Crítica | O Mensageiro
Em sua estreia dirigindo longas-metragens para o cinema, Michael Cuesta destaca o discurso público dos políticos iniciado pelo conservador presidente Ronald Reagan, falando da profunda luta e perseguição ao comércio de drogas no território estadunidense. Após os créditos iniciais estilizados, a câmera passa a acompanhar o drama biográfico do repórter, infiltrado em um esquema de tráfico de drogas, Gary Webb (Jeremy Renner), que é logo cooptado em uma operação policial.
Após o susto, a trama acompanha o meticuloso trabalho de Webb, averiguando fontes e correndo atrás de notícias que municiassem sua investigação. A obra ora alterna cenas de seu cotidiano familiar, em casa, relembrando sua condição de normal humanidade, ora o ambiente de trabalho, em uma redação nada glamourosa na época modorrenta dos anos 1990, quando se passa a história. O modus operandi do jornalista é igualmente monótono, repleto de noites em claro, representando a classe comunicóloga, assim como O Espião Que Sabia Demais o fez em relação ao serviço de inteligência e investigação das grandes nações.
A construção da figura heroica de Webb é feita ao modo do cinema hollywoodiano: tentando diferenciá-la dos muitos personagens amorais que cedem a pressões psicológicas e às tentações sexual e monetárias comuns em biografias. Seu personagem é fiel em ideais, exibindo tão somente uma atuação quando é jornalista gonzo nas matérias em que se dedica. Sua posição é o meio-termo entre o anti-herói americano e o clássico paladino, que tem de se ver “corrupto” somente quando necessário, mas que, mesmo ao mergulhar no mundo inimigo, consegue manter-se são e distante daquele padrão de conduta, num fino equilíbrio do roteiro de Peter Landesman. Como um texto de denúncia, apresenta-se um personagem apolíneo sem soar falso ou chapa branca.
A trajetória do biografado tem dois momentos distintos, e, como em uma peça do teatro grego, tem seu apogeu e uma queda bem distinta. O movimento começa lentamente após a segunda metade das quase duas horas de duração do filme, apesar de já dar indícios do que ocorreria ao longo de todo o filme, especialmente de seu início. Após lançar com sucesso seu livro, Webb passa a ter de dar “satisfações” às autoridades que acusou através de seus relatos, fundamentados, claro, em fatos investigados por fontes plausíveis. A odisseia pela qual o personagem passa faz com que ele se envolva mais na história, a ponto de se deparar com grandes mandatários do narcotráfico ao receber uma inesperada visita no território de John Cullen (Ray Liotta), tendo a própria vida e as dos seus em perigo.
Praticamente não há nenhuma cobertura por parte de sua editora Anna Simons – de uma surpreendentemente performance madura de Mary Elizabeth Winstead –, tampouco do resto de seus superiores. A batalha passa a ser do exército de um homem só, que tenta provar a própria inocência, zelando por seu nome e pela segurança de seu seio familiar. Por jamais ter cedido aos apelos dionisíacos que se apresentavam a ele, a situação agrava-se.
A superação das questões que se puseram à frente do personagem central tem um fim inesperado, com a opinião pública tomando rumos tão controversos quanto o desfecho de todo o momento dificultoso. Seus relatórios serviram muito à investigação do tráfico de drogas nos Estados Unidos, e toda a construção de persona non grata tem finalmente sua justiça, visto que ele para de trabalhar com sua paixão, levando-o a um fim trágico, sabiamente não mostrado pelas lentes de Cuesta. O Mensageiro tem em seu nome original – Kill The Messenger – uma sucinta mensagem, exibindo um conto enxuto, equilibrado e muito necessário a uma figura que foi controversa e calada – apesar da tão louvada primeira emenda.