão da cultura pop, surgindo, claro, os graves assuntos familiares que a fazem ser obrigada a ficar longe dos seus.

    A câmera de David Cronenberg trata de variar logo seu foco, mostrando uma família disfuncional, que em níveis diferentes reflete as neuras e paranoias típicas do show business. O pai Sanford, feito por John Cusack – com visual tão bizarro quanto em Obsessão –, é um psicólogo que se vale dos incautos que compram seus livros de autoajuda. Ele é o guia do clã rumo a qualquer possibilidade de sucesso, e investe em carreiras distintas entre os parentes. Seus esforços físicos são mais voltados ao tratamento de uma atriz cinquentenária repleta de crises – interpretada por uma oxigenada Julianne Moore –, que tenta, através de madeixas louras, esconder a real idade (e o envelhecimento físico visto a quilômetros) no intuito de conseguir interpretar um papel que sua mãe fez, em um remake. Havana Sangrand tem sérios problemas psíquicos, encarando com frequência o espectro de sua mãe Clarice (Sarah Gordon), que a atormenta e faz duras críticas a cada performance sua.

    Benjie (Evan Bird) é um jovem menino, que tem sua precoce carreira cuidada pela mãe da família Christina (Olivia Williams). A pressão que sua genitora realiza para que ele tome as melhores decisões possíveis revela – mais uma vez – a profunda perseguição à notoriedade no ambiente que é o mundo dos célebres astros do audiovisual. A tentativa do roteiro de Bruce Wagner é parodiar esse ambiente apontando seus absurdos, que se tornam caricatos pela lente e edição de Cronenberg, exagerando o tema em muitos pontos da trama para provar os pontos que defende.

    Cada um dos humanos parece deslocado da realidade, como se a febre da corrida por glória e renome anestesiasse os personagens, tornando relação e conversa travada por eles artificiais e aéreas. Apesar de não perder o apelo sexual, o visual de Moore e Wasikowska é estranho em algum nível, revelando defeitos estéticos, como marcas e envelhecimento da epiderme, provando que elas são espécimes humanas vvendo pateticamente em um ambiente semifantástico.

    A aura predominante é uma ode ao grotesco. As reações às recusas são intolerantes, especialmente da parte da debilitada Havana. Há estranhamento do público ao analisar os fatos recorrentes da fita. Os inimagináveis exemplos fazem lembrar a face pouco usual do cinema de David Lynch, onde os limites explorados passavam longe do comportamento padrão da indústria cinematográfica e não restringiam o desenrolar de qualquer história. No entanto, o modo como Cronenberg faz seus planos não é tão inspirado, também pelo caráter depressivo de seu conto.

    A esquizofrenia e as cicatrizes de deformação de Agatha não só a diferenciam visualmente dos corpos sem vida que vagam pelo mundo estranho apresentado na película, como também são avatares da insanidade que habita a mente e alma dos fúteis homens que compõem o clã dos Weiss. Uma análise cuidadosa do quadro revela que os demônios que atormentam uma das gerações reverberam na outra, denotando a maldição hereditária e a praticamente incombatível realidade inexorável e incondicional.

    As esferas de perturbação mental variam seus ápices entre as tentativas de morticínio familiar e a quantidade exorbitante de devaneios e ilusões com seres incorpóreos, algo que ocorre a mais de um personagem por vez e cuja razão não é explicada. As maiores possibilidades de origem de tais fatos podem prevalecer no uso abusivo de alucinógenos ou na cada vez mais crescente possibilidade de insanidade do coletivo, igualmente agravados pelo envolvimento com infantes e adolescentes, pessoas cujo caráter e inteligência emocional ainda estão em formação, mas dentro do escopo dessas fantasias.

    A obra segue fiel aos preceitos do início da carreira de seu diretor e faz lembrar, em espírito e algumas cenas violentas, o gore dos clássicos insanos Scanners e A Mosca. Ainda assim, Cronenberg perde em seriedade, repetindo grande parte dos erros de Um Método Perigoso, ainda que, em se tratando de qualidade, Mapas Para as Estrelas esteja anos luz à frente dos últimos filmes do cineasta. O foco em apresentar um deboche inspirado na falsidade ideológica que Hollywood exala é pontual, mas o roteiro que tinha em mãos é bastante atabalhoado, sendo, em alguns momentos, salvo pela ótima direção de atores. Porém, sobra em excentricidade em alguns dos núcleos. O saldo final é positivo, especialmente pelo pastiche e pela referência à crueldade do método e da arte.

  • Crítica | O Duplo

    Crítica | O Duplo

    O Duplo - nacional

    Já no início da trama, percebe-se uma mente conturbada por parte do inseguro protagonista, Simon. Em direção à sua rotina de trabalho, o homem é impedido pela estranheza que parece ter alterado seu cotidiano há pouco tempo. O caminho rumo ao seu emprego acontece em um vagão de trem, mal iluminado e insalubre, e ele prossegue, indo por uma estação subterrânea imunda e escura. Na chegada ao portão, ele é barrado, numa clara alusão à dificuldade que tem de se sentir pertencente a um lugar. A sensação que predomina é a de deslocamento da realidade.

    O aparente motivo do incômodo para Simon é a chegada de um novo funcionário, o qual lhe é grosseiro em um primeiro momento, e com mais aptidões que ele. James também é vivido por Jesse Eisenberg, e consegue representar a atuação mais moderna de seu intérprete, enquanto Simon se assemelha mais à faceta de associação comumente feita pela semelhança física com Michael Cera, emulando até a falta de dotes dramatúrgicos do ator comediante.

    A dualidade presente na interação entre Simon e James é apenas um aperitivo do universo que se desenrola ao redor das pessoas presentes na película. O universo mostrado no roteiro de Avi Korine e Richard Ayoade – que também assina a direção – guarda semelhanças visuais com muitas ficções científicas de baixo orçamento, especialmente nas referências midiáticas. As alusões textuais revelam uma realidade próxima da distopia, mostrando uma tirania movida por órgão privados, como a empresa do Coronel onde Simon trabalha. A companhia, em seus informes publicitários, deixa claro que ninguém é especial, um conceito menos autoritário que o de 1984, de George Orwell, visto que não é necessariamente proibido o contato entre humanos, já que a moral e autoestima destes não permitem qualquer relação mais íntima, graças à desmotivação geral.

    A lei não proíbe que casais se formem, mas a influência exercida pelo quarto poder – comunicação – faz com que as pessoas não se sintam aptas a tomar riscos, ao menos é essa sensação que é passada pela vivência de Simon. Quando ele resolve tentar a sorte ao sair com sua colega de trabalho, Hannah (Mia Wasikowska), a euforia tenta tomá-lo, em um dos poucos momentos em que cores vivas se permitem predominar na fotografia monocromática, mas o entusiasmo é interrompido pela inaptidão do rapaz e, claro, pelo azar enorme, que parece ser exclusividade sua, ao menos segundo a interpretação que faz dos fatos.

    É curioso como o único que se permite ter uma visão diferenciada do processo industrial e da modernidade seja exatamente o personagem cujo fracasso é mais evidente, como se o mau agouro lhe conferisse poderes. Logo, as contrapartes vão se unindo em favor de um bem maior, que é a abordagem ao belo sexo. O convívio entre ambos faz os fatos se tornarem ainda mais estranhos do que já vinham sendo.

    O modo como Ayoade conduz seu filme apresenta diferentes módulos de interpretação, tornando um “não mistério” a possibilidade de ser o par de iguais a mesma pessoa, porém não em uma curiosa opção, mas sim uma questão evidente. O enigma fica por conta da óbvia busca pela identidade, usando o roubo e a falsidade ideológica como sinais de uma possível insanidade, que por sua vez poderia ser fruto do constante escravagismo sentimental causado ao homem através dos constantes abusos da sociedade vigente.

    Eisenberg interpreta as duas faces do ser masculino, apresentando nuances e maneirismos distantes o suficiente para gerar no espectador a dúvida a respeito de suas reais intenções, que ganham ainda mais ambiguidade graças à nebulosa direção acompanhada de uma trilha sonora pontual. Tais elementos conseguem resgatar a essência de um suspense noir, fazendo com que as bizarrices inerentes ao espírito não sejam tão intragáveis aos olhares do público menos afeito à estética dos weird movies.

  • Crítica | Amantes Eternos

    Crítica | Amantes Eternos

    Os filmes de Jim Jarmusch têm um gosto de improviso, de um autodidatismo irresistível; uma liberdade que começa com apelido de amadora, libertina, se o início não é dos melhores, rumo ao selo individual de um Cinema autoral, como já o é, unificado com o registro de uma realidade em que Jarmusch parece ligar sua câmera de repente e capturar apenas o que for indiscutivelmente real nos mundos internos de cada um. Realidades encenadas para resolver o caos “que o mundo tem de sobra para resolver no momento”, como de fato é apontado pela persona de John Hurt à frente de Tilda Swinton, enquanto o irmão de Thor (Tom Hiddleston) em Os Vingadores não busca, todavia, o consolo de quem o entende por sua condição peculiar, mas o néctar da eternidade pra colocar na mesa e sentir seu coração bater na ingestão vital. Depois de meia dúzia de Crepúsculos da vida, o mundo estava precisando de um filme de vampiros de Jim Jarmusch.

    Amantes Eternos não é promessa, mas não deixa de ser a afetividade do sueco Deixe Ela Entrar ao tom de Blue Valentine, clássico álbum de Tom Waits, cuja amizade do cantor consiste com a de Jarmusch.

    A única vez que o diretor de Daubailó usou o pretexto de fazer um filme para explorar, humilde e elegantemente, os extremos do efeito widescreen, até então, teria sido no ótimo Dead Man, o faroeste must-see dos anos 1990, quando na verdade, em Amantes Eternos, o suspense que Wes Anderson gostaria de fazer se pudesse deixar na gaveta sua fanática precisão estética, qualquer movimento de câmera por mais leve que seja, faz ditar, tal fosse a concepção do plano a encarnação do sensorial, o clima e o forte sentimento existencial do filme, por dentro da intimidade de um casal que não sabemos (enquanto visitantes de seu universo, submissos ao surreal estranhamente real de tudo o que sai e entra em cena), ao fundo, jamais, onde começa ou termina sua humanidade, a benevolência e a brutalidade de ambos; banhados em mistério perpétuo que luz alguma haverá de traduzir.

    Não seriam tais vampiros, perdidos no tempo e motivações, um retrato de uma classe de cineastas já muito marginalizados por serem autorais até os ossos? Sim, talvez ou com certeza? E com uma história frágil, de propósito e intenção ligados ao valor dispensável de vidas já perdidas há séculos de vício e penitência, resta a Jarmusch, mestre em ritmo e narrativa, nos dar uma lanterna em forma de trilha sonora e situações contextuais por entre a riqueza oculta dos antagonistas de sua produção hipersensível, mesmo que só nos seja permitido acompanhar essas almas penadas por meras duas horas, mais sob a sombra de hipóteses, do que sobre a luz de qualquer certeza. A sessão condiz e reafirma o poeta: Não há eternidade senão a eternidade que convém alimentar, para que tudo não fique ainda pior do que ficou, sem o efeito maré para voltarmos no tempo e rever nossas brevidades; ó, utopia!

    A dependência pelo mundano atinge bela e melancólica antítese na filmografia do cineasta que já explorou quase todos os vícios do ser humano moderno, impondo em Amantes Eternos, agora, várias faces do entretenimento, a música, o xadrez e a literatura feito nobres exercícios de autoafirmação. São as últimas escolhas de expressão de autonomia e direito natural de quem nem mesmo detém mais da morte como certeza e amiga fidedigna. Em certo ponto, Hiddleston e Swinton, Adão e Eva, chegam a expulsar de sua casa, velha por fora mas vintage por dentro, o exato contrário dos moradores, num modelo habitacional de Detroit, cidade dos Estados Unidos, chegam a distanciar de si a irresponsável jovem irmã de Eva (Mia Wasikowska) por aparecer e desperdiçar pescoços alheios feito café barato em bares sujos – até o néctar rubro ser jorrado em gozo pelo tapete da sala do casal. Acontece que o jardim do Éden atrai, mas tem regrinhas que poucos conseguem seguir. A sobrevivência vem a ser para esses poucos, e acima de tudo: Àqueles que sabem que estão vivos, e podem continuar assim a todo preço. A vida vicia, longo transe perante a morte que é.

  • Crítica | Segredos de Sangue

    Crítica | Segredos de Sangue

    stoker

    Do excelente realizador sul – coreano Chan-Wook Park (de Oldboy ) Stoker é um thriller, que mostra uma família que acabou de perder seu patriarca. A história é centrada no clã Stoker e nas relações entre India – filha do morto, encarnada muito bem por Mia Wasikowska-, a mãe – interpretada por Nicole Kidman – e pelo tio recém-chegado de viagem Charlie – Mathew Goode – que parece esconder um passado obscuro, e que basicamente tenciona seduzir as duas mulheres da família.

    O mais interessante em Stoker, é a forma como Park registra os sentimentos dos personagens. Os ângulos de câmera demonstram o isolamento de India logo no começo, dispensando qualquer argumentação textual ou fala. Os planos frios combinam com a arquitetura repleta de objetos brancos, pela casa, que por sua vez contrastam com as vestes negras de luto. Há uma abundância de cortes secos e planos aéreos, as dúvidas e reticências da protagonista são pontuadas com o tremer das filmagens. Nas vezes em que ela observa as pessoas que a desagradam, a imagem vem de baixo para cima, de uma forma inquisitiva. A lente se distancia dela em alguns momentos, principalmente quando está acompanhada de sua mãe, demonstrando seu incomodo com o convívio humano – um dos pequenos indícios do que viria.

    O roteiro sugere uma enorme quantidade de situações incestuosas e desejos sexuais reprimidos, quase sempre ligados a morbidez. Outro fator observado em alguns personagens é a obsessão por simetria, aos poucos o quadro ganha contornos reais e desenha a real intenção do filme.

    O foco nas cenas de violência é geralmente no agressor, e no prazer que ele sente em fazer aquilo, a intenção passa por demonstrar a evolução do desejo carnal em gerar dor, além é claro da erotização da violência.

    Numa das falas de Richard – o falecido pai – diz-se o seguinte: “Às vezes é preciso fazer algo ruim para não fazer algo pior!”. A frase é interpretada por sua filha e pelo espectador, como uma compensação, em que pequenos atos de maldade aplacariam e amenizariam a vontade de fazer algo cruel de verdade. A enorme quantidade de signos e pistas que permeiam o filme fazem maior sentido quando juntas no final.

    A rejeição seria a principal razão para os atos atrozes mostrados no ecrã, mas estes são registrados de forma dócil, quase sem nenhum julgamento moral. A câmera mostra que a visão de India para a maioria dos fatos que acontecem ao seu redor, são vistos de forma propositalmente parcial, ignorando pessoas ou situações e as conseqüências desses atos.

    O filme é reflexivo e toca em muitos assuntos familiares complicados e, na maioria das vezes, ignorados. A mensagem final explana que negar a própria natureza é infrutífero, pois os desejos incubados não permanecerão assim para sempre. O título nacional “Segredos de Sangue” é um spoiler gigantesco, uma lástima, pois os fatos se desenrolam de forma imprevisível e gradual, o esmero e o cuidado de Chan-Wook Park em filmar Stoker é gigantesco, não apela para clichês de filmes do gênero, ao contrário, pois só se descobre o caráter da obra juntando as pistas, e é claro, em seu final escancarado.

  • Crítica | Os Infratores

    Crítica | Os Infratores

    Poster de os infratores

    Os Infratores (Lawless, 2012), filme dirigido por John Hilcoat (A Estrada), com roteiro de Nick Cave adaptado de um livro escrito por Matt Bondurant, neto de um dos personagens principais do longa, que é baseado em fatos reais.

    O filme nos conta a história dos irmãos Bondurant, que vivem no Condado de Franklin, Virginia. Na década de 1930 durante a recessão americana e portanto, com o cenário da lei seca. Os irmãos são Jack (Shia Labeouf) o mais novo, que tem sempre de provar o seu valor aos outros. Forrest (Tom Hardy), o mais velho; chefe da família, e Howard (Jason Clarke), o mais temido dos três, muito por seu comportamento explosivo.

    A família toca uma espécie de restaurante, posto de gasolina e base de operações para outros negócios, que agora com a lei seca, se resumem a fazer um Whisky clandestino de boa qualidade. Atividade que apesar de ilegal, é amplamente aceita e difundida entre as pessoas da região. O problema se inicia com a chegada do corrupto agente federal de Chicago, Charley Rakes (Guy Pearce), que deseja organizar o comércio de bebidas daqueles caipiras. Fazendo valer a sua autoridade sobre um xerife, que também não concorda com seus métodos.

    Rakes é um personagem enjoado, que destoa de todo aquele universo em que está inserido. Com trejeitos afetados. Um penteado dividido que é mantido com obsessão e um exagero constante no uso de sua colônia. Guy Pearce faz um bom trabalho na construção desse papel, apesar da pouca exigência de um personagem linear, sem nuances e traços contraditórios. Que não deixa dúvidas, nem ao espectador mais desatento, que se trata do vilão da trama.

    Somos apresentados também, a duas personagens femininas, Maggie Beaford (Jessica Chastain), uma dançarina da cidade que vai para o interior em busca de uma vida mais calma e acaba se tornando uma espécie de faz-tudo dos negócios dos Bondurant: garçonete, contadora, além de namorada de Forrest. A outra mulher da história é Bertha Minnix (Mia Wasikowska), filha de um pregador, que se apaixona por Jack, e acabam mantendo um romance proibido. Ambas as personagens pouco movimentam a história ou tem uma real importância naquilo que somos apresentados. Elas servem mais como um artificio para humanizar os heróis do filme, e de certa forma, transformar aquela história de crimes e violência, em uma história de família.

    Apesar dos créditos iniciais de ‘Os Infratores’ nos dizer que se trata de uma história baseada em fatos reais, tudo no filme funciona como se fosse uma saga de um pescador e seu peixe de 100 quilos no lago, contado enquanto se passeia por algum reduto longe da cidade. Quase tudo tem um certo exagero, tanto na velocidade com que as coisas acontecem, a proporção que os fatos tomam, e principalmente, as cenas de ação e tiroteios, longe de qualquer veracidade do nosso mundo. Mas que nos deliciaria ao ser contada como um “causo” do interior, repleto de lendas e folclore em torno da misteriosa família Bonderant, tida como invencível por toda região.

    Com homens da lei que agem por maneiras escusas. E transgressores honrados e corajosos, que não causam nenhum mal para aqueles que são bons. ‘Os infratores’ define muito bem quem é vilão e quem é herói. A única ambiguidade que vemos se dá na forma dos personagens Jack e Forrest, que são uma espécie de reflexo invertido. Enquanto o primeiro sempre foi um tipo avesso a violência, beirando a covardia, Forrest era o primeiro a se apresentar a ela. Em contrapartida, quando o assunto eram os negócios, Forrest era conservador, preferia manter sua vida tranquila, sem incomodar ninguém, para também não ser incomodado. Já Jack, era ambicioso, disposto a quase tudo pelo sucesso, venerando inclusive, o mafioso Floyd Banner (Gary Oldman) – que infelizmente faz um papel bem pequeno no filme e acredito que poderia ser melhor explorado.

    Com uma bela fotografia de Benoît Delhomme; direção competente de Hilcoat, principalmente nas cenas de ação, sempre intercaladas com cenas cotidianas que aprofundam e nos fazem simpatizar por aqueles personagens. Além de retratar o espaço e o tempo que aquela história se passa. Somado também a uma leve mistura de gêneros como Western e Gangsters, ‘Os Infratores’ se mostra um bom filme sobre um “causo” passado adiante por vários contadores de história.