Tag: Steve Conrad

  • Crítica | Extraordinário

    Crítica | Extraordinário

    O pequeno ator Jacob Tremblay já pode ser considerado um veterano em Hollywood, com apenas 11 anos de idade, já possui 21 filmes em sua carreira. O mais expressivo de todos é o ótimo O Quarto de Jack, de 2015, pois concorreu a vários prêmios da Academia, rendendo à Brie Larson a estatueta de melhor atriz daquele ano, além de diversas outras indicações e premiações.

    Não havia escolha melhor senão Tremblay para interpretar o carismático Auggie em Extraordinário, filme que adapta a obra literária homônima, de R.J. Palacio. O menino nasceu completamente deformado, o que o levou a passar por dezenas de cirurgias com a finalidade de resolver problemas de saúde, como sua respiração e audição, além de demais cirurgias plásticas corretivas. Durante sua infância, o garoto ficou dentro de casa, local que foi transformado em seu incrível mundo de imaginação. Fã alucinado de Star Wars, o personagem tem como seu melhor amigo o Wookie, Chewbacca. Vale destacar que a franquia criada por George Lucas está presente em peso durante o filme.

    A mãe de Auggie, Isabel (Julia Roberts), parou de trabalhar para que pudesse dar aulas ao filho, enquanto seu marido, Nate (Owen Wilson) trabalhava para sustentar a família. O garoto possuía tanta vergonha de sua feição, que toda vez que precisava sair de casa, usava um enorme capacete de astronauta, tanto que o dia em que o deixava mais feliz, em vez do Natal, ou do Dia de Ação de Graças, era o Halloween, porque podia sair fantasiado sem se preocupar com que as pessoas achariam de seu rosto.

    Tudo começa a mudar quando o personagem decide ir à escola e o que vemos daqui pra frente é um filme que em vez de ser pesar a mão no melodrama e repleto de trilha sonora carregada, o que temos na realidade é uma sensação de leveza, risos e diversão. Essa sensação também é causada por conta da atuação de Tremblay, que impinge carisma em tela. Auggie não é um menino depressivo, triste e em nenhum momento se vê como um coitado, isso dá o tom do longa durante a projeção.

    Obviamente, atravessamos todos os clichês que o gênero emprega, como o preconceito, o bullying de outros colegas, entre outros acontecimentos, mas Extraordinário, curiosamente, é muito mais do que isso. O longa-metragem surpreende porque não é somente um filme sobre Auggie. É um filme sobre Isabel, sobre Nate, sobre Via (Izabela Vidovic, talvez a surpresa do filme), irmã do protagonista – que possui uma bela história paralela – e sobre Daisy, a velha cachorrinha da família. Portanto, trata-se de um filme reflexivo, não só no sentido de obrigar o espectador a pensar sobre diversas coisas, mas também no sentido de como o nascimento do menino e suas atitudes refletem diretamente na família.

    Talvez o acerto seja mérito do diretor Stephen Chbosky, que possui somente três filmes em seu currículo, dentre eles, As Vantagens de Ser Invisível. Chbosky escreveu o roteiro juntamente com outros dois roteiristas, Steve Conrad (À Procura da Felicidade) e Jack Thorne, experiente em seriados. Contudo, com o perdão do trocadilho, o filme ainda que não tenha nada de extraordinário, possui grandes méritos na forma como conduz sua narrativa e não se rende a clichês do gênero.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | A Vida Secreta de Walter Mitty

    Crítica | A Vida Secreta de Walter Mitty

    a vida secreta de walter mitty

    Após sentar-se na cadeira de diretor, 6 anos atrás, em Trovão Tropical, Ben Stiller volta comandando a história de Walter Mitty. Interpretado pelo próprio ator, Walter é um funcionário da Revista Life que, com a reestruturação da  empresa, está prestes a perder o emprego.  Há 16 anos responsável por revelar os negativos do aventureiro fotógrafo Sean O’Connell (Sean Penn), agora Walter terá de sair de sua vida monótona e sem grandes realizações para ir ao encontro do velho parceiro de trabalho; a incumbência é a de garantir o que supostamente será a última capa da revista, que deixará de existir em sua forma física permanecendo apenas no formato Life Online (desde já, uma boa piada).

    Diferente das outras obras que dirigiu, aqui Stiller decide rumar em um caminho mais dramático. Para isso conta com ninguém mais ninguém menos do que Steve Conrad (À Procura da Felicidade) como roteirista. E, se mais simples, talvez a película convencesse. A direção presunçosa consegue diminuir o que de humano e sensível os 114 minutos de projeção têm a oferecer.

    Já estamos acostumados a ver histórias de pessoas superando os seus limites, principalmente em se tratando de grandes telas. O próprio Conrad fez isso magistralmente na consagrada obra com Will Smith. Mas, para que a narrativa funcione, é necessário que haja naturalidade, uma sensação de que os indivíduos se encaixem de forma orgânica em tais situações, ou então que sejam movidos a elas de forma lógica, racional. O que temos em A Vida Secreta de Walter Mitty é uma confusão de estilos, ou até mesmo de Stiller’s. De um lado, o diretor paródico que se sai bem na crítica do gosto pop ou dos estereótipos cinematográficos. De outro, o cineasta que punge falar sobre a quebra da inércia e a busca pelo verdadeiro propósito da vida, nem que para isso seja necessário bater de frente com tubarões, vulcões, montanhas congeladas, medos vencidos sob a motivação das canções que compõem a trilha sonora, aliás muito boa, com David Bowie, Arcade Fire, Of Monsters and Men, Junip, entre outros artistas. Há diferentes tons no longa. O personagem, que às vezes foge da realidade ainda acordado e devaneia situações cômicas, flutua entre o pastiche de cenas como a que remete a O Curioso Caso de Benjamin Button, e o realismo da realização naturalista, estilo Na Natureza Selvagem; ou quando realmente explora recônditos do universo, como a Groenlândia ou o Himalaia. Esses diferentes tons fazem com que até o objetivo da narrativa seja questionado, pois se há um “quê” de paródia nesse próprio fazer dramalhesco de Stiller, este se desfaz quando ocorre a constatação de que o roteiro se leva muito a sério, vide cenas como a que Mitty foge em disparada (algo que faz dezenas de vezes no filme) quando acredita que sua parceira de trabalho, Cheryl Melhoff (Kristen Wiig), voltou para o ex-marido, ou o próprio final da obra.

    O filme não é cansativo. O roteiro consegue guardar e espalhar surpresas interessantes e que trazem, de volta, o espectador de uma provável distração. Uma das melhores é a presença de Penn, quase nos instantes finais da película, soando até como uma possível piada, já que o próprio dirigiu o, já citado, Na Natureza Selvagem. Mas o problema é que, se por um lado vemos uma atualização da clássica obra protagonizada por Peter Sellers, Muito Além do Jardim, por outro vemos um esforço colossal de direção em explicar ou dizer, a partir de frases de efeito escritas no cenário ou outras inserções, tudo o que, na verdade, era para que víssemos em tela, de forma fluída e sem máculas. Soma-se a isso o excesso de cenas em slow-motion e o grande número de publicidades na produção e chega-se ao resultado de um filme que poderá até arrancar sorrisos marotos do espectador, mas no fim deixará uma sensação de discurso dito, redito e não dito ao mesmo tempo.

    Em seu cerne, porém, mesmo que frouxamente, A Vida Secreta de Walter Mitty nos faz voltar a tocar num calo social pós-moderno: a ausência de vida. Talvez o personagem mais cômico do filme seja o carinha da rede social que sazonalmente questiona Walter acerca de suas realizações, o que tem feito da vida, a que locais ele tem ido. É uma voz que, enquanto onisciente e onipresente, pode representar a nossa própria consciência nos questionando sobre o que temos feito com a nossa própria vida. Sério que realmente queremos passar anos e anos atrás de um balcão de escritório sem ao menos experimentar um décimo de por cento do que o mundo nos oferece lá fora? Sério que nossa atitude mais radical, em séculos, será cutucar alguém no Facebook? Sério que viveremos, para sempre, sérios e reclusos a tudo o que nós mesmos pedimos desesperadamente, dentro de nossa cabeça, e simplesmente optar por nos silenciar? Indiretamente, ou não, a obra de Stiller nos faz pensar em nós, pena que não seja tão eficaz como cinema quanto talvez o seja como palestra psicossocial.

    Texto de autoria de Rodrigo Rigaud.