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  • Review | Vinyl – 1ª Temporada

    Review | Vinyl – 1ª Temporada

    Vinyl

    Ambientada na Nova York de 1973, a nova parceira entre Martin Scorsese, Mick Jagger, Rich Cohen e Terence Winter foca em Richie Finestra, presidente da America Century Records interpretado pelo promissor e competente Bobby Cannavale, que já havia trabalhado com Martin, no passado, em Boardwalk Empire. O começo da trama mostra Finestra lançando mão de entorpecentes, fazendo da cocaína a sua fuga da realidade massacrante que vive, causada por alguma crise que ainda seria explorada nos momentos seguintes.

    Ainda no início do piloto, dirigido por Scorsese, o protagonista passa por corredores sujos de uma boate da qual era íntimo, percorrendo corpos desfalecidos de pessoas usando heroína, drogas de fumo e ácido. Ao final da sequência, ele vê um grupo de rock n’ roll se apresentando e se assusta com os rumos da música mainstream, além de observar um consumo muito diferente do que na época da transição da era disco e do ingresso do blues para a fase do hard rock mais clássico, na década de 1970.

    A narrativa é bifurcada, mostrando o momento atual do empresário e seu início de carreira, tentando popularizar a figura do cantor negro Lester Grimes, batizado de Little Jimmy Little (Ato Essandoh). Desde a descoberta do artista até o início do empreendimento de Richie são mostrados em detalhes bastante agressivos, incluindo até um subplot envolvendo assassinato, o que na prática perde foco e importância ao longo desse primeiro ano.

    A abertura, mostrada a partir do episódio Yesterday Once More é simbólica, pois reúne os símbolos de trabalho e obsessão dos personagens enquadrados pelas lentes de Allen Coulter (o mesmo de Hollywood Land e do piloto de Sons of Anarchy), com a música. Os núcleos de personagens secundários são desenvolvidos a passos muito lentos, o que faz com que o ritmo caia quando sai da relação entre Richie e Devon (Olivia Wilde). Família Soprano e Boardwalk Empire orbitavam ambos em torno de Tony Soprano e Nucke Thompson, mas havia conteúdo e substância nos outros personagens e nas discussões, caso não repetido neste início, quando a trama deixa Finestra em segundo plano. Neste ponto, a semelhança de Vinyl é maior com os mais fracos folhetins globais do que com a elite das produções da HBO.

    A partir do quinto episódio, o quadro muda ao explorar a relação ainda mais deteriorada de Richie e sua esposa, que é basicamente um reflexo da confusão em que está sua carreira e vida pessoal. O protagonista pinta sua jornada com o branco das lagartas de cocaína que inala, fazendo de suas reações mais simples espasmos apressados, que deixam transparecer sua crise existencial e moral. Os números musicais ajudam a dar ainda mais significado à ladeira que o personagem começa a trilhar, ao ver seu relacionamento amoroso fracassar de vez. Em tempo, ele consegue ensaiar um restabelecimento, antes de ser tarde demais, ainda que essa virada seja bastante discutível do ponto de vista moral.

    Vinyl não é uma série sobre música e sim sobre os negócios que envolvem a arte, o que evidentemente envolve ícones musicais como parte do mote. Há o uso de imagens de cantores reais, como David Bowie, Robert Plant, John Lennon, Lou Reed, mas no geral tanto as gravadoras quanto os musicistas são inspirados em figuras reais. O personagem interpretado por James Jagger, Jerry Hall, é parcialmente inspirado em Richard Hell, vocalista que teria sido plagiado por John McLaren na confecção do visual dos Sex Pistols, mas em suas atitudes agrega elementos de outros rock stars, aumentando ainda mais a sensação de que o programa é uma junção dos destaques fonográficos desse tempo específico, os 70’s.

    O maior problema de Vinyl é o foco de suas histórias paralelas, que fazem o arco principal de desconstrução de mitos musicais perder força. A ideia de envolver Finestra em um crime passional faz sentido dentro da trama emocional, mas faz perder importância na discussão a respeito da indústria. O 10º e último episódio finda com uma perspectiva muito positivista, especialmente se colocada em comparação com o início da temporada. A mudança do nome do selo para Alibi simboliza uma mudança institucional que se torna anticlimática, graças à exploração que somente ocorrerá no futuro. Para uma série envolvendo o nome de Scorsese e Winter, é muito pouco.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

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    Em algum lugar entre o humor negro, fino e cáustico e o sonho de total prosperidade presente no American Dream está o discurso de Jordan Belfort, na quinta paragem envolvendo Leonardo DiCaprio nos filmes de Martin Scorsese. O ator amadureceu e cada vez mais mostra-se digno das películas de seu mentor, e prova disso é a completa ausência de temor que o artista mostra ao falar de forma fluída e direta com a câmera.

    O que Scorsese faz ao montar uma história baseada numa narração chega a ser transgressor dada sua qualidade. A abordagem usa de imagens lúdicas e justapostas para exemplificar o total desapego moral do panteão de personagens e a evolução de malcaratismo que o homem pode (e deve) experimentar. A afeição do realizador por ramos marginais de comércio faz dele o sujeito certo para explorar todas as “traquinagens” do profissional especulativo dos agentes da bolsa de valores, as nuances, os enganos, os blefes e, claro, os excessos de quem tem muito dinheiro e o que o uso desmedido dele pode fazer de “bom e ruim” com o sujeito. Em alguns momentos chega a passar uma mensagem voltada para o moralismo, até para desdenhar desse pensamento e mostrar o quanto ele se torna diminuto diante dos abissais excessos comportamentais de quem passa a vida brincando com um alto patrimônio econômico de terceiros.

    A falta de escrúpulos de Jordan é um diferencial, o que o torna um vencedor entre os perdedores que prosseguem na profissão e os que não se submetem a tentar novas coisas e a buscar desafios. Esta ousadia é muito bem registrada pela lente de Rodrigo Prieto e pontuado pelo texto interpretado magistralmente por DiCaprio. As fontes de renda que seu personagem vai arrecadando ultrapassam a barreira da criminalidade. O objetivo de atingir a riqueza absoluta também não conhece limites dentro do aceitável. O auge da charlatanice é a invenção da Straton Oakment por Belfort, que já começa como uma enorme rede de mentiras, obviamente criada por um sujeito que parece ter nascido com um talento único de trapacear.

    O modus operandi da companhia é regrado a orgias e práticas sexuais necessariamente infiéis a qualquer matrimônio possível. Estar chapado por entorpecentes durante o processo criativo era prática comum, assim como toda sorte de pecados provenientes do ser de cromossomo Y. O mundo é tão machista e chauvinista que é quase clássico, ignorando toda e qualquer regra politicamente correta atual. O cinismo de Jordan é passado para seus empregados como um bom aprendizado proveniente da relação entre mestre e pupilos.

    Ainda que Jonah Hill tenha recebido um sem número de indicações por sua performance – plenamente justificável em referência à cena em que demonstra os efeitos dos barbitúricos – o coadjuvante que merece menção por roubar a atenção do público é Max Belfort, o Mad Max, interpretado por Rob Reiner, com suas tiradas sensacionais e acessos de raiva contínuos e sua calma estabelecida de modo instantâneo.

    O glamour da vida bandida de Belfort ajuda a aumentar a simplicidade no entendimento do público, mesmo no espectador menos afeito ao vocabulário do mercado econômico. Sem falar que Jordan é um personagem que angaria a simpatia do público muito facilmente como o anti-herói cheio de fanfarronices que faz mesmo o espectador mais conservador torcer contra a lei e a ordem. O pecado mortal do bando passa pelo preciosismo e a completa falta de cuidado em conduzir as ações marginais, fazendo as transações de forma tresloucada e sob efeito das drogas mais pesadas que estes poderiam lançar mão. A inteligência no tratamento profissional deles era inversamente proporcional à maturidade em realizar as transações de modo ordeiro. A batalha pelo telefone da mansão dos Jordan entre Donnie e Jordan mostra do modo mais degradante e engraçado possível o quanto as relações entre os membros do grupo são loucas, inclusive estabelecendo uma comparação entre o espinafre do Marinheiro Popeye e a cocaína do protagonista. A situação faz o chefe de operações se precaver mais, o que evidencia sua evolução. Incrível como, mesmo com toda a sua hipocrisia, ele permanece amado e inspirador para todos ao seu redor.

    Como em Os Bons Companheiros e Cassino, os minutos finais sintetizam a decadência do criminoso e sua queda após todos os seus atos indignos. O cinismo chega ao auge quando ele tem de romper com o seu ethos ao ter de “entregar seus antigos companheiros”, mas o infrator ainda sofre algumas reviravoltas antes de ter sua sentença decretada. Não só a queda que coincide com o desfecho de Goodfellas, as reações dos protagonistas são semelhantes. O “Lobo” acerta no todo: a trilha sonora variando entre o nostálgico e o atual, o roteiro impecável, o clima odisseico/épico da trama, as atuações impecáveis, e, é claro, a lente ainda afiada e pontual de Martin Scorsese, que se mostra o sujeito de sua geração mais competente na contemporaneidade.

  • Crítica | O Lobo de Wall Street

    Crítica | O Lobo de Wall Street

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    O cinema, como todo tipo de arte, é influenciado pelo contexto político de sua época. No auge da depressão pós-1929, tivemos vários filmes de monstro onde a urgência era o homem comum vencê-lo. Na paranoia da guerra fria, filmes de ficção científica com mutações genéticas causadas por radiação nuclear até invasões alienígenas onde ninguém sabia dizer quem era quem e o inimigo poderia ser qualquer um. Na Guerra do Vietnã, a espetaculização e a brutalidade ao vivo da guerra trouxe uma nova geração de cineastas tanto trazendo a realidade depressiva quanto buscando escapes dela.

    Atualmente, a história se repete no contexto pós 2008, com filmes e documentários a respeito da ganância de Wall Street e as origens e consequências da crise especulativa se proliferam no mercado. Apesar de já termos sintomas em produções anteriores como Wall Street – Poder e Cobiça (Oliver Stone, 1987), Loucuras de Dick e Jane (Dean Parisot, 2005) e Enron – Os Mais Espertos da Sala (Alex Gibney, 2005), somente a partir de 2008 vemos uma produção em massa nesse sentido, tanto condenando quanto imergindo no universo especulativo para compreender seu funcionamento, e é nessa categoria que o novo filme de Martin Scorsese, O Lobo de Wall Street se encaixa.

    Baseado no livro homônimo de Jordan Belfort e com roteiro de Terence Winter (Boardwalk Empire e Família Soprano), o filme conta a história de um corretor de ações fraudulento que ganhou milhões explorando brechas no sistema, além de enganar milhares de pessoas a investirem em ações sem valor e assim lucrar nas comissões. Contando com um elenco afiado, Scorsese imprime uma narrativa aliada a velocidade e a loucura da cocaína tão usada no filme e faz com que os 180 minutos de exibição passem voando, tamanho seu controle da história e dos personagens.

    Interpretando Belfort está Leonardo Dicaprio, em uma atuação que renderá muitos elogios. Também está o excelente Jonah Hill (que aguardamos por um filme onde seja mais do que o coadjuvante engraçado) como seu amigo e braço direito Donnie Azoff, além de pequenas participações de Matthew McConaughey como Mark Hannah, um corretor experiente que dá dicas ao jovem Belfort, Jon Favreau como Manny Riskin, seu advogado, e Jean Dujardin como o banqueiro suíço Jean Jacques Saurel. Também participa do filme Kyle Chandler como o Agente do FBI Patrick Denham, incansável e incorruptível funcionário público dedicado a caçar criminosos financeiros como Belfort.

    O que difere o tom de Scorsese dos filmes anteriores, em especial a Stone e ao cinema político de Costa-Gavras é a clara compreensão de que antes de serem bandidos desalmados e predadores do sistema, os corretores de Wall Street são seres humanos com pai, mãe, filhos e que precisam justificar seu comportamento para si mesmo e para os outros a todo instante a fim de evitar uma possível crise existencial e dar sentido aquilo tudo. Eles precisam se convencer de que estão fazendo algo normal, e que todos ali fariam o mesmo. Ao também usar da narração como metalinguagem e brincar a todo instante com o fato de o próprio Belfort contar sua própria história, o filme ganha uma leveza essencial para manter a atenção do público. Também é um mérito o fato de não se perder tempo em explicar os tortuosos caminhos e práticas financeiras de Wall Street, porque ali não interessa e nem cabe.

    Partindo dessa premissa, Scorsese consegue produzir uma história com conteúdo ao mesmo tempo explanatório sem ser piegas, e crítico sem ser panfletário. A mensagem ali é clara: o sistema está quebrado, e quanto mais antiético e desprovido de qualquer senso de moralidade a pessoa for, melhor ela se dará no mercado financeiro. Mas ao retratar isso de forma frenética como as festas e o consumo de drogas (no que lembra o também excelente Os Bons Companheiros), além de dar um toque de comédia na medida certa, o filme consegue produzir uma narrativa que não emperra e flui naturalmente, conduzindo o espectador a compreender e fenômeno ocorrido e a indagar como, em uma sociedade considerada democrática, pessoas podem jogar com o dinheiro dos outros, ganhar com isso, e ainda saírem impunes. Também é mostrado a todo instante como Belfort é ovacionado por seus pares, pois nenhum ser humano sozinho é capaz de tal feito. Ou seja, toda a sociedade é cúmplice de seus atos.

    Quando Belfort diz que o sonho de começar do nada e vencer na vida é o sonho americano, dizendo isso em uma empresa corrupta, que se utiliza dos vícios do sistema e da desregulamentação do mercado financeiro iniciada por Nixon e aprofundada por Reagan e Clinton, para enriquecer às custas do trabalhador honesto, mas que acredita na mensagem desse sonho, não é pura coincidência. É o que embala o desenvolvimento do país. Mas quando esse desenvolvimento sai das ferrovias e da metalurgia e passa para os escritórios regados a cocaína, a lógica funciona, mas o sonho continua permanecendo um sonho, e os Rockefeller de ontem se tornam os Belfort de hoje, embalando o povo americano em uma cantiga enquanto puxa sua carteira por trás.

    No final, sem abusar do panfletarismo tão batido nos nossos dias, o filme termina com a simples mensagem de que o sistema está pronto e foi feito para enriquecer apenas alguns com o trabalho de outros. O trabalhador honesto não consegue mais uma vida digna enquanto os “1% de cima” fazem exatamente o inverso. O corretor fraudulento tem quadra de tênis na prisão enquanto a população carcerária americana, composta majoritariamente por negros, explode junto ao desemprego e a violência. Mas nada disso é mostrado em tela, porque é desnecessária a superexposição de elementos políticos que fora do filme já são debatidos. Aqui, o que interessa é a face de Jordan Belfort e como ele personificou o sonho americano, enganou e enriqueceu milhões, usou quilos de drogas, foi condenado, preso, e hoje está solto dando palestras motivacionais. Pouco consegue personificar mais o atual estado de decadência moral de uma civilização.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Review | Boardwalk Empire – 4ª Temporada

    Review | Boardwalk Empire – 4ª Temporada

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    Os finais de temporada de Boardwalk Empire são sempre surpreendentes, repletos de mortes de personagens importantes e sem qualquer concessão quanto a violência e ao amoralismo. A Season 3 só não foi mais drástica que a segunda – onde Jim Darmody, personagem de Michael Pitt fora assassinado por seu antigo protetor – repleta de destinos aos personagens chaves que eram, em primeira análise, irreparáveis e irreversíveis. Mais uma vez os roteiristas da série provam seu valor como arquitetos de boas reviravoltas e de decisões de destino surpreendentes. Nelson Van Alden (Michael Shannon) – com a alcunha de George Muller – só reaparece no segundo episódio, tornando-se o braço forte de um criminoso chamado Mr. O’ Bannion. Fora de ação, ele é inseguro, sequer permite-se comprar móveis decentes para o seu novo lar, por receio e vontade de sair daquele estado em que se encontra – como um fora da lei.

    A questão dos negros prossegue, e torna-se um dos eventos mais importantes do ano. Como prometido por Nuck Thompson (Steve Buscemi), Chalky White (Michael Kenneth Williams) abre o seu clube no calçadão, mas graças a uma temível série de eventos ele ganha um rival. Valentin Narcisse (Jeffrey Wright) é tudo que White não é: culto, uma figura inspiradora, exímio negociador, um cavalheiro completo, que se comporta como o homem branco “domesticado” mas que fala com estes de igual pra igual, inclusive desafiando-os na altivez quando necessário. O ataque afoito de Chalky White a Narcisse mostra o porque deles serem tão subalternos quando comparados aos irlandeses e italianos, sua passionalidade faz com que sua afronta ao inimigo seja cega e com as consequências mal avaliadas.

    O clima de novelão prossegue, com desdobramentos de dramas radicais para personagens secundários. A fórmula já era usada assim em outra série da HBOTrue Blood – mas diferente desta, aqui é bem construída. A questão de Gilliam Darmody (Gretchen Mol, ainda deliciosa) é surreal e insana, Jim morreu há duas temporadas, no entanto sua presença ainda afeta muito sua mãe e Mister Harrow (Jack Huston), acirrando ainda mais os ânimos relativos a custódia do pequeno Tommy. Arnold Rothstein (Michael Stuhlbarg) aos poucos vai se isolando, gerando antipatia em Nuck e perdendo a parceria com Masseria, e qual não é sua surpresa quando se depara com Margaret (Kelly Macdonald) por acaso, onde vê a possibilidade de sua questão com o traficante irlandês possivelmente ganhar contornos mais sérios, claro, adiando-os para a quinta temporada.

    A morte de Frank Capone faz Alphonse (Stephen Graham) se revoltar com a polícia de Chicago, inclusive matando um guarda a céu aberto, a ideia de mostrar seu mal gênio é interessante, mas ele ainda é um bruto do que seria o grande gangster de Chicago. Esta crise desperta dos mortos outro personagem, justificando até a mudança de lado deste. Apesar de bem urdida visto que os motivos para esta metamorfose acontecer são plausíveis, não ignora o fato das investigações por parte dos federais ter perdido muito de sua graça com a saída de Nelson. O opositor legal tornou-se totalmente descartável e subalterno sem o fiscal duro na queda mesmo com as mudanças internas, incluindo até Edgar Hoover ao esquete. No nono episódio o quadro mudou para o personagem, pois finalmente Nelson parece ter saído da letargia que o acometia, dando fim aos seus antigos colegas que vieram atormentá-lo. Seu estouro com O’Bannion dá uma pequena mostra do quanto ele poderia ser psicótico e o põe na mira dos futuros poderosos da cidade. Alden permanece imprevisível e talvez agora faça jus à expectativa que se criou pelo personagem.

    A atuação de Shea Wigham é esplendorosa, papéis como o dele são largamente usados nos filmes de máfia, especialmente como na situação em que ele se põe, mas geralmente a reação ou é melodramática quando descobre-se sua culpabilidade ou de conduta extremamente moralista, de “estou fazendo o correto”, no entanto, Eli Thompson difere disto, efetivamente aparentando fazer um jogo duplo, ao contrário dos seus “pares semelhantes”. A coisa toda quase toda vai abaixo, mas as consequências de seus atos são bem piores do que o que poderia ter ocorrido com a sua vida – mas nada disso é mais arrebatador do que seu embate com o Agente Knox (Brian Geraghty). A situação se agiganta, suas proporções são alargadas de uma forma inimaginável.

    É uma fase de definições, de assentamentos para a temporada final – a ser exibida ainda em 2014. Os fatos históricos apresentados ganham cada vez mais importância, exemplo disso é a ascensão de Alphonse Capone em Chicago. Nuck é impedido de concluir sua jornada conforme sua vontade, os “ares de Michael Corleone” sopram a sua vida em diversas situações. A vida pede o seu sangue, o caminho que ele escolheu não permite muitas alternativas não belicosas e ele parece até ter aceito isto de uma forma tranquila e resignada.

    O sonho de Richard Harrow fecha a temporada poeticamente, num devaneio de um dos personagens mais ricos apresentados pela série. Se a experiência careceu em surpresas, sobrou expectativa para a quinta e derradeira parte de Boardwalk Empire.

  • Review | Boardwalk Empire – 1ª Temporada

    Review | Boardwalk Empire – 1ª Temporada

    boardwalk-empireImaginem a expectativa para uma série que conta com o roteiro de Terence Winter, conhecido pelo seu trabalho em Família Soprano; Steve Buscemi como um dos grandes protagonistas e ninguém menos que Martin Scorsese como produtor; tudo isso a cargo de uma das grandes emissoras de canal pago, a HBO. Isso é motivo de sobra para deixar qualquer telespectador ansiosíssimo para conferir de perto o que Boardwalk Empire tem à oferecer.

    A história se passa em Atlantic City, em plena década de 20, logo após a chamada Lei Seca (1920-1933) entrar em vigor. Na época, o governo norte-americano julgou que os principais males vividos pela sociedade tinham como fator gerador o consumo do álcool, com isso, a Lei Seca passou a vigorar proibindo a fabricação, comércio, exportação, importação e transporte de bebidas. Logicamente, isso é o que foi vendido na época para os americanos.

    Durante a série conhecemos os bastidores por trás disso tudo e vamos descobrindo que há uma série de motivações políticas e econômicas para a proibição da venda de bebidas alcoólicas. Enoch Johnson (Buscemi), ou simplesmente Nucky, como é conhecido na cidade, é uma figura importante em Atlantic City e usa toda sua influência política para comandar o contrabando de bebida, além de suas casas de jogos e bordéis, tudo isso aprovado pelas principais figuras políticas e administrativas da época, é claro.

    A trama foi adaptada com base no livro Boardwalk Empire: The Birth, High Times e Corruption of Atlantic City (sem tradução brasileira), de Nelson Johnson. A adaptação encabeçada por Winter, faz questão de repetir alguns conceitos trazidos já em Sopranos, como a desconstrução do mafioso inabalável e impetuoso. Se em Família Soprano temos Anthony (James Gandolfini) expressando todo o seu descontentamento no divã de Jennifer Melfi (Lorraine Bracco), em Boardwalk Empire, décadas atrás, temos Nucky representando nós homens, acuados pelo papel que nos é imposto pela sociedade.

    A crise de identidade masculina tornou-se mais constante após a revolução sexual que ocorreu nos anos 1960, contudo, é um assunto muito pouco abordado, mesmo nos dias de hoje. O roteiro de Winter, mesmo sendo ambientando na década de 20 é extremamente atual, mostrando registros fiéis do homem contemporâneo e jogando por terra a figura do macho alfa, seguro e independente, e expondo sua insegurança e busca por quem é de verdade.

    Além disso, Boardwalk Empire faz uma reconstituição de época primorosa, destacando eventos importantes como a votação feminina, o preconceito racial, a ascensão de Al Capone, a eleição do próximo presidente americano, tudo isso de forma natural e competente. Esses detalhes de roteiro e direção de arte só enriquecem a trama.

    Falar da qualidade das atuações é bobagem, afinal um elenco que conta com Buscemi, Michael Pitt, Michael Shannon, Kelly Macdonald, entre tantos outros, não poderia dar errado. As personagens fazem questão de focar em todos os nuances de suas personalidades, dando credibilidade e enriquecendo toda a estória que nos é apresentada.

    Com uma primeira temporada impecável, Boardwalk Empire está muito acima de tudo o que vem sendo exibido na televisão no momento. Essa é uma daquelas séries que dá um passo à frente para estabelecer a televisão muito além de entretenimento barato. Que venha a segunda temporada!