Tag: Joe Penhall

  • Review | Mindhunter – 2ª Temporada

    Review | Mindhunter – 2ª Temporada

    Crianças estão desaparecendo em Atlanta, capital do estado americano da Geórgia, e ninguém sabe quem está por trás disso. Desapareceram em massa num surto homicida sem precedentes, de fato, entre 1979 e 1981; jovens de 7 a 17 anos, tendo em comum serem todos afro americanos, e claro, menores de idade. Entre os quase 30 sumiços registrados pelas autoridades locais, pouco se sabe do(s) arquiteto(s) desses crimes que ainda assombram as memórias e a cultura pulsantes de Atlanta, até hoje. Felizmente, a segunda temporada de Mindhunter, a ótima série de Joe Penhall e produzida por David Fincher, não ignora esse marco histórico tão pesado, e revisita-o numa bela e discreta recriação temporal em busca de revirar seus mistérios, segredos e contradições que tanto envolveram esses desaparecimentos.

    Estaria o Klan por trás dessas perseguições, algum culto religioso macabro, ou apenas um fanático que moram com a mãe, acima de quaisquer suspeitas? “Precisamos ficar focados”, diz Holden Ford em certo momento, um dos dois principais agentes do FBI na série. Sendo o mais analítico e naturalmente viciado em sua profissão investigativa, Holden é o típico protagonista que toda série contemporânea e detetivesca pós-Zodíaco e Se7en (maravilhas de Fincher) deveria apresentar. Holden encarna o próprio trabalho, mergulhado a cada dia em um novo desafio a superar, junto do seu fiel companheiro, Bill Tenchy, muito mais humano, frágil, e cansado do que aquele pai de família durão e inquebrantável, de antes.

    Juntos, eles vem a unidade do FBI que atuam se expandir para resolver crimes que chocaram os Estados Unidos. Esse é o caminho natural de uma série como Mindhunter: aumentar o escopo para aprimorar suas perspectivas, aproveitar as possibilidades de sua realidade enquanto nos encanta e nos arrebata em seus mistérios, desta forma. Novos agentes entram na investigação, e todos parecem correr em círculos como se uma mente ardilosa e diabólica os fizesse de idiotas. É fato consumado que o enredo se preocupa muito mais em nos viciar na trama fragmentada, que ir atrás de respostas e soluções, e isso pode frustrar vários espectadores. A cada ida numa ponte, na calada da noite, ou em um novo momento de pura tensão (muito bem construído), eis um novo gancho narrativo para uma próxima charada.

    Se isso cansa, num primeiro momento, devido a letargia de alguns episódios, vale a pena seguir a construção dos enigmas após cada novo sumiço, em Atlanta, pelo simples prazer de uma encenação imbatível – e da dúvida que, aqui, pode ser muito mais poética e delirante do que alguns imaginam. Sempre destinados pelo FBI (e pessoalmente, também) a decifrar a mentalidade de assassinos em série, visitando-os em suas rotinas carcerárias bem longe das calçadas, Holden e Bill têm de lidar agora com a falta de foco que um caso desses apresenta, pois novas pistas não param de entrar na trama a cada um dos seus nove episódios, simplesmente hipnotizantes – ainda que absolutamente anticlimáticos, como já mencionado, sob a desculpa de se garantir, assim, a expectativa e o clima aterrorizante e mórbido que essa segunda temporada carrega e ostenta, com orgulho e um gosto latente de aperitivo de luxo para algo maior.

    Explorando o seu potencial de forma minimalista e sem muitos alardes, a série não ousa em sua proposta básica de suspense criminológico e aposta todo o seu desejo pela estratégia e esquematização, elementos que parecem reger esse cosmos de detetives e criminosos que a ficção tende a tornar tão elegante e simbólico, em uma infinidade de closeups hitchcockianos e diálogos do tipo “piscou, perdeu”. Mesmo assim, uma vez que a alma da série repousa com força e louvor no brilhantismo de clássicos do gênero policial como 12 Homens e Uma Sentença, do soberano Sidney Lumet, nada parece nos preparar para o apogeu destes episódios: a entrevista com Charles Manson, numa releitura tão forte e perfeita do comportamento e visual icônico do homicida americano que chega a impressionar qualquer um. Uma longa sequência, e que não chega a sumarizar o momento passivamente caótico da série, mas cujo impacto é de certo o mais poderoso entre todos os instantes desta segunda temporada.

  • VortCast 69 | Mindhunter

    VortCast 69 | Mindhunter

    Bem-vindos a bordo. Filipe Pereira, Thiago Augusto Corrêa, David Matheus Nunes (@david_matheus) e Julio Assano Júnior (@Julio_Edita) recebem Thata Finotto (@thata_finotto), do PQPCast, comentam sobre a primeira e segunda temporada da série da Netflix, Mindhunter, baseada em acontecimentos reais, sobre a história de investigadores do FBI que desenvolver o estudo comportamental de assassinos com base na psicologia, chegando então ao termo serial killer, usado até hoje.

    Duração: 114 min.
    Edição: Julio Assano Júnior
    Trilha Sonora: Julio Assano Júnior
    Arte do Banner:
     Bruno Gaspar

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  • Review | Mindhunter – 1ª Temporada

    Review | Mindhunter – 1ª Temporada

    Depois de Se7en – Os Sete Crimes Capitais, fica difícil mais de vinte anos após o clássico filme com Brad Pitt e Morgan Freeman pensar em alguém mais voltado ao universo da psicopatia e das manipulações humanas que David Fincher – até mesmo A Rede Social ganha com isso, evidenciando e sofisticando através do olhar do cineasta o jogo de tramoias que nasce e explode entre dois amigos e uma invenção universitária, chamada Facebook. Para Fincher, tudo não passa de um jogo de cartas ocultas e que merecem ser buscadas, e desvendadas.

    A série americana da Netflix, Mindhunter, de Joe Penhall e Fincher, de uma maneira muito mais refinada e inteligente que pseudo intelectuais do cinema americano como Christopher Nolan e Darren Aronofsky, revira e garimpa com conforto e familiaridade de perito terrenos sombrios de grande relevância social (a política, como foi em House of Cards, ou a sociopatia, no caso) desprovidos de um luar, de explicações completamente racionais, até o momento. Nisso, suas obras ganham uma justificativa plena de existirem, em meio a uma seara aborrecida de outras dispensáveis, feitas sob demanda numa escala industrial de produção.

    Após um estudo de 2016 afirmar que um em cada cinco diretores de empresas apesentam características claras de sociopatas, esse tornou a ser um assunto que nunca saiu de pauta nas produções culturais – mesmo que de uma forma subjetiva, e até por vezes caricatural em filmes, séries, livros e videogames. Portanto, entre tantos filmes e séries que se favorecem do medo do público na exposição visual de crimes terríveis contra o ser humano, como no caso de boas séries recentes, tal a sanguinolenta Hannibal, ou True Detective (saudades da primeira temporada), Mindhunter brinca com a suspeita desses grandes delitos, e principalmente, aonde se esconde a loucura mortal de homens totalmente comuns, de personalidade carismática e sedutora, e seus feitos que (quase) nunca são revelados – não de uma forma sensacionalista.

    Novamente, como de praxe nas obras do criador de Zodíaco e Millenium: Os Homens que  (duas obras cujos contornos práticos e ideológicos são amplamente reconhecidos na nova série do cineasta), Fincher se acomoda plenamente na força dos diálogos, e no poder rítmico também da edição, sempre um primor. São esses depoimentos de um bando de serial killers que nos levam a investigar, junto aos agentes do FBI em 1977, a psicologia daqueles que são imprevisíveis. A série da Netflix, diferente de Dexter por exemplo, encarna essa imprevisibilidade de uma forma elegantíssima e instigante, brincando deliberada com nossos medos do desconhecido que mora nos homens à luz do dia, e sobre os holofotes de um interrogatório numa prisão.

    Todos os dramas coadjuvantes a história dos criminosos, e as suas relações com os agentes Holden (Jonathan Groff), e Bill (Holt McCallany), bebem na fonte principal da série, um outro pronto válido de destaque. Aqui, nada é gratuito, e a psicologia profunda dos personagens para Fincher nunca foi tão importante. Nossos olhos são conduzidos com força as ações, e aos instintos de fantoches que servem a uma trama subjetivamente pesada, mas objetivamente fria, cínica, calculista e com aquela pinta sempre bem-vinda de noir dos anos 60 (alguém ai se lembra de O Samurai, clássico francês de 1967?). Outra referência de um passado glorioso vem na forma dos melhores filmes de Alfred Hitchcock, em especial dois com vários pontos a ver com a série: O Homem Errado, e claro, Psicose. Aparentemente, o diretor os revê toda noite antes de dormir – e eu não posso nem quero imaginar os sonhos provocados por esse tipo de experiência.

    O diretor do eterno e cultuado Clube da Luta chegou num ponto da carreira que brincar com as expectativas e as noções subliminares do público é uma constante a ser defendida, e obviamente aprimorada a cada filme, ou episódio. Faz parte de seus princípios, já. Por isso mesmo, Mindhunter torna-se imperdível como uma das séries mais recomendadas de 2017 que, longe de ser um atestado dramatizado de psicopatia por parte de seu realizador, nos lembra do porquê ele precisa ser considerado um dos grandes nomes em atividade no audiovisual norte-americano, e as razões críticas pela qual somos tão facilmente seduzidos pelo escuro, por essas figuras perturbadoras, manipuladoras e que fazem parte de uma cultura popular universal. Mas não nos enganemos: Tais motivos nunca são explicados sequer sugeridos, mas entendidos com perfeição pelo o que realmente importa, nosso subconsciente, alerta e incansável como sempre.

    https://www.youtube.com/watch?v=_ukFdxliIW4

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  • Crítica | Amor Obsessivo

    Crítica | Amor Obsessivo

    Mesmo reconhecendo que a linguagem escrita difere da cinematográfica, há aqueles que se incomodam quando sua obra predileta sofre modificações necessárias em uma adaptação. Um romance dentro de um filme é uma transposição impossível devido aos parâmetros estruturais que devem ser convertidos de maneira adequada, tudo para não perder a intenção original do autor e ser uma obra íntegra como longa-metragem.

    Baseado no romance Amor Sem Fim de Ian McEwan, Amor Obsessivo foi transposto de maneira parcial às telas. A bela linguagem formal do autor é naturalmente deixada de lado, visto que é impossível de ser inserida em um roteiro. Paralelamente a isso, a densidade dramática composta por situações simples, movidas pelo acaso e determinantes na vida de seus personagens, foi também esquecida no roteiro de Joe Penhall.

    Na trama, um acidente de balão em um parque em Londres é a situação-limite encontrada para expor o drama. Joe, um professor universitário, e outros presentes no local tentam prestar socorro às vítimas, mas são incapazes de impedir a fatalidade. É nesse momento delicado, compartilhado por estranhos, que surge Parry (Rhys Ifans), um dos socorristas que acaba se apaixonando pelo professor em um misto de amor e obsessão.

    Interpretada por Daniel Craig, a personagem de Joe foi bem reconstruída nas telas. No romance, a personagem narra a própria história enquanto a produção evita a narração em off e o transforma em um docente de uma universidade – originalmente, era um escritor científico –, um caminho correto para que, em cenas de aulas, a personagem apresente suas definições sobre o mundo, estabelecendo levemente parte do drama denso de McEwan.

    O dilema central situado na obsessão crescente de Parry perde a imparcialidade e se transforma em um drama com cenas de thriller de suspense. A força da obra original, que é a análise das relações e a fragilidade humana, é posta de lado para concentrar-se na obsessão, o tema mais banal da obra inicial.

    As mudanças são necessárias quando se trata de uma adaptação literária, mas, ao escolher somente um viés, dos diversos propostos pelo autor, a trama densa transforma-se em um fraco drama linear. Uma má execução que Christopher Hampton, roteirista de Desejo e Reparação, outro romance de McEwan, evitou: compôs um roteiro capaz de apresentar os dramas das personagem e a intenção fatalista que circunda a obra do autor. A reflexão que adensa as páginas do livro se transformou em um jogo de um homem solitário, obsessivo e doente, desintegrando a tensão das relações.

    Se comparações entre original e a adaptação enfraquecem argumentos, sempre favoráveis às obras originais, não há, com ou sem romance, profundidade suficiente que faça da produção uma história a ser recomendada. Explorando levemente o drama da obsessão, perdeu-se a profundidade original e não houve coragem suficiente que fizesse da obra uma trama de suspense. Funciona melhor como um complemento ao romance. Em outro caso, melhor optar pela obra original.

  • Crítica | A Estrada

    Crítica | A Estrada

    the-road

    O que a estrada nos oferece? Aonde ela nos leva? Há sequer um destino?

    Essas questões permeiam a jornada de um pai (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee) na brutal, crua e também simples realidade em que se encontram.

    Sobrevivência (ou a luta por ela) é o que mantém a relação quase simbiótica dos personagens principais. Em um mundo exaurido de recursos, percebemos que de nada adianta lutar para manter a integridade física se a sanidade mental se esvai, ponto bem representado pela personagem de Charlize Theron. O filho, por sua simples existência provê essa sanidade ao pai, o mantém em foco, dá a este homem um final objetivo de vida: preparar o filho para sobreviver neste mundo, quando ele não mais fizer parte dele.

    Após um evento cataclísmico que pouco nos é explicado, percebemos que o mundo vive agora um cenário de pós-guerra nuclear, onde a luz do sol se tornou uma vaga lembrança, e nos resta apenas paisagens áridas e desoladas a serem contempladas. Pai e filho partem em uma jornada determinados a chegar à costa americana, com uma vaga e ingênua esperança de que as coisas simplesmente serão melhores por lá. O destino da jornada no entanto, se mostra apenas um detalhe, quase um subterfúgio mental quando analisamos a obra de uma forma mais profunda.

    Baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy (autor de Onde os Fracos Não Têm Vez), a direção de John Hillcoat e o roteiro de Joe Penhall mantêm o teor sombrio da obra. A fotografia do filme proporciona exatamente o tom que A Estrada quer nos passar. Um mundo sem vida, cinza, com o inverno nuclear sempre presente.

    Neste cenário não há espaço para sutilezas ou eufemismos. Sobra sim o grotesco, o visceral, o medo generalizado de qualquer outro ser que possa cruzar o seu caminho. Qualquer um que possa querer tomar o pouco alimento que lhe resta, seu abrigo, ou simplesmente seu precioso sapato.

    A resposta deste medo é representada ao extremo no personagem de Viggo, com uma atuação tocante e verdadeira, conseguimos ver e compreender em seu olhar, em seu corpo corrompido, o que este homem sofreu e o que ele é capaz para manter imaculada (outro esperança ingênua) sua prole.

    Poucos filmes pós-apocalípticos tratam o tema com tamanha crueza e subjetividade. Muitos enveredam por caminhos onde a ação desenfreada ou o escapismo ficcional acabam se sobressaindo, deixando pouco espaço para uma reflexão sobre questões humanas primordiais dentro do cenário escolhido. Sejam elas de sobrevivência, relação interpessoal ou até mesmo de confiança. Esta última, vale notar, ainda presente no garoto e quase que completamente esgotada no pai. Mais um ponto interessante na relação pai/filho do filme.Pode-se questionar a verossimilhança do modos operandi de alguns grupos retratados no filme na luta pela sobrevivência. Mas basta um pouco de reflexão histórica para percebermos que os atos que nos causam mais asco no filme, não seriam assim tão difíceis de serem concretizados pela nossa natureza animalesca.

    A jornada empreendida aqui é análoga a caminhos tortuosos trilhados por todos nós. Viggo não sabe o que vai encontrar na costa, nem exatamente por que decidiu ir para lá. Mas sabe sim que não pode ficar estático, inerte ao destino reservado para ele e seu filho. Sabe que não pode parar, em certo momento abre mão até de certos recursos que ele sabe serem indispensáveis para ele e para o garoto. Este, não compreende a obsessão do pai, a importância de terem um objetivo final traçado, a sua (sempre presente) desconfiança para com o mundo deixado para eles. Um mundo destruído, sem cor, morto… e ao mesmo tempo, real.

    Texto de autoria de Amilton Brandão.