Tag: Robert Towne

  • Crítica | A Chave do Enigma

    Crítica | A Chave do Enigma

    A Chave do Enigma faz Jack Nicholson retornar ao papel de Jake Gittes, em mais um roteiro do veterano Robert Towne, dessa vez trabalhando no caso de Jake Berman (Harvey Keitel) que acredita que sua mulher e seu sócio estão tendo um caso amoroso. Este é bem mais explicativo que a obra de Roman Polanski, seu antecessor Chinatown, o que é natural, uma vez que ele foi lançado quase treze anos depois do original

    Passados onze anos depois da morte de sua amada Evelin Muwray, Jake segue seus dias como um homem solitário, desconfiado e muito paranoico. O caso que ele toma logo se torna algo maior, envolvendo um assassinato e muitas mentiras sobre as razões que inspiravam cada um dos personagens.

    O filme dirigido por Nicholson prossegue didático de maneira desnecessária, se debruçando um pouco sobre o ofício de detetive matrimonial que  se dedica a explicar algumas das nuances que incorrem no trabalho de verificar a paranoia ou o motivo das infelicidades. Além de investigador, o detetive tem de agir em alguns pontos como psicologo de casais, face essa bem diferente do cinismo típico que ele tinha que impor na outra adaptação da literatura de Towne.

    A inversão de causo, entre ser um adultério e um crime a sangue frio com motivos empresariais faz o personagem ter dolorosas lembranças sobre o caso do primeiro filme, ocasionando até uma catarse pela morte mostrada no encerramento do primeiro capítulo da saga, e justificando bem a tardia digestão da perda de seu par, somente uma década depois do ocorrido. A briga em que Gittes se mete serve de gatilho sentimental, liberando enfim as lembranças reprimidas, para que pudesse se liberar do fardo de não ter conseguido desabafar sobre a perda de um grande amor.

    A aura de noir colorido não predomina nesse, dessa vez ganham destaque os tons pastéis, assemelhando a escolha das cores numa amalgama entre o Scarface de Brian de Palma, com um tom escurecido semelhante aos filmes oitentistas de Martin Scorsese em especial Cassino. Nicholson consegue estabelecer uma direção concisa e que não cai no erro de imitar a de Polanski.

    Próximo ao final a trama discorre sobre um realismo fantástico envolvendo o retorno do cliente junto ao prestador de serviços, e isso causa um certo estranhamento, já que a saga de Gitter sempre foi muito calcada no real. Apesar de resvalar em uma grave pieguice, o final escolhido para o detetive é cabível e demonstra a evolução do personagem enquanto pessoa repleta de sentimentos conflitantes e que finalmente tem  alguns sinais de possibilidade de se resolver. A Chave do Enigma consegue ser uma continuação enxuta e que não denigre o filme original, e mesmo não sendo tão brilhante, também não cai na armadilha de utilizar o mesmo como muleta.

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  • Crítica | Chinatown

    Crítica | Chinatown

    8FItRq1pNPeni9FkDYUug7YhfggLançado no meio dos anos 70, Chinatown aproveitou a contracultura que revolucionou o cinema norte-americano e inseriu a marca de autor baseada em um realismo dramático dentro do gênero noir, que havia estacionado no cinema clássico hollywoodiano dos anos 40 e 50.

    Na Los Angeles de 1937, um detetive particular é contratado por uma mulher para investigar a traição que esta sofre do marido, mas descobre que foi enganado quando a verdadeira esposa aparece, revelando uma conspiração na Companhia de Água da cidade.

    O ótimo roteiro de Robert Towne aproveitou fatos verídicos e conseguiu criar uma ambientação diferente de um filme noir mantendo as características do gênero. O interessante do argumento são os elementos noir que variam dos filmes clássicos: a investigação de J.J. Gittes (Jack Nicholson) vai desenrolando uma trama simples até revelar um complexo sistema de corrupção; a falsa mulher fatal que inicia o filme também foi outra marca interessante do autor; os motivos que movem o protagonista são mais sólidos, como ser enganado e virar piada no seu meio de trabalho; os perigos que ele enfrenta são reais, já que está mexendo com a máfia que existe em uma grande empresa como a Companhia de Águas.

    A direção de Roman Polanski conduz com habilidade e destreza o bom roteiro de Towne, desde a escolha dos enquadramentos, passando pela boa direção de atores, até a ótima mise-en-scene. Enfim, Polanski é um maestro que mantém a ótima direção que o havia revelado para o mundo no clássico O Bebê de Rosemary seis anos antes.

    A atuação de Nicholson é um dos pontos altos do filme. O ator consegue compor o detetive com passado obscuro, de moral duvidosa, que tem sentimentos contraditórios quanto a Evelyn, a ótima Faye Dunaway que dá vida a mulher fatal, objeto de desejo do protagonista. Roman Polanski faz uma rápida aparição como o Homem Com Uma Faca. Destaca-se também a participação do ator e diretor John Houston (que, talvez com Humphrey Bogart, seja um dos maiores expoentes dos filmes noir).

    A boa fotografia naturalista de John A. Alonzo mantém os tons alaranjados e amarelos do filme, características dos filmes rodados em Los Angeles que focam muito a fotografia de deserto. Ela se sobressai nas cenas com Dunaway. A edição de Sam O’Steen, além de ser invisível, mantém o filme com um bom ritmo. Ela se destaca nas cenas de ação, como a da perseguição de carro na fazenda e sempre que os dois protagonistas se encontram.

    A direção de arte de W. Stewart Campbell, aliado à composição de cenário e locação de Ruby R. Levitt e ao figurino de Anthea Sylbert, ambientou de forma muito competente os anos 30 de Los Angeles.

    Chinatown vale a pena por ser o tipo de filme que transcende não só o gênero noir, mas também a preferência dos amantes do cinema norte-americano dos anos 70. O tipo de clássico obrigatório para quem aprecia a sétima arte.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Pergunte Ao Pó

    Crítica | Pergunte Ao Pó

    pergunte ao po

    Após realizar roteiros de filmes clássicos, como Uma Rajada de Balas e Chinatown, Robert Towne ganhou notoriedade e passou a dirigir filmes sem o mesmo sucesso que tinha como escritor, evidentemente. Após uma parceria com Tom Cruise em três obras  A Firma, Missão: Impossível e Missão: Impossível 2 ­ , o ator o ajudou como produtor executivo do longa metragem, capitaneado por Towne e baseado no laureado romance Pergunte ao Pó, de John Fante.

    A direção de arte e a fotografia fazem da película uma fita demasiadamente leve, muito diferente do clima arenoso e enevoado do texto original. A iluminação chapada não ajuda a captar as variações das ações individualistas de Arturo Bandini, que pioram de situação graças à atuação de seus intérpretes. No auge da canastrice, Colin Farrel faz o escritor/narrador da história, e desde o início parece um pastiche, um deboche do alterego de Fante. Nem mesmo as suas interações com o seu oikos são interessantes, uma vez que são todas mecânicas.

    Camilla Lopez é feita pela voluptuosa Salma Hayek, que seria uma boa escolha para o papel se não atraísse os olhos dos homens ávidos de modo tão óbvio e latente. A beleza que era anunciada no livro como exótica, em tela é exuberante e nada sutil, o que claramente fere a essência da personagem. Tal conjectura não seria um grave problema de adaptação caso o entorno da personagem compensasse, especialmente pelo ambiente meio depressivo, mas isto não ocorre. Nem a nudez da atriz é valorizada de maneira plena, uma vez que ela é feita em meio à neblina. Um desperdício lastimável.

    Não há muito espaço para nuances ou foco necessário para explicitar a degradação do ethos do escritor vaidoso. O roteiro e as ações prescritas nele foram mal trabalhadas e executadas de modo sistemático e rotineiro, parecendo algo genérico, tão vazio e sem substância quantos os piores produtos para os cinemas dos anos 50.

    A duração de sua exibição é deveras prolongada, as tomadas se repetem uma a uma, e a sensação de quem vê o filme é de que há absoluta redundância nos dramas tratados em tela. Ao menos as divagações de Bandini, ao felicitar a si mesmo por seus feitos, chega perto do pedantismo típico do personagem, sendo este o ponto mais próximo do espírito da obra original. Farrell é um ator limitado, de trabalhos irregulares, que até consegue impor alguns poucos arquétipos em seu trabalho de atuação, mas tem dificuldades sérias em representar pessoas com interesses conflitantes, quanto mais um sujeito que tem claras dificuldades em manter a psiquê saudável, caso de Arturo Bandini. A inabilidade de Towne em conduzir a película também não coopera para que o ator mostre-se à vontade no papel.

    Os últimos 40 minutos contém uma virada de cunho açucarado na história, com Bandini finalmente tomando coragem e levando sua amada para morar com ele. No entanto, ao invés de dar vazão aos conflitos presentes em seu espírito arredio, ele pratica ações melodramáticas, como em uma autêntica comédia romântica, onde o “felizes para sempre” predomina, ainda que de modo efêmero, mostrando que a eternidade da máxima não é real. As falhas de Arturo que eram um dos pontos bons da história  são deixadas de lado para mostrar um romance insípido e de tom sentimental, nada condizente com o resto da história.

    A ideia de Towne de impor uma tentativa de alívio na existência sofrida de Camilla e Bandini seria interessante se o roteiro desse continuidade a ela, mas isto não ocorre. A tentativa de redenção do protagonista é falha e tão tosca que em certos momentos ela parece ter sido realizada por outra pessoa. Até a narração é interrompida de modo esquizofrênico: a história é contada sem ela durante grande parte da fita, para, enfim, voltar próximo do anúncio dos créditos.

    O filme não funciona, não sabe escolher um lado, também não é uma adaptação boa e tampouco atinge o objetivo de ser um romance água com açúcar; pelo contrário, é penoso e pesaroso de assistir a ele, mesmo para as duas parcelas do público que tenta alcançar. A separação do casal acontece de modo diferente do original, menos simbólico e mais literal, quase que explicando para o incauto espectador o que ele precisa entender: que as almas aflitas dos dois amantes não podem ficar juntas graças ao destino.

    Mais uma vez Towne cai no erro de mudar o foco de um modo que não combina com a proposta que ele mesmo impôs, uma vez que o cerne de Bandini parece completamente modificado, não só em relação à essência do romance, como também à lógica proposta no roteiro. John Fante merecia melhor sorte na adaptação de sua obra, algo minimamente condizente com a qualidade de seu texto, mas este Pergunte Ao Pó não apresenta aspectos necessários para tanto, sendo fraco e  vazio em todos os pontos que procura abordar.