Tag: Jim Jarmusch

  • Crítica | Mortos Não Morrem

    Crítica | Mortos Não Morrem

    Normalmente quando se pensa em filmes, hqs, livros ou series sobre zumbis, se mostra uma cidade grande e central lidando com a tal praga. Não é o caso de Mortos Não Morrem, novo longa-metragem de Jim Jamursch, que vem nos últimos anos, visitando o gênero terror – em 2013 conduziu o filme de vampiros Amantes Eternos. A localidade é Centerville, um pacato vilarejo vigiado pela dupla de policiais chefe Cliff Robertson e oficial Ronald ‘Ronnie’ Peterson, interpretados por sua vez por Bill Murray e Adam Driver, que começam a perceber uma movimentação estranha no local.

    Nos anos noventa Jamursch dedicou seu esforços a desconstruir alguns gêneros cinematográficos. Em Dead Man discutiu  o Western, enquanto Ghost Dog perverteu os clichês de filmes de samurai, e ele parece querer fazer isso com as obras de George Romero neste, além é claro de referenciar os populares Guerra Mundial Z e The Walking Dead, ainda que aqui haja uma carga de humor não óbvio muito forte, causada pela força das circunstancias, e em uma freqüência de ironia poucas vezes vistas nas parodias recentes.

    A câmera passeia pelo cotidiano bucólico de Centerville, mostrando algumas pessoas comuns, esperando sua comida, destilando preconceitos, se metendo em small talk em mais um dia comum. As pessoas estão tão entretidas com as futilidades comuns a si que não percebem que o mundo está mudando e está ruindo. É como se fosse mais um dia como outro qualquer, como se o fim do mundo não afetasse quem já está isolado do restante da “alta civilização”. Eles só percebem que algo está errado de fato quando os animais começam a sumir, e mesmo em meio a uma cidade de pequena população, há gente ainda mais excluída.

    Não há pressa em mostrar o mundo sendo destruído, o registro sobre o bucólico e sobre a vida simples no campo dá o tom no primeiro terço do filme, só ocorrendo o alvorecer dos mortos após o passar da manhã e tarde, possivelmente referenciando o nome do clássico maior de George Romero, A Noite dos Mortos Vivos. As cenas dos primeiros ataques guardam um humor que mistura o não obvio, ao colocar os mortos vivos andando vagarosamente até suas vítimas, diferente do péssimo conceito de zumbis velocistas como em Madrugada dos Mortos, Zumbilândia ou Extermínio, além de fazer troça com a aparência de Iggy Pop, um dos ídolos do diretor e protagonista de seu último longa, Gimme Danger.

    O roteiro também brinca com os fan services e referencias desnecessárias, utilizando uma discussão entre Zoe (Selena Gomez) e seus amigos com o frentista e fanático por filmes de horror b Bobby Wiggins (Caleb Landry Jones), mostrando um Pontiac LeMans, o carro utilizado pelos personagens de Uma Noite dos Mortos Vivos original de 1968. O modo que o filme reverencia as obras clássicas brinca com as obviedade do cinema de referencia e digere sua montanha de menções forma própria e debochada.

    A proximidade do fim faz com que os personagens percebam o obvio, que não há escapatória. Os poucos que ousam ficar vivos se vêem cercados, com pouca ou nenhuma perspectiva de sobrevivência, basicamente esperando a morte chegar, ou os recursos acabarem, ou terem seus domicílios invadidos, no entanto isso não é explorado de maneira melodramática ou seria, e sim fazendo piada, de humor negro, com desdém normalmente, como quando os hipsters de Cleveland são decapitados pelos caipiras de Centerville.

    Jamursch faz uma espécie  de filme resposta ao que Rob Zombie empregou em seu Halloween: O Início – embora a acusação de simplismo e de preconceito com o rural seja discutível – mostrando o cidadão do campo como superior ao urbano, e ainda guarda para seus momentos finais uma intervenção inesperada, que faz com que tudo que foi visto até aquele momento, pudesse ser apenas um despiste. A virada do roteiro é digna dos clássicos de Ed Wood, tão cretina que soa engraçada, como aliás é toda a tônica do longa,

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  • Crítica | Amantes Eternos

    Crítica | Amantes Eternos

    Os filmes de Jim Jarmusch têm um gosto de improviso, de um autodidatismo irresistível; uma liberdade que começa com apelido de amadora, libertina, se o início não é dos melhores, rumo ao selo individual de um Cinema autoral, como já o é, unificado com o registro de uma realidade em que Jarmusch parece ligar sua câmera de repente e capturar apenas o que for indiscutivelmente real nos mundos internos de cada um. Realidades encenadas para resolver o caos “que o mundo tem de sobra para resolver no momento”, como de fato é apontado pela persona de John Hurt à frente de Tilda Swinton, enquanto o irmão de Thor (Tom Hiddleston) em Os Vingadores não busca, todavia, o consolo de quem o entende por sua condição peculiar, mas o néctar da eternidade pra colocar na mesa e sentir seu coração bater na ingestão vital. Depois de meia dúzia de Crepúsculos da vida, o mundo estava precisando de um filme de vampiros de Jim Jarmusch.

    Amantes Eternos não é promessa, mas não deixa de ser a afetividade do sueco Deixe Ela Entrar ao tom de Blue Valentine, clássico álbum de Tom Waits, cuja amizade do cantor consiste com a de Jarmusch.

    A única vez que o diretor de Daubailó usou o pretexto de fazer um filme para explorar, humilde e elegantemente, os extremos do efeito widescreen, até então, teria sido no ótimo Dead Man, o faroeste must-see dos anos 1990, quando na verdade, em Amantes Eternos, o suspense que Wes Anderson gostaria de fazer se pudesse deixar na gaveta sua fanática precisão estética, qualquer movimento de câmera por mais leve que seja, faz ditar, tal fosse a concepção do plano a encarnação do sensorial, o clima e o forte sentimento existencial do filme, por dentro da intimidade de um casal que não sabemos (enquanto visitantes de seu universo, submissos ao surreal estranhamente real de tudo o que sai e entra em cena), ao fundo, jamais, onde começa ou termina sua humanidade, a benevolência e a brutalidade de ambos; banhados em mistério perpétuo que luz alguma haverá de traduzir.

    Não seriam tais vampiros, perdidos no tempo e motivações, um retrato de uma classe de cineastas já muito marginalizados por serem autorais até os ossos? Sim, talvez ou com certeza? E com uma história frágil, de propósito e intenção ligados ao valor dispensável de vidas já perdidas há séculos de vício e penitência, resta a Jarmusch, mestre em ritmo e narrativa, nos dar uma lanterna em forma de trilha sonora e situações contextuais por entre a riqueza oculta dos antagonistas de sua produção hipersensível, mesmo que só nos seja permitido acompanhar essas almas penadas por meras duas horas, mais sob a sombra de hipóteses, do que sobre a luz de qualquer certeza. A sessão condiz e reafirma o poeta: Não há eternidade senão a eternidade que convém alimentar, para que tudo não fique ainda pior do que ficou, sem o efeito maré para voltarmos no tempo e rever nossas brevidades; ó, utopia!

    A dependência pelo mundano atinge bela e melancólica antítese na filmografia do cineasta que já explorou quase todos os vícios do ser humano moderno, impondo em Amantes Eternos, agora, várias faces do entretenimento, a música, o xadrez e a literatura feito nobres exercícios de autoafirmação. São as últimas escolhas de expressão de autonomia e direito natural de quem nem mesmo detém mais da morte como certeza e amiga fidedigna. Em certo ponto, Hiddleston e Swinton, Adão e Eva, chegam a expulsar de sua casa, velha por fora mas vintage por dentro, o exato contrário dos moradores, num modelo habitacional de Detroit, cidade dos Estados Unidos, chegam a distanciar de si a irresponsável jovem irmã de Eva (Mia Wasikowska) por aparecer e desperdiçar pescoços alheios feito café barato em bares sujos – até o néctar rubro ser jorrado em gozo pelo tapete da sala do casal. Acontece que o jardim do Éden atrai, mas tem regrinhas que poucos conseguem seguir. A sobrevivência vem a ser para esses poucos, e acima de tudo: Àqueles que sabem que estão vivos, e podem continuar assim a todo preço. A vida vicia, longo transe perante a morte que é.