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  • Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” – Biblioteca Don Rosa

    Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” – Biblioteca Don Rosa

    O segundo volume da série Biblioteca Don Rosa, Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” é um dos livros mais interessantes publicados pela recém-extinta divisão de quadrinhos Disney da Editora Abril. Nele, vemos uma época da carreira de Keno Don Rosa em que embora ele estivesse mais confortável com os personagens, histórias e arte, também precisou passar por questões editoriais alheias à sua vontade. As histórias desse volume datam de outubro de 1988 até junho de 1990, e foram publicadas por editoras diferentes e em países diferentes, o que fez com que o autor tivesse que se submeter a alguns contratempos que, mais tarde com a carreira já consolidada, ele provavelmente não aceitaria. Assim, temos histórias que contam com o talento de outros artistas e escritores, em uma co-produção inclusive com o próprio Carl Barks!

    A primeira história, “O caçador de crocodilos”, segue a fórmula favorita de Don Rosa, que é a de aventuras de exploração e caça ao tesouro. A trama contém várias referências às histórias antigas de Barks, incluindo o incrível zoológico do Tio Patinhas mostrado na edição Em Busca do Unicórnio,  da coleção O Pato Donald por Carl Barks, publicada pela mesma editora. Na trama, baseada em uma ilustração de capa feita por Barks, Donald e os sobrinhos partem em uma aventura no Egito para encontrar um raríssimo crocodilo. Em seguida, temos Fortuna nas rochas, uma história curta em que Don Rosa usa seu conhecimento sobre geologia adquirido na faculdade para fazer piadas e trocadilhos com pedras (que se perdem na tradução). Mas a terceira história é a que, de longe, chama mais a atenção!

    Volta à Quadradópolis é a primeira continuação direta de uma obra de Barks, dando sequência à história Perdido nos Andes (também publicada na outra coleção). Vale notar o cuidado da tradução em manter os mesmos termos usados na coleção Carl Barks, incluindo a música que Donald havia ensinado aos nativos de Quadradópolis (corrigindo um equívoco ocorrido na última republicação das duas histórias, em Disney Big nº 05). A família Pato retorna aos Andes – dessa vez acompanhados de seu rico tio – para devolver as galinhas quadradas ao seu habitat natural, mas são perseguidos pelo Pão-Duro Mac Mônei, mais uma vez brilhantemente usado como vilão da história. É interessante a forma como Don Rosa representa o impacto cultural que pode ser gerado quando uma inóspita tribo é visitada por membros do chamado “mundo civilizado”, e o quanto de aculturação pode resultar do processo.

    Entre as outras histórias do volume (algumas curtas, centradas em uma piada), vale destacar mais quatro: Um pato vendo estrelas, Sua majestade Patinhas, Viagem no tempo e Ratos, sigam-me!, cada uma por um motivo diferente e igualmente interessante.

    Um pato vendo estrelas nunca foi finalizada, e é apresentada em sua forma de roteiro, com os esboços do próprio Don Rosa. Trata-se de uma peça publicitária, onde Donald e os Sobrinhos visitam o parque Disney-MGM. É a única história de Don Rosa em que Mickey aparece, aqui como uma celebridade dos cinemas (o universo do camundongo não existe nas histórias de Rosa). A história foi engavetada na época e é apresentada de forma crua, possibilitando ao leitor entender como o autor trabalha seus roteiros.

    Sua majestade, Patinhas mostra um pouco do passado de Patópolis quando o Tio Patinhas resolve transformar o Morro Matamotor, onde reside sua Caixa-Forte, em um país independente. A história lida com questões de imigração e impostos, e embora sua premissa seja ingênua à princípio, vemos várias camadas de assuntos sérios e relevantes sobre economia, geopolítica e sociedade, disfarçados de piadas infantis. Alguns elementos dessa história seriam reapresentados mais tarde na épica Saga do Tio Patinhas.

    Viagem no tempo é  uma história bobinha de quatro páginas que merece atenção por algumas curiosidades. Primeiro: não foi desenhada por Barks, o que nos salta logo de cara. Segundo: carrega a marca DuckTales, e apresenta os personagens de uma forma muito diferente do que Don Rosa estabeleceu em suas publicações. Em várias entrevistas e em matérias autobiográficas, Rosa afirma que apenas escreve histórias que possam ser uma continuidade do que Barks fez, recusando a desenhar personagens como o Peninha, por exemplo, que não foi criado pelo Homem dos Patos. Pois bem: nesta história ele escreve para nada menos do que TRÊS personagens criados para a série de TV! O mordomo Leopoldo, o garoto pré-histórico Bubba e o atrapalhado Capitão Bóing, além da Mansão Patinhas abrigar os sobrinhos como estabelecido na série. Aparentemente, Don Rosa é um homem de plenas convicções artísticas apenas quando não precisa de dinheiro…

    Em Ratos, sigam-me!, vemos algo singular: o autor se apropria de um antigo roteiro não finalizado de Carl Barks e desenvolve sua trama, baseada no clássico O flautista de Hamelin. Assim, essa é a única história feita, de certa forma, em conjunto pelos dois grandes artistas!

    Tio Patinhas e Pato Donald: “Volta a Quadradópolis” é um daqueles volumes cheios de gratas surpresas e curiosidades, que remonta a uma fase um tanto conturbada na carreira do autor e mesmo assim prende nossa atenção, tanto pelas ótimas histórias quanto pelas curiosidades de bastidores.

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  • Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol” – Biblioteca Don Rosa

    Resenha | Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol” – Biblioteca Don Rosa

    Quadrinhos Disney costumam ser vistos pelo grande público como uma forma de escapismo simples e divertida, sem grandes nuances e, por vezes, até meio ingênua. Vez ou outra surge algum grande artista que resolve colocar um pouco mais de esforço em suas histórias e se dedica a trazer algo além do mero escapismo. Foi o caso de Carl Barks, nos anos de 1940 em diante, que criou grande parte do que conhecemos hoje nas histórias do Pato Donald e marcou gerações de leitores. Seguindo sua linha de narrativa e explorando os personagens desenvolvidos por Barks, nos anos de 1980 desponta aquele que seria aclamado pelo público como seu “sucessor espiritual” nas revistas dos patos. Keno Don Rosa era fã de quadrinhos desde criança, e afirmava ter se preparado a vida inteira para escrever uma única história do Tio Patinhas. Em julho de 1987 essa história foi publicada, e claramente não foi a única: muitas vieram depois e Rosa consagrou-se como um dos grandes artistas Disney!

    Em outubro de 2017 a Editora Abril publicou pela primeira vez no Brasil o primeiro volume da série que se propõe a compilar cronologicamente todas as histórias Disney em que Don Rosa trabalhou. Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol” – Biblioteca Don Rosa é um álbum luxuoso não só para os padrões de quadrinhos Disney publicados mensalmente no país, mas para o mercado de graphic novels como um todo. O livro apresenta histórias de julho de 1987 a agosto de 1988, com notas do autor e a primeira parte de sua autobiografia. A primeira história é a que dá nome ao volume (O Filho do Sol), e é uma releitura de uma hq que Rosa tinha produzido para um fanzine em sua juventude. A história traz tudo que uma aventura dos patos deve ter: ação, aventura, comédia, uma civilização perdida, tesouros… E um vilão que, nas mãos de Don Rosa, ficou realmente assustador: Pão-Duro MacMônei, que não só usa suas artimanhas e trapaças para ludibriar a equipe do Tio Patinhas como claramente ameça assassiná-los em determinado momento. A cena em que o vilão aponta uma arma para seus rivais em um avião em pleno voo passa uma emoção ímpar aos leitores, e realmente tememos pelas vidas dos protagonistas emplumados.

    Rosa segue à risca a cartilha de Barks, tratando os personagens não como patos verdadeiros, mas como uma representação da condição humana. Sua arte, muito detalhista e um tanto fora dos padrões Disney, dá o tom mais sério das histórias quando necessário. Em suas 200 e poucas páginas, vemos o autor explorar várias nuances de histórias clássicas do Tio Patinhas e Pato Donald, tanto nas histórias longas, nas curtas e nas piadas de duas páginas. Elementos clássicos como o carro 313, os Escoteiros Mirins, o vizinho rabugento Silva e o primo sortudo e presunçoso Gastão ganham o mais próximo de uma versão “definitiva” nas mãos talentosas do quadrinista. Embora esse primeiro volume ainda não apresente uma continuação direta de alguma história de Carl Barks, existem vários elementos do Homem dos Patos apresentados como homenagem, assim como a dedicatória que Don Rosa procurava esconder na maioria das suas histórias (D.U.C.K., sigla em inglês para “Dedicado ao Tio Carl, por Keno”). A preocupação com a continuidade das histórias, como num universo coeso cronologicamente, faz com que todas elas sejam ambientadas aproximadamente na década de 1950, o que se reflete nos hábitos e costumes dos personagens e na tecnologia que é por eles utilizadas – não há computadores ou celulares por perto!

    O último trenó para Dawson é a mais tocante das histórias. Nela, vemos um pouco do passado do pato quaquilionário e sua juventude vibrante, que contrasta muito com a sua personalidade sovina adquirida na velhice. Essa história faz uma ponte com A Saga do Tio Patinhas, épico de Don Rosa que será republicada na coleção.

    O álbum foi editado de forma muito parecida com a versão original, o que deve ter sido um árduo trabalho de negociação com o próprio Keno Don Rosa – que nunca estivera antes satisfeito com a forma que suas histórias eram publicadas. Todas as notas sobre todas as histórias, o prefácio e a biografia do autor foram escritas pelo próprio artista. O trabalho de tradução e letreiramento estão realmente muito bons, embora, por ser uma edição que se propõe definitiva, talvez algumas decisões editoriais como traduzir a moeda americana para “pataca” ou o sobrenome do velho tio para “MacPatinhas” ao invés de McPato (popularizado pela série de TV DuckTales) pudessem ter sido evitadas, como a Panini tem feito com personagens DC que tiveram nomes adaptados no passado. Mas esses são pequenos detalhes que, de forma alguma, alteram a grandiosidade da obra e a importância de sua publicação em terras brasileiras.

    Compre: Tio Patinhas e Pato Donald: “O Filho do Sol”.

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