Bem-vindos a bordo. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Filipe Pereira (@filipepereiral), Bernardo Mazzei, Bruno Gaspar, Caio Amorim e Rafael Moreira (@_rmc) se reúnem para comentar sobre a lista publicada no site sobre os piores filmes lançados em 2017 no Brasil.
Duração: 110 min. Edição: Caio Amorim Trilha Sonora: Flávio Vieira
Arte do Banner: Bruno Gaspar
Adaptação do livro homônimo de Jo Nesbø, o novo produto de Tomas Alfredson é um thriller sobre um assassino serial, que começa de uma maneira onírica para depois dar vazão a uma narrativa pouco parecida com o que o diretor vinha fazendo. Boneco de Neve tem problemas sérios quanto ao caráter de sua história e a abordagem de suas pretensões ambiciosas.
O elenco do filme é majoritariamente americano e inglês, contando com Michael Fassbender, Val Kilmer, J.K. Simmons, Toby Jones e Charlotte Gainsbourg. Após um epílogo mostrando um trauma na vida de um rapaz que assiste atônito sua mãe morrendo entendemos que toda a sequência inicial tinha por objetivo o choque, no entanto, o que se assiste é um momento extremamente constrangedor e sensacionalista.
Não demora até chegar no presente da história, mostrando o policial e detetive Harry Hole (Fassbender) lidando com suas inseguranças e com a sua família em ruínas. Harry se afasta de seu filho adotivo, Oleg (Michael Yates) e de sua ex-companheira Rakel (Gainsbourg), restando a ele basicamente seus dias na delegacia, junto com sua parceira Katrine Bratt (Rebecca Ferguson) além de suas noites depressivas e solitárias. O personagem é tão anestesiado que até a visita de um simples dedetizador se torna um evento, tendo nessa interação um dos muitos problemas do filme, uma vez que o sujeito chega a atirar na direção do exterminador de pragas e o mesmo leva numa boa o ocorrido, sem nem reclamar por possivelmente ter corrido risco de morte.
Os métodos utilizados pelo assassino em série são revelados de maneira bem rápida, tornando até o mistério em volta de identidade do mesmo em algo banal e óbvio. Não demora-se muito a intuir quem seria o sujeito por trás dos crimes misóginos, e a pergunta que fica é porque esse não foi um filme que se muniu das mesmas sutilezas de O Espião Que Sabia Demais e Deixa Ela Entrar. Para muito além de toda a boataria a respeito das falas de Alfredson após as críticas negativas que o filme recebeu, esse é claramente um produto de estúdio, se afastando demais do estigma de cinema autoral e isso se reflete até mesmo no uso bobo da computação gráfica, utilizado em cenas de assassinato dos homens que o assassino executou, normalmente com quadro absolutamente artificiais.
Apesar dos recorrentes tropeços dramáticos, o filme possui alguns bons momentos. As paisagens brancas da Noruega como um todo são ótimas, as participações de Fassbender e Ferguson são bastante satisfatórias. Apesar dos problemas de roteiro, a direção de atores de Alfredson é excelente, mesmo que a maior parte do elenco estrelado esteja lá mais para engrossar o cachê do que dar vida aos personagens de Nesbø. O problema é que o filme parece mal pensado, os trechos de thriller soam bobos e argumento faz lembrar de episódios absolutamente nefastos do subgênero filme de serial killer, se assemelhando muito ao longa A Cela e Rios Sangrentos. Tentando fugir de qualquer trocadilho, Boneco de Neve parece uma colcha de retalhos, tentando unificar elementos que claramente não se misturam, para formar um monstro de Frankenstein equivocado na maioria de suas propostas.
Vamos deixar bem claro, logo no início do texto, a informação mais importante sobre O Espião que Sabia Demais: trata-se de um filme absolutamente dedicado à espionagem.
Já sei o que você pode estar pensando.
“É óbvio que ‘O Espião que Sabia Demais’ é sobre espionagem! Todo mundo sabe disso!”.
Sim, meu amigo. Mas é justamente aí que você pode se enganar.
Quando se fala em espionagem no cinema, a associação mais comum é com filmes da série 007 ou, na última década e meia, com os episódios das franquias Missão Impossível e Bourne. Ou seja, filmes com algum – pouco – conteúdo relacionado à espionagem e imensas doses de ação.
“O Espião que Sabia Demais” não poderia ser mais diferente dos exemplos citados acima.
Gosta de tiroteios? “O Espião que Sabia Demais” não tem nenhum.
É fascinado por perseguições de carros em alta velocidade? Em “O Espião que Sabia Demais”, não há uma sequer.
Aprecia muita pancadaria e explosões? “O Espião que Sabia Demais” passa longe disso tudo.
Agora que as ressalvas foram feitas e você está advertido, vamos direto ao ponto: “O Espião que Sabia Demais” é uma das melhores películas lançadas nos últimos tempos.
O filme, como se sabe, é a adaptação do romance homônimo, escrito por John le Carré – um dos mais populares autores de romances de espionagem, responsável por títulos como O Espião que Veio do Frio, o Alfaiate do Panamá e O Jardineiro Fiel. Ele mesmo, ex-espião inglês.
Na trama, ambientada em 1973 – portanto, durante a Guerra Fria –, logo de cara somos informados que um dos integrantes do Circus, o alto escalão do serviço secreto da Inglaterra, é, na verdade, um agente duplo que vende informações para a KGB, a agência de inteligência da falecida União Soviética.
O personagem George Smiley (Gary Oldman), que curiosamente havia acabado de ser demitido do Circus, é contatado diretamente pelo gabinete do primeiro ministro e recebe uma missão: investigar o caso para descobrir quem é o traidor.
E é a partir daqui que o diretor sueco Tomas Alfredson – da excelente versão original de Deixe Ela Entrar – imprime seu ritmo: toda a trama é construída lentamente. Passo a passo. Não há cortes bruscos, nem tempo narrativo acelerado. Pelo contrário. A história flui num ritmo caudaloso que muitos, certamente, poderão considerar arrastado.
Mas não caia nessa.
Alfredson sabe exatamente o que está fazendo. Ele dita um ritmo cadenciado e contínuo – com algumas idas e voltas no tempo – para construir um mistério que é impenetrável para quem está assistindo. Acredite: a menos que tenha lido o livro, você dificilmente descobrirá quem é o traidor antes do filme chegar ao fim.
Por ter esse andamento, as cenas de maior violência – sim, elas existem – são impactantes quando surgem na tela.
E aqui há um ponto muito importante: este filme é exigente com quem o assiste. Se o espectador resolver deixar a sala por dois minutos para ir ao banheiro ou comprar pipoca, corre o imenso risco de perder o fio da meada e ficar confuso em relação à trama. Logo, faça tudo isso antes do filme começar. “O Espião que Sabia Demais” pede atenção absoluta.
Os planos são longos e, em boa parte das vezes, estáticos. Os movimentos de câmera, quando acontecem, são incisivos, mas ao mesmo tempo discretos: aproximações , afastamentos e deslocamentos laterias.
A composição é primorosa. Cada cena é construída com grande cuidado. A fotografia é do suíço Hoyte Van Hoytema, que já havia trabalhado com Alfredson em “Deixe Ela Entrar” e também cuidou da imagem de O Vencedor. Perceba como o trabalho dele, associado ao figurino e à cenografia, remetem imediatamente ao visual europeu da década de 1970.
Em alguns momentos, a impressão que se tem é que estamos assistindo – pelo menos em termos estéticos – imagens de O Dia do Chacal, de Fred Zinnemann – não por acaso, adaptação de outro clássico da literatura de espionagem, este de Frederick Forsyth.
Atenção especial à sede do então MI6 – atual SIS, sigla que designa a inteligência britânica. O marrom e seus matizes, além das prateleiras, mesas e arquivos de pastas dominam o ambiente, dando ao local uma inevitável cara de repartição pública. O estoicismo de alguns planos é reflexo da imensa burocracia que aquele local deixa transparecer.
E no meio de um time espetacular de atores – John Hurt, Colin Firth, Mark Strong, entre outros – Gary Oldman rouba praticamente todas as cenas. É impressionante a postura de contenção que ele imprime ao espião George Smiley. O personagem, mesmo nos momentos de solidão em casa, parece viver num mundo de autocontrole e ordem. Em apenas um ou dois momentos do filme ele ameaça ceder para, logo em seguida, recuperar o controle absoluto que tem sobre si mesmo.
E se você acha impossível associar Julio Iglesias – ele mesmo. Aquele cantor espanhol brega que sua avó provavelmente adorava – à espionagem, espere até o fim do filme. Você vai se surpreender.
E aqui, ao fim do texto, vale relembrar a explicação do início: “O Espião que Sabia Demais” é um filme de espionagem.
Catalogar Deixa Ela Entrar como um filme de vampiro é simplificar os temas alvitrados pelo diretor Tomas Alfredson. O longa propõe uma reflexão sobre as aflições da pré-adolescência, como a descoberta do primeiro amor e a solidão de não ser compreendido nessa fase da vida.
Baseado no livro de John Ajvide Lindqvist, que também assina o roteiro, a trama mostra uma love story inusitado entre dois púberes envoltos em uma espécie de crise existencial de melancolia e isolamento social. Oskar (Kåre Hedebrant) é um garoto solitário perseguido na escola por um grupo de valentões. Seus pais são divorciados e não lhe dão a atenção necessária. Ele passa o tempo fazendo recortes sobre assassinatos nos jornais locais. Em uma certa noite, ele conhece Eli (Lina Leandersson), que acabou de se mudar para seu prédio. Ela também demonstra um comportamento similar. Percebe-se que são almas gêmeas. Desse encontro inusitado nasce uma amizade e uma empatia emocional, que se torna paixão.
O diretor Tomas Alfredson não cai nas armadilhas do melodrama. Ele mantém um tom de distanciamento através de vários recursos técnicos, como a ausência de cores fortes. As longas tomadas invocam a solidão dos personagens. O frio e a neve contrastam com o concreto e as ruas propondo um encarceramento das relações humanas, que sofrerá uma ruptura através da afinidade de Oskar e Eli.
A abordagem realista resulta em um filme extremamente verdadeiro, mesmo tendo todas as costumeiras tradições de filmes sobre vampiros. Essa busca pelo real fica mais evidente pela opção de Alfredson ao inserir a violência em um ambiente doméstico e familiar para o espectador. Lirismo e brutalidade caminham lado a lado provocando uma colisão entre o fato e a fantasia. O desempenho da dupla de jovens atores corrobora essa intenção.
Em um primeiro momento, Deixa Ela Entrar parece ser um típico filme de terror. Na verdade, é um filme sobre a alienação social, amizade e amor, interpretado por crianças e direcionado ao público adulto.