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  • Crítica | O Gênio e o Louco

    Crítica | O Gênio e o Louco

    O Gênio e o Louco é um longa adaptado para o cinema a partir do livro O Professor e o Louco, de Simon Winchester (além de autor do livro, ele co-assina o roteiro). Estória real que relata o cruzamento das vidas de dois homens no final do século XIX, o prof. James Murray (Mel Gibson) e o Dr. William Chester Minor (Sean Penn).

    Os dois entram em contato no processo de elaboração do New English Dictionary on Historical Principles, conhecido atualmente como The Oxford English Dictionary (dicionário Oxford da língua inglesa). O escocês autodidata sem formação superior, James Murray, é um self-made man dedicado ao estudo das línguas. Ele propõe ao corpo diretor da Sociedade Filológica da Língua Inglesa ligada à universidade de Oxford que lhe conceda a liderança do projeto audacioso de elaboração do dicionário. A esse objetivo ele dedicaria sua vida a partir dali. No seu tortuoso, desafiador e sofrido caminho, conheceria o doutor Minor.

    O filme, embora nos entregue uma estória real muito interessante e cativante, tem pontos negativos que comprometem sua qualidade. O enredo que o longa retrata cobre o período que vai de 1871 até 1910, praticamente 40 anos, e o roteiro deveria, assim, apresentar de maneira adequada essa passagem de tempo. A impressão que se tem ao assisti-lo é que toda sequência de acontecimentos ocorre em não muito mais que dois anos. Ponto negativo para os roteiristas John Boorman (O General), Todd Komarnicki (Sully: O Herói do Rio Hudson), Farhad Safinia (Apocalypto) e Simon Winchester (relevante jornalista e escritor – dentre muitos outros, O Homem que Amava a China é seu livro de destaque publicado no Brasil).

    Safinia, além de co-assinar o roteiro, dirigiu filme. Isso poderia tê-lo levado a uma percepção diferente sobre a apresentação da estória e ter propiciado correções, que elevariam a qualidade do filme. Sobre a atuação dele como diretor há uma questão engraçada, Gibson (detentor original dos direitos para cinema do livro de Winchester) dividiria a direção com ele. Desistiu de fazê-lo e teve dificuldades financeiras que o levaram a vender os direitos a outra produtora. Os novos donos se desentenderam sobre detalhes da obra com Safinia, o que redundou na impossibilidade de que esse assinasse diretamente a direção do longa. Oficialmente o diretor é P.B. Sherman, pseudônimo que Farhad teve de criar para os créditos.

    Apesar dessa questão negativa do tratamento do tempo na obra (central para a qualidade dela), assistir ao filme não é nenhum esforço. A atuação de Penn (Sobre Meninos e Lobos) é sensacional. Ele nos apresenta um Dr. Minor mais que convincente como combatente, nos poucos flashs de memória que tem da Guerra Civil Americana; um homem de meia idade verdadeiramente insano e profundamente intelectualmente compenetrado e produtivo ao ponto de contribuir com mais de 10.000 citações para o dicionário.

    O prof. Murray que Gibson (Coração Valente) nos faz conhecer é a perfeita imagem de um homem auto-forjado a partir das dificuldades. Sua interpretação de convicção, entusiasmo e autoconfiança na cena inicial com a diretoria da sociedade filológica não poderia ter retoques. Ao mesmo tempo, os diversos momentos de vacilação de Murray apenas talvez tenham alcançado expressão mais fidedigna no rosto do James real.

    Natalie Dormer (Game of Thrones) está simplesmente de fazer chorar no papel de Eliza Merrett, viúva de George Merrett, assassinado pelo Dr. Minor. Em toda sua desgraça e limitações, em toda sua dor, desespero e confusão, em sua insana paixão por William, a Eliza de Dormer nos faz experimentar um pouco do que essa infeliz deve ter passado em sua vida.

    Se o filme não é uma obra prima, faz valer as pouco mais de duas horas investidas em frente à tela. Adicionalmente ao já apresentado, é uma delícia visualizar a vida na Oxford de finais do século XIX e início do XX. Permita-se ser levado pela confluência de sentimentos. Ouça a música-tema original do filme The professor and the madman de Bear McCreary (Godzilla II: Rei dos Monstros) de olhos fechados e inicie o filme assim que o som encerrar. Esteja pronto para se perguntar o que é loucura e o que é genialidade.

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior (marcospenajr.com).

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  • Crítica | Sobre Meninos e Lobos

    Crítica | Sobre Meninos e Lobos

    Mystic

    Nós somos a nossa infância, e Clint Eastwood quer discutir isso. Mestre em pegar histórias de força descomunal e subverter essa força com sensibilidade à flor da pele, mas diferente de Ang Lee e outros, sabe equilibrar as energias que podem surgir de tramas humanas, investigativas de algum modo, e coloridas por elementos típicos de seu cinema. A paixão por um ideal e o espírito incansável dos lutadores da vida real, no caso, aqui, o esforço imprevisível na neblina de uma morte sem explicação, num mundo de homens, descrença e intolerância, se mostram nesta produção de 2003, uma pérola sobre o que move a espiral no coração de quem faz deste mundo um mundo frio e sem volta nas nossas ações, onde nem a mais antiga e forte amizade sobrevive diante de uma tragédia de proporções gerais, tendo nos enigmas do passado a chave para um futuro mais simples. Há um futuro esperando lá fora ou é a gente que o faz? O dia é da caça, é verdade, mas o predador tem sua hora.

    Quando um dos três amigos, num belo dia, entra num carro de desconhecidos, o estrago é feito. Para sempre. Os três jamais esquecem o momento, seguidos por ele, atormentados em lembranças revividas na prática, tal um carma constante que afeta muitos além do trio que fez assinar seus nomes na calçada de cimento fresco, na rua que nunca abandonaram. Sobre passado e reminiscências, sobre os pregos e acerca dos arames que nos atam e nos fazem ser quem somos, por fim, nas tangentes das relações que também nos constroem nas sarjetas por onde andamos, construímos nosso ser social, e escondemos quem realmente somos, abertos nesse nível apenas entre quatro paredes, nas confissões entre pessoas queridas que conhecem nossas páginas secretas. Um filme de detalhes, closes e olhares que quebram essas paredes e queimam essas páginas ao ar livre, culminando, ainda assim, em mistério traduzido na imagem de um rio, tamanha esperteza de um roteiro de gênero, no caso criminal. Rio escuro e profundo, feito a alma dos envolvidos no crime insondável de uma jovem moça, numa história de gato e rato impossível de desgrudar os olhos, e da suspeita de estar assistindo a um grande filme.

    E de grandes envolvidos. É difícil destacar quem quer que seja e ser justo ao mesmo tempo, a partir de uma atuação coletiva que beira a perfeição, com atores e atrizes num esplendor de sintonia, emaranhados na teia de seus personagens. É incrível como o caldo começa a borbulhar só no olhar, novamente, de Tim Robbins, sentado num bar durante uma partida de beisebol, esporte adorado por boa parte dos americanos. A câmera se aproxima do rosto de quem entrou naquele carro há anos atrás, e na ausência de palavras conseguimos ler na face do homem o universo que este carrega nos ombros, a dar margem ao choque de mundos que se dará logo após os minutos iniciais. Quem matou? E por quê? Tudo parece brotar do nada, num vórtice de consequências onde as causas importam bem mais, na tradição dos suspenses forjados a ferro e fogo que prezam mais a razão do crime que o crime em si, como em Pacto de Sangue (1944), Alma no Lodo (1931), O Falcão Maltês (1941), Sangue de Pantera (1942), A Lei dos Marginais (1961), Fúria Sanguinária (1949) e O Homem Errado (1956), de Hitchcock. Clássicos em que a vibração e atmosfera são muito similares com as de Meninos e Lobos.

    Nota-se, também, a maneira descompromissada e quase natural de como essa atmosfera é cozinhada: como se realizar um filme para Eastwood fosse cozinhar, juntando temperos para a receita ficar no ponto. Ponto de ebulição para a história explodir na tela e no rosto de Sean Penn, o pai da vítima cujo choque do presente releva o passado para construir o amanhã, por mais negro e desumano que hoje possa ser. Na expressão de desespero de Marcia Gay Harden, cúmplice de quem tem as mãos sujas de sangue, e na tensão de Kevin Bacon na busca pelo assassino: todos são interligados numa ciranda em torno da loucura e da lucidez num bairro de classe-média onde nada relevante poderia brotar, e por isso mesmo brota. A receita é simples, e para ser simples o mestre Eastwood traduz em suspense familiar, com suas típicas mãos de seda, a desconstrução de uma amizade, mas sem nos deixar desconfortáveis na remoção das peças do quebra-cabeça, exceto, é claro, quando chega a hora dessas cabeças começarem a rolar.

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  • Crítica | Caça aos Gângsteres

    Crítica | Caça aos Gângsteres

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    Imagine-se em um bar. Daí aparece aquela mulher linda e maravilhosa. Você fica olhando de longe, admirando seu charme, seu sorriso, sua beleza estonteante e começa a achar que ela é especial. Única. Então você se aproxima e começa a conversar com ela. Em poucos minutos percebe que ela é superficial e comum. Essa é a sensação provocada por Caça aos Gângsteres. O filme tem muito estilo e apresentação pra pouco conteúdo.

    Passado em 1949, o impiedoso mafioso nova iorquino Mickey Cohen, vivido por Sean Penn, comanda com braço de ferro o crime organizado na cidade de Los Angeles. Sua influência vai além dos criminosos comuns, chegando ao escalão da polícia e aos políticos da região. Porém, um pequeno grupo de policiais liderados pelos sargentos John O’Mara e Jerry Wooters, vividos respectivamente por Josh Brolin e Ryan Gosling, resolve desmantelar a organização de Cohen.

    A trama é um completo decalque de Os Intocáveis, o já clássico filme dirigido por Brian De Palma. Porém, as semelhanças param por aí. Não vou comparar os dois filmes, vou apenas estabelecer alguns paralelos. Enquanto Eliot Ness e seus companheiros eram personagens bem delineados, com motivações profundas e críveis, nesse aqui as motivações são as mais mundanas possíveis. Um não quer que o filho ache que ele não fez nada enquanto a máfia dominava, o outro é o detetive que reluta em entrar no grupo e por aí a banda segue.

    O elenco estelar encabeçado por Gosling e Brolin tem atuações rasas, ainda que existam alguns breves momentos inspirados, mas nada além disso. Em nenhum momento o espectador consegue sentir empatia pelos heróis, chegando até mesmo a uma certa indiferença ser despertada.  É possível que os personagens profundos como um pires tenham influenciado nesse aspecto. Nem Sean Penn se destaca em meio às interpretações desfiladas na tela. Aliás, chega a dar pena a sequência em que o oscarizado ex-marido da Madonna tenta emular o icônico Tony Montana (Al Pacino em Scarface, outro filme do Brian De Palma). O diretor Ruben Fleischer não soube aproveitar o material humano que tinha em mãos. As cenas de ação são genéricas e não empolgam. Fora que a trilha sonora é completamente equivocada. Em vez de elevar a tensão da cena, dá nos nervos do espectador.

    O ritmo do filme é até interessante, sem muita enrolação, indo direto ao ponto. O diretor faz um uso interessante da câmera lenta em algumas cenas. Porém, os clichês vão se amontoando pelo caminho. Um fato é intrigante: os personagens são policiais, estão trabalhando à margem da lei, são conhecidos pelos bandidos da cidade, não usam máscaras pra fazer as batidas nos locais “secretos” onde a bandidagem opera, e custam a ser identificados mesmo frequentando bares e restaurantes apinhados de meliantes. É algo que não faz muito sentido e acaba passando batido no roteiro. Como ponto positivo, temos a impecável ambientação de época. A Los Angeles recriada é maravilhosa e os  figurinos são de encher os olhos. A direção de arte, de efeitos especiais e a cenografia merecem parabéns.

    Caça aos Gângsteres poderia ter sido um filmaço. Só conseguiu ser esteticamente lindo. Faltou cérebro nele. Cultuaram demais o corpo e esqueceram da mente.

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  • Crítica | O Franco-Atirador

    Crítica | O Franco-Atirador

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    O Franco-Atirador não se trata de um remake do fantástico filme dirigido por Michael Cimino. O nome adotado no Brasil é o mesmo, mas o título original da produção de 1978 era The Deer Hunter, cujo método de caça aos cervos (deer) é um fator recorrente, de grande peso, para uma das cenas finais. Instiguei sua curiosidade? Vale muito a pena! Assista! Mas antes não deixe de conferir o lançamento de 2015, sob a direção de Pierre Morel (o mesmo de Busca Implacável e Dupla Implacável), o que pode nos fazer antever um filme com muita ação.

    No elenco contamos com Sean Penn, com 5 indicações ao Oscar de Melhor Ator, entre as quais ele arrebatou a estatueta por Sobre Meninos e Lobos (2003) e Milk: A Voz da Igualdade (2008), e o espanhol Javier Barden, premiadíssimo em cerimônias europeias, e também com o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Onde os Fracos não têm Vez (2007), e foi indicado na categoria de Melhor Ator com Antes do Anoitecer (2000) e Biutiful (2010).

    Considerando a presença de ganhadores ou indicados ao Oscar, neste filme, há que se citar a trilha sonora de Marco Beltrani, o qual teve duas indicações por seu trabalho em O Comboio e Guerra ao Terror. Não, não estou levantando a possibilidade de isso se repetir este ano, mas também não dá para negar que Beltrani contribui eficientemente para a narrativa do longa, na construção de momentos de tensão, como aquele em que Martin (Penn) recebe de Felix (Barden) a designação para assassinar um membro crucial do governo do Congo, e a percussão musical acompanha com precisão a angústia que rege as batidas do coração de Martin.

    Angústia? Para um atirador mercenário? Acontece que essa missão implica na saída do protagonista, do país e, consequentemente, da separação entre ele e sua belíssima namorada Annie (Jasmine Trinca) que, como Martin, trabalha para uma ONG, no Congo. Obra do acaso? Não! Plano orquestrado por Felix, que tem uma obsessão quase doentia pela moça e quer afastá-la de seu “rival”.

    Aliás, devo dizer que O Franco Atirador, embora se inicie com um pot-pourri de reportagens sobre o cenário de destruição que envolve este país, não se trata de um filme com enfoque político. Ainda que as cenas de ação sejam sim, envolventes, e mostrem a boa forma de Penn, o roteiro, com co-autoria do mesmo, parece enfatizar o triângulo amoroso (com direito a venenosas maldades) composto por Martin, Annie e Felix. Neste aspecto, considero que a complexidade emocional dos personagens centrais poderia ter sido melhor explorada, já que tanto Penn quanto Barden (pessoalmente eu diria “especialmente Barden”) já nos provaram, em outras atuações, o quanto são capazes de imprimir profundidade e dinâmica a perfis conflituosos.

    No entanto, os diálogos abusam da simplicidade, apesar da tentativa do diretor em criar elementos psicológicos subjetivos, através de closes em algumas expressões. Embora Flavio Martinez Labiano tenha recorrido a alguns clichês, como o tom amarelado para diferenciar a cronologia das cenas, e o efeito lens flare (quando a luz sofre uma distorção, entrando pelas bordas da lente e causando uma espécie de manchas) a fotografia atua com relevância nas diferentes ambientações da trama.

    Martin cumpre com precisão a sua missão, e sai do país, como combinado, mas quando volta alguns anos depois, uma avalanche de surpresas transforma a sua vida e o seu coração numa busca frenética por respostas, das quais dependerá a própria sobrevivência.

    Quer saber mais? Assista ao filme! Não se trata de uma obra-prima, tem sua falhas aqui e ali, e algumas cenas acho até desnecessárias, mas tem também seus pontos positivos e, com certeza, manterá você preso na poltrona… intercalando momentos de total imobilidade com algumas contorções, já que ação, suspense e impacto não lhe faltam!

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Colegas

    Crítica | Colegas

    “Eu quero ver o mar!”, “Eu quero voar!”, “Eu quero me casar!”.

    Sob o clima revolucionário da trilha sonora de Raul Seixas, a comédia de Marcelo Galvão traz à tona temas mais do que reais e sérios. Colegas acompanha os sonhos de Stallone (Ariel Goldberg), Márcio (Breno Viola) e Aninha (Rita Pook), três amigos com Síndrome de Down que fogem da instituição onde moravam desde crianças, em busca da realização seus maiores desejos, respectivamente: ver o mar, voar e se casar.

    Inspirados pelos seus filmes favoritos, eles vivem dias de Thelma & Louise, viajando até Buenos Aires enquanto são caçados por uma dupla de policiais bonachões e pela imprensa sensacionalista que os transforma em uma gangue de criminosos fortemente armados e perigosos.

    O filme é uma trama cheia de citações e referências a grandes clássicos do cinema, como Pulp Fiction, Cães de Aluguel, Homens de Preto, Exterminador do Futuro e A Vida é Bela. Para os colegas que trabalhavam na videoteca, esses filmes eram realmente inspiradores e sustentam um enredo tão surreal quanto as histórias que eles desejavam viver.

    A aventura de Stallone, Márcio e Aninha começa com a invasão a um circo abandonado, assaltos a restaurantes, uma pescaria em alto mar, um casamento, um show onde arrumam briga, um tango ao ar livre e um jantar francês sofisticado. Nesse meio tempo, os protagonistas, vividos por um elenco altamente talentoso e preparado, se deparam com questões comuns à vida das pessoas com e sem deficiências, como a sexualidade, a saudade e a independência.

    A produção aborda um tema de grande peso polêmico com a leveza da comédia e um sutil descompromisso com a verossimilhança, lembrando uma epopeia contada por um narrador (Lima Duarte) que brinca com a realidade em cenas improváveis na vida de um adolescente. A deficiência é abordada com poucos tabus, transformando o preconceito em algo risível.

    O tom pastel presente na fotografia de Rodrigo Tavares contribui para a ambientação do filme entre as décadas de 1970 e 1980, mostrando a alta qualidade da produção que teve reconhecimento internacional e levou sete prêmios no ano de 2012.

    O filme também alcançou grande notoriedade com a campanha #vemseanpenn, realizada pelo ator Adriel, que, inspirado pelo seu personagem, lutou pela realização de seu sonho: conhecer seu ídolo. Em Uma Lição de Amor (I Am Sam, 2001), Sean Penn viveu o papel de Sam Dawson em uma história de um deficiente intelectual que cria a filha com a ajuda dos amigos, filme que trouxe grande notoriedade para o tema. A abordagem da deficiência no cinema de forma pouco comum e estigmatizada como foi feita em Colegas, abre os olhos do público para a simplicidade e espontaneidade com que o assunto deve ser tratado.

    A atuação de Leonardo Miggiorin, Marco Luque, Juliana Didone, Otávio Mesquita e tantos outros nomes populares da televisão brasileira fica ofuscada diante do talento e da autenticidade da interpretação dos protagonistas, que mesmo enfrentando tantas adversidades, seguem inabaláveis em suas jornadas fictícia e real.

    Texto de autoria de Mayra Massuda.

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  • Crítica | A Vida Secreta de Walter Mitty

    Crítica | A Vida Secreta de Walter Mitty

    a vida secreta de walter mitty

    Após sentar-se na cadeira de diretor, 6 anos atrás, em Trovão Tropical, Ben Stiller volta comandando a história de Walter Mitty. Interpretado pelo próprio ator, Walter é um funcionário da Revista Life que, com a reestruturação da  empresa, está prestes a perder o emprego.  Há 16 anos responsável por revelar os negativos do aventureiro fotógrafo Sean O’Connell (Sean Penn), agora Walter terá de sair de sua vida monótona e sem grandes realizações para ir ao encontro do velho parceiro de trabalho; a incumbência é a de garantir o que supostamente será a última capa da revista, que deixará de existir em sua forma física permanecendo apenas no formato Life Online (desde já, uma boa piada).

    Diferente das outras obras que dirigiu, aqui Stiller decide rumar em um caminho mais dramático. Para isso conta com ninguém mais ninguém menos do que Steve Conrad (À Procura da Felicidade) como roteirista. E, se mais simples, talvez a película convencesse. A direção presunçosa consegue diminuir o que de humano e sensível os 114 minutos de projeção têm a oferecer.

    Já estamos acostumados a ver histórias de pessoas superando os seus limites, principalmente em se tratando de grandes telas. O próprio Conrad fez isso magistralmente na consagrada obra com Will Smith. Mas, para que a narrativa funcione, é necessário que haja naturalidade, uma sensação de que os indivíduos se encaixem de forma orgânica em tais situações, ou então que sejam movidos a elas de forma lógica, racional. O que temos em A Vida Secreta de Walter Mitty é uma confusão de estilos, ou até mesmo de Stiller’s. De um lado, o diretor paródico que se sai bem na crítica do gosto pop ou dos estereótipos cinematográficos. De outro, o cineasta que punge falar sobre a quebra da inércia e a busca pelo verdadeiro propósito da vida, nem que para isso seja necessário bater de frente com tubarões, vulcões, montanhas congeladas, medos vencidos sob a motivação das canções que compõem a trilha sonora, aliás muito boa, com David Bowie, Arcade Fire, Of Monsters and Men, Junip, entre outros artistas. Há diferentes tons no longa. O personagem, que às vezes foge da realidade ainda acordado e devaneia situações cômicas, flutua entre o pastiche de cenas como a que remete a O Curioso Caso de Benjamin Button, e o realismo da realização naturalista, estilo Na Natureza Selvagem; ou quando realmente explora recônditos do universo, como a Groenlândia ou o Himalaia. Esses diferentes tons fazem com que até o objetivo da narrativa seja questionado, pois se há um “quê” de paródia nesse próprio fazer dramalhesco de Stiller, este se desfaz quando ocorre a constatação de que o roteiro se leva muito a sério, vide cenas como a que Mitty foge em disparada (algo que faz dezenas de vezes no filme) quando acredita que sua parceira de trabalho, Cheryl Melhoff (Kristen Wiig), voltou para o ex-marido, ou o próprio final da obra.

    O filme não é cansativo. O roteiro consegue guardar e espalhar surpresas interessantes e que trazem, de volta, o espectador de uma provável distração. Uma das melhores é a presença de Penn, quase nos instantes finais da película, soando até como uma possível piada, já que o próprio dirigiu o, já citado, Na Natureza Selvagem. Mas o problema é que, se por um lado vemos uma atualização da clássica obra protagonizada por Peter Sellers, Muito Além do Jardim, por outro vemos um esforço colossal de direção em explicar ou dizer, a partir de frases de efeito escritas no cenário ou outras inserções, tudo o que, na verdade, era para que víssemos em tela, de forma fluída e sem máculas. Soma-se a isso o excesso de cenas em slow-motion e o grande número de publicidades na produção e chega-se ao resultado de um filme que poderá até arrancar sorrisos marotos do espectador, mas no fim deixará uma sensação de discurso dito, redito e não dito ao mesmo tempo.

    Em seu cerne, porém, mesmo que frouxamente, A Vida Secreta de Walter Mitty nos faz voltar a tocar num calo social pós-moderno: a ausência de vida. Talvez o personagem mais cômico do filme seja o carinha da rede social que sazonalmente questiona Walter acerca de suas realizações, o que tem feito da vida, a que locais ele tem ido. É uma voz que, enquanto onisciente e onipresente, pode representar a nossa própria consciência nos questionando sobre o que temos feito com a nossa própria vida. Sério que realmente queremos passar anos e anos atrás de um balcão de escritório sem ao menos experimentar um décimo de por cento do que o mundo nos oferece lá fora? Sério que nossa atitude mais radical, em séculos, será cutucar alguém no Facebook? Sério que viveremos, para sempre, sérios e reclusos a tudo o que nós mesmos pedimos desesperadamente, dentro de nossa cabeça, e simplesmente optar por nos silenciar? Indiretamente, ou não, a obra de Stiller nos faz pensar em nós, pena que não seja tão eficaz como cinema quanto talvez o seja como palestra psicossocial.

    Texto de autoria de Rodrigo Rigaud.

  • Crítica | Sobre Meninos e Lobos

    Crítica | Sobre Meninos e Lobos

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    O cinema de Clint Eastwood sempre se aproximou da Tragédia: seus personagens parecem operar em um universo cruel e aparentemente sem sentido, onde ainda assim alguns desfechos se mostram inescapáveis. E talvez em nenhum de seus filmes isso seja tão claro quanto em Sobre Meninos e Lobos.

    Jimmy, Dave e Sean são amigos de infância que acabaram se afastando, mas convivem com a lembrança de quando Dave foi levado por um carro e passou três dias desaparecido, durante os quais foi repetidamente estuprado. A lembrança é carregada como trauma por Dave e como culpa pelos outros dois.

    A escolha de Dave é aleatória, qualquer um dos outros dois meninos poderiam ter sido levados, mas não foram. Ao mesmo tempo é possível questionar se Jimmy teria entrado no carro ou saído correndo, ou se os homens escolheriam um menino capaz de sair correndo. A linha fina, e por vezes invisível, entre aquilo que é possível escolher e aquilo para o qual somos inevitavelmente conduzidos parece ser o principal tema de Eastwood aqui, mais do que nunca o diretor se pergunta o que nos faz o que somos e porque.

    Os três personagens se reencontram quando a filha de Jimmy é assassinada e Sean se torna o detetive responsável pela investigação. Desde o início o espectador é levado a crer que Dave é o responsável pelo crime e Eastwood manipula com maestria o que vemos ou não, os ângulos de câmera e recortes de montagem que incriminam Dave cada vez mais. No fundo, ele está condenado antes de qualquer investigação, o espectador já o julgou quando a câmera passa dos seus olhos para a menina dançando sensualmente na mesa.

    Assim, Eastwood começa construindo uma história de vingança, um mundo razoavelmente ordenado em que o dano gerado por uma violência se desdobra em mais violência. É cruel, mas faz sentido. Aos poucos o cineasta subverte seu próprio filme e no fim o assassinato de Katie nada mais é que um azar cujas condições foram criadas por uma série de escolhas e circunstâncias aparentemente desconexas.

    Eastwood também desconstrói seus personagens conforme se aproxima deles: vemos a fraqueza em Jimmy e o trauma de Dave ganha contornos mais nítidos e a repulsa inicial causada por ele vai se transformando em compaixão e finalmente dor quando fica claro o quão inescapável é seu final.

    Em Sobre Meninos e Lobos, mais uma vez Clint Eastwood assume um filme de gênero, nesse caso o policial, e distorce seus elementos: não há lógica ou ordem moral aqui, como na maior parte dos filmes policiais, apenas personagens quebrados que agem de acordo com suas próprias limitações e tentam fazer escolhas, mas é questionável até que ponto eles realmente tem a liberdade de fazer essas escolhas.

    Ao mesmo tempo o diretor constrói seu filme com planos mais bonitos: é notável quando a câmera se afasta e vemos Sean Penn desesperado, cercado de policiais, impotente e angustiado. Em diversos momentos a câmera assume um ângulo a partir de cima, diminuindo seus personagens ou criando sombras estranhas e distorcidas, quase expressionistas. Sobre Meninos e Lobos é uma obra sobre ilusões e manipulação, e Eastwood imprime isso impecavelmente na forma do filme.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.