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  • Crítica | Depois Daquela Montanha

    Crítica | Depois Daquela Montanha

    Ben Bass (Idris Elba) é um cirurgião cujo voo foi cancelado, na volta de um congresso. Alex Martin (Kate Winslet) é uma fotojornlista que estaria no mesmo voo, a caminho de seu casamento. Na tentativa de não perder a cerimônia, Alex convence Ben a contratarem um piloto particular, Walter (Beau Bridges), para leva-los para casa. Durante o voo, o avião cai nas montanhas geladas, deixando os dois – e um labrador – entregues à própria sorte.

    Lendo a sinopse e assistindo ao trailer, o filme até parece promissor. Pena que não corresponde às expectativas. O que, à primeira vista, parece ser um drama de sobrevivência “raiz” – a exemplo de Vivos127 Horas ou mesmo Náufrago – descamba para um pseudo-romance entre os personagens. Digo pseudo pois não há muita química entre os personagens. É sabido que pessoas em situações extremas tendem a se aproximar; e sexo pode ser uma válvula de escape para a tensão causada pelo perigo iminente. Mas o romance entre eles não soa natural, não convence, apesar das boas atuações de Winslet e Elba.

    Outra coisa que não convence é o lado McGyver de Ben e a facilidade com que ele encontra subsídios seja para cuidar do enorme ferimento na perna de Kate, seja para tratar de um ataque de leão da montanha sofrido pelo cachorro. Impressiona a abundância de material disponível dentro pequeno avião – seja cirúrgico, seja para pequeno reparos. E, sobre a perna de Kate, além de Ben ter-lhe arranjado praticamente um robo-foot para imobilizá-la, ela parece não ser um obstáculo muito grande durante a caminhada deles em busca de civilização – a menos que seja necessário. Ben pouco se machuca, apesar das circunstâncias e seu instinto de sobrevivência é digno de um guia de escalada no Everest, mas pouco condiz com sua profissão.

    A tentativa canhestra do roteiro de mostrar a convivência entre pessoas bastante diferentes a todo momento cai no clichê. Aliás, clichês não faltam nessa produção. Desde o cara caladão por conta de um trauma passado, até a jornalista que fica fazendo perguntas o tempo todo, passando pela presença do cão para “unir” os personagens. Sem contar as inúmeras obviedades no contraste entre os personagens. Ele é introvertido, ela, extrovertida. Ele é prático e racional. E ela – num raciocínio tão rasteiro quanto um chinelo havaiana – por ser mulher, é obviamente guiada pelos sentimentos.

    As condições severas do clima também não são retratadas fielmente. Dormir sob as árvores deveria significar acordarem congelados, o que não ocorre. Sem contar que, após vários dias enfrentando frio extremo e carência das alimentos, os personagens continuam com boa aparência, quase corados. E, pasmem, a barba dele mal cresce!

    Em meio a tantas falhas, o filme culmina em um terceiro ato todo melodramático e com cenas água-com-açúcar, que estragam o pouco que os atores tinham conseguido construir para os personagens. A produção toda é tão piegas, tão lugar comum, que fica difícil tecer elogios a quaisquer aspectos que não sejam os técnicos.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Crítica | Omar

    Crítica | Omar

    Omar-poster

    Toda forma de arte é, antes de tudo, uma expressão política. O cinema talvez seja atualmente o maior desses veículos para se propagar uma mensagem, e muitas regiões do planeta acabam sendo colocadas em evidência no mapa por conta de cineastas que conseguem traduzir de forma simples um conflito muito maior. O diretor palestino Hany Abu-Assad já havia causado furor no cinema internacional com seu excelente filme anterior, Paradise Now, ao adotar uma visão intimista sobre o terrorismo no oriente médio. Agora, com sua nova produção indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro, Omar, retoma os holofotes do cinema palestino em época de intensificação da ocupação israelense e escalada da violência na região.

    O filme conta a história do jovem Omar (Adam Bakri) e seus dois amigos Amjad (Samer Bisharat) e Tarek (Iyad Hoorani). Funcionário de uma padaria e sonhando em casar com Nadia (Leem Lubany), irmã de Tarek, ele pula o extenso muro que separa a região todos os dias, apenas para vê-la. Porém, é influenciado por Tarek a participar de ações contra soldados da ocupação israelense na Palestina. Após elaborarem juntos um plano de alvejarem um destes soldados, toda a força do estado policial de Israel irá cair sobre ele, desmoronando seu mundo.

    Omar mantém a visão intimista de Abu-Assad sobre conflitos políticos impactando a vida de pessoas comuns, visão que normalmente perdemos dentro do debate político. Todos os personagens possuem vida e estão fazendo o que podem para tentar sobreviver à dura realidade. Porém, tudo tende a piorar quando o jovem sonhador Omar cai nas mãos da inteligência israelense, que o tortura e tenta torná-lo um agente duplo, utilizando métodos psicológicos altamente questionáveis sob o ponto de vista humanitário.

    A força de Israel é personificada na figura do Agente Rami (Waleed Zuaiter), que se disfarça de muçulmano na prisão e obtém de Omar uma simples frase que dá início a seu inferno pessoal. Eles sabem de tudo sobre sua vida e sabem que Tarek é o cérebro por trás da operação, e se Omar de primeira não o entrega e tenta enganar os israelenses, seus amigos não agem da mesma forma, tornando cada vez mais difícil saber quem são seus reais inimigos.

    Apesar de o filme se utilizar de algumas escolhas frágeis de roteiro para forçar o drama de Omar, como a subtrama onde Nadia se casa com um de seus amigos – que era o delator, mas que todos suspeitavam que fosse Omar – a força principal da trama está em mostrar o dia-a-dia de uma região tão complicada, e nos fazer entender que além de soldados e grupos terroristas, também vivem pessoas comuns, com famílias, traumas, erros e acertos, que podem levar a consequências trágicas como em qualquer lugar do mundo. A cena onde Rami atende o celular e briga com sua esposa (em hebraico) em frente a Omar é emblemática neste sentido.

    Com um final um pouco previsível, mas bem construído, o filme não se propõe a um debate maior sobre terrorismo ou a situação em si da região, tampouco se preocupa em amenizar o tom. Mas é justamente em sua honestidade e simplicidade que reside sua força. Em tempos de tamanha violência e extremismo, é sempre bom lembrar que todos nós nascemos humanos, e que o ódio é construído lentamente e vai nos penetrando enquanto pessoas e enquanto sociedade até sobrar pouco espaço para o resto. E é para isso que devemos ficar atentos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.