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  • Crítica | Magic & Bird: A Courtship of Rivals

    Crítica | Magic & Bird: A Courtship of Rivals

    Filme pra TV, da HBO, Magic & Bird: A Courtship of Rivals de Ezra Edelman começa com Larry Bird afirmando que não importa onde ele está, e a ocasião, ele é sempre perguntado onde está Magic Johnson. Das rivalidades do basquete, essa sem dúvida é a mais duradouras e respeitosa, e que fez mais tradição. O longa busca explorar isso, retornando a 1979, numa final NCAA. Os dois atletas, bem promissores estavam lado a lado, competindo de maneira assertiva e já em alto nível, mostrando a historia até o estabelecimento da ligação direta que jamais será quebrada e será levada para o tumulo.

    Narrado por Liev Schreiber, o filme se debruça sobre a infância difícil e pobre de Magic, a época apenas chamado Earvin, em comparação com Bird, que vinha de família um pouco mais abastada, mas também com uma série de restrições financeiras, em Indiana. Johnson afirma novamente que não imaginava ser possível jogar em alto nível, ele queria ser empresário, mas foi surpreendido pelo destino. Fato é que esse mesmo destino fez os dois competidores jogar pela seleção de seu país.

    O documentário tem um bom serviço, de informar não só detalhes da vida dos jogadores, como a limitação física que Bird tinha ao não conseguir pular muito, como também a situação estranha pela qual passava a NBA, que era cada vez mais olhada como uma liga marginalizada, onde usuários de drogas entravam livremente, além do crescente acréscimo de negro nela, fato que aviltava a mentalidade racista dos conservadores americanos.

    Larry recusava a pecha de salvador branco, do Celtics e da NBA como um todo, e é bizarro o choque racial ainda nesses tempos,  pois havia uma rejeição dos jogadores negros a ele – agravada diga-se pela timidez, caladice e falta de esforço físico dele – e intolerância de torcedores caucasianos em verem os negros em quadra, não só pela cor, mas também ao estilo de competição, denominado em inglês como Black Game.

    É incrível como, mesmo após tantos anos, depois de Wilt Chamberlain e Bill Russell, a ideia de Black Game ainda existia, assim como uma forma bem preconceituosa e tosca de enxergar os negros como mais propensos a utilizar drogas, até por isso, Jonhson era visto como radical contra as drogas, até sofrendo com uma pecha de ser Caxias. Bird, por ser menos midiático também não se envolvia muito em polêmcias, mas como Earvin era mais conhecido, ele acaba sendo também, e a rivalidade entre Leste e Oeste fez bem ao basquete nacional – até então, a maiorias das rivalidades eram internos nas conferencias, como as do Philadelphia 76ers e Celtics – mas ainda se apelava demais para a questão racial, esbarrando na mentalidade meio Apartheid que ainda imperava no esporte. O Celtics ainda era encarado como um time de brancos, basicamente porque sua estrela era Larry, mesmo que a maioria dos companheiros de Bird fossem negros.

    O fato de terem se tornado estrelas do esporte tornou os dois atletas ideais para comerciais e propagandas, e o fato disso não ser tão comum para a época. Isso foi uma quebra de paradigma, para o bem e para o mal. Eles passaram a ser julgados como vendidos, ao passo que também tiveram suas marcas elevadas a um enorme nível, viraram alvo de muita discussão, abordados até no filme de Spike Lee, Faça a Coisa Certa.

    A parte que aborda a soropositividade de Johnson é um pouco carregada de emoção, mas isso é melhor abordado em outro filme, da HBO também, O Anúncio (The Announcement), e Larry sentiu uma vontade enorme de falar com seu adversário de quadras, em choque, por isso ter ocorrido com um dos seus. Com o tempo a relação dos dois evoluiu para a camaradagem.

    É justo que os atos finais do filme em homenagem a rivalidade e ao bromance, seja no Dream Team que conquistou o ouro em Barcelona, logo após a primeira aposentadoria de Johnson, onde pela segunda vez pós 78 os antigos inimigos estariam juntos. Se o filme de Edelman é um bocado quadrado e desconstrói pouco o racismo que imperava e impera nos EUA, há sobras de emoção e sentimentalismo, e essa barreira é difícil de romper.

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  • 10 Grandes Filmes de Tribunal

    10 Grandes Filmes de Tribunal

    Um quarto de casal. Um ringue de luta. Uma corte de tribunal. O que todos esses espaços guardariam em comum além de serem palcos perfeitos para conflitos de (quase) todo tipo? Entre o certo e o errado, e sob a égide das leis de cada país e sociedade, o Cinema vem acompanhando e traduzindo na ficção justiças e injustiças que brotam das suas histórias, e se articulam nas relações humanas.

    Fúria (Fritz Lang, 1936)

    Anos depois de O Vampiro de Dusseldorf, o deus Fritz Lang (ele merece ser chamado assim) rodou esse Fúria, outro manifesto da injustiça que pode infectar a reputação de um sistema judiciário dependendo do caso, mas com um adendo que faz toda a diferença: A direção de Lang, faraônica, dramática e firme como poucas, resultando numa grande e curta obra tão ciente de todo o seu imenso potencial apresentado.

    A Mocidade de Lincoln (John Ford, 1939)

    Nunca pensei ver Henry Fonda, lenda de Hollywood como Lincoln, e a metamorfose na tela é perfeita, refletindo outros júbilos igualmente maravilhosos do todo. John Ford opta pela exploração da formação de um povo, trilhando assim a formação e o destino de um mito nacional. Vale não só pelas cenas na corte, mas vai muito além disso. Filmaço.

    Testemunha de Acusação (Billy Wilder, 1957)

    Billy Wilder adaptando Agatha Christie. Previsível seria afirmar o quanto Wilder era versátil em absolutamente tudo o que produziu, em todos os gêneros, e sob todos os propósitos. Aqui, podemos ver os mais clássicos arquétipos de tribunal acerca do poder de um veterano criminalista que nunca perde um caso, e de todas as reviravoltas que podem habitar o decorrer de uma sentença. Orgulhosamente cinematográfico, conta com um dos melhores finais, diálogos e atuações de um filme da sua gloriosa época.

    12 Homens e uma Sentença (Sidney Lumet, 1957)

    Quando foi preciso uma dúzia de homens trancados numa sala para decidir a culpa ou a inocência de um homem, eis então o palco já citado nesse artigo para o cineasta Sidney Lumet entregar uma das mais poderosas narrativas investigativas da história do Cinema em geral. Obra-prima absoluta e atemporal.

    Anatomia de um Crime (Otto Preminger, 1959)

    Se Lumet aceitou o cenário reduzido para encapsular todo o drama e o suspense que rondam uma acusação incerta, aqui o mestre Otto Preminger extrapola por vezes o espaço reduzido, ampliando assim com majestade o escopo de uma história adaptada de grandes desconfianças morais, tensão jurídica, ciúme e assassinato. Filmão maior que a vida, incorrigível e provavelmente o clássico maior do seu cineasta.

    O Caso dos Irmãos Naves (Luiz Sérgio Person, 1967)

    Cena do filme O Caso dos Irmãos Naves

    Eis um filme que nos faz visualizar, nitidamente, o enorme abismo cego que existe, no Brasil, entre réu e os juízes super poderosos desse país. No estado mineiro, ao denunciarem um crime, os irmãos Naves são tidos como autor do mesmo, torturados por algo que insistem não ter cometido, sendo que quinze anos depois, a vítima reaparece, chocando a todos. A injustiça vai aos tribunais, e lá faz morada, intimidando os humildes denunciados por um sistema sedento por culpados de qualquer forma.

    O Bravo Guerreiro (Gustavo Dahl, 1968)

    Um dos grandes monumentos do Cinema Novo de Glauber Rocha, e cia., O Bravo Guerreiro é quando a embriaguez do sucesso acontece no âmbito político. Personagens divididas em um forte existencialismo social cultivado em um quebra-cabeça perfeitamente bem estruturado, numa excelente direção de atores. Mais uma ótima produção brasileira subestimada pelo povo que despreza a própria cultura.

    Close-up (Abbas Kiarostami, 1990)

    Se a verdade e a mentira duelam numa corte, para Abbas Kiarostami, nosso finado mestre iraniano, não há desculpa maior e melhor para emaranhar realidade e ficção num julgamento sobre tentativa de fraude de identidade. Mesclando um julgamento real, com a encenação de um crime, Kiarostami nos deixou Close-Up como sendo um dos grandes filmes da década de 90.

    O Leitor (Stephen Daldry, 2008)

    O Oscar o fez vilão em 2009, preferindo indicar O Leitor a Melhor Filme ao invés de O Cavaleiro das Trevas e Walle. Quase dez anos depois da polêmica, sobraram duas coisas deste drama de época sobre afiliações nazistas: A atuação soberba de Kate Winslet, e as tensas cenas impactantes de tribunal, onde a atriz desnuda todo seu enorme talento e entrega uma das grandes performances da década passada.

    O.J.: Made in America (Ezra Edelman, 2016)

    Orenthal James Simpson matou a ex-esposa em 1994. Disso, desdobra-se um mural de temas ao redor da figura do esportista, suas motivações de vida, a fama, o racismo, a justiça que o julga, o próprio sentido de sonho americano, etc., etc., etc… Temos aqui uma verdadeira guerra jurídica registrada sem dó, nem piedade, numa maratona biográfica de épicos e inesquecíveis 467 minutos de duração. Livre de qualquer espetacularização gratuita, O.J. é O clássico moderno dos documentários e dificilmente será superado, nos próximos anos.

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  • Review | O.J. : Made in America

    Review | O.J. : Made in America

    OJ Made In America 1

    Minissérie documental, trazida ao Brasil pela ESPN, O.J.: Made in America possui cinco episódios, com piloto produzido a partir de uma gravação de 2007, com O.J. “Juice” Simpson vestido a caráter como réu diante da junta jurídica que analisaria seu caso. Ao ser indagado sobre o caso, que ocorreu em 1995, o ex-jogador se sente incomodado, como se tal assunto fosse algo já passado. O produto do diretor Ezra Edelman – notório documentarista da série 30 for 30, e produtor de Cutie and The Boxer – se debruça sobre o brilhante início de carreira, ainda pela universidade de Los Angeles, onde O.J. fez jogadas fantásticas e entraria para a história como um dos expoentes do futebol local, esperança de tempos de glória no futuro, e como acabaria se tornado fatalmente.

    Ainda no capítulo se exalta a participação majoritária da comunidade negra no ideário de Juice e o quanto foi difícil passar pela USC Trojan Football Team, uma universidade composta quase na totalidade por caucasianos, além de mostrar o jogador como uma das partes que foram convocadas a discutir o alistamento militar obrigatório com Cassius Clay e outros esportistas. Destaca-se o fato de Simpson deixar seus companheiros de atletismo de lado – era corredor, além de futebolista – tencionando não ser julgado como ativista, descolando sua imagem do típico atleta negro, fato que de certo modo já demonstrava um pouco de seu caráter.

    A faceta carismática de Juice é muito bem exemplificada, mostrando que, mesmo sendo estereotipado pela sociedade, sua figura vendia muito, inclusive para a parcela da população de cor branca. A evolução foi vista em alguns de seus filmes, como no telefilme The Killing Affair e nos produtos para o cinema Capricórnio Um e Inferno na Torre. O afastamento da comunidade negra se manifestaria também em seus hábitos e em sua entrada na alta sociedade, como parte daquele grupo composto basicamente por homens brancos, e os frutos disso seriam colhidos no futuro.

    A aposentadoria foi bem mais complicada do que se imaginava, com Juice não conseguindo deslanchar na função de comentarista esportivo. A sorte do ícone é que ainda tinha para si a carreira como astro de filmes pipoca, principalmente em Corra Que a Polícia Vem Aí. O cuidado maior da série é em retratar os fatos polêmicos da vida de OJ e deixar por conta de seus amigos o julgamento de valor, como com Joe Bell, que é a voz rouca que protagoniza o discurso nos trailers e materiais promocionais, lamentando profundamente os rumos sentimentais que OJ tomava, desde o primeiro divórcio com Marguerite Whitley, até as acusações de agressão a sua segunda mulher, Nicole Brown, fato que mudou muito a visão de bom moço que o cercava.

    A série não cai no perigo de apelar para o sensacionalismo barato, somente incorrendo sobre o grave caso envolvendo a morte de Nicole Brown no começo do terceiro episódio, ou seja, na metade do seriado. A parte investigativa é repleta de emoções e informações, entrevistando principalmente os que eram caros para Nicole. Há declarações inclusive de que ele estaria sedado no dia do velório, sem ter noção do que ocorria ali, achando que ainda assim as coisas se encaixariam bem.

    OJ Made In America 4

    A tentativa de fuga, o registro de como a opinião pública foi aos poucos deixando de ser empática, e nem a interferência de Robert Shapiro, conhecido como um operador de milagres no tribunal, conseguiu mudar tal quadro. Cada vez mais Juice parecia um sujeito que cometeu homicídio. O quadro era tão grave que a contratação de John Cochran se tornou uma questão de necessidade, ainda mais com a crescente escalada de sucesso da promotora Marcia Clark.

    A opinião pública composta por mulheres e homens negros mudaram por completo os rumos do julgamento, assim como a estratégia de guerra, já que OJ era malquisto por mulheres negras por ter se envolvido com Nicole, enquanto ainda era casado com Marguerite, além de se tornar cada vez mais comum por parte da imprensa a crença de que as juradas negras odiavam Clark, ainda que negassem. A estratégia de Cochran acertou em aproximar OJ da figura de celebridade negra, mesmo que jamais fosse identificado com os seus. A sensação de ilusão criado pelo jurista célebre é bem apoiada nas entrevistas e nas cenas do documental.

    A própria Marcia Clark dá declarações para o documentário, e discorre o quanto de farsa existiu no uso das luvas que estavam na cena do crime, incluindo o mini show que Juice fez ao tentar encaixar o objeto nas próprias mãos. Para os jurados entrevistados, a aparência das luvas faziam crer que cabiam em Simpson e a demonstração de que não cabiam foi a prova cabal do fracasso de Chris Darden em sugerir esse ato simbólico, uma perda desnecessária de moral, às vésperas da reunião de júri.

    OJ Made in America 2

    O programa mostra bem tanto o testemunho e as estranhas gravações de cunho racista do detetive Mark Fuhrman, quanto o discurso midiático e doce de Cochran, que enganou júri e público ao usar elementos que envolviam cartas marcadas, invocando a questão racial tipicamente discutida em lares e ruas americanas. O elemento da perseguição racial, que sempre foi refutado por Shapiro, acabou sendo preponderante no parecer positivo a Simpson.

    O veredito de inocência desvelou para os desavisados o forte ressentimento racial que os negros americanos tinham pelos seus conterrâneos caucasianos, gerando uma maré de comemoração como se fosse essa decisão equivalente a uma conquista olímpica. No entanto, o lugar onde vivia Brentwood era lotado de brancos, os mesmos que acreditavam piamente que ele era além de um homicida frio, um psicopata capaz de fingir diante de todo um país que não cometeu os atos hediondos do qual era acusado. Curioso é que, após ser ofendido de todas as formas por seus vizinhos de Los Angeles, foi nas igrejas cristãs compostas por negros que OJ foi aceito e não questionado das acusações, já distante de qualquer intimidade, simbolicamente deixando de ser chamado de Juice, uma vez que não tinha qualquer proximidade daquelas pessoas.

    O.J., ao ser perguntado sobre Nicole, mostrava ressentimento e tentava passar a quem fosse a certeza de que sua ex-mulher era impossível. Não chorava nem por sua antiga amada morta, nem receava que a criação de seus filhos ocorresse sem a figura materna. Ao dar um depoimento posterior ao julgamento, anos depois, quando gravado, o ex-jogador parecia cínico e nada afeito à pressão que a família Brown fazia para tentar processá-lo, fato que contraria seu discurso pós julgamento, de que usaria toda sua influência para encontrar os assassinos de Brown e Ronald Goldman.

    A decadência de Simpson se solidificou ao se perceber sem as mesmas fontes de renda. O sujeito passou a aceitar qualquer migalha, o que significava aceitar fazer aparições públicas com strippers e afins, além de participar de material de divulgação de vídeos pornográficos. O final do seriado mostra a prisão que fez de Juice novamente um encarcerado, que em breve dever ter um julgamento para liberdade condicional, mostrando o quão injusto e contraditório pode ser o sistema jurídico dos EUA. O.J.: Made in America não é só um estudo sobre o julgamento do século e sobre a possibilidade de injustiça através da exploração de carências do povo, mas também um retrato cru e visceral da alma do cidadão americano.