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  • Review | Arremesso Final

    Review | Arremesso Final

    Considerando  o que foi a carreira de Michael Jordan,  é uma pena mesmo que Arremesso Final, série conduzida por Jason Hehir, não pôde ser lançado no Brasil com seu nome original: Last Dance. Ainda mais quando seu significado se alinha com a fala de um dos personagens principais dessa narrativa, o treinador hexacampeão Phil Jackson do Chicago Bulls. Apesar da obra retratar em grande parte a ótica de Jordan, seu foco narrativo também mira o ultimo título do time na temporada 97-98 e também viaje por outras eras, intensificando o documentário.

    O decorrer da temporada referida foi inteiramente acompanhada de câmeras e o gigantesco material bruto ficou parado durante um bom tempo. Somente em 2016,  Jordan permitiu que a ESPN editasse este residual bruto como um documentário especial que seria lançado em 2020, após as finais da NBA. Com a pandemia de Covid-19 e a consequente paralisação da liga, o lançamento foi antecipado para o momento dos playoffs, e isso causou um rebuliço entre jogadores, tanto atuais como aposentados, personagens do seriado ou não, comentando em tempo real cada episódio via twitter.

    Após a repercussão do seriado, muitos personagens se acharam injustiçado. Scottie Pippen achou seu retrato vaidoso e egoísta. Horace Grant não gostou das falas de MJ sobre drogas nos vestiários dos Bulls quando era novato. Aos poucos, os 10 capítulos mexem no vespeiro das polêmicas da vida de Jordan e de outras figuras como Pippen, Dennis Rodman, Jackson, e Steve Kerr. Apresentando não só as quadras e os vestiários mas humanizando-os, explorando seus vícios, como o excesso de apostas de Jordan. Sobre esse tema, a forma como o assunto é abordado é bem delineado, divertido mas sem retirar a gravidade das situações.

    Mesmo sendo parcial, a série não é maniqueísta. A figura do protagonista não é heroica. Varia entre o astro incontestável, a marca inócua e o homem incapaz de se posicionar politicamente. Por mais que todo o documentário seja a parte de Jordan sobre sua vida e carreira, apresenta alguns lugares escuros. Até mesmo com figuras mais vilanescas, como o General Manager Jerry Krause demonizado sem qualquer pudor.

    Já quando se explora a temática de Rodman, não há tanto aprofundamento, até porque há duas obras que lidam bem com esse assunto, também lançadas pelo canal ESPN – Rodman for Better or Worse e o documentário sobre o time dos Pistons, Bad Boys. Os perfis de Pippen e Jackson também são bem explorados embora nesse segundo há exageros ao compará-lo com Rodman. Fora isso, o estudo é bem feito, embora se sinta falta de Toni Kukoc, provavelmente por culpa da pandemia e consequente antecipação do show.

    A construção de Krause como personagem malvado passa por deixa-lo em situações vexatórias. Ao apresentar Jackson como treinador principal (era antes auxiliar) aparece desconfortável e reclamando do vazamento da notícia, surpreendendo até o novo treinador. Neste trecho é exibido uma problemática da versão brasileira com legendas criativas em excesso que nada tem a ver com o original. Bem como piadas que não se adequam como quando Pippen e Jordan falam que os jogadores estavam bebendo e a legenda apresenta a frase “se viessem aqui antes veriam metade dos manos matando um engradado”. Além de se usar termos jamais falados em português brasileiro como cestobolista. Apesar de engraçados, os momentos desviam do texto original. Fora isso, o manager é normalmente apresentado como inepto e tolo. Como faleceu em 2017, nem mesmo pode se defender.

    O desenrolar da rivalidade com o Detroit Pistons de Isiah Thomas, as polêmicas do Dream Team e a construção da marca Air Jordan também são muito bem exploradas. São assuntos tão ricos que poderiam gerar cada um deles um filme solo. A mentalidade super higiênica da campanha Be Like Mike é tratada como se deve: algo problemático, digno de discussão, inclusive nas falas de Barack Obama, que também tem a máscara de genro ideal que Jordan tinha, ainda que o antigo presidente se posicionasse bem mais que o jogador, inclusive criticando-o por não se pronunciar a favor de um candidato negro ao senado para não desagradar os Republicanos.

    Hehir acerta ao mostrar os momentos que MJ pensava em se aposentar. Talvez se tivesse mais tempo ou mais capítulos disponíveis, poderia explorar um pouco sobre como foi sua vida pós segunda saída do Bulls, como quando foi general manager e jogador pelo Washington Wizards ou como dono do Charlotte Hornets, momento em que deixou sua vaidade falar mais alto. Também poderia ter expandido um pouco mais a paixão dos Jordan pelo baseball ou desenvolver a época quando ele jogava no ensino médio. Ao menos se explora bastante os bastidores de Space Jam: O Jogo do Século, inclusive em seus momentos jogando durante a paralização da Liga, logo depois de largar divisões inferiores da Major League Baseball.

    O último episódio foca demais no embate entre Jazz e Bulls. Fala das indiscrições de Rodman, das brigas com Krause e da participação de Kukoc. A sensação ao final é que era necessário que o grupo parasse de jogar. Além de caros, era exaustivo o processo de manter a dinastia. Michael declara que é enlouquecedor sair no auge, mas manter esse nível de cobrança mental e física era igualmente desesperador.

    Arremesso Final termina positivo, otimista e valorizando as vitórias de Jordan. Mesmo com seus olhos marejados, mesmo que não se mostre quase nada de sua vida pessoal, mesmo que ele seja uma figura absolutamente misteriosa e calada pós aposentadoria. Toda essa aura de mistério torna o esforço investigativo ainda mais importante e mais divertido pelo caráter inédito do material.

  • Crítica | Phi Slama Jama

    Crítica | Phi Slama Jama

    Especial da ESPN no formato 30 for 30, Phi Slama Jama busca estudar o fenômeno universitário do Texas, em Houston, que tem o mesmo nome deste longa metragem de pouco mais de 70 minutos. O estudo do filme , dirigido por Chip Rives se dedica a mostrar o espetáculo do time, primeiro, através do depoimento de Eric Davis e Lynden  Rose, depois, investigando um bocado da historia dos outros componentes, Larry Micheaux, Clyde  Drexler, Michael  Young, Hakeem Olajuwon e Greg  Anderson.

    A equipe era comandada em sua época por Guy Lewis, e ele também entraria para a historia com o sujeito que mudaria boa parte dos paradigmas do que seria o basquete nas faculdades. A mentalidade e estilo por trás do Phi Slama Jama normalmente é associado a 2 jogadores famosos, Draxler e Olajuwon, os mais vitoriosos em categorias profissionais, mas o caráter deles era graças a outro: o armador Benny Anders, um sujeito que desapareceu do noticiário e até das pessoas que se importavam com ele.

    Toda o jogo pautado na velocidade e criatividade que seriam utilizados no Rat Ball e Street Ball anos mais tarde era culpa e influencia do PSJ, que por sua vez, tinham origem nos playgrounds onde os astros cresceram. Isso foi um diferencial para o estilo do Houston Cougars, que ainda assim, tiveram dificuldade em voltar seu jogo para o tradicional basquetebol disputado nos moldes da NBA, a função de Lewis foi equilibrar esses dois aspectos. Há um cuidado do filme em desenvolver bem e com detalhes cada um dos integrantes do time que esteve junto de 1982 a 84, o termo que dá ao filme foi cunhado pelo ex-escritor esportivo do Houston Post, Thomas Bonk, o apelido foi rapidamente adotado pelos jogadores.

    Os talentos sobressaiam no time, tanto que mesmo com Anders transbordando energia dentro e fora de quadra. Mesmo sendo muito talentoso, havia um cuidado para que as ações fossem bastante compartilhadas com seus companheiros de equipe. A parte dedicada ao nascimento do termo via Houston Post e a composição da musica do Dj Captain Jack são tão bem documentados quanto os lances mágicos da equipe, fato esse que fez o Texas, um estado normalmente fanático por futebol americano, dividir essa devoção com o basquete.

    O maior senão do filme certamente é a primeira duvida levantada pelos colegas e quase apresentadores do programa, Eric Davis e Lynden Rose, que era o destino de Benny Anders. Mesmo a saída dele da NCAA e do Houston é envolto em mistérios, não se consegue entender os motivos que o fizeram sair da liga, e nem seu destino depois, no basquete FIBA pelo mundo, na Argentina e em outras praças menos famosas.

    Phi Slama Jama consegue acertar bastante no tom emocional, uma pena que não consiga conversar com as figuras mais famosas daquele time histórico, mas o senso de comunidade e o orgulho que os texanos tinham a respeito daquela equipe é bastante bonito, e seu desfecho surpreende, por mais que toda a trama prepara para alguns reencontros.  A sensação é que o espírito atrás do time de Lewis era algo único, uma energia compartilhada por bons jogadores, que tinham no time um norte de talento e criatividade desportiva, que obviamente deu frutos, mas que jamais se repetiu tão perfeitamente quanto aqui.

  • Crítica | The Fab Five

    Crítica | The Fab Five

    The Fab 5 é um filme de Jason Hehir, tem um tom confessional e muito personalista, explicando com uma verve bem emotiva da geração marcante da Universidade de Michigan, responsáveis pelo nome diferenciado que serve de alcunha ao filme. Lançado em 2011 um dos mais conhecidos especiais em formato de documentário da ESPN.

    As camisas amarelas dos universitários em quadra, permeiam a entrada que é por sua vez embalada por uma música Rock n’Roll pesada, onde se destaca o nome do time, Michigan Wolverines, fato que obviamente faz associar a força deles com o ferocidade do mutante canadense da Marvel Comics. Steve Fisher, o treinador do time universitário ficou em uma posição complicada, por ter sido um treinador campeão em suas categorias, tendo é claro esse sucesso como algo desejoso de se repetir, apesar de muito difícil, e para alcançar seus tentos, ele iria atrás de estudantes para formar o quinteto ideal.

    Dedica-se um tempo para desenrolar a origem de cada um dos que formaram aquele time, Chris Webber, Jalen Rose, Juwan Howard, Jimmy King e Ray Jackson, O filme conversa bem com I Hate Christian Laettner, especial pela rivalidade dos Wolverines com a universidade de Duke. A opinião geral sobre Laettner variava entre ser uma figura semelhante a de um deus, e de ser um molenga, de vida e rotina fácil.

    Os cinco calouros jogando juntos pareciam ter uma conexão magnética enorme, mas o filme não consegue manter o mesmo ritmo frenético de seu inicio. Seu maior pecado é ser preso demais a formula de documentários, variando entre as palavras emotivas dos participantes daquela campanha, com meras imagens da trajetória do time no campeonato universitário. Falta originalidade e frescos, isso compromete o ritmo e tira um pouco da atenção do espectador nos momentos do meio para o final.

    Toda a questão envolvendo o escandalo de Ed Martin, que era conhecido como Godfather em atenção ao nome original do filme O Poderoso Chefão, é muito bem exemplificada, seja nas gravações de Chris Webber na época que já era um jogador da NBA, ou de Brian Dutcher, um dos auxiliares técnicos, que rasga o verbo. Essa temática não é incomum sequer nas abordagens fictícias do  cinema, tanto em Blue Chips de William Friedkin ou no recente Amador. Ainda há chance da família dele defender seu legado, um dos filhos de Martin tenta falar a seu favor, não entendendo o receio de Webber, mas qualquer relativização desses aliciamentos não conseguem compensam os fatos e investigações em torno de Ed.

    O futuro dos cinco foi diferente entre sim, alguns foram para a NBA (Howard, Webber, King e Rose), outros se tornaram treinadores, ou seja, marcaram seus nomes  na historia do esporte. A lenda em torno do Fab Five é tão grande que mesmo com o escândalo de manipulação e “contratação” dos cinco jogadores para o time, não se manchou a jornada deles, mesmo que não tenham feito tanto sucesso no basquete profissional, e Hehir  capta bem o cunho emocional e reverencial que a comunidade de Michigan tem pelos pupilos de Fisher e por ele próprio, assim como a sensação de pertencimento familiar que eles tem, mesmo sem laços sanguíneos.

    https://www.youtube.com/watch?v=BWqKrFPdl7Q

  • Crítica | When The Garden Was Eden

    Crítica | When The Garden Was Eden

    Documentário do programa 30 for 30 dos canais internacionais da ESPN, When the Garden Was Eden é um filme de 2014, dirigido por Michael Rapaport que se dedica a relembrar o período de glórias do New York Knicks da década de 70 do século passado, tempo de glorias bem diferente das terríveis e recentes época do Knicks, que é incapaz há alguns anos de produzir um basquete competitivo e de contender na NBA.

    O começo do filme registra uma tomada aérea, acompanhado de uma gravação de rádio, que fala a respeito de como se forma um time de basquete vencedor, onde se fala a respeito de garra, raça e talento, e o time de NY era tão ovacionado quanto bandas de rock populares, dado o frisson que eles causavam em público e crítica. O time de Bill Bradley, Jerry Lucas, Willis Red, Dick Barnett, Dave DeBusschere, Earl Monroe era histórico, possuía seis All Star e brilhavam muito no cenário cultural de Nova York. O filme de Rapaport faz questão de mostrar a efervescência da Big Apple, situando que aquele time era só um aspecto daquela cultura.

    Décadas antes, os Knicks não era vencedores. Nos anos 60 a NBA não era o produto que era atualmente, e o Madison Square Garden, cenário principal da franquia era mais lotado pelos jogos de basquete universitário do que pelos jogos dos profissionais. Isto na época era um fenômeno absurdo, pois o basquete universitário era mais popular até do que o futebol americano da categoria aquela época, já que hoje, está longe de ser, até porque há quem diga que os campeonatos da NCAA de Football tem mais fãs e adeptos até do que a NBA.

    Um dos maiores méritos do documentário é situar o espectador de como o esporte funcionava na época, como ele se encaixava na economia da época, e não tem receio sequer de mostrar como uma nação tão conhecida por seu conservadorismo lidava com a questão da popularização das drogas. Ainda que ele não associe tanto a figura dos esportistas a utilização de drogas, há um sem número de sugestões dessa pecha, e isso realmente pesava para que essas competições não fossem tão abraçadas por imprensa, possíveis anunciantes etc.

    O filme detalha bem a entrada de algumas estrelas, como Walt Frazier, que foi a primeira escolha no draft de seu ano, Phil Jackson que veio de North Dakota e era um monstro defensiva mesmo em uma época que não se valorizava tanto assim a defesa, e Bill Bradley que rivalizava com os astros Bill Russell e Wilt Chamberlain,  É curioso como se exploram detalhes íntimos e pessoais dos jogadores, como o fato de Bradley ainda ter cursado dois anos de faculdade antes de aceitar jogar na NBA, pontuando ele como a esperança branca do basquete dos Estados Unidos, e que chegaria até a se candidatar a presidência da república nos anos 2000. Também é mostrado Jerry Lucas, e se explana bastante o método de Red Holzman, o treinador, que não distinguia negros de brancos em seu time, mas que também agiu de maneira autoritária com alguns de seus subordinados, desviando esses de discussões progressistas e igualitárias.

    Em se tratando de um documentário que fala sobre um time dos anos setenta, é natural que os entrevistados já estejam bem idosos (quando não membros dessa equipe já estão mortos), o que é impressionante é que as historias são tão marcantes que a memoria de cada um deles é bem viva, em cada caso. Os méritos deles contra o trio do Los Angeles Lakers Wilt, Jerry West e Elgin Baylor são sempre lembrados, com os Knicks soberanos sobre o Big Three, só é uma pena que a maioria das imagens de arquivo tenham uma nitidez pífia. Até os momentos de transmissão não coloridos, anteriores aos tempos de gloria do time da Big Apple são melhores que os do auge em si.

    As intervenções de Rapaport são cirúrgicas, ele aparece na frente das câmeras entrevistando os que fizeram parte daquele time mágico, todos já bem velhinhos, e é curioso como ele traz parte de seu background para dentro do filme. Nos EUA ele é conhecido por seu trabalho como comediante stand up sobretudo em Los Angeles, mas suas raízes nova iorquinas jamais foram deixadas de lado, e se nota isso neste 30 for 30, que prima por um ritmo ágil e por um roteiro bem leve e engraçado, que mesmo deusificando seus objetos biográficos, o faz com bastante leveza. Ele está no ar com a série da Netflix Atypical, e infelizmente tem feito poucas aparições como realizador, executando alguns curtas ou poucos episódios de séries pouco conhecidas dos Estados Unidos.

    Os momentos finais não são tão empolgantes quanto o início, até porque se dedicam a mostrar a rivalidade da época contra o Boston Celtics, que era o time da conferência a ser batido, daí se perde um pouco o foco na franquia que realmente importa, mas ao menos, valoriz a longevidade do grupo, e os títulos que vinham, e dá o destino dos que formaram aquela equipe, em que carreiras eles incorreram e como seguiram suas vidas após pararem de jogar, os artistas que ganharam tantos títulos, traçando também um bom panorama político da época, sem receio de fugir do caráter chapa branca, já que explora bem as questões envolvendo Cazie Russell e a proibição dele de repercutir dentro do grupo as terríveis acusações racistas que sofreu. When The Garden Was Eden é prodigioso ao louvar os feitos dos Knicks, que durante essa época, foram soberanos, mais vencedores que os times da cidade no Baseball e Futebol, distantes demais da atualidade sem força nas ultimas temporadas do campeonato americano de basquete.

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  • Crítica | Once Brothers

    Crítica | Once Brothers

    De Michael Tolajian, Once Brothers é mais um documentário 30 for 30 da ESPN focado em basquete, mas não focado necessariamente na NBA, e sim na inteiração entre dois ex-companheiros de seleção, Vlade Divac e Drazen Petrovic, de nacionalidade Sérvia e Croácia respectivamente, mas que antes, eram da mesma geração vitoriosa da Iugoslávia no Basquete.

    A narrativa começa a partir da fala de Petrovic, a uma repórter americana, com a Estátua da Liberdade ao fundo, onde ele discorre sobre a preocupação que tem com seus conterrâneos e a guerra que acontece no solo de sua nação, conflito ideológico pesado, e que para ser entendido precisa de muito contexto e estudo, pois a situação da Iugoslávia é complicada, e tem nessa geração de basquete um capítulo diferente, de uma união pessoal e competitiva bem diferenciada e longeva em comparação com a unidade do país.

    Não demora a entrar uma entrevista bem pessoal de Divac, que está almoçando com sua família, nos Estados Unidos, onde lembra do time multi vencedor, o mesmo que com ele, Petrovic e Toni Kucok, foi campeão europeu e até mundial, com ótimos resultados em olimpíadas. Obviamente há um resgate das raízes do mesmo, uma visita a família, e a sua terra, Prijepolje, chegando até a primeira quadra onde ele jogou, a essa altura, coberta de neve por ser uma daquelas a céu aberto. A Iugoslávia ou qualquer uma das nações balcânicas que formaram esse conglomerado dificilmente seriam uma potência no basquetebol caso não houvesse insistência por parte das autoridades.

    Repúblicas de mentalidade socialista tendiam a investir em esportes. A URSS foi um fenômeno, Cuba também tem um bom desempenho até hoje em Pan-Americanos e Olimpíadas, bem como a China. Por ter uma população menor, a Iugoslávia não tinha como ser uma grande potência em tudo, e a geração de Petrovic e Divac o foi no basquete, em uma população que não tem tanta gente alta, e que tem de dividir os potenciais atletas com outros esportes, como futebol, tanto que boa parte dos meninos e meninas disputavam mais de uma modalidade por vez no período da puberdade.

    A evolução do basquete, a variação tática e de posição, que fazia com que a maioria dos jogadores não se prendesse necessariamente a mesma posição – em uma variação em quinteto do carrossel holandês do futebol de 78 com Johan Cruijff e Cia – seria coroado não só com títulos, mas também com um encontro casual, mas que se tornou histórico, com a visita do Boston Celtics tricampeão da NBA ao país europeu, e o encontro entre Larry Bird, um símbolo do basquete vitorioso norte-americano, com aquela geração de jogadores europeus, que viriam para a NBA no final dos anos 80, mesmo que ainda houvesse uma grande desconfiança.

    Eles passariam por muitos percalços até começarem a jogar pelo Los Angeles Lakers (Divac) e Portland Trail Blazzers (Petrovic). Vlade ainda tinha o agravante de ter uma aparência desleixada, sempre aparecia descabelado, mal sabia falar inglês, mas ele estabeleceu uma boa amizade com Magic Johnson, e logo após a aposentadoria de Kareem Abdul-Jabbar, ou seja, ele viria para ocupar a vaga de um dos líderes técnicos do time.

    O filme tem uma abordagem um bocado maniqueísta, e associa de certa forma o drama de Petrovic não se enturmar em Portland, com o episódio durante um dos títulos iugoslavos onde  uma bandeira da Croácia foi lançada na direção de Vlade, que prontamente a recusou, mas o roteiro é honesto o suficiente para afirmar que aquilo foi um erro de interpretação, pois o jogador não desprezava a bandeira ou a causa croata, só achava que aquele não era o momento para explorar isso, mas evidentemente que houve mais foco midiático na pseudo rejeição dele, e no sentimento que Petrovic teve, que gerou inclusive uma cisão entre os antigos amigos.

    Junto com a guerra, com as terríveis perdas de cidadãos comuns, também se foi a amizade entre Vlade e Drazen, e esse é o maior foco dramático do especial, que busca entender como o afastamento dos dois ocorreu, além de discorrer também sobre o agravamento de relação entre eles e Divac, que passou a ser mal encarado por quase todos os croatas, e os poucos que ainda eram simpáticos a ele, tinham que manter distância.

    O fato do documentário ser narrado por Divac enriquece demais a experiência, pois torna o estudo em algo pessoal e emotivo. Mesmo seus maniqueísmos são driblados por um ponto de vista que certamente só poderia ser dado por quem participou disso, ainda que não haja tanta justiça para Vlade diante de seu país de origem.

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  • Review | O.J. : Made in America

    Review | O.J. : Made in America

    OJ Made In America 1

    Minissérie documental, trazida ao Brasil pela ESPN, O.J.: Made in America possui cinco episódios, com piloto produzido a partir de uma gravação de 2007, com O.J. “Juice” Simpson vestido a caráter como réu diante da junta jurídica que analisaria seu caso. Ao ser indagado sobre o caso, que ocorreu em 1995, o ex-jogador se sente incomodado, como se tal assunto fosse algo já passado. O produto do diretor Ezra Edelman – notório documentarista da série 30 for 30, e produtor de Cutie and The Boxer – se debruça sobre o brilhante início de carreira, ainda pela universidade de Los Angeles, onde O.J. fez jogadas fantásticas e entraria para a história como um dos expoentes do futebol local, esperança de tempos de glória no futuro, e como acabaria se tornado fatalmente.

    Ainda no capítulo se exalta a participação majoritária da comunidade negra no ideário de Juice e o quanto foi difícil passar pela USC Trojan Football Team, uma universidade composta quase na totalidade por caucasianos, além de mostrar o jogador como uma das partes que foram convocadas a discutir o alistamento militar obrigatório com Cassius Clay e outros esportistas. Destaca-se o fato de Simpson deixar seus companheiros de atletismo de lado – era corredor, além de futebolista – tencionando não ser julgado como ativista, descolando sua imagem do típico atleta negro, fato que de certo modo já demonstrava um pouco de seu caráter.

    A faceta carismática de Juice é muito bem exemplificada, mostrando que, mesmo sendo estereotipado pela sociedade, sua figura vendia muito, inclusive para a parcela da população de cor branca. A evolução foi vista em alguns de seus filmes, como no telefilme The Killing Affair e nos produtos para o cinema Capricórnio Um e Inferno na Torre. O afastamento da comunidade negra se manifestaria também em seus hábitos e em sua entrada na alta sociedade, como parte daquele grupo composto basicamente por homens brancos, e os frutos disso seriam colhidos no futuro.

    A aposentadoria foi bem mais complicada do que se imaginava, com Juice não conseguindo deslanchar na função de comentarista esportivo. A sorte do ícone é que ainda tinha para si a carreira como astro de filmes pipoca, principalmente em Corra Que a Polícia Vem Aí. O cuidado maior da série é em retratar os fatos polêmicos da vida de OJ e deixar por conta de seus amigos o julgamento de valor, como com Joe Bell, que é a voz rouca que protagoniza o discurso nos trailers e materiais promocionais, lamentando profundamente os rumos sentimentais que OJ tomava, desde o primeiro divórcio com Marguerite Whitley, até as acusações de agressão a sua segunda mulher, Nicole Brown, fato que mudou muito a visão de bom moço que o cercava.

    A série não cai no perigo de apelar para o sensacionalismo barato, somente incorrendo sobre o grave caso envolvendo a morte de Nicole Brown no começo do terceiro episódio, ou seja, na metade do seriado. A parte investigativa é repleta de emoções e informações, entrevistando principalmente os que eram caros para Nicole. Há declarações inclusive de que ele estaria sedado no dia do velório, sem ter noção do que ocorria ali, achando que ainda assim as coisas se encaixariam bem.

    OJ Made In America 4

    A tentativa de fuga, o registro de como a opinião pública foi aos poucos deixando de ser empática, e nem a interferência de Robert Shapiro, conhecido como um operador de milagres no tribunal, conseguiu mudar tal quadro. Cada vez mais Juice parecia um sujeito que cometeu homicídio. O quadro era tão grave que a contratação de John Cochran se tornou uma questão de necessidade, ainda mais com a crescente escalada de sucesso da promotora Marcia Clark.

    A opinião pública composta por mulheres e homens negros mudaram por completo os rumos do julgamento, assim como a estratégia de guerra, já que OJ era malquisto por mulheres negras por ter se envolvido com Nicole, enquanto ainda era casado com Marguerite, além de se tornar cada vez mais comum por parte da imprensa a crença de que as juradas negras odiavam Clark, ainda que negassem. A estratégia de Cochran acertou em aproximar OJ da figura de celebridade negra, mesmo que jamais fosse identificado com os seus. A sensação de ilusão criado pelo jurista célebre é bem apoiada nas entrevistas e nas cenas do documental.

    A própria Marcia Clark dá declarações para o documentário, e discorre o quanto de farsa existiu no uso das luvas que estavam na cena do crime, incluindo o mini show que Juice fez ao tentar encaixar o objeto nas próprias mãos. Para os jurados entrevistados, a aparência das luvas faziam crer que cabiam em Simpson e a demonstração de que não cabiam foi a prova cabal do fracasso de Chris Darden em sugerir esse ato simbólico, uma perda desnecessária de moral, às vésperas da reunião de júri.

    OJ Made in America 2

    O programa mostra bem tanto o testemunho e as estranhas gravações de cunho racista do detetive Mark Fuhrman, quanto o discurso midiático e doce de Cochran, que enganou júri e público ao usar elementos que envolviam cartas marcadas, invocando a questão racial tipicamente discutida em lares e ruas americanas. O elemento da perseguição racial, que sempre foi refutado por Shapiro, acabou sendo preponderante no parecer positivo a Simpson.

    O veredito de inocência desvelou para os desavisados o forte ressentimento racial que os negros americanos tinham pelos seus conterrâneos caucasianos, gerando uma maré de comemoração como se fosse essa decisão equivalente a uma conquista olímpica. No entanto, o lugar onde vivia Brentwood era lotado de brancos, os mesmos que acreditavam piamente que ele era além de um homicida frio, um psicopata capaz de fingir diante de todo um país que não cometeu os atos hediondos do qual era acusado. Curioso é que, após ser ofendido de todas as formas por seus vizinhos de Los Angeles, foi nas igrejas cristãs compostas por negros que OJ foi aceito e não questionado das acusações, já distante de qualquer intimidade, simbolicamente deixando de ser chamado de Juice, uma vez que não tinha qualquer proximidade daquelas pessoas.

    O.J., ao ser perguntado sobre Nicole, mostrava ressentimento e tentava passar a quem fosse a certeza de que sua ex-mulher era impossível. Não chorava nem por sua antiga amada morta, nem receava que a criação de seus filhos ocorresse sem a figura materna. Ao dar um depoimento posterior ao julgamento, anos depois, quando gravado, o ex-jogador parecia cínico e nada afeito à pressão que a família Brown fazia para tentar processá-lo, fato que contraria seu discurso pós julgamento, de que usaria toda sua influência para encontrar os assassinos de Brown e Ronald Goldman.

    A decadência de Simpson se solidificou ao se perceber sem as mesmas fontes de renda. O sujeito passou a aceitar qualquer migalha, o que significava aceitar fazer aparições públicas com strippers e afins, além de participar de material de divulgação de vídeos pornográficos. O final do seriado mostra a prisão que fez de Juice novamente um encarcerado, que em breve dever ter um julgamento para liberdade condicional, mostrando o quão injusto e contraditório pode ser o sistema jurídico dos EUA. O.J.: Made in America não é só um estudo sobre o julgamento do século e sobre a possibilidade de injustiça através da exploração de carências do povo, mas também um retrato cru e visceral da alma do cidadão americano.

  • Crítica | E:60 Reports – Sepp Blatter and FIFA

    Crítica | E:60 Reports – Sepp Blatter and FIFA

    Sepp blatter

    O começo intimista do filme mostra o discurso do atual mandatário da FIFAJoseph Blatter, em meio a paisagens curiosas que remontam a simplicidade destoante da falta de transparência do modus operandi da empresa, apesar de todos os esforços da entidade e do suíço em realizarem uma imagem diferenciada. E:60 Reports – Sepp Blatter and FIFA do documentarista e repórter Jeremy Schaap se preocupa em revelar a real face do dirigente, bem como a quantidade de escândalos envolvendo a organizadora mundial do esporte mais popular do globo, antes mesmo da recente caça às bruxas da justiça a políticos envolvidos em corrupção.

    O primeiro caso analisado foi a decisão em 2010 de fazer do Qatar a sede da Copa do Mundo de 2022, cuja maior polêmica é a informação desvelada de que houve suborno junto aos votantes que elegeram o país devastado como sede do evento. O filme-denúncia foi exibido ainda em 2015, regatando documentos e depoimentos que ajudam a compor o quão grotesco é o caso mais recente de favorecimento ilícito da entidade.

    O relato sobre a origem de Blatter, que tentou a todo custo trabalhar com futebol, é de um tom agridoce único, ambicioso mesmo diante das primeiras recusas que tomou, especialmente dentro de casa, quando seu pai rasgou um contrato que foi oferecido quando tencionava ser atleta. A fala de que “você jamais ganhará dinheiro com o futebol” não poderia estar mais errada, por não prever a aproximação gradativa do jovem Joseph do brasileiro João Havelange, que via no suíço o melhor candidato a sucessor.

    A subida de nível do político faz quase afeiçoar a sua figura, que é deteriorada pelas cenas “fofas” do economista se envolvendo em hábitos dos países que visita, os mesmo com que faz conchavos. As homenagens que lhe rendem servem para tornar sua controversa figura em algo ainda mais pitoresca.

    Outras tantas indiscrições são mostrada, como a polêmica eleição da Rússia como sede do mundial de 2018, ainda a acontecer, especialmente pelo lobby realizado através das figuras carismáticas do Príncipe William e do ex-jogador David Beckham, que, juntos, só conseguiram angariar míseros dois votos. O surpreendente não foi a derrota, mas sim a disparidade entre os votos dos candidatos, visto que desde a Copa de 2010, só foram escolhidos países subdesenvolvidos, com históricos largos de corrupção governamental, o que aumenta a esfera de suspeitas ao modo de operar da organização.

    As gravações da Sunday Times, de compras de favores junto à federação nigeriana de futebol, faz perceber que a prática é bastante comum no meio. O estudo é amparado por materiais literários, como nos estudos de Andrew Jennings e pela coleção Ugly Game. A conclusão tirada pelo documentarista e por seu feitor é a de que um esporte que é lazer, tanto em prática quanto em acesso pelo mundo inteiro, não deveria ser de posse de uma empresa, ainda mais uma que constantemente se dobra aos desígnios e desejos de quem pagar mais. Ainda que seja utópico, o reclame vale muito, especialmente em território brasileiro, uma vez que o futebol sempre foi um evento consumido naturalmente pelas massas, recentemente elitizado de modo hediondo e mal feito. Ao menos, é reconfortante que os casos recentes estejam sendo investigados, ao menos neste primeiro momento.

  • Crítica | Memórias do Chumbo: O Futebol nos Tempos do Condor

    Crítica | Memórias do Chumbo: O Futebol nos Tempos do Condor

    Memorias do Chumbo 1

    Unindo dois assuntos primos, o jornalista Lúcio de Castro organizou quatro episódios exibidos no canal ESPN Brasil, onde seria explorado a proximidade entre as ditaduras direitistas que tomaram a America do Sul, e o futebol. Memórias do Chumbo – O Futebol Nos Tempos de Condor. As sedes dos estudos seriam Argentina, Uruguai, Brasil e Chile, e escrutinaria a influência semelhante ao ópio que o esporte – e mania – faria no povo, assim como o uso indiscriminado deste como arma governamental.

    A análise sobre o regime que tomou a Argentina começa por depoentes de idades variadas, alguns que presenciaram o início da tomada do poder, e outros que relatam as experiências de pais e outros parentes. O enfoque dado as gravações é muito mais emocional que didático, graças a sensibilidade do feitor em entrevistar as pessoas próximas das vítimas dos desmandos dos militares, sempre ligados ao futebol. No episódio Argentina a Operação Condor é esplanada, com o detalhamento da completa falta de educação, crueldade e violência, mesmo a pessoas que nada tinham a ver com os desígnios socialistas.

    A Copa de 1978 pareceu ao grupo de poderosos uma boa alternativa para retirar da opinião pública mundial a imagem de uma país opressor, mesmo que o custo fosse absurdo, beirando os setecentos milhões de dólares, incluindo nesta equação, o então presidente da FIFA, o brasileiro João Havelange, recentemente investigado por gigantescos escândalos de corrupção. É curioso como a uma distância mínima dos estádios, onde a torcida pulava e gritava, comemorando com Villa, Houseman e Kempes, havia salas de tortura, onde os cidadãos eram humilhados, fazendo daquela conquista a mais contestada da história das Copas. As falas das vítimas revelam um temor ainda existente, mesmo após décadas do acontecido, fortificando a sensação de que eram os militares os “donos da morte” dos prisioneiros, que nada fizeram, a não ser discordar do modo de governo.

    No episódio do Uruguai os depoimentos começam com as falas de Eduardo Galeano, com a revelação de que o país era campeão em torturados e mortes durante os anos negros da América Latina, inclusive com participação, conivência e patrocínio do governo brasileiro. Segundo o autor de Veias Abertas da América Latina, a tortura não era útil para colher informações, mas sim para incutir medo na população e em qualquer oposicionista, semeando e disseminando o pânico.

    O primeiro momento em que Castro se permite exibir-se para a câmera de Rosemberg Faria, é a conversar com Galeano, com quem tinha uma amizade bastante próxima. A intimidade faz com que os relatos do escritor sejam ainda mais intensos, agravados pelos detalhes do tratar dos poderosos, associando a esquemas de supostos favorecimentos, como num campeonato nacional para o Defensor Sporting, e um mundialito para a seleção uruguaio, associado a um campeonato inventado para desvirtuar a atenção do povo. Curioso é que nos relatos de Eduardo, revela-se uma das primeiras e mais notórias ações populares de torcida/sociedade, que gritava quase em uníssono “se va acabar, se va acabar, la ditadura militar”, fazendo da plebe finalmente um braço contrário aos desejos dos poderosos.

    Chega de Saudade, executada por Tom Jobim remete ao fim dos anos cinquenta, que apresentavam uma nova era de glorias para os brasileiros, especialmente pela Bossa Nova. Na esteira do receio de os discursos de Ernesto Guevara tornar-se verdade, e apoiado pelo presidente dos Estados Unidos Lyndon Johnson, os militares assumem o poder após a renúncia de Jânio Quadros. Subitamente, toda a informação passaria a ser controlada pelos militares recém “empossados”.

    No futebol não foi diferente, visto que ocupava uma boa parte do imaginário popular. Grande parte dos mandantes de federações estaduais, era aliada ou amiga dos poderosos, homens de confiança, que ajudava a alastrar a mentalidade dos governantes. Segundo o historiador Carlos Fico, o número menor de mortes em comparação com os outros pais do cone sul não fazia dos ditadores brasileiros menos implacáveis, piorando muito pela mentalidade reacionária se propagar no imaginário civil também.

    A perseguição ao técnico João Saldanha é revelada, focando em práticas covardes dos censores, que o encaravam como informante comunista, com a suspeição de que ele fornecia documentos a estrangeiros nas viagens com a seleção canarinho, pós Copa de 1966. O extenso monitoramento abarcava toda a população, o que vinha de encontro também ao futuro time tricampeão mundial com a introdução de um major dentro da comissão técnica.

    A tramoia do episodio varia entre os ditos sobre a guerra psicológica via slogans, como o “Brasil, ame ou deixe-o”, e claro, os relatos de torturados, como o de Cid  Benjamin, professor e jornalista, motivador do grupo MR-8, que sequestrou o embaixador estadunidense Charles Elbrick. Os detalhes sobre as condições insalubres do cárcere assustam, especialmente pela sujeira, frequentemente deixando os presos chafurdados em seus próprios excrementos.

    O estudo piora com a exposição da Operação Condor, onde se exportava tecnologias de tortura, pontuadas emocionalmente pela narração do funcionário da ESPN Luis Alberto Volpe, que imprime um caráter de denúncia mesmo em questões não tão espinhosas, agravado em momentos como nestas narrações. O episódio se encerra com a participação de Galeano expondo alguns detalhes das atividades de João Havelange e seu então genro, Ricardo Teixeira, que lucravam muito ainda nos tempos de chumbo, o que agravava ainda mais o martírio dos brasileiros comuns.

    O espécime que analisa o quadro do Chile começa mostrando o motim que vitimou Salvador Allende, um complô que – mais uma vez – envolvia os governantes brasileiros, sendo a embaixada palco até de reuniões dos golpistas. O roteiro é prodigioso ao comparar a hipocrisia dos atos com o bom mocismo das atitudes pragmáticas dos homens fortes do Mercosul, exibindo a contradição entre teoria e prática.

    O episódio é tomado por muitos depoimentos dos ex-jogadores da seleção chilena, que assumiram se sentirem como palhaços, graças a prática comum da ditadura em tornar o esporte como um circo. Ao mesmo tempo em que os atletas eram “protegidos”, seus familiares não o eram, então qualquer ato de rebeldia sofria represálias por torturas indiretas, a entes queridos, incluindo até suas mães.

    Mas foi em um jogo, que uma das maiores manifestações ocorreu, ainda que por “acaso”. Um dos jogadores, que exercia mal seu papel tinha seu nome gritado, por coincidência, homônimo do ditador, e o “Fora Pinochet” tomou os pulmões das arquibancadas, que refutavam claro, um dos soberanos mais nefastos daqueles tempos.

    Apesar de não haver uma ordem cronológica prévia para assistir a Memórias do Chumbo, é interessante tomar o capítulo chileno por último, por ser este encerrado de modo emocional, com depoentes prestes a chorar, em virtude do genocídio que ocorreu em seu país, quando os atletas corriam em atividades desportivas, com a certeza de que eventos como o túnel que ligava o campo de futebol a um local de fuzilamento, não se repetiria. O costume no Chile, Uruguai, Argentina e outros países é o de total desprezo por quem defende tais regimes, até por valorizar os homens que lutaram em favor da vida. Apesar do otimismo em seu final, não há qualquer aplacamento da realidade, ao contrário, a apresentação é visceral, informativa e emotiva, da parte de um estudioso que leva a sério o ofício de informar o espectador a qualquer preço.

    Episódio Argentina

    Episódio Uruguai

    Episódio Brasil

    Episódio Chile

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  • Crítica | Destino Futebol: O Inferno dos Rangers

    Crítica | Destino Futebol: O Inferno dos Rangers

    Rangers Football Club

    A série Destino Futebol, da ESPN Originals analisa figuras da bola, e o episódio em questão é o naufrágio do Rangers Football Club, o time mais tradicional da Escócia. O documentário, de 30 minutos de duração, se inicia mostrando torcedores, famosos e anônimos, louvando a tradição do time, declarando sua paixão e fanatismo, valorizando a enormidade do clube dentro do seu próprio país. O clube ganhou 54 taças da Scottish League Championships contra 44 do maior rival, Celtic F. C., mas sofreu uma derrocada enorme nos últimos anos.

    Em 2012, descobriu-se uma dívida de 134 milhões de libras, sendo 93 milhões somente de impostos. Os credores exigiam que sanassem os débitos, e tudo, estádio, jogadores, patrimônios do clube, estava à venda. Em pouquíssimo tempo, 28 jogadores foram vendidos de uma só vez. Craig Whyte, antigo cartola, era apontado como o responsável pelo não pagamento dos impostos. Em 2012, o clube enfim falira e todos os envolvidos com a história do time são mostrados desolados; de funcionário a ídolos, os apaixonados pela camisa azul e branca mergulharam num estado depressivo enorme.

    O futuro era nebuloso, e, por pouco, as portas do clube não fecharam, graças a Charles Green. O ex-jogador e empresário foi contatado por antigos membros do clube e, motivado por estes, comprou as ações do time, que estava em baixa, encabeçou um novo projeto, que tinha o intuito de reerguer o clube do zero, com nova administração de negócio, novo nome e postura desportiva completamente diferente. O Rangers foi excluído da Liga Escocesa e deveria solicitar autorização para se inscrever de novo na federação, o que simplesmente não ocorreu, sequer era permitida a contratação de novos jogadores.

    Houve uma votação com os sócios do time e 78% decidiram por uma decisão pouco ortodoxa: jogar a 4ª divisão da Liga, a fim de limpar o nome do clube endividado e para que não o acusassem de qualquer pecado moral. O novo time para a Division 3 foi montado a 3 dias do início do campeonato. Com todas as dificuldades, com  jogo mais “físico” se comparado ao das divisões anteriores, o Rangers vai se reerguendo, com um esquete mais modesto, mas muito mais identificado com o clube.

    A Scottish League Championships ficou sem o clássico de Glasgow. Até mesmo a torcida do Celtic lamentava, com o tempo, o fim da rivalidade no campeonato, apesar do discurso inicial de alguns alviverdes escoceses. O destaque do documentarista é a fidelidade do torcedor, que, mesmo após a descida ao inferno, permaneceu fiel, acompanhando o clube na dura subida ao campo, sem atalhos. Quando há jogos no Ibrox Stadium, o torcedor retorna seu orgulho. A 4ª divisão se disfarça de primeira, a média de torcida representa o orgulho dos adeptos às cores, com uma média de 49.000 pagantes, superior a do Celtic. “A Razão do clube existir são as pessoas, por isso o clube nunca morre” – o narrador, João Castello Branco, afirma que o reerguer é complicado e o mais difícil é o 1° passo, mas o Rangers finalmente está no caminho certo.

    A retomada é levada por pessoas identificadas com o clube, mas que não abrem mão do profissionalismo em suas gestões. O treinador do time é Ally McCoist, maior artilheiro da história do Rangers; dentro de campo, o comando é do capitão Lee Mcculoch, que já defendeu as cores da seleção 18 vezes. Os relatos de alguns torcedores também são muitíssimo emocionantes, seja da responsável pelo museu do Rangers,  ou de Alex Hamilton que, ao ter sua perna amputada, só se preocupava em quantos jogos do time perderia.

    O relato é interessante, principalmente devido aos acontecimentos recentes no Brasil, e reacende a discussão sobre a moral dentro e fora dos gramados, relativa à disputa desportiva justa e, claro, é um exemplo de como uma torcida não abandona o seu time e luta bravamente para reconquistar seu destaque de forma limpa e justa. 

    O Rangers venceu a Division 3 e atualmente lidera a Scottish League One (equivalente à série C). Seu elenco conta com o artilheiro irlandês Jon Daly e o zagueiro brasileiro Edmilson Cribari, (com boas passagens por Empoli, Lazio, além de ter jogado no Cruzeiro de Belo Horizonte), e prossegue em ascensão no intuito de limpar o próprio nome, com uma torcida apaixonada e sem medo de perder sua grandiosidade ao disputar as divisões inferiores.

    O documentário ainda está na programação do ESPN (veja horários) e ainda conta com um artigo e video do jornalista Mauro Cezar Pereira destacando o filme.