Tag: rutger hauer

  • Crítica | Sansão

    Crítica | Sansão

    Produto da  Pure Flix, empresa de produção da indústria cinematográfica cristã de Scottsdale-Arizona, Sansão é mais um dos filmes bíblicos recentes que tenta surfar na onda de adaptações da Bíblicas, que busca o espectador evangélico, normalmente desavisado e com pouco senso crítico. O longa de Bruce MacdonaldGabriel Sabloff busca ser uma obra de época e conta com alguns famosos, como Rutger Hauer, Billy Zane, Lindsay Wagner, todos como papéis decorativos e desimportantes.

    Sansão é um mito religioso antigo e que já teve dezenas de versões no audiovisual. Nessa adaptação é vivido Taylor James, que lembra uma versão genérica de Jason Momoa. O filme tenta um ar de seriedade, com efeitos especiais caros para produções desse filão mas que soam extremamente toscas. Há claramente uma tentativa de mirar em Game Of Thrones, mas no resultado final lembra mais as continuações de O Escorpião Rei.

    James lembra fisicamente o ator Taylor Lautner quando criança, em Sharkboy e Lava Girl, como se fosse uma versão alternativa dele se mantivesse alguns dos seus traços quando ainda era criança, de cabelos grandes tal qual o personagem na saga Crepúsculo. O vilão do filme, Rallah (Jackson Rathbone) é fraquíssimo, e usa um lápis de olho muito pior que as maquiagens das novelas da Record. O filme ainda soa extremamente homofóbico ao utilizar clichês do passado ao mostrar um personagem com traços afeminados e vilanescos, bastante caricato. Caitlin Leahy que faz Dalila é linda, mas o tratamento de imagem é tão terrível no filme que faz com que seus olhos azuis soem chapados, parecendo lentes de contatos baratas.

    As cenas de luta não tem qualquer lógica, os soldados envolvem Sansão e ao invés de tentarem golpeá-lo pelas costas, já que ele não usa armadura e tem um arma branca pequena em sua mão. Parece em alguns momentos o Conan mais recente, com ainda menos verba e mais cenas vergonhosas. No declínio que o personagem sofre, há uma associação imagética entre o herói da trama e a figura de Jesus sofrendo a via crúcis, o que de certa forma até faz algum sentido, apesar de soar bastante forçado.

    Próximo do final há uma espécie de teaser, mostrando Davi x Golias, como se fosse o anúncio para um universo bíblico compartilhado. Para todos os efeitos, Sansão é um conto bíblico bastante controverso, uma vez que a última ação do personagem foi a de um suicídio para punir os filisteus que zombaram de si, e não há qualquer aprofundamento ou discussão a esse respeito neste longa, o que é em si bastante problemático. Fora isso, o acréscimo dos personagens como um outro interesse amoroso do homem de Deus, a composição de Dalila como uma mulher inocente enganada e a cena final que tenta soar dantesca mas é pessimamente enquadrada dão ao filme de Macdonald e Sabloff um aspecto terrível demais, desnecessário ao extremo e que faz rir quando deveria comover.

    https://www.youtube.com/watch?v=ez5yXrs69Uk

    Facebook – Página e Grupo | Twitter Instagram.

  • Crítica | Batman Begins

    Crítica | Batman Begins

    Batman_Begins_poster

    Demorou certo tempo para a Warner trazer o Cavaleiro das Trevas novamente às telas, após a destruição causada por Schumacher com Batman & Robin. Ao descobrir sobre o interesse da produtora, Christopher Nolan demonstrou sua vontade em realizar um longa-metragem e esboçou breves ideias iniciais a respeito do projeto.

    Antes mesmo de realizar longas reuniões com executivos, Nolan convidou o roteirista David S. Goyer para juntos trabalharem em uma versão do roteiro, ao mesmo tempo em que seu desenhista de produção concebia visualmente as ideias criadas por ambos.

    Quando os executivos puderam conhecer a história de Nolan / Goyer, também tinham em mãos diversos protótipos desenvolvidos a respeito do uniforme e carro da personagem, e também da cidade de Gotham City. Elementos que começaram como testes na garagem de Nolan e tornaram-se presentes no filme.

    Batman Begins não só narra a origem do herói como também é o primeiro marco da narrativa de Nolan. O filme explora a lacuna de sete anos em que Bruce Wayne ficou fora da cidade. Lacuna que, diz o diretor, nem mesmo foi explorada em gibis.

    A personagem dos quadrinhos aproxima-se daquela vista nas telas: um homem que realizou uma jornada interior e teve maciço treinamento com diversos mestres para tornar-se aquilo que ambicionava. Além da composição como um herói, conhecemos também o pequeno círculo de confiança de Bruce Wayne: Alfred, o paternal mordomo, Lucius Fox, mentor tecnológico do morcego e Jim Gordon, o policial que lhe inspira confiança.

    Antes de o personagem vestir o manto, a história apresenta a jornada de Bruce Wayne. Nela, é desenvolvida a psicologia desde sua infância, com seu medo pelos morcegos, e as maneiras necessárias para explorar o terror interno. Antes mesmo de o público ver o Homem Morcego, há confiança e credibilidade na jornada estabelecida por Wayne.

    As tramas apresentadas são costuradas com perfeição. Inicialmente, Batman desenvolve uma luta contra a máfia da cidade, tentando ajudar a promotora Rachel. Conforme adentra as investigações, descobre que o Dr. Jonathan Crane aproveita-se do contrabando para desenvolver uma droga própria que impele o medo. A jornada do morcego constitui-se em uma luta com elementos ainda desconhecidos por ele.

    Batman foi criado para ser um tanque de guerra em forma de homem. Tem o aparato necessário e conhece as lutas marciais mais definitivas. Nolan não queria transformar a violência em espetáculo, mas sim em um elemento que assustasse o público. Dessa forma, oferece-se credibilidade à composição da personagem.

    A produção foi rodada quase inteiramente em locações ou estúdio, utilizando muito pouco do CG. Boa parte da cidade de Gotham foi levantada em grandes estúdios; a cena da caverna possui, de fato, um lago submerso e até mesmo o batmóvel foi construído como um veículo funcional de verdade, com quatro metros e mais de duas toneladas.

    Os elementos constituem uma realidade crível para o espectador. É retirado da personagem seu conceito colorido dos filmes anteriores, compondo um ambiente sombrio e real. Por conseguinte, estabelece-se com eficiência a composição de Christian Bale entre Bruce Wayne e Batman. Dando vazão e justificativa a um homem que a noite vira um símbolo.

  • Crítica | Blade Runner

    Crítica | Blade Runner

    No dia 25 de junho Blade Runner fez 30 anos: relativo fracasso de público na época do lançamento, o filme também dividiu os críticos, mas acabou se tornando cult e então clássico e colocou Ridley Scott na lista dos grandes diretores contemporâneos.

    Blade Runner é uma das ficções científicas mais populares mesmo entre aqueles que não  gostam do gênero e junto com 2001: Uma Odisséia no Espaço provavelmente a mais estudada, analisada e louvada pelos críticos e teóricos do cinema. Talvez porque aqui Scott fale menos de espaço e futuro e mais do que nos faz humanos.

    Em 2019 a Tyrell Corporations alcançou tal tecnologia na construção de andróides (ou replicantes) que se tornou necessária a aplicação de testes sutis para diferenciar entre eles e os humanos. Além disso: uma nova linha em desenvolvimento passaria a possuir memória, ou seja, um senso de família, passado e identidade. A pergunta que paira no ar então é: por que continuamos a trata-los como coisa?

    A trama segue Deckard ( Harrison Ford) um caçador de andróides contratado para desativar (ou “aposentar”) 4 replicantes que fugiram das colônias espaciais onde habitam e vieram para a Terra, onde são proibidos devido aos riscos da rebelião. Ao ser informado da missão Deckard se pergunta “mas por que eles voltariam a terra?”

    Eles vieram em busca de respostas. Mais que isso, conscientes de que sua vida útil é propositadamente muito curta (apenas 4 anos) vieram descobrir como extendê-la. Replicantes temem a morte, não querem abandonar a existência e sentem que seu tempo no mundo é muito curto. Exatamente como humanos. Mas enquanto nossa morte é inevitável e nosso tempo de vida aleatório, o deles é arbitrário: os andróides sabem quem os criou e sabem que vivem apenas 4 anos por opção desses criadores, eles poderiam ser eternos, ou ao menos viver por centenas de anos, mas não são, e sendo assim vêm a Terra também por vingança.

    Ridley Scott parece ter uma posição a respeito da humanidade dos andróides, ele acredita em sua subjetividade e os atores enchem seus personagens de nuances, sensibilidade e expressões que são tudo, menos mecânicas. Em uma memorável sequência Roy ( Rutger Hauer ) pergunta a Deckard se ele sabe o que é viver com medo e afirma seu temor de que tudo que viu, sentiu e experienciou se perderia no mundo, como lágrimas na chuva. Não se pode ser muito mais humano que isso.

    A personagem de Rachel ( Sean Young ) vem reforçar essa ideia, ela é vulnerável, quase frágil e seu desejo e amor por Deckard são bastante genuínos. Seu figurino cheio de peles dá a impressão de textura, calor e acessibilidade e a fotografia, quase sempre escura e artificial, banha a atriz em luz dourada, em Blade Runner só vemos o sol com Rachel em cena. Certo, suas memórias são falsas, mas é necessariamente falsa a identidade que ela construiu em cima dessas memórias? Rachel tem as memórias da sobrinha do Dr. Tyrell, mas elas são a mesma pessoa?

    A direção de arte e fotografia, aliás, colaboram de maneira excelente com o roteiro e as questões levantadas, dando ao filme uma unidade estética rara. Nunca é dia nessa Los Angeles fictícia, a luz é sempre cinzenta ou colorida de neon, é um mundo artificial mesmo para os humanos “de verdade”. Também existem poucas formas arredondadas, orgânicas, os ambientes são vazios, ascéticos, desprovidos de tudo que aproxima, identifica, de tudo que torna pessoal.

    O diálogo entre Roy e Tyrell (Joe Turkel)  é cheio de ambiguidade e retrata bem a delicada relação entre criador e criatura: o misto de agradecimento e fascínio com ódio por ter sido feito mortal. Scott retoma essas questões 30 anos mais tarde em Prometheus e se pergunta de novo qual o limite da criatura e a recusa de qualquer um em abandonar a vida.

    Assim, Blade Runner é um ótimo filme de ação, mas sua essência e talvez sua permanência, estejam nessas perguntas e no incômodo que até hoje sentimos frente a possibilidade de recriar tão perfeitamente a humanidade a ponto de nos perguntarmos o que é mesmo que faz um humano?

    Texto de autoria de Isadora Sinay.