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  • Resenha | Perdido em Marte – Andy Weir

    Resenha | Perdido em Marte – Andy Weir

    Perdido em Marte - Andy Weir - capa

    “Estou ferrado.
    Essa é a minha opinião abalizada.
    Ferrado.
    Seis dias após o início daqueles que deveriam ser os dois meses mais importantes da minha vida, tudo se tornou um pesadelo.
    Nem sei quem vai ler isto. Acho que alguém vai acabar encontrando. Talvez daqui a cem anos.”

    E é assim que conhecemos o protagonista, Mark Watney, um astronauta que, assim como seus companheiros na missão, tinha duas especialidades. No seu caso, ele era botânico e engenheiro mecânico. Como ele próprio se define, “um faz-tudo que brinca com plantas”. O leitor é apresentado a ele em meio a uma crise. Há seis dias, Watney foi abandonado em Marte durante uma tempestade de areia. Após ser arrastado – e perfurado – por uma antena, foi dado como morto por seus colegas, já que o traje espacial avariado parara de enviar seus sinais vitais.

    A partir daí o leitor acompanha a clássica jornada de um homem sozinho em ambiente hostil, lutando por sua sobrevivência. Só que não. De clássica, a jornada tem apenas sua estrutura, pois, de resto, o autor faz uso de uma originalidade, de recursos estilísticos e de linguagem que tornam a história bastante incomum. Para os fãs de sci-fi, lembra demais O Guia do Mochileiro das Galáxias, de Douglas Adams, pela capacidade de “entupir” o texto de cientificismos sem, entretanto, deixá-lo maçante ou ininteligível. Ambos usam o humor e o sarcasmo como ótimo contraponto ao teor científico da narrativa. Só que enquanto Adams pende mais para o humor, Weir carrega a tinta no sarcasmo. E é divertido demais de ler.

    “Mudando de assunto, hoje é o Dia de Ação de Graças. Minha família deve estar reunida em Chicago para o jantar de sempre na casa dos meus pais. Imagino que não esteja sendo muito divertido, já que morri há dez dias. Caramba, não faz muito tempo que eles saíram do meu funeral.
    Fico pensando se algum dia vão descobrir o que realmente aconteceu. Tenho estado tão ocupado tentando me manter vivo que nunca pensei no que meus pais devem estar passando. Neste momento, estão sentindo a pior dor que alguém pode suportar. Eu daria tudo para avisá-los que ainda estou vivo.
    Vou precisar sobreviver para me redimir.”

    A história basicamente é contada em primeira pessoa, pelo próprio Watney, ao atualizar o diário de bordo da missão com vídeos quase diários. Já seria interessante o bastante se fosse apenas isso, já que a formação científica do personagem torna-o bastante detalhado e didático em suas explicações.

    E seu humor bastante ácido é o complemento perfeito. Mas é lógico que qualquer leitor, assim como o personagem, se pergunta: “Mas e a Nasa? E seus companheiros de missão? será que alguém sabe que Watney não morreu?”. Nesses trechos – que são poucos e breves, felizmente – o narrador em terceira pessoa dá aquele gostinho ao leitor, de saber algo que o protagonista (ainda) não sabe.

    Como em toda boa jornada, a história de Watney é uma sucessão de conflitos/problemas a serem resolvidos com alguns momentos esparsos de calmaria. A probabilidade de as coisas darem errado é aumentada exponencialmente, tanto pelo ambiente inóspito em que ele se encontra quanto pela escassez de recursos, sejam eles para sobrevivência sejam para colocar em prática as ideias criativamente malucas que o personagem tem – por exemplo, acender um fogo dentro do veículo espacial. Por outro lado, acompanhamos a equipe em terra queimando neurônios para encontrar soluções viáveis para resgatá-lo antes que ele morra por inanição.

    Há comentários de leitores reclamando de que diário de bordo do protagonista é nerd de mais e dramático de menos. Ora bolas! O personagem “é” um nerd – significando alguém aficionado por um assunto a ponto de estudá-lo extensiva e ostensivamente. Um astronauta não é uma pessoa comum, no sentido de ser mediano, com conhecimentos, motivações e reações medianos. Obrigatoriamente, o astronauta tem de ser alguém “fora da curva”. E esse fora da curva implica em ser mais pragmático que dramático em situações limítrofes. Watney até tem seus cinco minutos de drama, que estão bem descritos logo no início do livro. Mas a sua natureza nerd logo prevalece e o faz tomar as rédeas da situação.

    “Supondo que eu não faça nenhuma merda com a hidrazina, ainda resta a questão da queima do hidrogênio. Vou acender uma fogueira. Dentro do Hab. De propósito.
    Se você perguntasse a qualquer engenheiro da Nasa qual seria a pior hipótese para o Hab, eles responderiam: ‘Incêndio”. Se você perguntasse qual seria o resultado, eles responderiam: ‘Morte por carbonização’.
    Mas se der tudo certo, vou estar produzindo água de modo contínuo, sem a necessidade de armazenar hidrogênio nem oxigênio. Ela será liberada na atmosfera como unidade, mas o reaproveitador de água irá coletá-la.”

    Para quem apenas assistiu ao filme, dirigido por Ridley Scott, tem-se a impressão de que é só uma versão de O Náufrago no espaço. Mas o livro é muito, muito mais que isso. Como adaptação, o filme consegue até ser fiel ao livro, na medida do possível. Afinal, é impraticável espremer em duas horas toda a saga do personagem. A essência dele não se perde, mas sua verve sarcástica e desbocada fica amenizada (e muito!). Perde-se toda a parte “científica” das atividades de Watney, suas reflexões, suas constantes críticas ao gosto musical e televisivo duvidoso de seus colegas de missão, seus debates solitários sobre o que fazer e como resolver cada um dos problemas que vão surgindo. E é justamente isso que deixa a narrativa envolvente. O autor consegue juntar humor, drama e suspense na medida certa de forma que é quase impossível largar a leitura antes do final.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Viúva Negra – Vol. 1

    Resenha | Viúva Negra – Vol. 1

    Viuva Negra (Nova Marvel) - capaCriada como uma das vilãs de Homem de Ferro, a personagem de Natasha Romanoff passou por mudanças eventuais nestes últimos anos devido ao sucesso do universo Marvel nos cinemas. A Viúva Negra sempre participou de histórias diversas desde sua criação e posterior mudança de status quo ao se tornar uma Vingadora. No início da década passada, estrelou edições especiais e duas revistas próprias, cancelada com poucos números. Sua visibilidade surgida desde Homem de Ferro 2 garantiu mais uma revista em momento oportuno, situada na segunda fase da Era Nova Marvel intitulada Totalmente Nova Marvel, época em que a personagem se destaca como uma das grandes heroínas da editora.

    Nathan Edmondson, que também assina a nova fase de Justiceiro em Justiceiro: Preto e Branco, é o responsável pelo roteiro, enquanto os desenhos ficam a cargo de Phil Noto. Como a maioria das edições desta nova fase busca um ponto de partida, a história apresenta Natasha tentando reparar seus erros do passado como agente da KGB, aceitando missões em que possa ajudar a manter a paz mundial, seja com extermínio de ditadores ou de outros homens com alto grau de peliculosidade. Ao seu lado, um advogado serve como apoio, cuidando das transações bancárias e do background da ação em cada local de origem, um planejamento que Viúva intitula de teia: um estudo sobre o local da missão, bem como um ambiente para se esconder após concluí-la.

    Lançado em encadernado pela Panini Comics, este primeiro volume compila as seis primeiras edições desta nova fase. As tramas são narradas pela própria personagem, vivendo um conflito interno sobre a potência de seu trabalho e a criação de possíveis laços, afastando-se, até mesmo, de uma gata de rua, para manter a frieza como espiã. Assim, as tramas acompanham missões de Natasha pelo mundo.

    Para uma das espiãs mais letais da Marvel, Edmondson comete o mesmo erro de concepção em suas histórias de Justiceiro, como se não conhecesse, de fato, a personalidade do personagem central. Natasha não transparece confiança, muito menos alta inteligência. As narrações apresentadas ao leitor soam pueris, e não de alguém com um histórico poderoso e dramático profissionalmente. Nenhuma história tem enfoque ativo na espionagem, e ainda nos coloca em dúvida se situarmos tais tramas no contexto geral envolvendo Os Vingadores: diante de um cenário em que a personagem claramente é uma mercenária de aluguel, como sua equipe de heróis reagiria diante disso? Parece incongruente e, ainda assim, o roteiro nem mesmo se questiona a respeito, nem demonstra sua faceta como Vingadora.

    Se o roteiro se mantém tão morto quanto a outra obra do autor no estúdio, a arte é o grande destaque. Compondo em tons pasteis, Noto produz um visual diferente dos quadrinhos tradicionais, com cores mais claras do que de costume, que harmonicamente completam belos painéis detalhados mas sem excessos. Quadros limpos contendo somente a informação necessária e bem equilibrada em cores harmônicas, nas quais o vermelho se destaca devido à associação com a personagem central.

    Dentro do universo dos Vingadores, a Viúva Negra chama a atenção como uma super-espiã com poucos superpoderes. Em sua trajetória, conta somente com modificações corporais na época em que atuava na KGB, dando-lhe maior habilidade e resistência. Em outras palavras, é quase como uma heroína humana. Tal argumento é um fator interessante que poderia ser explorado com mais atenção, demonstrando como uma personagem com menos poder letal se destaca para se tornar uma vingadora, bem como ter aproveitado o background da personagem e inseri-la em boas tramas de espionagem.

    Tais possibilidades são deixadas de lado pelo roteirista, que opta por tramas voltadas para a ação de uma agente que não aparenta perícia em nenhuma de suas artes e ainda se apresenta ao público com dúvidas risíveis de existência. Uma história que apenas merece destaque graças à arte de Noto, visualmente notável.

    Viuva Negra Nova Marvel - 01

  • Resenha | Três Dedos: Um Escândalo Animado

    Resenha | Três Dedos: Um Escândalo Animado

    tres-dedos-capaUma das histórias em quadrinhos mais surpreendentes e interessantes que li nos últimos tempos: Três Dedos: Um Escândalo Animado, do autor Rich Koslowski, publicada no Brasil pela Gal Editora. Em Três Dedos a história é ambientada em uma realidade distópica na qual os “animados” (Mickey Mouse, Pernalonga, Patolino etc.) vivem na mesma sociedade que as pessoas, ou seja, eles existem de fato, não se tratam de criações ficcionais e, além disso, vivem no subúrbio dessa sociedade, são párias e excluídos dentro desse complexo e engraçado mundo. Até que Rickey Rat (isso mesmo, trata-se do nome verdadeiro de Mickey) se destaca e consegue sair da periferia e fazer grande sucesso em um mercado que pertencia unicamente às pessoas comuns, vamos dizer assim. E, após isso, ele abriu as portas para outros animados que também passaram a fazer parte do showbiz e tiveram uma valorização que nunca tinham conhecido até então.

    Mas a que custo? Esse é justamente o tema da HQ. Já na capa, a figura de Rickey, com um copo de tequila, um charuto na mão e um ambiente de decadência já mostra que a vida desses artistas animados não se tratou de um grande mar de rosas onde tudo deu certo. Aliás, há muitos segredos e muitas histórias mal contadas entre todos esses animados que fizeram sucesso, mas que, no momento em que a história se passa, estão velhos e decadentes. Alguns estão, inclusive, em sanatórios devido a graves danos cerebrais causados por sucessivas pancadas (quem já assistiu minimamente desenhos na vida é capaz de adivinhar quem seria esse). E a grande questão é investigar o que ficou conhecido como “o ritual”, que seria algo como uma ação necessária para os animados fazerem sucesso. Mais do que isso e eu poderia estragar o prazer de ler essa grande HQ.

    tres-dedos-1Em relação à narrativa há alguns elementos bastante interessantes. Em primeiro lugar, toda a história é contada como se fosse a gravação de um documentário. Assim, o narrador poderia ser considerado como o diretor que conduz a investigação e as entrevistas com os animados, os quais poderiam melhor elucidar sobre a questão do ritual. Com isso, o autor vai nos mostrando as “verdadeiras” personalidades de todas as figuras que nos acostumamos a ver com alegria e satisfação na TV. A ideia é mostrar a realidade por trás de personalidades famosas, como se descortinássemos a vida íntima de atores e atrizes que povoam filmes e novelas. Portanto, o autor criou um modelo fácil e bastante atraente para nos contar uma história, e que também difere da maioria das histórias em quadrinhos.

    Esta abordagem também faz com que o leitor tenha uma interação bastante interessante com a HQ, uma vez que você se sente como o próprio condutor do documentário e do gibi (para todos aqueles que não gostam dos termos gibi, revistinha ou outras formas que consideram depreciativas, e que por excesso de zelo preferem História em Quadrinhos ou terminologias mais rebuscadas, busquem se preocupar com coisas mais sérias). Quando uma personagem é entrevistada, não existem “balões” de pergunta, apenas a resposta do entrevistado, o que intensifica essa relação com a narrativa e, usando uma expressão da moda, a “quebra da quarta parede” (outro preciosismo dos dias de hoje).

    tres-dedos-2Sobre a arte é interessante notar o formato da HQ, widescreen, ou seja, mais alongado no comprimento do que na altura, contribuindo para a sensação de assistir a um documentário televisivo ou cinematográfico. Toda a arte é feita em preto e branco, o que confere um ar mais pesado e sério que cai muito bem com a proposta do gibi. Traz uma sensação mais sombria, que é fundamental para determinadas passagens da história contada naquelas páginas, já que algumas revelações não são tão alegres e festivas como os desenhos que acompanhávamos na TV.

    Sendo assim, fica a indicação de uma HQ que traz um tema bastante diferente e corrobora com a possibilidade de se utilizar o formato de história em quadrinhos para contar os mais variados tipos de histórias e temas. Essa HQ prova que não somente heróis e super seres compõem o universo dos quadrinhos. Enfim, se quiser investir em algo diferente, mas de grande qualidade, não pense duas vezes: corra atrás de Três Dedos: Um Escândalo Animado.

    Texto de Autoria de Douglas Biagio Puglia.

  • Resenha | Cavaleiro da Lua – Vol. 2

    Resenha | Cavaleiro da Lua – Vol. 2

    Cavaleiro da Lua - 2 - capaO segundo volume encadernado lançado pela Panini Comics, da fase Totalmente Nova Marvel de Cavaleiro da Lua, confirma a especulação proposta na análise de Cavaleiro da Lua nº1 ao afirmar que o início de Warren Ellis foi um primeiro movimento para fundamentar a personagem através da ação e conquistar os leitores.

    A partir dessa edição que compila os números 7 a 12, os roteiros são assinados por Brian Wood (Vikings) e a arte alternada entre Giuseppe Camuncoli e Greg Smallwood. Graficamente, a concepção permanece a mesma, com Marc Spector e seus diversos alter egos em figurinos brancos, sem nenhuma coloração. O padrão de cada página também se mantém com uma quantidade maior de quadros, priorizando a ação visual.

    As primeiras duas histórias do encadernado aparentam um desfecho evidente mas simbolizam um movimento novo para para a personagem. Devido a uma incursão de resgate realizada pelo herói, Marc Spector se torna procurado da Justiça e, por isso, perde o totem de seus poderes. Esta citada história, Retalhador, merece destaque pela narrativa, desenvolvida somente com registros de aparelhos eletrônicos, câmeras de vigilância e celulares, em um estilo found footage, recuperando a ação dos acontecimentos a partir destas gravações. Considerando que Ellis foi o primeiro roteirista dessa fase e também fez movimento parecido na década de noventa em Stormwatch, é possível que Wood tenha se inspirado nesta história para produzir este estilo ousado e capaz de manter um bom apelo gráfico.

    Se inicialmente o Cavaleiro tinha um status quo heroico, neste volume ocorre sua desconstrução. Seus poderes são negados pelo deus da lua Konshu. Acusado do ataque terrorista que tentou impedir, Spectre é preso e se vê obrigado a se salvar sem a força da entidade. O drama ajuda a desenvolver a personalidade da personagem, aspecto que, normalmente, se desenvolve somente em seus casos esquizoides. Ainda que seja um argumento característico dos quadrinhos, o herói obrigado a viver sem seus poderes, a trama se sustenta pelo carisma bem desenvolvido nesta fase, demonstrando como foi certeiro o planejamento de atrair o público pela ação e, em seguida, desenvolver uma trama maior sobre poder e queda.

    Esta fase se conclui no próximo encadernado, porém é notável o quanto os dois roteiristas até aqui conseguiram reafirmar a personagem dentro da Marvel em uma abordagem que fugiu de um grande evento espetacular. Focando em uma ação precisa e sendo pontual em abordar o drama para destacar o personagem.

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    O Cavaleiro da Lua 2 - 01