Tag: Ken Watanabe

  • Crítica | Pokemón: Detetive Pikachu

    Crítica | Pokemón: Detetive Pikachu

    Pokémon é uma série de jogos que fez muito sucesso no Japão, no Brasil e no mundo. Aqui, teve uma ascensão meteórica graças ao famigerado anime que passava nas manhãs da Record no programa da Eliana, ainda que claramente já tivesse um número grande de fãs graças aos jogos do portátil Game Boy da Nintendo. O lançamento de Pokemon: Detetive Pikachu era cercado de expectativas, que basicamente só passaram a existir quando saiu o primeiro trailer, onde os monstrinhos de bolso eram mostrados em uma pegada mais realista.

    Pois bem, o filme de Rob Letterman não passa muita mensagem além da sua premissa. Tim Goodman, personagem de Justice Smith é apresentado bem cedo, como um garoto solitário, que vai atrás de seu pai policial supostamente morto, e se vê “obrigado” a investigar o paradeiro dele, junto a um Pikachu que utiliza um boné parecido com o de Sherlock Holmes. O bizarro é que nesse mundo real com criaturinhas, no começo do filme, parece não haver os continentes dos games como Kanto, Johto, Hoen etc, e sim cidades comuns a Terra, e cada pessoa parece ter apenas um monstrinho, semelhante ao que acontecia em Digimon, mas no decorrer da trama Kanto é citada, fato que não ocorre na dublagem brasileira.

    Apesar do começo avassalador, envolvendo Mewtwo (fato já esperado para quem viu os trailers), o que se vê logo após é uma historia desinteressante e irritante, envolvendo o protagonista, que é um garoto responsável e que destoa do restante por não sonhar em ter um Pokémon, alias, suas interações com eles são esquisitas, pois os piores erros de escala ocorrem com ele em tela, variando o tamnho dos bichinhos de acordo com o que o roteiro confuso de Letterman, Dan Hernandez, Benji Samit e Derek Connolly prega.

    Há uma questão parecida com a de Jogador Numero 1 instituída aqui, das Indústrias Clifford situadas em Ryme City como algo inspirador, embora de maneira isso seja desenvolvido de modo bem raso, causando estranheza aos olhos mais atentos de cara. Visualmente não há do que reclamar, o CGI tanto dos objetos inanimados quanto das criaturas é sensacional, e há um sem número de easter eggs, como Snorlax dormindo em dias de acesso, e o uso de Squirtle por bombeiros, embora pudesse ter mais, como Chansey de enfermeira ou Growlithe como auxiliar da polícia. No entanto, da parte dos humanos a inteiração do elenco de famoso é pífia. Ken Watanabe faz nesse praticamente o mesmo papel que fez em Godzilla II: Rei dos Monstros, embora seja menos pedante aqui, assim como Bill Nighym e Chris Geere.

    Mesmo com Ryan Reynolds sendo bem engraçado como o ratinho elétrico, falta substância, consistência e conteúdo a praticamente todos os personagens, Pokémon ou não. Nenhum deles sobressai como algo realmente engraçado e munido de tridimensionalidade. A versão no áudio original é bem melhor que a dublada em português, e a Warner escolheu trazer poucas cópias em inglês, mesmo se vendendo que esse era um filme com o interprete de Deadpool, que empresta a voz ao protagonista monstrinho.

    O maior defeito certamente é o papel do vilão, com um plano tão esdrúxulo que faria inveja aos opositores de James Bond e Scooby-Doo, não há nenhuma obra de Pokemon que meramente lembre algo tão mal construído quanto aqui, alias, perderam uma bela oportunidade de amarrar o destino de Ditto e Mewtwo de uma maneira coesa, aproveitando a teoria de que os Dittos eram os protótipos de clonagem de Mew, mas não, não se utiliza isso e pior, ainda abre a possibilidade na relação entre os personagens Roger Clifford (Geere) e Lucy (Kathryn Newton) um estranho conceito, mostrando que a maior empresa desse universo, também detém o monopolio dos meios de comunicação, e não se tem qualquer reflexão sobre isso. Este desfecho faz piorar demais até a diversão que antes era bem presente no filme, tornando esse Detetive Pikachu um exemplar de aventura bem genérico, melhor que a média das adaptações de games, ainda que isso não seja grandes coisas essa classificação.

     

    Facebook – Página e Grupo | TwitterInstagram | Spotify.
  • Crítica | Godzilla II: Rei dos Monstros

    Crítica | Godzilla II: Rei dos Monstros

    O que aconteceu em 2014 em São Francisco, na versão de Godzilla que Gareth Edwards conduziu entrou para historia como um 11 de Setembro com horror atômico e monstros, ao menos dentro desse universo compartilhado e Godzilla II: Rei dos Monstros perde boa parte do seu tempo num drama familiar, capitaneado por Mark (Kyle Chandler) e Emma Russell (Vera Farmiga), que estão na cidade durante o ataque. Os pais perdem um filho, e logo é mostrado que eles são especialistas nas criaturas gigantes, e a transição para essa especialidade é zero, não há qualquer menção disso.

    Esse início mostra muito do caráter do filme, as cenas com os monstros, tem escalas enormes e Michael Dougherty manda muito  bem, como havia feito em Krampus, intercalando isso com uma inutilidade de trama humana, que traz uma empresa boazinha, chamada Monarca e que é comandada pelo caricato oriental sábio Dr. Ishiro Serizawa (Ken Watanabe) e por uma equipe terrível, formada pela dra. Ling (Ziyi Zhang) e outros personagens genéricos e sem personalidade, uma mais irritante e raso que o outro, lembrando em alguns momentos o recente Cloverfield Paradox.

    No presente, a filha do casal é vivida por Millie Bobby Brown, a Eleven de Stranger Things e sua personagem, Maddison (ou Maddie) é uma menina inteligente e destemida. Por mais que suas ações sejam irreais, é mais passável ver ela discutindo com sua mãe, tentando colocar algum juízo na cabeça da adulta do que assistir todos os “veteranos” e cientistas tentando dar importância a péssima explicação sobre como os “titãs” (os monstros são tratados por essa alcunha) ajudariam a humanidade ou ajudariam a preservar a vida no planeta. Há todo um núcleo de eco terroristas, liderados pelo personagem Jonah Alan (Charles Dance), que aliás, faz lembrar uma motivação meio Thanos, mas muito capenga. Tanto Jonah quanto seus capangas são ridículos, e não servem sequer para dar alguma importância aos humanos que certamente morreriam nas brigas dos monstros. É tudo melodramático e o roteiro subestima o espectador, fingindo que os inocentes conseguiriam evacuar a maior parte das cidades.

    Ao menos, da parte dos animais gigantes, há muita ação, embora haja menos tempo de tela que todo o resto do lenga lenga. A trama mostra Ghidora, Mothra, Rodan e outros monstros antes de  enfim estabelecer o retorno de Godzilla. Isso ocorre com pouco menos de uma hora de exibição. O quadro tinha chances de melhorar, mas obviamente a crescente é interrompida por mais dramas humanos desnecessários, chegando ao cúmulo de um dos cientistas “culpar” Mark por uma das derrotas do lagarto radioativo, basicamente porque ele torcia contra o monstro que matou seu filho caçula. Tirando toda essa baboseira, as lutas são ótimas, não há mais tanto predomínio de lutas em lugares escuros ou com fumaça/névoa e a tensão ocorre ao menos pela expectativa de destruição, pois se importar com os humanos beira o impossível.

    Godzilla II: Rei dos Monstros peca onde o novo O Predador acerta e tem êxito onde o filme de Shane Black fracassa. Se os personagens genéricos do longa de ação estivessem aqui, certamente seria um acerto e faria mais sentido dentro do desnecessário acréscimo de homens e mulheres como condutores da trama. O filme é desnecessariamente longo e dá vazão a teorias da conspiração bem risíveis, e termina com alguns bons ganchos para o conflito entre Godzilla e King Kong, mas a realidade é que este é menos justificado em trama que o anterior e que Kong: A Ilha da Caveira. Seria mais honesto dar mais tempo aos duelos entre titãs, e esquecer toda a perfumaria dos humanos, e espera-se que ocorra isso no próximo capítulo da saga que está agendada para 2020. É esperar para ver.

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram | Spotify.

  • Crítica | Transformers: A Era da Extinção

    Crítica | Transformers: A Era da Extinção

    transformers-a-era-da-extincao

    Quando foi anunciado, em meados de 2005, que o desenho Transformers ganharia uma adaptação para o cinema, ninguém sabia o que esperar. Porém, as expectativas eram as melhores possíveis. Quando o filme chegou às telas, em 2007, até os mais invejosos deixaram de criticar o tuning feito no disfarce de caminhão de Optimus Prime, todo pintado de chamas no melhor estilo hot rod, e passaram a apreciar uma ótima adaptação repleta de ação, humor, com uma trilha sonora certeira, tanto musical quanto orquestrada, além de ter uma história simples porém cativante sobre um jovem apaixonado pela garota mais popular do colégio e que precisa tirar notas boas para comprar seu primeiro carro.

    Infelizmente, mesmo a franquia se sustentando pelos sucessos de bilheterias das continuações Transformers: A Vingança dos Derrotados e Transformers: O Lado Oculto da Lua, os filmes foram um fracasso. Além de dois roteiros fraquíssimos, a relação entre o diretor Michael Bay e o elenco principal parecia ter se esgotado, uma vez que trabalhar com Bay não é uma das tarefas mais fáceis. Tal esgotamento resultou na demissão da atriz Megan Fox que havia, inclusive, iniciado as filmagens do terceiro filme.

    Logo após a estreia de O Lado Oculto da Lua, um reboot foi anunciado. Os robôs, obviamente, permaneceriam, mas todo o elenco seria trocado, o que permitiu que Transformers: A Era da Extinção fosse tratado como uma continuação dos três anteriores. E a mudança fez bem, mas não tão bem assim. Com uma história convincente, porém quase copiada da relação familiar mostrada em Armageddon (também de Bay), do pai-ciumento-que-faz-tudo-pela-filha-mas-que-descobre-que-ela-namora-e-nem-é-tão-santa-assim, o filme tem um péssimo terceiro ato que quase estraga toda a empolgação.

    Cade Yeager (Mark Wahlberg) é um mecânico, inventor e caçador de relíquias falido que tem o sonho de ser reconhecido pelo seu trabalho para poder pagar os estudos de sua filha Tessa (Nicola Peltz). Além de consertar aparelhos eletrônicos dos vizinhos, o que lhe rende pouquíssimo dinheiro, Cade vive comprando coisas velhas que as pessoas não usam mais com o objetivo de inventar alguma coisa, cuja patente lhe deixaria milionário. Sua vida muda quando, ao visitar um cinema abandonado no Texas, se interessa por um caminhão velho e destruído e o compra por 150 dólares. Durante o conserto do caminhão em seu celeiro (muito bacana, por sinal), Cade percebe que o sistema mecânico daquele caminhão é completamente diferente e que, portanto, poderia se tratar de um transformer. Após algumas noites em claro, consegue consertar e ativar Optimus Prime (novamente na voz de Peter Cullen), que agora passa a ter uma dívida com Cade. Optimus envia uma mensagem ao restante dos Autobots sobreviventes e consegue se reunir ao sempre carismático Bumblebee e aos novos Autobots: Autobot Hound (na voz do grande John Goodman); Autobot Drift (na voz do ótimo Ken Watanabe), um Autobot samurai (sim, um samurai); e Autobot Crosshairs (voz de John DiMaggio).

    Paralelo a estes acontecimentos, somos apresentados a um grupo secreto do governo muito semelhante à equipe Nest liderada pelo personagem de Josh Duhamel na primeira trilogia. Porém, esta equipe trabalha ao lado do transformer Lockdown (voz de Mark Ryan), caçando e matando Autobots ao redor da Terra. Com os adventos negativos da batalha em Chicago de Transformers: O Lado Oculto da Lua, o governo decidiu não contar mais com a ajuda dos Autobots, obrigando os robôs a se refugiarem e a se disfarçarem, o que explica a mudança de visual de Optimus e Bumblebee.

    Também somos apresentados ao cientista Joshua Joyce (Stanley Tucci) e seu sócio de negócios Harold Attinger (Kelsey Grammer). Joyce é uma espécie de Steve Jobs da indústria armamentista e que vem conseguindo criar seus próprios transformers baseados no “DNA” dos robôs capturados por Lockdown. Tem como objetivo criar transformers em larga escala e vendê-los para outros países. Já Attinger tem uma mente maligna e trabalha ao lado de Lockdown, liderando à distância a equipe de caça em busca de Optimus Prime, que detém a Semente, uma espécie de matéria-prima que, se detonada, se torna uma fonte inesgotável para a construção dos robôs de Joyce.

    Com esses três núcleos de personagens, o roteirista Ehren Kruger, que retorna à franquia desta vez assinando o filme sozinho, consegue amarrar uma história convincente, convergindo estes núcleos de forma inteligente e bastante justificável. Não há nada de errado no fato da família de Cade estar envolvida numa trama em que um robô mercenário – que tem como esporte aprisionar líderes dos planetas em que passa – fecha um “contrato” com humanos que concordam em entregar o líder dos Autobots em troca da Semente.

    As cenas de ação são muito boas e o destaque fica para a perseguição aos Autobots, onde os transformers dos humanos são ativados pela primeira vez e liderados por Galvatron, que foi criado tendo Megatron como base, o que demonstra timidamente o que poderá vir numa eventual continuação. Com isso, a parte de humor também é boa e sobra até para Optimus uma piada. A cena em que Bumblebee, que não gosta nem um pouco de ser chamado de lata velha, encontra o transformer que foi criado a partir de sua base é espetacular. É sempre bom poder rir com um robô amarelo e temperamental (entenderam?).

    Infelizmente, o terceiro ato é ruim e repete os mesmos erros dos dois filmes anteriores, pecando pelo excesso. Chega a ser chata essa mania de Bay em querer que o filme seja maior e mais épico possível, algo que não contribui em nada para o desenrolar da trama. É tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo que Bumblebee simplesmente desaparece numa determinada parte. O sentimento é de enganação, o que também pode levantar a suspeita de que o filme sofreu problemas em sua produção, já que se nota claramente que os dois primeiros atos fazem parte de um ótimo e promissor filme, sendo o terceiro ato parte de um péssimo filme. A diferença chega a ser tão gritante que Joshua Joyce, antes tido como um gênio da indústria moderna, um personagem carismático que não se sabe em que lado está, seja reduzido a um personagem engraçadinho e insuportável, dez vezes pior que o agente Simmons, vivido por John Turturro na trilogia original. Até a presença dos Dinobots no filme poderia ter sido descartada se os Autobots, de fato, não estivessem precisando de ajuda. O curioso é a maneira como se responde à questão da existência de robôs-dinossauros no filme, sendo a resposta a mais simples e óbvia possível.

    Quanto à direção de Bay, mais do mesmo. Estão lá as competentes cenas de ação, as cenas feitas em contraste com o pôr-do-sol, assim como as cenas em câmera lenta. Embora seja muito criticado por sempre repetir a mesma fórmula, inclusive por copiar aquilo que deu certo (e o que deu errado, também) e por ser exagerado, Bay ainda é um dos poucos diretores em Hollywood que, obviamente com exceção dos robôs, ainda trabalha com cenários reais e efeitos práticos, além de colocar seus atores dentro de explosões e situações de perigo reais, sem o uso de dublês. o 3D é competente e a experiência, de fato, vale o ingresso, o que é muito raro.

    Apesar do terceiro ato e dos longos 165 minutos de fita, Transformers: A Era da Extinção tem um saldo positivo, mas por pouco. O novo elenco e os novos personagens injetaram um pouco de ânimo à franquia. A jovem atriz Nicola Peltz e Jack Raynor, que faz o namorado de Tessa, Shane, são apáticos, mas Mark Wahlberg, com seu personagem carismático, e Stanley Tucci conseguem carregar o filme nas costas. Seria bastante interessante se, em algum momento, acontecesse um encontro entre Sam Witwicky, da trilogia antiga, e Cade Yeager.

    Texto de autoria de David Matheus Nunes.

  • Crítica | A Origem

    Crítica | A Origem

    Inception_poster

    É fácil olhar hoje para a carreira de Christopher Nolan e ver nele um exemplo de cineasta de grandes feitos e em quem os estúdios confiam, seja pela franquia de super-heróis da Warner que deu certo (vide o insucesso de O Homem de Aço e Lanterna Verde, só para citar os mais recentes), assim como em produções caríssimas, como O Grande Truque. A Origem é um projeto bastante antigo de Christopher Nolan, engavetado na época graças à escassez de efeitos especiais adequados ao roteiro apresentado. Mas também relegado ao limbo por ter em sua concepção um preço absurdamente alto para os padrões de um cineasta iniciante. Foram precisos seis longa-metragens no currículo para confiarem a ele o orçamento estimado em 160 milhões de dólares.

    O visual do filme impressiona, a fotografia, edição, tudo é belíssimo. A escolha por narrar a trajetória de Cobb (Leonardo DiCaprio) por meio de flashbacks é uma opção muito inteligente. A história, contada de forma linear, não teria metade do impacto que teve como produto final. Além disso, a estratégia de usar a máscara de filme de assalto para abordar uma coisa tão complexa como o funcionamento da psiquê e seus segredos dentro do ambiente misterioso do sonho é brilhante, e, aliada à estética noir, fazem da fórmula do filme algo único. O didatismo de Nolan, tão criticado nos filmes do Morcego, é muitíssimo necessário neste evento em particular.

    A cartilha de Joseph Campbell é cumprida à risca: todos os arquétipos são desenhados e representados de forma bastante óbvia. O intuito é de não deixar qualquer dúvida acometer o público, a não ser em relação à realidade tangível. O grave problema de Inception é a motivação dos personagens. Cobb é um herói falido típico, que não consegue ter controle sequer sobre o destino de suas ações. Toda a gigantesca trama, os roubos de informações, os sequestros e outras tantas atitudes fora da lei protagonizadas por ele só acontecem graças à sua reticência. A humanidade não é um problema, mas a contradição de seus atos o são. Para alguém que lidera uma operação tão complexa, é simplesmente inaceitável a sua falta de pulso, mesmo levando-se em conta o seu trauma. Outra questão que influi na percepção do público quanto à atuação do ator principal foi a proximidade entre o lançamento de A Origem e Ilha do Medo, de Scorsese, cujas premissas dos personagens centrais são bastante parecidas.

    O segundo erro capital é a personagem que deveria ser a orelha, a inserção do espectador dentro da experiência como um todo. Ariadne, de mesmo nome da libertadora de Teseu do labirinto do Minotauro, deveria ser uma promissora arquiteta que, ao ser desafiada, mostra-se muito competente no que faz, mas ainda assim é neófita e inexperiente. Uma vez que o papel de Ellen Page sabe perverter as regras do mundo dos sonhos, ela se torna uma deusa, que desliza sem dificuldades pelos segredos da mente e que molda a estrutura das construções compartilhadas entre os aventureiros. Sua evolução é rápida e até admirável, mas passa muito do ponto, pois instantaneamente se torna presunçosa e moralista, pondo o dedo em riste, acusando o seu contratante, como se ela fosse onipotente. Tais pecados podem ser explicados pela inexperiência, mas não são tão bem justificados quanto facilmente poderiam. Mais uma vez a omissão de Cobb é demonstrada, e assim como a vilã, Ariadne se usa disso para se achar maior do que realmente é, ignorando a possibilidade de, uma vez no subconsciente, perder a noção do que é verdade e do que é sonho. Ela carrega tanta arrogância sem causa que não consegue amadurecer ao tomar conhecimento das experiências alheias, algo que claramente faz falta ao perceber que a mente de Fischer era treinada, desmoralizando Cobb por cultivar tais pensamentos.

    A ideia de Nolan é discutir filosoficamente os limites do tecido da realidade. Antes de completar 60 minutos de exibição, um simples funcionário de um “dormitório” indaga Cobb sobre a veracidade da dimensão sonhada e qual destas é a mais verídica de fato. Primeiro ele desmistifica a questão da “elitização da verdade”, pondo um mestiço comumente ignorado e fadado a ser taxado como simplório como o detentor da informação primordial e do questionamento fundamental. Depois ele joga no colo do herói a interpretação do seu maior anseio, fazendo ele confrontar seus próprios demônios. Viver no passado é sedutor, e o avatar curvilíneo e as belas feições de Mal (Marion Cotillard) representam toda essa volúpia de forma ímpar. Cobb deseja tanto sua beleza quanto anseia se encontrar com os seus filhos novamente. Toda a sua reticência é voltada para a dificuldade de escolha da realidade que terá de fazer.

    A escolha de Mallory em ignorar a verdade é parte da utopia do mundo ideal, onde somente ela e seu amado vivem, alienando-se totalmente ao que acontece na vida real. A projeção de um conto de fadas é maximizada e elevada a níveis altíssimos, numa alegoria clara à fuga da inconveniente verdade do fruto proibido. A personagem Mal é como uma louca Eva, que, ao provar da árvore do Bem e do Mal, não consegue mais viver sua antiga rotina. O cotidiano é démodé demais para os seus gostos, e sua tentativa de voltar ao ideal condena o seu amado a uma vida sem realizações que lhe são prazerosas e necessárias.

    A utilização dos elementos externos a quem dorme dentro da camada inferior de sonho é uma ótima forma de representar o nonsense e descompromisso com as regras físicas dentro desta alternativa efetivamente verdadeira. A perseguição frenética e apressada em relação até mesmo ao tempo acrescido se dá graças ao mergulho dentro das camadas de transe. A contradição ajuda a aumentar o suspense da história.

    O limbo que é a prisão de Mallory representa uma amostra decadente de como o mundo idílico era e de como ele se tornou assustador com o decorrer do tempo. O passado é amedrontador e contém muitos dos medos de Cobb. A simples chance de olhar no rosto de suas crianças dentro de sua fantasia causa asco no herói. Sua incessante busca é pelo real: poder tocar seus herdeiros, aqueles a quem ele abandonou, primeiro ao se isolar e depois por motivos de força maior. A ideia, implantada em Mal, de que tudo muda parecia ser a maldição de sua própria vida. Enfrentar a sua própria verdade inconveniente e ter de assumir a sua parcela de culpa o consome e só não dói mais do que a distância de seus filhos, Sam e Phillipa. A dificuldade em liberar sua alma do sentimento de Mal é intenso, e a despedida é emotiva, especialmente para a projeção da mulher. Já Cobb parece, pela primeira vez, seguro de si e do que quer. A questão da dualidade no final é agravada pelos olhares do protagonista e cada um dos seus companheiros de jornada, dos cenários e cenas idênticos aos que se propagam em seu imaginário.

    A Origem é o momento mais autoral de Christopher Nolan, e a prova do quão prolífico é o seu cinema. Uma promessa para filmes ainda melhores do realizador britânico.

    Ouça nosso podcast sobre Christopher Nolan.

  • Crítica | Batman Begins

    Crítica | Batman Begins

    Batman_Begins_poster

    Demorou certo tempo para a Warner trazer o Cavaleiro das Trevas novamente às telas, após a destruição causada por Schumacher com Batman & Robin. Ao descobrir sobre o interesse da produtora, Christopher Nolan demonstrou sua vontade em realizar um longa-metragem e esboçou breves ideias iniciais a respeito do projeto.

    Antes mesmo de realizar longas reuniões com executivos, Nolan convidou o roteirista David S. Goyer para juntos trabalharem em uma versão do roteiro, ao mesmo tempo em que seu desenhista de produção concebia visualmente as ideias criadas por ambos.

    Quando os executivos puderam conhecer a história de Nolan / Goyer, também tinham em mãos diversos protótipos desenvolvidos a respeito do uniforme e carro da personagem, e também da cidade de Gotham City. Elementos que começaram como testes na garagem de Nolan e tornaram-se presentes no filme.

    Batman Begins não só narra a origem do herói como também é o primeiro marco da narrativa de Nolan. O filme explora a lacuna de sete anos em que Bruce Wayne ficou fora da cidade. Lacuna que, diz o diretor, nem mesmo foi explorada em gibis.

    A personagem dos quadrinhos aproxima-se daquela vista nas telas: um homem que realizou uma jornada interior e teve maciço treinamento com diversos mestres para tornar-se aquilo que ambicionava. Além da composição como um herói, conhecemos também o pequeno círculo de confiança de Bruce Wayne: Alfred, o paternal mordomo, Lucius Fox, mentor tecnológico do morcego e Jim Gordon, o policial que lhe inspira confiança.

    Antes de o personagem vestir o manto, a história apresenta a jornada de Bruce Wayne. Nela, é desenvolvida a psicologia desde sua infância, com seu medo pelos morcegos, e as maneiras necessárias para explorar o terror interno. Antes mesmo de o público ver o Homem Morcego, há confiança e credibilidade na jornada estabelecida por Wayne.

    As tramas apresentadas são costuradas com perfeição. Inicialmente, Batman desenvolve uma luta contra a máfia da cidade, tentando ajudar a promotora Rachel. Conforme adentra as investigações, descobre que o Dr. Jonathan Crane aproveita-se do contrabando para desenvolver uma droga própria que impele o medo. A jornada do morcego constitui-se em uma luta com elementos ainda desconhecidos por ele.

    Batman foi criado para ser um tanque de guerra em forma de homem. Tem o aparato necessário e conhece as lutas marciais mais definitivas. Nolan não queria transformar a violência em espetáculo, mas sim em um elemento que assustasse o público. Dessa forma, oferece-se credibilidade à composição da personagem.

    A produção foi rodada quase inteiramente em locações ou estúdio, utilizando muito pouco do CG. Boa parte da cidade de Gotham foi levantada em grandes estúdios; a cena da caverna possui, de fato, um lago submerso e até mesmo o batmóvel foi construído como um veículo funcional de verdade, com quatro metros e mais de duas toneladas.

    Os elementos constituem uma realidade crível para o espectador. É retirado da personagem seu conceito colorido dos filmes anteriores, compondo um ambiente sombrio e real. Por conseguinte, estabelece-se com eficiência a composição de Christian Bale entre Bruce Wayne e Batman. Dando vazão e justificativa a um homem que a noite vira um símbolo.