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  • Crítica | Godzilla II: Rei dos Monstros

    Crítica | Godzilla II: Rei dos Monstros

    O que aconteceu em 2014 em São Francisco, na versão de Godzilla que Gareth Edwards conduziu entrou para historia como um 11 de Setembro com horror atômico e monstros, ao menos dentro desse universo compartilhado e Godzilla II: Rei dos Monstros perde boa parte do seu tempo num drama familiar, capitaneado por Mark (Kyle Chandler) e Emma Russell (Vera Farmiga), que estão na cidade durante o ataque. Os pais perdem um filho, e logo é mostrado que eles são especialistas nas criaturas gigantes, e a transição para essa especialidade é zero, não há qualquer menção disso.

    Esse início mostra muito do caráter do filme, as cenas com os monstros, tem escalas enormes e Michael Dougherty manda muito  bem, como havia feito em Krampus, intercalando isso com uma inutilidade de trama humana, que traz uma empresa boazinha, chamada Monarca e que é comandada pelo caricato oriental sábio Dr. Ishiro Serizawa (Ken Watanabe) e por uma equipe terrível, formada pela dra. Ling (Ziyi Zhang) e outros personagens genéricos e sem personalidade, uma mais irritante e raso que o outro, lembrando em alguns momentos o recente Cloverfield Paradox.

    No presente, a filha do casal é vivida por Millie Bobby Brown, a Eleven de Stranger Things e sua personagem, Maddison (ou Maddie) é uma menina inteligente e destemida. Por mais que suas ações sejam irreais, é mais passável ver ela discutindo com sua mãe, tentando colocar algum juízo na cabeça da adulta do que assistir todos os “veteranos” e cientistas tentando dar importância a péssima explicação sobre como os “titãs” (os monstros são tratados por essa alcunha) ajudariam a humanidade ou ajudariam a preservar a vida no planeta. Há todo um núcleo de eco terroristas, liderados pelo personagem Jonah Alan (Charles Dance), que aliás, faz lembrar uma motivação meio Thanos, mas muito capenga. Tanto Jonah quanto seus capangas são ridículos, e não servem sequer para dar alguma importância aos humanos que certamente morreriam nas brigas dos monstros. É tudo melodramático e o roteiro subestima o espectador, fingindo que os inocentes conseguiriam evacuar a maior parte das cidades.

    Ao menos, da parte dos animais gigantes, há muita ação, embora haja menos tempo de tela que todo o resto do lenga lenga. A trama mostra Ghidora, Mothra, Rodan e outros monstros antes de  enfim estabelecer o retorno de Godzilla. Isso ocorre com pouco menos de uma hora de exibição. O quadro tinha chances de melhorar, mas obviamente a crescente é interrompida por mais dramas humanos desnecessários, chegando ao cúmulo de um dos cientistas “culpar” Mark por uma das derrotas do lagarto radioativo, basicamente porque ele torcia contra o monstro que matou seu filho caçula. Tirando toda essa baboseira, as lutas são ótimas, não há mais tanto predomínio de lutas em lugares escuros ou com fumaça/névoa e a tensão ocorre ao menos pela expectativa de destruição, pois se importar com os humanos beira o impossível.

    Godzilla II: Rei dos Monstros peca onde o novo O Predador acerta e tem êxito onde o filme de Shane Black fracassa. Se os personagens genéricos do longa de ação estivessem aqui, certamente seria um acerto e faria mais sentido dentro do desnecessário acréscimo de homens e mulheres como condutores da trama. O filme é desnecessariamente longo e dá vazão a teorias da conspiração bem risíveis, e termina com alguns bons ganchos para o conflito entre Godzilla e King Kong, mas a realidade é que este é menos justificado em trama que o anterior e que Kong: A Ilha da Caveira. Seria mais honesto dar mais tempo aos duelos entre titãs, e esquecer toda a perfumaria dos humanos, e espera-se que ocorra isso no próximo capítulo da saga que está agendada para 2020. É esperar para ver.

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  • Crítica | O Grande Mestre

    Crítica | O Grande Mestre

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    Filmes de luta são bacanas. Para muitos, irresistíveis, à beira da inspiração de se matricular na escolinha de caratê perto de casa para quebrar o cotovelo no primeiro golpe decente ou queda latente. Não é fácil ser Bruce Lee; mais árdua ainda é a tarefa  de seu próprio tutor. Um universo atraente, cujas habilidades podem ser a maior maldição imposta a um ser em constante luta— literalmente ou não  para se manter humano, rumo à sobrevivência impossível de se alcançar, uma plenitude linear de uma existência tão imprevisível. O Grande Mestre, mistura de O Tigre e o Dragão e Kill Bill junto a um charmoso clima noir, não debate, mas escancara as portas da trajetória de um fantasma social — verdadeiro nômade que precisa provar seu valor a quem não ousa duvidar dele e, mesmo assim, busca o desequilíbrio do próximo para alcançar a tal plenitude pessoal. Focando esta analogia urbana, visto que nas cidades é essencial ser 100% competente o tempo todo, fica fácil — até demais — captar as intenções por trás do escopo da projeção, certeiro feito os socos e pontapés coreografados em belas danças regidas pela lendária coreógrafa de lutas Yuen Woo-ping. Odes à brutalidade humana, revestida aqui da mais bela poesia irônica entre dor e antídoto, os quais são mascarados por ritmo, planos cênicos sobrenaturais de absoluta beleza, além de sonoplastia magnífica.

    Mas a piscina é rasa, e quem quer dar um mergulho fica com metade da cabeça sem se molhar. Isso se deve à nova tendência dos filmes de ação que não justificam todo o seu apreço publicitário, que é, hoje em dia, apostar num drama no estilo “novelão mexicano”, reduzido ainda mais ao que se deve expandir, e que efeito especial algum substitui. Não que um ótimo cuidado na dramaturgia não combine com o oposto, afinal ambos se atraem, seja na arte, seja na vida. Contudo, O Grande Mestre e seu diretor Wong Kar-wai são frutos imediatos deste novo galho experimental, que ainda tem muito a se ramificar, mas que já dá sinais de que não deve ir muito longe.

    Caso o espectador já tenha dado uma espiada prévia nos grandes filmes de ação de Seijun Suzuki e Akira Kurosawa, duas lendas do cinema asiático, sabe que há razões para duvidar deste falso épico que transborda efeitos de câmera lenta, filtros de captura de imagem e diegética exagerada mesmo para espetáculos faraônicos deste calibre. Saber contar uma história em meio à ação é um dom muito respeitável. Vários são os elementos bem coordenados por Wong para orquestrar a produção, porém são emissores e derivados de um audiovisual oco e de um gosto de “quero mais” desagradável, que pode ser saciado pelo recente 13 Assassinos, de Takashi Miike, um Épico japonês da gema, com o devido É maiúsculo junto a tudo de bom que a tecnologia oferece atualmente.

    É curioso e muito mais do que isso: triste constatar a conduta dos cineastas não americanos em aceitar a “americanização”. Um palavrão feio e de consequências horríveis, como é o caso do filme de Wong, uma controvérsia nada acidental de um produto oriental que teima ser ocidental, e que perde sua identidade ao tentar se adaptar a outro DNA. Tal influência não remete ou faz bem à essência do material, que vende a alma, na vontade de reconhecimento, através da identificação com a forma frenética de se fazer o cinema típico dos Estados Unidos e do Reino Unido. Então, sem comparações e por efeito de causa, apenas: será possível imaginar um filme de Mizoguchi com uma edição ao estilo de Hitchcock? Depois de três conhaques e uma sessão dupla de O Grande Mestre, eu não duvido. É melhor nem tentar…

    Pois por tentar fazer o Yojimbo do século XXI, restou a vontade; ao tentar refilmar O Tigre e o Dragão, sobrou a ambição; de captar a genialidade de obras como A Vida de um Tatuado, ficou o ímpeto de uma criança perdida num tatame de caratê pela primeira vez, sem saber direito o que socar nem o porquê, pois cresceu vendo, por meio da televisão, filmes de luta, querendo brincar da mesma maneira. É preocupante que a crença sobre um visual arrebatador se torne motivo suficiente para um filme arrebatador, e que esta preocupação não seja mais uma exclusividade restrita à cegueira cultural promovida à exaustão por Hollywood: ela começa a se propagar, oficialmente, com O Grande Mestre, do outro lado do hemisfério. O fim está próximo ou o solstício de certas práticas centenárias apenas avança ao epitáfio em prol da soberania dos cadetes da tecnologia?