Tag: Seamus McGarvey

  • Crítica | Vida

    Crítica | Vida

    No espaço, ninguém pode ouvir você gritar. Em 1979, Alien: O Oitavo Passageiro chegou aos cinemas com esse slogan. Principal expoente do “terror espacial”, o filme dirigido por Ridley Scott gerou uma série de homenagens, cópias e outros sub-produtos. Nenhum deles se equiparou ao original, no entanto, inegável mencionar que algumas dessas produções ganharam certo destaque ao seguir o modelo estabelecido pelo clássico de Scott. Vida, dirigido por Daniel Espinosa, é uma dessas produções.

    Na trama, seis cientistas a bordo da Estação Espacial Internacional obtêm de volta uma sonda problemática que foi à Marte em busca de evidências de vida. Ao analisarem o material, descobrem uma forma de vida unicelular que estava presente no solo do planeta vermelho. Batizado de Calvin, o organismo passa a reagir a estímulos externos e evolui de forma assustadora até se tornar um ser complexo e de instinto assassino. Após fugir do laboratório, Calvin passa a caçar um a um dos cientistas, mostrando ser uma ameaça terrível que não pode chegar à Terra.

    O roteiro escrito por Rhett Reese e Paul Wernick (dupla de Zumbilândia, Caça aos Gângsteres e Deadpool) não propõe grandes questionamentos filosóficos, ainda que ouse uma pincelada rápida na questão acerca de estarmos ou não sozinhos no universo. Percebe-se desde o início que a intenção é o entretenimento puro e simples, uma vez que situações eletrizantes ou de suspense vão se encadeando rapidamente dentro do filme. Entretanto, isso acaba por diminuir o impacto de alguns acontecimentos e faz com que o espectador não sinta a menor simpatia pela maioria dos personagens, pois há pouco ou nenhum desenvolvimento da maioria deles. Só Jake Gyllenhaal e Rebecca Ferguson ganham uma atenção especial. O cientista Hugh, vivido por Ariyon Bakare tem um breve momento para que suas motivações sejam explicitadas, mas rapidamente é esquecido. Há de se ressaltar também, que o roteiro confunde despreparo com burrice. Ainda que os astronautas não tenham a menor ideia de como lidar com uma criatura assassina, algumas atitudes tomadas pelos personagens são simplesmente imbecis, fazendo o espectador torcer pro alienígena translúcido devido à sua superioridade intelectual demonstrada em relação aos astronautas.

    O diretor Daniel Espinosa (de Protegendo o Inimigo e Crimes Ocultos) demonstra um bom domínio ao criar ótimas situações de suspense e ação. Ajuda muito a forma que Calvin assume durante o filme, um excelente conceito que faz com que o rumo de algumas cenas seja imprevisível. Entretanto, talvez prejudicado pelo roteiro, o diretor acaba acentuando a unidimensionalidade dos personagens. Além de se inspirar em Alien, Espinosa bebe na fonte de 2001: Uma Odisseia no Espaço, e em parceria com o diretor de fotografia Seamus McGarvey, cria planos lindíssimos, não apenas das instalações da estação espacial, como do próprio espaço. Outro ponto positivo são as perseguições em gravidade zero, onde o diretor cria uma constante sensação de imprevisibilidade. Já no tocante às atuações, há um competente trabalho de composição de personagens, ainda que o texto não colabore na construção ou mesmo dê credibilidade para a capacidade técnica de cada um deles. Os destaques ficam por conta da dupla de protagonistas Gyllenhaal e Ferguson.

    Enfim, Vida é um thriller de suspense espacial que não ousa motivar nenhum tipo de discussão filosófica. Foi concebido apenas para ser uma diversão para os seus espectadores e essa função ele cumpre muito bem.

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  • Crítica | Precisamos Falar Sobre o Kevin

    Crítica | Precisamos Falar Sobre o Kevin

    Precisamos falar sobre tantos Kevin, para tentar entender como se forma sua complexa personalidade. Mas que precisamos, acima de qualquer coisa, “falar com o Kevin”, talvez a principal mensagem deste filme (We Need to Talk About Kevin, 2011), cuja trama é um constante provocar de questionamentos, sem respostas conclusivas, sem vereditos sobre culpados ou inocentes.

    Os créditos finais já haviam terminado, mas a película parecia permanecer intensa e dinâmica na minha mente, até que o latido do meu cachorro me trouxe de volta à realidade. Não que a história não estivesse, indissociavelmente comprometida com tantas realidades, em seu foco estrutural, e nas ramificações sugeridas subjetivamente. Mas até então eu continuava sentindo o peso e o cansaço de limpar “paredes” sujas de tinta vermelha, e percorrer o silêncio dos “corredores”.

    Percebi que a análise a ser feita precisa abranger dois vieses distintos. E acabei percebendo também que os mesmos acabam se tornando complementares, uníssonos na composição da narrativa cinematográfica.

    A diretora Lynne Ramsay fez um brilhante trabalho ao filmar uma adaptação do livro de Lionel Shriver, cujo roteiro foi escrito a quatro mãos (Ramsay e Rory Kinear). O filme recebeu várias indicações pelas organizações que premiam o cinema, ganhou o Festival de Londres e a Menção Especial ao Mérito Técnico no Festival de Cannes.

    O romance em si, publicado em 2003, é uma narração, em primeira pessoa, de Eva Khatchadourian, a qual desabafa nas cartas para o marido a luta travada entre a liberdade desejada e a maternidade imposta, assim como a angústia sobre a origem dos comportamentos que tiveram como desfecho a tragédia que caiu sobre sua família.

    A cineasta, embora mantendo o olhar de Eva como lente narrativa, preferiu poupar na oralidade e “desenhar” este suspense psicológico através da inteligente montagem de Joe Bini, da belíssima fotografia de Seamus McGarvey, e da adequadíssima trilha de Jonny Greenwood. Bini usa cortes secos para intercalar as transições cronológicas e, artisticamente, cria um painel de semelhanças subjetivas entre mãe e filho, proposto pela cineasta, como por exemplo na cena em que Eva mergulha o rosto na água, e ele se transforma, enquanto emerge, no rosto de Kevin.

    McGarvey sabe dar a a fluidez certa (ou a falta desta) e a intensidade vibrante (ou opaca) ao vermelho que permeia os 110 minutos de imagens, assim como sugere as recordações que vão sendo apagadas por outra realidade, quando altera o foco daquelas. Greenwood intensifica tudo isto com uma trilha que caminha paralela à angustia que cobre todo o enredo, com acordes que chegam a nos causar desconforto. Por último, e acima de tudo, há a impecável atuação de Tilda Swinton (Eva), indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz (2012) e premiada pelo Cinema Europeu, na mesma categoria. Temos ainda a qualidade do desempenho de John C. Reilly (Franklin, o marido) e Ezra Miller (Kevin na segunda fase).

    Ramsay recorre, sabiamente, à identificação da angústia (ou sentimento de culpa) de Eva através do vermelho que, além de ser constante, inicia o filme, mostrando a protagonista mergulhada nele, e aparece em repetidas cenas (que servem de ponto de transição entre o pós tragédia e as lembranças) onde a mãe de Kevin limpa as paredes (pintadas por outras pessoas, numa manifestação de vandalismo), desesperadamente, como se isso pudesse limpar também tudo o que tivesse levado ao trágico desfecho.

    Nos momentos de negligência, de irritação, e até mesmo de tentativas em ser amável com Kevin, o desconforto de Eva é quase palpável, e a cineasta nos sugere que isso talvez seja a curva crescente de uma revolta que se originou numa gravidez não desejada. O bebê parece ter sentido toda a rejeição, e se manifesta em incessantes choros, os quais provocam uma das cenas mais marcantes do filme: quando Eva para o carrinho em frente a um canteiro de obras, quase em estado de êxtase pelo som da britadeira, pelo fato de este se sobrepor ao choro.

    A relação mãe/filho mergulha na dualidade do frágil e do intenso, na ação e reação, sem que fique claro de quem vem uma ou outra.

    Mas a única coisa que a diretora nos deixa clara é que o filme não pretende definir vítimas ou culpados, não tem a intenção de promover um juízo de valores, não permite a simples observação da superfície das personagens. O filme envolve-nos numa busca por um olhar mais profundo, num emaranhado de perguntas, e mesmo que pensemos ter encontrado algumas respostas, em algum momento, o que teremos ao final da película será um ótimo tema para reflexão. E a reflexão consiste em quê? Em mais questionamentos.

    Contar mais alguma coisa sobre a obra, (já que se trata de um suspense, meticulosamente elaborado para que nada seja explicitamente revelado ou explicado), me tornaria spoiler. No entanto, preciso falar da questão central da trama e, assim como a autora ou a diretora, não expor diagnósticos, mas criar pontos de reflexão.

    A família é o primeiro grupo com que a criança interage, e do qual ela extrai os mais básicos modelos de comportamento, partindo para a construção de seus valores. No entanto, outros fatores, como o meio externo, também terão uma grande influência nas suas escolhas e na sua conduta, além de que devemos também contar com o subjetivo de cada um. A diversidade de características pessoais é imensurável, é isso que torna o ser humano apaixonante, em sua complexidade.

    Mas é irrefutável que certas atitudes se constroem através da prática, dos conceitos internalizados, da compreensão do outro e de si mesmo e dos diálogos estabelecidos. Pois bem, o que menos se percebe nesta família, são exatamente os diálogos, quer seja entre Kevin e qualquer outro dos membros, quer seja entre os pais, sobre as variáveis do misterioso comportamento que o mesmo vem apresentando desde criança.

    Não se trata de buscar um culpado para a violenta conduta de Kevin. Trata-se de estar atento para as suas linguagens, e aprender a decifrá-las, inclusive nas entrelinhas (nem que para isso seja necessária a ajuda de um terapeuta). Trata-se de não ver apenas aquilo que se quer ver porque é mais confortável ou, quando se enxerga, não tentar “consertar”, com comportamentos autopunitivos, num esforço de enfatizar a presença através de uma pressuposta atenção, quase mecânica. Trata-se de procurar desde sempre, um equilíbrio no cuidar, sem tender à autoridade ou à permissividade, exercendo um controle e estabelecendo regras, mas oferecendo um apoio suficiente para a construção da autonomia.

    Não existe uma fórmula! Pais não estão isentos de falhas, e filhos nem sempre aprendem o que ensinamos, da forma como ensinamos! Mas temos o compromisso de zelar pelo clima emocional em que a criança cresce, promovendo um desenvolvimento saudável.

    Um comportamento antissocial é inato ao ser humano ou decorre do ambiente?

    Mais uma pergunta que permanecerá sem resposta, como tantas outras!

    Precisamos Falar Sobre o Kevin é um filme imperdível, por sua qualidade cinematográfica, por toda a reflexão a que a trama nos conduz, e pela mensagem que ele nos deixa: precisamos falar com Kevin, com Eva, com Franklin!

    Texto de autoria de Cristina Ribeiro.

  • Crítica | Cinquenta Tons de Cinza

    Crítica | Cinquenta Tons de Cinza

    50 tons o filme 1

    O novo filme de Sam Taylor-Wood inicia-se com a rotina matinal de Christian Grey (Jamie Dornan). Após uma corrida, o personagem toma banho e escolhe as roupas para mais um dia de trabalho, com gravatas que retomam o título cinza. O evento quase consegue desvirtuar a atenção da trama ruim que seria apresentada, a história mundialmente conhecida, sucesso da “literatura” de E. L. James, Cinquenta Tons de Cinza. O prédio da companhia é belo, imponente, e por si só já intimidaria a calada estudante Anastasia Steele (Dakota Johnson), que precisa entrevistar, a pedido de uma amiga, o bilionário de boa aparência.

    Mais do que as roupas de trato fino e da aparência impecável, é a insensibilidade de Christian que gera na moça a impressão de que ele seria diferente de tantos outros homens de seu cotidiano. As salas grandes de cor branca também servem para desviar a atenção espiritual do seu “herói”, que abruptamente começa a se interessar pela intimidade da moça que o encara, em uma construção de relação boba e ainda mais mecânica do que a vista no livro.

    Aos poucos, forma-se uma atmosfera de conto de fadas pós-moderno, onde o príncipe ignora completamente a boa aparência da princesa, e ainda assim tem êxito em cooptar a atenção da amada. No entanto, os meios para alcançar esse encantamento é quase todo formado por situações constrangedoras e falas cafonas, típicas não de um homem erudito, e sim de um conquistador barato encontrado em cada bar, balada ou esquina das grandes cidades. Suas táticas de intimidação também são invertidas, já que ele usa seu dinheiro e recursos para reforçar o aspecto de homem maléfico.

    Após quase assinar um termo de confidencialidade sem ler o que está escrito nele, Anastasia mergulha em um quarto secreto, após o anúncio de Grey dizendo que “não faz amor, e sim fode com força”. No cômodo, ela vê toda sorte de brinquedos e apetrechos sexuais, ecos de uma vida mimada, cujos gostos e desejos jamais foram negados, quando a negativa não é um estado comum ou objeto aceitável.

    O auxílio visual faz momentos entediantes do livro tornarem-se dinâmicos e até aceitáveis. Grande parte da personalidade estúpida e infantil de Ana é suprimida na fita, e ela mostra muito menos rubor, por exemplo, depois dos elogios de seu primeiro parceiro sexual. No entanto, são comuns as cenas de um constrangedor romantismo, distante demais do posicionamento de dominador que Grey tenta passar.

    A beleza da nudez da Dakota Johnson faz o filme destacar-se além do ordinário comum do livro, mas não o bastante para superar o enfado que é acompanhar a lenta sedução do casal, que em termos bem conservadores tenta emular os momentos eróticos de Sete Semanas e Meia de Amor. As cenas de discussão dos termos são realizadas sob uma luz avermelhada, e tenta, em vão, sexualizar o momento, exibindo um mau gosto atroz.

    As cenas de prazer através da dor são flagradas de modo bastante conservador pela câmera, com dificuldade enorme de chocar o espectador mais antiquado e desagradando a quem vê a sexualidade como um assunto que não é tabu. O medo do choque prossegue, com a nudez pouco contemplativa de Anastasia e praticamente nenhuma sobra do corpo de Grey para o público feminino. Essa abordagem invertida em relação ao público alvo da sedução mostra inabilidades em representar fantasias e fetiches, algo que piora ainda mais nas cenas que apresentam primeiro o incômodo da moça em ter sua liberdade invadida, e depois em momentos de risadinhas constrangedoras após voar em aviões caríssimos, exibindo uma faceta bastante fútil da personagem.

    As atuações super mecânicas fazem o combalido roteiro ser ainda mais tedioso, incapaz de gerar qualquer empatia. Sequer a trilha sonora, repleta de músicas boas, consegue surpreender. Todas as faixas exibidas primam pela previsibilidade e superficialidade. As cenas em que o chicote vibra na pele da protagonista não possuem nenhuma indicação de que há sangue. Falta humanidade ao drama que é proposto, não há alma ou sentimento em quaisquer ações filmadas, nem mesmo o asco e a repulsa são bem retratadas.

    O abrupto e incômodo fim do livro é reiterado na fita, com uma cena repetida no final, claro, com sentido diferenciado. O trabalho que Taylor-Wood pouco conseguiu salvar do péssimo objeto literário em que se baseou concentra-se nos mesmos problemas éticos e defeitos sexistas e machistas. O roteiro ruim foi criticado até pela criadora da ex-fanfic, e consegue não vulgarizar, mas também não permite quase nenhuma parcela de erotismo ou sensualidade. Assim, prevalece a cafonice do argumento original, com um pouco menos de tédio, por só tomar duas horas do público, ao contrário do excessivo tempo necessário para terminar o livro.