Tag: Contos de fadas

  • Crítica | Branca de Neve e o Caçador

    Crítica | Branca de Neve e o Caçador

    Branca de Neve e o Caçador 1

    Versão pseudo adulta e muito mais sombria do conto dos Irmãos Grimm, Branca de Neve e o Caçador reimagina a clássica história infantil, usando elementos bélicos que estavam muito em voga na época, a exemplo das primeiras temporadas de Game of Thrones. O filme de Rupert Sanders inicia-se com o rei Magnus (Noah Huntley) guerreando suas próprias batalhas, buscando no conflito o consolo para sua recente viuvez. É nesse contexto que ele resgata a bela Ravenna, vivida por Charlize Theron, que no auge de sua beleza, prepara um ardil para seu futuro marido.

    Toda a rotina da sucessão da nobreza e o assumir do governo pela antiga cativa é resumida nos dez minutos iniciais, assim como a promessa de que a pequena Branca de Neve seria a mais bela entre as mulheres, ainda que fosse apenas uma criança a esta altura. O tempo passa, a moça cresce e passa a ser interpretada por Kristen Stewart, e a sua presença interfere nos poderes e rejuvenescimento da rainha. Dali, se desenvolve uma trama repleta de violência e perseguição, envolvendo a Bella de Crepúsculo em uma trama cheia de confusões e azaração.

    A relação de Ravennea com Finn (Sam Spruell), seu irmão, faz lembrar o casal Jaime e Cersei Lannister, de GoT, ainda que a relação incestuosa seja apenas sugerida nesta versão. A característica soa oportunista e transforma o filme em algo ainda mais genérico, piorando o nível quando a personagem principal consegue travar seu cavalo na lama e ao mesmo tempo, sair do pântano lodorento sem sujar o rosto.

    A tentativa de tornar a personagem da vilã em um ser injustiçado de certa forma previu uma tendência que se tornaria bastante popular, e que teria seu ápice em Malévola. No entanto, a justificativa para o ato contra a nobreza fica nebuloso, com uma dúvida mal construída, como é de prática do argumento de Evan Daugherty, John Lee Hancock e Hossein Amini. O embate entre as duas figuras femininas fortes é tão fraco que há espaço de sobra para os coadjuvantes, em especial o caçador vivido por Cris Hemsworth.

    Dos pedaços de trama, é difícil escolher qual é o aspecto mais desnecessário, se é o plot de escolhida envolvendo a princesa fugitiva ou o overaction que beira o insuportável que Charlize emprega. O longa soa como uma oportunidade boba de fazer dinheiro em cima de uma história já consagrada e contada inúmeras vezes, quase nunca tão pouco inspirada ou tão sem alma quanto esta versão. Somente não surpreende o fato do filme ter tido suficiente para gerar uma continuação, graças à moda recente de produtos ligados a fantasia pseudo medieval.

    Se for analisar sob um viés mais realista, Branca de Neve e o Caçador é ainda mais falho, uma vez que dificilmente uma princesa sem nenhum preparo militar vestiria uma armadura prateada e serviria de ponta de lança em meio a um conflito onde só os mais bravos guerreiros sobrevivem. Os efeitos em CGI ao menos resistem ao tempo, mas não garantem qualquer consistência as lutas. O pior do filme é o desperdício que ocorre nas duas figuras femininas, que deveriam ser fortes mas que soam banais, fazendo muito barulho para nada, resultando em um filme com personagens vazios em uma história desinteressante.

  • Crítica | O Caçador e a Rainha do Gelo

    Crítica | O Caçador e a Rainha do Gelo

    O Caçador e a Rainha do Gelo 1

    Amalgamando prequel com continuação, O Caçador e a Rainha do Gelo segue um estilo semelhante ao visto entre 300 e 300: A Ascensão do Império, mesmo sem a presença da protagonista do filme anterior vivida por Kristen Stewart. A premissa do longa de estreia de Cedric Nicholas-Troyan é remontar a origem de Ravenna, a rainha má de Charlize Theron, mostrando sua irmã Freya (Emily Blunt), fazendo ali um crossover entre os contos dos Irmãos Grimm e alusões da mitologia germânica, dentro do já misturado caldeirão de referências.

    A história de contos de fadas começa com uma narração e mostra uma história muito semelhante à de Malevóla, filme também produzido por Joe Roth e Sarah Bradshaw, dois dos três que assinam a produção, ao lado de Palak Patel. A personagem de Blunt tem sua filha assassinada por seu amado, fato que faz ela despertar seus poderes mágicos, semelhantes aos de Elsa em Frozen: Uma Aventura Congelante, além de fazê-la criar um reino próprio, com um exército para ocupar o vazio emocional que tem consigo, referência que também é semelhante à animação da Disney.

    Apesar do nome em português, este filme tem foco no personagem do Caçador, que agora recebe o nome de Eric, ainda vivido pelo Thor da Disney Chris Hemsworth, que na atualidade vive nos arredores do reino de Branca de Neve e é chamado às pressas para socorrer a sua rainha, levando o espelho mágico para longe da adoentada realeza. Apesar da morte da vilã, o ardil seria a desculpa para a ausência da antiga protagonista, e a jornada do fraco personagem teria envolvimento com seu passado, resgatando sua origem no reino de Freya e seu antigo amor, Sara (Jessica Chastain), figura esta que havia sido dada como morta.

    O tal artefato mágico traria a Freya um grande poder, e tudo que o envolve parece seduzir os que estão em seu caminho. Como se não houvesse mais dinheiro para arcar com os custos do filme anterior, só há presentes dois anões, dos quais somente um estava em Branca de Neve e o Caçador, Nyon (Nick Frost) e seu irmão Gryff (Rob Brydon), que são o alívio cômico, ao lado de mais personagens presunçosos e de moral óbvia.

    A jornada floresta adentro reserva momentos que imitam visual e narrativamente o recente João e Maria: Caçadores de Bruxa, além de mostrar um flerte bobo e carente de consistência entre o antigo casal. A continuação segue com o mesmo problema do primeiro filme: tentando transformar qualquer momento em algo épico, incluindo aí duas irmãs rainhas exímias em estratégia militar.

    A solução final para o confronto que deveria ocorrer entre as partes boas e más beira o ridículo, arranjando uma luta com desfecho anti climático cujo maniqueísmo extremo rivaliza com a falta de identidade, o aspecto mais negativo do filme, de intermináveis deles. Quase nada funciona em O Caçador e a Rainha do Gelo, especialmente por entrar em contradição com tudo o que foi apresentado no já ruim episódio anterior.

  • Crítica | Cinderela

    Crítica | Cinderela

    cinderella_poster

    Contos de fadas são parte de uma cultura popular originada em histórias transmitidas oralmente de geração para geração, nas quais temas adultos e controversos que explicam o mundo são atenuados com base na formação moral. Sem autoria definida, os contos de fadas, também chamados de contos maravilhosos, sempre dispõem de elementos sobrenaturais, fantásticos ou de encantamento, sendo as fadas apenas uma representação simbólica.

    A história de Cinderela possui diferentes versões. A mais famosa é do francês Charles Perrault, responsável por reunir diversas fábulas da cultura oral e transformá-las em narrativas simples, breves, tornando-se um modelo seguido por diversos outros autores. Cinderela ganha vida literária como Gata Borralheira no livro Contos de Mamãe Gansa em 1697, junto a Chapeuzinho Vermelho, Gato-de-Botas, Pequeno Polegar, entre outros personagens que passam a ser conhecidos mundialmente através do autor. Ainda que com a mesma base narrativa, essas histórias modificam-se conforme a cultural local, adquirindo diferentes formas. Caso dos irmãos Grimm, que posteriormente adaptariam esses e outros contos de forma a preservar a cultura e o folclore locais, e suas versões mais antigas, mais violentas e nada apropriadas a crianças, difeririam das de Perrault, que procurou manter com seus leitores um diálogo sóbrio e voltado aos infantes.

    Lançado em 1950, Cinderela é fruto da obsessão de Walt Disney pelo conto. O diretor já havia produzido um curta-metragem inspirado na história em um estúdio anterior ao Walt Disney Pictures. Pioneiro nas animações, o Laugh-O-Gram apresentou de maneira cômica uma personagem com roupas da moda da época, em uma linguagem típica do cinema mudo. Passaram-se quase 30 anos para o diretor voltar ao projeto, uma demora influenciada pelo baixo investimento ao estúdio durante o período da guerra. Inicialmente, a história seria uma de suas Sinfonias Ingênuas (Silly Simphonies), mas gerou inspiração suficiente para se tornar um longa-metragem.

    Com poucas modificações da versão literária francesa, o filme narra a vida da personagem homônima, órfã de pai, maltratada pela madrasta, Lady Tremaine e suas filhas Drizella e Anastasia. Sonhando com uma realidade diferente da atual, Cinderela interage com os animais da casa, os únicos amigos com quem divide seu pesar. A princípio, a obra estabelece uma inversão entre a representação dos humanos e animais, onde animais são humanizados e humanos bestializados, dominados pela soberba e vaidade.

    Assim, o roteiro mantém a crítica de Perrault ao regime de trabalho estafante da plebe e à ociosidade e arrogância da corte francesa, representada pela antagonista e suas filhas fúteis, de gosto duvidoso e sem atrativos físicos. A subordinação de Cinderela à madrasta é ainda mais opressiva porque não se trata de um trabalho explorado, mas uma relação familiar. O embate dualista do bem versus mal é comum nas narrativas de contos de fadas, nos quais essas representações tipificadas utilizam-se de conflitos simples como alicerce da trama para compreensão universal.

    O conceito tipificado da bondade estende-se também aos animais, tidos como seres puros e figuras presentes na maioria dos contos maravilhosos. Identificando-se com a compaixão de Cinderela, o núcleo dos ratos – os únicos com o dom da fala – ajuda a personagem a lidar com as adversidades da vida, inclusive, durante um divertido musical, os roedores reformam um antigo vestido que ela usaria no baile do príncipe. A bondade, em contraste, não se ostenta nas cenas de Lady Tremaine, onde as sombras dividem espaço com a vilã, revelando sua figura soturna e malévola. A obra costura um retrato benevolente de pessoas que sofrem querendo ocupar algum lugar no mundo. No sofrimento, o coração e alma desabrocham, e a partir das lágrimas de um ser imaculado surge a fada-madrinha.

    A protetora dos contos de fadas salvaguarda a heroína e geralmente aparece quando há a necessidade de atender a um chamado ou pedido. Representada pelo poder de segurança, a fada-madrinha da versão Disney é um pouco atrapalhada e associa-se à figura materna que Cinderela não tem por perto. Apesar dos ratos que falam e pássaros que observam a princesa cantar, é a fada e suas magias o elemento fantástico da história, a figura que transforma e surge como contraponto a um mundo caduco que necessita de compaixão.

    Procurando equilibrar a narrativa, Walt Disney chegou a mudar a estrutura da obra centenas de vezes. Perfeccionista, o diretor não teve medo de deletar cenas extras ou personagens desnecessários à trama. Muitas passagens foram cortadas, inclusive foi pensado um final diferente no qual o príncipe vê a Gata Borralheira com seus trajes modestos, após descoberta a sua verdadeira identidade. Retirada essa indicação desnecessária, a obra mantém a coerência, sem margem de interpretação para a surpresa que a realeza teria ao ver a princesa com roupas simplórias, algo muito diferente da contemporânea versão cinematográfica Para Sempre Cinderela, que subverte o desfecho, gerando um conflito em relação ao fato da heroína ser ou não uma moça da nobreza.

    Seguindo a estrutura de um conto de fadas tradicional, com introdução, conflito e desenlace, e apoiado pela boa trilha sonora, que oferece maior profundidade às cenas chave da película – ponto para a dublagem clássica brasileira, mantida na versão do blu-ray, com Simone de Morais dando à personagem principal um caráter mais doce –, o filme marca mais um momento dos estúdios Disney, após um difícil período mundial. Cinderela não só conta uma boa história como também torna a personagem a figura definitiva da princesa, elevando-a a um conceito que se sobrepõe à própria mitologia.

    Compre aqui: DVD | Blu Ray

    Texto de autoria de Karina Audi.