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  • Crítica | O Congresso Futurista

    Crítica | O Congresso Futurista

    A indefinição do futuro é analisada, distorcida e reinventada em demasia. Ultrapassa a barreira de um mero exercício imaginativo, tocando o cerne do homem moderno e sua angústia de não saber ao certo o que lhe espera em um tempo vindouro. Especulações e projeções surgem de diversas áreas e se popularizam por meio da cultura. Recentemente, a visão de um futuro pessimista tem assolado as narrativas ficcionais, de trilogias de sucesso, que repetem sua fórmula de distopia, à retomada de grandes obras que ganham nova atenção pela análise deste momento vago.

    Baseado na obra do polaco Stanisław Lem, O Congresso do Futuro, o filme propõe uma alegórica metaficção sobre os rumos da sociedade e da representação desta por meio da cultura e do entretenimento. Interpretando uma versão de si mesma, Robin Wright é uma consagrada atriz de Hollywood considerada um ponto de resistência em meio aos recursos tecnológicos disponíveis à narrativa cinematográfica, uma das últimas atrizes que ainda não cederam ao contrato de fornecer sua imagem definitiva à captação de movimentos para, depois, se aposentarem da profissão.

    A narrativa contrapõe a tecnologia e a concepção artística, ponderando-as em uma dicotomia existencial. A tecnologia evolui a favor da arte ou a arte necessita da tecnologia como forma de existir? É evidente que, desde a criação do Cinema, especificamente, os avanços caminharam simultaneamente. Porém, diante de uma gama cada vez maior de tecnologia inserida nas produções, até onde o papel do ator será importante na elaboração de uma história?

    A indústria cinematográfica é vista como um gigante inescrupuloso, impossível de ser parado pelo descontentamento de uma atriz. Muito se discute sobre a figura pública por detrás dos atores e seu papel em relação à sociedade. Aprofundando esta análise, a captura integral dos movimentos de um ator e, consequentemente, a composição de seus papéis feita inteiramente por sistemas digitais discute a questão da própria identidade. Se reconhecemos uma pessoa pela sua composição física, como reconhecer os outros sem esta forma de identificação?

    Após uma melancólica cena em que Robin Wright aceita se transformar em um personagem digital, a trama avança dois anos e modifica sua estrutura narrativa e mergulha em um universo colorido, brilhante, composto de animação gráfica. A atriz ainda é uma das estrelas do estúdio, mesmo que não esteja presente de corpo e alma nas interpretações de seus filmes. Ao contrário de uma visão depressiva e obscura de um futuro distópico dominado por máquinas tecnológicas, são os avanços da ciência que permitem a existência deste universo fictício. Uma realidade alternativa composta por uma droga que, quando consumida, libera um universo químico no cérebro de cada um, permitindo que este seja quem ele quiser. Não há mais espaço para adequar-se a um ideal imposto por uma sociedade. Dentro da própria alquimia cerebral, qualquer fantasia é aceita e incorporada. É um mundo vivido na imaginação, no onírico, onde o que é imaginado se torna real, pois, imaginado.

    A reflexão ultrapassa o Cinema e a concepção artística, focalizando o próprio humano – aproximando-se da angústia que o homem sente em relação ao futuro indefinido. Se todos são aquilo que desejam, como é possível reconhecer o próximo, se tudo é um jogo de máscaras? Questiona a personagem de Wright. Dentro deste cenário, a personagem procura seu filho, um garoto que sofre de uma doença degenerativa no ouvido, perdendo assim seu contato auditivo com o mundo. Um paralelo que demonstra que, enquanto uma maioria decide pela alienação em um mundo falso composto pela química, o filho, mesmo desejando manter contato com certa realidade, perde, pouco a pouco, esta comunicação e, contra a própria vontade, se isola. A família de Wright.

    Também neste aspecto, a produção não deixa de ser fabular ao narrar uma história que apresenta em seu interior uma moral reflexiva sobre a conduta humana e o uso da própria ciência e da tecnologia como forma de sobrevivência. Se desde tempos remotos a sociedade progrediu com tais usos, nos tornamos escravos de nossa própria evolução? A animação dirigida por Ari Folman é o meio que representa este falso mundo imagético. São cenas que abusam da qualidade técnica e das cores apuradas a favor de uma poesia visual que se justifica pelo tema abordado na produção, que produz com qualidade uma reflexão sobre a própria arte e a humanidade, fazendo de si própria uma bela peça artística.

  • Crítica | A Estrada

    Crítica | A Estrada

    the-road

    O que a estrada nos oferece? Aonde ela nos leva? Há sequer um destino?

    Essas questões permeiam a jornada de um pai (Viggo Mortensen) e seu filho (Kodi Smit-McPhee) na brutal, crua e também simples realidade em que se encontram.

    Sobrevivência (ou a luta por ela) é o que mantém a relação quase simbiótica dos personagens principais. Em um mundo exaurido de recursos, percebemos que de nada adianta lutar para manter a integridade física se a sanidade mental se esvai, ponto bem representado pela personagem de Charlize Theron. O filho, por sua simples existência provê essa sanidade ao pai, o mantém em foco, dá a este homem um final objetivo de vida: preparar o filho para sobreviver neste mundo, quando ele não mais fizer parte dele.

    Após um evento cataclísmico que pouco nos é explicado, percebemos que o mundo vive agora um cenário de pós-guerra nuclear, onde a luz do sol se tornou uma vaga lembrança, e nos resta apenas paisagens áridas e desoladas a serem contempladas. Pai e filho partem em uma jornada determinados a chegar à costa americana, com uma vaga e ingênua esperança de que as coisas simplesmente serão melhores por lá. O destino da jornada no entanto, se mostra apenas um detalhe, quase um subterfúgio mental quando analisamos a obra de uma forma mais profunda.

    Baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy (autor de Onde os Fracos Não Têm Vez), a direção de John Hillcoat e o roteiro de Joe Penhall mantêm o teor sombrio da obra. A fotografia do filme proporciona exatamente o tom que A Estrada quer nos passar. Um mundo sem vida, cinza, com o inverno nuclear sempre presente.

    Neste cenário não há espaço para sutilezas ou eufemismos. Sobra sim o grotesco, o visceral, o medo generalizado de qualquer outro ser que possa cruzar o seu caminho. Qualquer um que possa querer tomar o pouco alimento que lhe resta, seu abrigo, ou simplesmente seu precioso sapato.

    A resposta deste medo é representada ao extremo no personagem de Viggo, com uma atuação tocante e verdadeira, conseguimos ver e compreender em seu olhar, em seu corpo corrompido, o que este homem sofreu e o que ele é capaz para manter imaculada (outro esperança ingênua) sua prole.

    Poucos filmes pós-apocalípticos tratam o tema com tamanha crueza e subjetividade. Muitos enveredam por caminhos onde a ação desenfreada ou o escapismo ficcional acabam se sobressaindo, deixando pouco espaço para uma reflexão sobre questões humanas primordiais dentro do cenário escolhido. Sejam elas de sobrevivência, relação interpessoal ou até mesmo de confiança. Esta última, vale notar, ainda presente no garoto e quase que completamente esgotada no pai. Mais um ponto interessante na relação pai/filho do filme.Pode-se questionar a verossimilhança do modos operandi de alguns grupos retratados no filme na luta pela sobrevivência. Mas basta um pouco de reflexão histórica para percebermos que os atos que nos causam mais asco no filme, não seriam assim tão difíceis de serem concretizados pela nossa natureza animalesca.

    A jornada empreendida aqui é análoga a caminhos tortuosos trilhados por todos nós. Viggo não sabe o que vai encontrar na costa, nem exatamente por que decidiu ir para lá. Mas sabe sim que não pode ficar estático, inerte ao destino reservado para ele e seu filho. Sabe que não pode parar, em certo momento abre mão até de certos recursos que ele sabe serem indispensáveis para ele e para o garoto. Este, não compreende a obsessão do pai, a importância de terem um objetivo final traçado, a sua (sempre presente) desconfiança para com o mundo deixado para eles. Um mundo destruído, sem cor, morto… e ao mesmo tempo, real.

    Texto de autoria de Amilton Brandão.