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  • Crítica | O Chefão de Nova York

    Crítica | O Chefão de Nova York

     

    O Chefão de Nova York é um filme de 1973 do movimento Blaxploitation que reúne elementos do “gênero” mafioso, bem ao lastro de O Poderoso Chefão de Francis Ford Coppola feito um ano antes. Na trama, se acompanha a vida de Tommy Gibbs, um garoto que ainda nos anos 1950 trabalha como engraxate e presta serviços a máfia ítalo-americana de Nova York. O filme não demora a dar um salto temporal (dez anos depois), e rapidamente, o protagonista vira um predador de gângsteres, inclusive acertando as contas com os poderosos da Cosa Nostra e congêneres.

    O filme é protagonizado por Fred Williamson, ator de filmes de ação conhecido entre outras produções como a imitação de 007, Bolt: O Homem Relâmpago, além de ter participado da série M.A.S.H. e nos anos noventa  ser um dos “heróis” de Um Drink no Inferno. Um dos erros do filme no Brasil foi não usar o nome original, Black Caesar, já que além de forte, faz referência a história trágica que seguindo a direção de Larry Cohen, tem contornos tão emblemáticos quanto os da peça de William Shakespeare.

    Lentamente, Gibbs evolui enquanto chefão da máfia, com métodos ainda mais violentos que seus colegas. Os motivos que o tornam assim são puramente financeiros. O protagonista se dá conta, ao falar com um possível empregador branco, que para o negro entrar nesse tipo de negócio é preciso aceitar menos pagamentos que seu equivalente caucasiano. Ao discutir com esse chefão da antiga geração, ele leva para si a máxima preconceituosa proferida ao seu povo, de que “os negros não têm ambição”, mas ele tinha.

    Um fator diferencial é a música Down and Out in New York City, de Bodie Chandler e Barry DeVorzon, executada pelo lendário James Brown no auge de sua fama. As músicas narram as emoções dos eventos emocionantes que ocorrem com Tommy, desde as traições criminosas que sofre, até os reencontros com seus familiares.

    É curioso como há muitas semelhanças entre os métodos de Gibbs e os de Zé Pequeno de Cidade de Deus. Mesmo não dito, o vilão do filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund tem clara inspiração nas desventuras de Black Caesar, inclui-se aí a falta de tato com as mulheres, o confronto com seu melhor amigo de infância e até a inspiração visual para o fim do anti-herói/vilão.

    Há ainda comentários irônicos pontuais, como a chacina toscamente engendrada contra os mafiosos, com um estranho ataque em uma fazenda que mistura um instrumental de cordas em uma música tipicamente italiana, se funde ao som do jazz enquanto os capangas de Tommy promovem uma matança. Claramente, o status quo do submundo do crime sofreu alterações.

    O Chefão de Nova York acaba se tornando um filme-símbolo, pois se o blaxploitation é um movimento de cinema que atende às demandas do povo preto, colocando-os como superior ou igual aos brancos (inclusive na área de entretenimento). Tommy busca ser um criminoso explorador como qualquer Chefão da Cosa Nostra, a fim de inverter a ordem de vilania e escravidão estabelecida ao longo dos últimos séculos.

  • Crítica | Por Um Fio

    Crítica | Por Um Fio

    Em 2002, Joel Schumacher apelava para Stuey Shephard, um publicitário americano vivido por Colin Farrell, para exemplificar uma parcela da sociedade americana, além de desnudar a vida de um sujeito refém das aparências.

    Farrell era uma promessa em Hollywood, estava em início de carreira e com potencial para se tornar uma estrela, fato que obviamente ocorreu muito graças a Tigerland, filme anterior que trabalhou com o cineasta. Seu personagem se mete em um evento bastante simples, mas complexo do ponto de vista da narrativa cinematográfica. Durante o dia seu personagem é bastante atarefado, contudo sua rotina muda bruscamente no momento de descanso, ao fazer uso de uma cabine telefônica para ligar para sua amante. Após o término da chamada, o telefone toca e ele atende. O filme se desenvolve ao redor dessa ligação, com sua vida dependendo disso.

    Schumacher comanda bem todo o mise-en-scène. Stu, ao ligar para Pam (Katie Holmes), retira sua aliança como se negasse ali o matrimônio que contraiu tempos atrás com Kelly (Radha Mitchell). O desespero que ele expressa e a curiosidade o fazem ficar preso à cabine, esperando por mais informações vindas do desconhecido com quem fala, que aos poucos deixa claro conhecer todos os detalhes a respeito de suas intimidades e segredos mais profundos. A edição ajuda no senso de urgência, e aos poucos a sensação incômoda e claustrofóbica vinda do fato de se passar nesta cabine telefônica.

    Há na mentalidade do vilão, criado pelo roteirista Larry Cohen, semelhanças com o serial killer Jigsaw, da franquia Jogos Mortais. Ambos agem de forma a colocar a vítima em estado de choque, sem liberdade de escolha, onde a alternativa que cabe é simplesmente impraticável e dolorosa. A diferença básica entre a motivação dos dois personagens, é que em Por Um Fio o discurso se volta contra mentiras e falsidades que ajudam a compor quem é o homem moderno, enquanto Jigsaw é meramente um replicador de moralidade barata.

    Apesar de toda a proposta do filme ser simples, a química entregue pelos personagens é bastante intensa. Só há uma crença de que todo aquele drama é real graças a participação de cada um deles. Schumacher ainda aproveita para abusar dos closes, registrando todo o desespero, sadismo e urgência de cada um.

    O humor presente nas conversas entre o antagonista e Stuey tem um tom ácido, é praticamente impossível não achar todo esse teatro errático sensacional. A tentativa do publicitário, que se julga acima de tudo e mais esperto que todos, de descobrir a motivação do sujeito que liga para ele só não é mais torta e inútil do que a arrogância do vilão em pedir a perfeição inalcançável ao protagonista. No entanto, a prepotência do personagem é crível, já que boa parte das pessoas que convivem em sociedade são reféns do consumismo e tem necessidade de ter uma aparência de sucesso maior do que seus próprios êxitos.

    Apesar do desfecho ser um bocado oportunista, Schumacher traz à luz um filme repleto de suspense, e que em seu final, retoma o argumento inicial, sobre a aldeia global estar toda conectada. Embora essa pecha pareça alarmista, a mensagem não é de toda errada, e ainda abre precedente para que mais casos como esse ocorram em  um futuro próximo.

    https://www.youtube.com/watch?v=uCrc0v22y44