Tag: Anne Fontaine

  • Crítica | Marvin

    Crítica | Marvin

    Marvin trata de pessoas comuns, usando o exemplo do seu personagem-título, um jovem que nasce dentro de uma família bastante pobre, moradora de uma aldeia no interior da França e beneficiária de auxílios do governo para subsistir. Nesse ínterim, ele começa a dar vazão aos seus sentimentos e desejos por pessoas do mesmo sexo, já criança e tem que lidar com a culpa proveniente do conservadorismo muito comum entre as pessoas mais simples, tendo de driblar o complexo processo da puberdade e seus demônios internos, além dos olhares e violências infelizmente comuns a uma sociedade retrograda como a da atualidade.

    O filme de Anne Fontaine – de Agnus Dei e Coco Antes de Channel – não poupa seu espectador dos abusos que ocorrem com Marvin e com os que o orbitam, sem evidentemente ser explícito com relação aos abusos, agressões e assédios. O roteiro é inteligente e consegue transitar bem entre a infância tímida, onde o protagonista é alvo de uma série de preconceitos e rejeições, até a puberdade, onde ele conhece o teatro e sua vocação artística.

    A segunda metade mostrando a vida mais madura do personagem perde um pouco de fôlego e força, dependendo demais do intérprete do personagem mais velho, Finnegan Oldfield. Apesar do desempenho sensacional do ator, a maior parte das situações que ocorrem nesse momento guardam poucas ou nenhuma emoção realmente destacável.

    Ao final há um pouco de resgate do caráter inicial de Marvin, com o personagem conversando com seu pai no novo ambiente em que vive, sob uma nova perspectiva, e por ter conseguido o que sempre buscou há um novo encarar da situação vista pelo seu parente. O roteiro aqui usa da obviedade para fazer duras críticas a hipocrisia vigente no olhar comum da população e na criação de expectativas que normalmente ocorrem entre gerações.

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  • Crítica | Agnus Dei

    Crítica | Agnus Dei

    A filmografia da diretora Anne Fontaine é relativamente pequena mas já possuía um filme com pano de fundo histórico (Coco Antes de Channel), mas a considerar seu trabalho pregresso é curioso pensar que nenhum de seus filmes anteriores retrata uma situação tão real e terrível mas de maneira simples, contando muito de sua narrativa quase sem qualquer recurso sonoro e através de uma decupagem sutil como em Agnus Dei.

    Na trama baseada em fatos reais, em dezembro de 1945 na Polônia, uma médica francesa da cruz vermelha, Mathilde Beaulieu (Lou de Laâge), é chamada por uma noviça, em segredo, para socorrer uma freira grávida em seu convento, apesar de não falar polonês Mathilde se prontifica em ajudar mesmo assim. Após a segunda visita ao mesmo lugar ela percebe que não se tratava apenas de uma Irmã grávida mas de algumas numa série de estupros que ocorreram ali durante a guerra.

    A dualidade entre a fé e a vida mundana dentro de um convento é muito abordada nos diálogos entre Mathilde e a Irmã Maria (Agata Buzek) devido ao ocorrido ali, e por consequência é muito difícil definir se a narrativa do filme favorece o ponto de vista de algum dos dois lados devido a sua edição muito bem recortada que divide e junta essas duas histórias fazendo que você queira apenas que aquela situação se resolva de alguma forma, de certa maneira fazer que simplesmente acompanhemos ela até sua conclusão é um grande mérito narrativo.

    É claro que o que temos na tela se trata de um drama mas ele descarta por quase que completo todo tipo de recurso de trama que salte os olhos acompanhado de uma trilha sonora forte que tome conta da cena. Os momentos pontuais em que alguma trilha é tocada vem trazer algum tipo de mudança no clima em que a história se passa, recurso esse que talvez possa lembrar algo feito pelo próprio diretor Krystof Kieslowski.

    Na verdade passamos a maior parte do filme ouvindo pequenas passagens de coral de canto gregoriano, que ilustram bem a capacidade de produzir algo tão tranquilo numa situação tão atormentada. O mesmo vale para as locações e fotografia do filme, são sutis as tomadas que mostram a presença da médica Mathilde iluminada na escuridão, como aquela esperança que o convento precisava naquele momento, além de suas florestas e pequenas tomadas em vilas completamente consumidas pelo inverno, tornando quase todo o filme tomado por branco em sua paleta na maioria das cenas, ilustrando muito bem aquelas pequenas semanas de calma que não durariam muito tempo.

    Utilizar-se de outra época para ilustrar algo de seu tempo é um recurso muito presente há décadas e Agnus Dei não é exceção. O filme retrata a ambivalência de algumas pessoas que retiraram vida e esperança de um momento brutal e talvez esteja longe e perto da nossa realidade.

    Texto de autoria de Halan Everson.