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  • Crítica | 101 Dálmatas (1961)

    Crítica | 101 Dálmatas (1961)

    Clássico dos estúdios Disney, 101 Dálmatas é um filme que se passa em Londres, na Inglaterra. Narrado em primeira pessoa pelo cão Pongo, mostrando seu cotidiano ao lado do compositor de jingles Roger Radcliffe, um sujeito solitário e monótono, mas de bom coração. O lugar onde vivem é permeado por uma bagunça típica do que se conhece por ser a casa de um homem solteiro do século XX.

    Os cachorros, nesse universo, refletem a personalidade dos homens e mulheres, quase como se os animais e seus tutores fossem espelhos uns dos outros. O começo da relação entre Anita e Roger é charmoso, ainda que bastante estranho. Os destinos dos dois casais se unem rapidamente como típico dos clássicos da Disney.

    O esquema dessas animações eram diferentes do comum ao cinema atual, há pressa em estabelecer os embates entre personagens. A vilã, Cruella de Vil, é apresentada com menos de 15 minutos e representada como uma mulher de aparência esguia, cabelo bicolor, envelhecida e de odor forte, como de enxofre. Ela é mostrada como uma senhora obcecada por peles de animais, e que já em sua primeira aparição aparenta ter uma obsessão pelos possíveis filhotes de Pongo e sua amada Perdita.

    Cruella é deslumbrante já na primeira aparição. O filme não é sobre ela, mas de fato a vilã é a mais marcante entre os personagens humanos. O animador Marc Davis fez um trabalho sensacional, impondo um visual semelhante a de um cadáver, que ampliava a descrição que o roteirista Bill Peet desenvolvia, a partir, claro, da descrição que Dodie Smith dá no livro que deu origem ao filme. Esses aspectos, unidos a performance vocal de Betty Lou Gerson fazem com que a personagem lembre as bruxas malvadas dos filmes de princesa, e embora pouco se saiba de seu passado, o visual já dá conta de transformá-la em figura automática de ódio.

    O cenário é maniqueísta, os animais são seres abnegados, e seus amantes idem. A animação os diferencia até no traço, Roger por exemplo tem formas comuns, já Cruella parece inacabada, as cores que possui são de suas roupas ou da maquiagem forte que utiliza, curiosamente, mesmo os dálmatas, sendo brancos e pretos possuem mais tons do que a vilã.

    A animação é bastante cuidadosa, os cenários são iluminados de acordo com o estado de espírito dos personagens que os habitam. A casa dos Radcliffe é sempre iluminada, mesmo nos momentos agridoces, enquanto o lar de Cruella tem somente as luzes de sua lareira, a composição do cenário faz referências a monstruosidades. Além disso, o filme tem breves aparições de outros personagens caninos, como os que participam de A Dama e o Vagabundo. Há inclusive um dogue alemão, que lembra demais o visual de Scooby-Doo, que teria sua primeira aparição somente em 1969, e que, possivelmente, era uma homenagem a outro cachorro famoso, Marmaduke, personagem de quadrinhos que ganhou filme em 2010.

    Ken Anderson, diretor de arte do filme teve a ideia de sobrepor células de desenhos de linha com xerox para evitar erros e repetir mais facilmente as pintas nos cachorrinhos. Essa técnica seria utilizada em animações do estúdio por vinte anos, com exceção de poucos filmes como Mary Poppins e Mogli: O Menino Lobo, e foi empregada neste graças ao filme anterior do estúdios Disney, A Bela Adormecida, não ter dado o sucesso de bilheteria esperado. Esse aliás é um dos motivos para que Walt Disney apostasse em um filme de animais novamente como foi com Bambi e Dumbo alguns anos antes.

    As cenas de perseguição de carros impressionam, são bem editadas e construídas, as veias de vilã pulam sob sua pele, os olhos avermelhados a mostram como uma personagem quase diabólica. Essa momento pontua bem o longa, serve de clímax antes do final com o resgate, e reforça a ideia de que esse é um filme diferenciado, que não tem só tons de comédia e drama, mas também de horror, mistério e suspense. Esses aspectos ajudaram a tornar 101 Dálmatas em um clássico da Disney bem posicionado em seu tempo e que não precisa retornar ao passado para ser relevante.

    https://www.youtube.com/watch?v=ZvXILj5fGl4

  • Crítica | Cinderela

    Crítica | Cinderela

    cinderella_poster

    Contos de fadas são parte de uma cultura popular originada em histórias transmitidas oralmente de geração para geração, nas quais temas adultos e controversos que explicam o mundo são atenuados com base na formação moral. Sem autoria definida, os contos de fadas, também chamados de contos maravilhosos, sempre dispõem de elementos sobrenaturais, fantásticos ou de encantamento, sendo as fadas apenas uma representação simbólica.

    A história de Cinderela possui diferentes versões. A mais famosa é do francês Charles Perrault, responsável por reunir diversas fábulas da cultura oral e transformá-las em narrativas simples, breves, tornando-se um modelo seguido por diversos outros autores. Cinderela ganha vida literária como Gata Borralheira no livro Contos de Mamãe Gansa em 1697, junto a Chapeuzinho Vermelho, Gato-de-Botas, Pequeno Polegar, entre outros personagens que passam a ser conhecidos mundialmente através do autor. Ainda que com a mesma base narrativa, essas histórias modificam-se conforme a cultural local, adquirindo diferentes formas. Caso dos irmãos Grimm, que posteriormente adaptariam esses e outros contos de forma a preservar a cultura e o folclore locais, e suas versões mais antigas, mais violentas e nada apropriadas a crianças, difeririam das de Perrault, que procurou manter com seus leitores um diálogo sóbrio e voltado aos infantes.

    Lançado em 1950, Cinderela é fruto da obsessão de Walt Disney pelo conto. O diretor já havia produzido um curta-metragem inspirado na história em um estúdio anterior ao Walt Disney Pictures. Pioneiro nas animações, o Laugh-O-Gram apresentou de maneira cômica uma personagem com roupas da moda da época, em uma linguagem típica do cinema mudo. Passaram-se quase 30 anos para o diretor voltar ao projeto, uma demora influenciada pelo baixo investimento ao estúdio durante o período da guerra. Inicialmente, a história seria uma de suas Sinfonias Ingênuas (Silly Simphonies), mas gerou inspiração suficiente para se tornar um longa-metragem.

    Com poucas modificações da versão literária francesa, o filme narra a vida da personagem homônima, órfã de pai, maltratada pela madrasta, Lady Tremaine e suas filhas Drizella e Anastasia. Sonhando com uma realidade diferente da atual, Cinderela interage com os animais da casa, os únicos amigos com quem divide seu pesar. A princípio, a obra estabelece uma inversão entre a representação dos humanos e animais, onde animais são humanizados e humanos bestializados, dominados pela soberba e vaidade.

    Assim, o roteiro mantém a crítica de Perrault ao regime de trabalho estafante da plebe e à ociosidade e arrogância da corte francesa, representada pela antagonista e suas filhas fúteis, de gosto duvidoso e sem atrativos físicos. A subordinação de Cinderela à madrasta é ainda mais opressiva porque não se trata de um trabalho explorado, mas uma relação familiar. O embate dualista do bem versus mal é comum nas narrativas de contos de fadas, nos quais essas representações tipificadas utilizam-se de conflitos simples como alicerce da trama para compreensão universal.

    O conceito tipificado da bondade estende-se também aos animais, tidos como seres puros e figuras presentes na maioria dos contos maravilhosos. Identificando-se com a compaixão de Cinderela, o núcleo dos ratos – os únicos com o dom da fala – ajuda a personagem a lidar com as adversidades da vida, inclusive, durante um divertido musical, os roedores reformam um antigo vestido que ela usaria no baile do príncipe. A bondade, em contraste, não se ostenta nas cenas de Lady Tremaine, onde as sombras dividem espaço com a vilã, revelando sua figura soturna e malévola. A obra costura um retrato benevolente de pessoas que sofrem querendo ocupar algum lugar no mundo. No sofrimento, o coração e alma desabrocham, e a partir das lágrimas de um ser imaculado surge a fada-madrinha.

    A protetora dos contos de fadas salvaguarda a heroína e geralmente aparece quando há a necessidade de atender a um chamado ou pedido. Representada pelo poder de segurança, a fada-madrinha da versão Disney é um pouco atrapalhada e associa-se à figura materna que Cinderela não tem por perto. Apesar dos ratos que falam e pássaros que observam a princesa cantar, é a fada e suas magias o elemento fantástico da história, a figura que transforma e surge como contraponto a um mundo caduco que necessita de compaixão.

    Procurando equilibrar a narrativa, Walt Disney chegou a mudar a estrutura da obra centenas de vezes. Perfeccionista, o diretor não teve medo de deletar cenas extras ou personagens desnecessários à trama. Muitas passagens foram cortadas, inclusive foi pensado um final diferente no qual o príncipe vê a Gata Borralheira com seus trajes modestos, após descoberta a sua verdadeira identidade. Retirada essa indicação desnecessária, a obra mantém a coerência, sem margem de interpretação para a surpresa que a realeza teria ao ver a princesa com roupas simplórias, algo muito diferente da contemporânea versão cinematográfica Para Sempre Cinderela, que subverte o desfecho, gerando um conflito em relação ao fato da heroína ser ou não uma moça da nobreza.

    Seguindo a estrutura de um conto de fadas tradicional, com introdução, conflito e desenlace, e apoiado pela boa trilha sonora, que oferece maior profundidade às cenas chave da película – ponto para a dublagem clássica brasileira, mantida na versão do blu-ray, com Simone de Morais dando à personagem principal um caráter mais doce –, o filme marca mais um momento dos estúdios Disney, após um difícil período mundial. Cinderela não só conta uma boa história como também torna a personagem a figura definitiva da princesa, elevando-a a um conceito que se sobrepõe à própria mitologia.

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    Texto de autoria de Karina Audi.