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  • Crítica | O Segredo dos Seus Olhos

    Crítica | O Segredo dos Seus Olhos

    Segredo dos Seus Olhos 1

    O premiado filme de Juan José Campanella começa com um misto de sensações terríveis, primeiro através de um bloqueio de escritor de seu protagonista, mostrando Benjamin Espósito (Ricardo Darin) não conseguindo passar suas emoções conflitantes para o papel, depois traçando paralelos entre esse incômodo e a natureza de seu trabalho, tanto em fases passadas quanto no presente. O Segredo dos Seus Olhos conta uma história de desejos e de fugas a partir da experiência do recém-aposentado jurista e servidor público que tenta escrever um romance baseado em uma história de um caso antigo, não resolvido até o presente da fita.

    A proximidade de casos violentos envolvendo mulheres se faz presente como principal fato de inconivência para o sujeito que a câmera persegue, tanto na atualidade quanto em seus sonhos acordados, frutos de sua re-memória sobre o ocorrido durante as fracassadas tentativas de escrever.

    Com o passar da película, Espósito se vê cada vez menos capaz de passar para o papel as suas ideias. Revisitar sua própria literatura torna-se um estorvo, ao contrário do trabalho de pesquisa que começa a exercer, perseguindo suas lembranças como se sua vida dependesse disso. De modo bastante obcecado, o sujeito começa a ir atrás das pistas em torno do julgamento ainda em aberto, apoiado por seu amigo Pablo Sandoval (de um irreconhecível Guillermo Francella). José consegue adentrar ambientes que claramente não são os seus, em cenários onde ocorrem cenas dantescas, em especial uma perseguição em um estádio de futebol que faz do templo esportivo o palco de corridas entre bandidos e vigilantes nos filmes policiais normativos, em uma cena bem construída na qual a câmera diz mais em poucos segundos do que todo o texto escrito.

    O roteiro de Campanella e Eduardo Sacheri não aponta para clichês comuns a outros tantos filmes sobre crime. Não há tiro, assassinatos mostrados em tela, tampouco violência gráfica. O apelo é mais sentimental e visceral, tocando no âmago dos personagens, expondo suas almas como se estivessem desnudss, em uma transparência emocional sui generis que revela o asco pelos problemas jurídicos do país, nas expressões tanto do personagem principal, como de sua chefe Irene Menéndez (Soledad Villamil), que assistem impassivos ao sistema se dobrar diante da corrupção.

    Irene captura a atenção de seu subalterno em muitos níveis, e o modo com o fascínio ocorre é apresentado no campo das sugestões. Mesmo quando ambos encaram o sentimento, há um cuidado de manter a sensação em um nível suspenso, tão velado que beira a irrealidade. A aura em torno do filme faz apontar outros tantos pontos lúdicos, fazendo do cotidiano de Espósito um misto de vida comum com leves toques do realismo fantástico pensado por Gabriel García Márquez em seus livros.

    Os atos finais são um mergulho dentro do processo detetivesco com mortes, perseguições e outras irregularidades, mostrando que na construção de uma nação, não há espaço para uma existência sem crimes e pecados. Campanella tenta falar sobre a alma e natureza humana, alcançando êxito em alguns pontos e soando desengonçado em outros tantos, deixando em muitos momentos o formato superar seu conteúdo, fator que faz os problemas de ritmo piorarem demais aos olhos do espectador mais atento. O Segredo dos Seus Olhos é um filme correto, sobretudo por seu caráter comercial bem-sucedido, e por explanar ao mundo o boom que sofreu o cinema argentino nos últimos anos, curiosamente conduzido por um diretor competente e presente no ideário audiovisual dos Estados Unidos.

  • Crítica | O Clã

    Crítica | O Clã

    O Clã 1

    Novo suspense do excelente diretor argentino Pablo Trapero – o mesmo de Elefante Branco e Abutre – e baseado em fatos conhecidos e famosos na Argentina sobre a gangue Puccio, família conhecida por sequestrar e matar várias pessoas, O Clã é uma história sobre obsessão e disputa familiar, que se situa historicamente em um período turbulento da história de seu país, com o lento e gradual retorno da democracia aos moldes normais, sem o abuso das ações militares sobre a população, ao menos em um nível liminar.

    A trama é contada sobre dois olhares, a de Alejandro (Peter Lanzani), filho homem, que seria o herdeiro natural das atividades, e o patriarca e responsável por ser o cérebro da operação, Arquimedes Puccio (Guillermo Francella), um homem frio, como a natureza de seu trapalho de sequestros exige.

    O  roteiro de Trapero, Julian Loyola e Esteban Student explora a contradições morais, tanto dentro do âmbito familiar pseudo religioso (e hipócrita), até a questão do envolvimento de homens poderosos e ligados a um governo repressor em algo que destrói o ideário do conservador, fazendo pouco da sensação de segurança, debochando da vida  dos homens, só por serem as vítimas pessoas abastadas, sem graves problemas financeiros.

    Quase todos os seres que habitam este mundo tipicamente masculino, apresentam defeitos terríveis para quem deveria ser prioritariamente frio, deixando a insegurança transparecer a todo momento. Exceção a regra é Arquimedes, um homem intransponível, resoluto e que não se permite ter maiores sensações além das que o dever lhe chama. Suas demonstrações de carinhos são igualmente ríspidas. O modus operandi precisava disso, e quando o pai cede aos caprichos emocionais que lhe são impostos, começa a derrocada dos Puccios, a despeito até da chegada de reforços externos, como na liberação da prisão de Maguila (Gastón Cocchiarale) seu outro filho, mais experiente que Alex.

    As personagens femininas não praticam qualquer ação de comando, remetendo aos tempos de filmes mafiosos em voga, na esteira de O Poderoso Chefão, onde o papel feminino é completamente subalterno, em que os pecados são exclusividades dos homens ativos. Tal aspecto pode ser encarado como problemático para plateias atuais, mas representam bem a realidade opressora da época, ainda mais comum em um âmbito familiar machista.

    A demonstração do fracasso das operações representa também o engessamento das operações, frágeis em essência, fadadas ao fracasso, já que só eram certeiras quando não apresentava-se qualquer revés a sua frente. A trajetória de declínio se anuncia a partir da primeira cena, e a escolha de Trapero por começar seu drama a partir de um momento onde isso fica explícito é um enorme acerto, funcionando como denúncia, mas sem demonizar os envolvidos passionalmente na série de crimes. A cena final também carrega uma tremenda força visual, violenta, real, fazendo um resumo sentimental de todo o restante da fita, louvando a vontade de não existir diante de um egoísta panorama familiar, que sepulta qualquer ideia de união diante da aproximação da guilhotina, em uma representação real do quanto o instinto de sobrevivência faz demonstrar o real caráter do sujeito ordinário.