Tag: Nicolas Winding Refn

  • Review | Too Old To Die Young – 1ª Temporada

    Review | Too Old To Die Young – 1ª Temporada

    Durante a produção de sua série, Nicolas Winding Refn disse que a TV está morta, criticando a falta de conteúdo, mas também a forma de consumo de mídia nos serviços de streaming, maratonar séries. Afirmando que as pessoas não conseguem consumir e absorver tanta informação rapidamente, em sua Too Old Die Young o público teria o seu devido respeito, com a liberdade de escolher por onde começar e até mesmo assistir de forma aleatória suas 13 horas, divididas em 10 episódios. Inclusive na montagem o diretor decidiu não seguir a duração padrão de uma série, com episódios de até uma hora e meia, finalizando com um corte de 30 mins. Inicialmente já é mostrado a conexão entre Martin (Miles Teller) e Jesus (Augusto Aguilera). Jesus atira no parceiro de Martin, Larry (Lance Gross), matando o policial e vingando a morte de sua mãe, Magdalena (Carlotta Montanari). Após isso a narrativa se desenvolve através da jornadas de Martin e Jesus, o detetive secretamente decide investigar o caso, adentrando no submundo, revelando ser tão perverso quanto aqueles quem caça, enquanto Jesus se reencontra com a família no México para preparar-se na função de restabelecer o império da mãe nos EUA.

    Ed Brubaker e Refn, juntos criadores e roteiristas da série, decidem revelar pouco do passado de seus protagonistas, trabalhando mais o desenvolvimento dos personagens através de arquétipos e passagens guiadas pelas cartas de tarot que nomeiam os episódios, todos dirigidos pelo realizador de Drive, que optou por uma narrativa lenta e arrastada, combinando com a quietude das cenas, com pouca movimentação e diálogos dos personagens, reforçando o uso da imagem como ferramenta narrativa, com enigmas guiados pela trilha sonora de Cliff Martinez. Por um lado acompanhamos a jornada de Martin, sua queda no submundo, exposto cada vez mais a situações perversas, colocando em xeque sua própria moral para julgamento do público, mas cria-se a real dúvida, o que de fato move esse personagem, que parece mais existir apenas como chave para ligação das subtramas que permeiam a série, do que individualmente. Como a problemática relação com Janey (Nell Tiger Free), uma menor de idade, relação que aparenta ser sustentada apenas no prazer carnal pois são raros os momentos de afeto entre o casal, afirmando a personalidade fria e obscura de Martin

    Por outro lado, a jornada de Jesus é mistificada pela presença de Yaritza (Cristina Rodlo), uma cartomante deixada pelo seu falecido tio, com a promessa de ser uma divindade encontrada para iluminar a família e o detentor do poder do cartel. Yaritza se revela cada vez mais importante na trama, chegando em alguns momentos evocar a presença de Magdalena em cena, através de memórias e projeções de Jesus, que nutre um profunda devoção por sua mãe, sendo colocado em diversos cenários cheios de quadros e memórias de sua Magdalena, sempre exaltando sua beleza, em alguns momentos, sugerindo uma relação incestuosa entre eles. Momentos esses que cada vez mais ganham importância na série, colocando o cartel em segundo plano, com algumas passagens de tempo percebidas nas falas dos personagens.

    Com personagens como Diana (Jena Malone) e Viggo (John Hawkes), que dão escopo a jornada de Martin, apresentando à ele uma oportunidade de se recompensar, atuando como um justiceiro, assassinando e caçando estupradores e pedófilos, trazendo também questionamentos morais para o personagem e discurso da série, Too Old apresenta um breve comentário sobre o fascismo, como raiz de todos esses problemas, reforçado pelo monólogo de Diana. Martin também é exposto ao julgamento com o personagem Theo (William Baldwin), pai de sua namorada, aqui acontece um dos momentos mais interessantes da série onde é mostrada uma pequena reprodução do primeiro episódio, funcionando como uma sátira, ridicularizando o detetive e pondo em jogo sua abordagem diante o ocorrido.

    Refn já sem interesse de trabalhar em uma segunda temporada tinha plena consciência do produto em mãos, faltou inspiração para preencher tantas horas de planos que apesar de belos, nada acrescentam para a trama, que por outro lado se mostrou vazia e rasa, sustentada no enigma dos personagens, não fazendo jus aos seus discursos, na verdade, nos faz questionar qual seu papel na colaboração para esses serviços de streaming, já que em sua oportunidade criou um grande exercício de sua própria carreira, mantendo seus acertos e excessos, causando total indiferença no espectador.

    Texto de autoria de Mattheus Henx.

    https://www.youtube.com/watch?v=im2hWV3ZJjI

  • Crítica | Demônio de Neon

    Crítica | Demônio de Neon

    theneondemonUm tema como a ditadura da beleza dificilmente traria uma discussão nova ao mundo da arte. É recorrente em todas as mídias conhecidas, sendo visto por muitos como um assunto batido, ainda que de necessária discussão. Mas logo os preconceitos se retraem quando um cineasta como Nicolas Winding Refn (Drive, Só Deus Perdoa) utiliza do tema com toda sua carga visual e autoral.

    Demônio de Neon trata da história de Jesse (Elle Fanning), uma jovem ingênua que decide se mudar para a cidade dos sonhos quebrados e perdidos, Los Angeles, onde busca se tornar uma grande modelo. Em sua jornada conhece Dean (Karl Glusman), um aspirante a fotografo e interesse romântico que deseja ajuda-la. Ao mesmo tempo, chama atenção do trio feminino formado por Ruby (Jena Malone), Gigi (Bella Heathcote) e Sarah (Abbey Lee), modelos experientes que logo se sentem ameaçadas pela presença da jovem Jesse. Aquela que apresenta a beleza da juventude, a beleza ingênua, “pura”. Aquela que carrega o charme até que não mais.

    Se Nicolas afirma que Demônio de Neon é uma mistura de comédia e horror, as atuações reafirmam. As interações e postura das personagens são, por muitas vezes, plásticas e surreais, chegando até mesmo a serem caricatas. Seja por pessoas dentro da indústria como o fotografo Jack (Desmond Harrington), ou por personagens como Hank (Keanu Reeves). O que, por se tratar do mundo da moda, logo se mostra uma escolha acertada, satírica. Com as reações robóticas e bregas desses personagens, há a gênese de um desconforto. Algo que se intensifica a cada conversa mediada por espelhos e desprezos reprimidos, por silêncios e cores.

    A diretora de fotografia Natasha Braier faz de cada frame uma foto a ser pendura e exibida. Assim como permeia todo o filme com uma iluminação de brilho radiante, onírico, que conversa com a personalidade fluida e estado físico de Jesse. Trabalha e constrói o efêmero que cerca toda essa realidade em um ritmo lento e contemplativo. Da mesma forma reage a trilha sonora de Cliff Martinez, com seus sintetizadores rápidos e hipnotizantes como os flashes momentâneos que relembram modelos: você é uma estrela.

    Sendo assim, o tema e a forma conversam até que se tornam indissolúveis. Fazendo-nos perceber que a específica abordagem de Refn e sua equipe tornam Demônio de Neon algo que não funcionaria nas mãos de outras pessoas. Entretanto, ainda que em sua natureza surreal e metalinguística o filme se mostre muito bem-acabado, é no argumento, que permanece em uma zona comum, que estão seus defeitos. Apesar de ter trabalhados com duas mulheres no roteiro, e questões como ditadura da beleza tendo relações diretas também com questões de gênero, Nicolas prefere focar o esforço em tópicos batidos. Os personagens masculinos são os mais rasos, por exemplo. Ainda que demonstrem personalidades abusivas, nã há algo além disso, nem o impacto dos efeitos de suas ações. Não há a atitude “rock and roll”, que Refn tanto prega e se define, para desafiar além do choque visual. Mas não se engane: O Demônio de Neon não é, como tantos desejam afirmar, um filme vazio.

    De certa forma, a grande moral do filme de Refn é sobre os exageros e perdições ao lidar com a beleza em sua forma mais realista: passageira. Seja por aspirantes que desejam estar no holofote, ou aqueles que estão sendo empurrados para fora do palco. Resta os que logo sairão aceitarem, ou lutarem até a morte para permanecer embaixo da luz apática aos seus interesses e intenções, demonstrando o quão vazio é o belo, até mesmo em seus breves momentos. Um momento; uma fotografia muito bem composta. Uma memória do que era e jamais será.

    Texto de autoria de Leonardo Amaral.

  • Crítica | Pusher (1996)

    Crítica | Pusher (1996)

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    O filme Pusher, de 1996, é o primeiro da cultuada e violenta trilogia que alavancou a carreira do então jovem diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn. Obviamente a trilogia só tomou uma maior notoriedade devido à boa receptividade que seus últimos filmes tiveram – vide Bronson (2008) e Drive (2011) –, mas, segundo as palavras do próprio Refn, Pusher foi o fator determinante para a sua carreira.

    Já na sua estreia, Refn deixa impressa sua forma particular de contar histórias. Ele nos convida a passar uma semana na vida de Frank, um traficante que, junto de seu parceiro Tonny, limita-se a pequenas transações e a gastar o lucro obtido com as mesmas da forma mais inútil possível. Até que, na oportunidade de uma grande negociação que, em um primeiro momento, parecia fácil, nada sai como o esperado e a partir daí vemos o desespero de Frank em consertar erro em cima de erros.

    Logo após o seu lançamento, o filme virou cult na Europa pela forma com que o diretor expôs o panorama do submundo do tráfico em Copenhagen e pela violência presente em toda a trilogia. Eu disse no início que “ele nos convida”: na verdade ele nos pega pela mão e nos arrasta junto ao protagonista, pois por diversas vezes a câmera apenas segue literalmente atrás de Frank, e a utilização apenas da iluminação ambiente – ou, por vezes, a falta dela – nos faz sentir imersos naquela atmosfera pesada e muitas vezes claustrofóbica. Em algumas cenas ocorre a ausência total de iluminação. Refn deixa aqui também muito claro o seu (bom) gosto pela trilha sonora.

    Toda a violência crua, a direção marcante, a exposição do submundo da época ou a procura por referências (como um pôster gigante do filme Mad Max logo no início) pode fazer passar despercebido o fato de que Pusher trata de pessoas, que não só não têm a que se agarrar como também não fazem muita questão de ter algo para se agarrar. Os quatro personagens que julgo principais (Frank, Tonny, Vic e Milo) são o que não queriam ser, vivem uma vida querendo estar em outra, mas não conseguem mudar ou, como nas palavras da própria Vic: “Eu poderia ser o que eu quisesse, só não tenho vontade”.

    De fato, quem for ver Pusher tendo como refrência o recente Drive pode achar o filme um pouco difícil pela sua densidade e pela já citada falta de luz. Entretanto, assim que você se deixar ser arrastado atrás da decadente semana de Frank certamente não terá do que se arrepender, pois uma das características de Nicolas Winding Refn é saber deixar uma história interessante, por mais simples que ela seja.

    Texto de autoria de Fabio Monteiro.

  • Crítica | Bronson

    Crítica | Bronson

    Produção independente lançada em 2008, Bronson é dirigido por Nicolas Winding Refn (Drive, O Guerreiro Silencioso), co-escrito por ele e Brock Norman Brock, e estrelado por Tom Hardy. O filme é uma biografia altamente estilizada de Michael Peterson, que ficou famoso como “o prisioneiro mais violento – e caro – do Reino Unido”. Já há mais de 30 anos encarcerado, boa parte desse tempo na solitária, Peterson fez a alegria dos tabloides ingleses ao longo dos anos. Seu nome virou sinônimo de episódios violentos, situações com reféns, rebeliões, incêndios e protestos.

    Ainda que vislumbre as motivações e origens da insanidade do protagonista, o foco do filme é na verdade um mergulho na sua perturbada psique. Aproveitando essa figura incompreensível de tão maluca, o diretor opta por uma narrativa surreal, com o próprio Bronson contando sua história diante de uma plateia imaginária e conseguindo a ovação que sempre buscou. Isso porque ele declara que sempre quis ser famoso, mas não tinha talento para atuação ou canto: a única coisa em que sempre foi bom era machucar os outros. Após brigas constantes na escola, Peterson foi preso pela primeira vez aos 19 anos. Assumindo o pseudônimo de Charles Bronson como sua identidade real, ele passou a extravasar toda a agressividade que havia dentro de si e a se sentir confortável atrás das grades, onde a sonhada fama finalmente veio.

    Da mesma forma que em Drive, aqui a direção de Winding Refn é marcante do início ao fim. O surrealismo citado aparece também no modo como os (vários) rompantes de violência são mostrados, sempre com o uso de trilha sonora pesada, seja ela orquestral ou eletrônica (com os sintetizadores típicos dos anos 80, que parecem ser uma obsessão do diretor). Isso confere às cenas um ar de apresentação artística, quase um balé. Com isso em mente, não são absurdas as comparações que Bronson teve com Laranja Mecânica. Antes que os xiitas tenham seus ataques, não estamos falando de genialidade e muito menos de importância na história do cinema. As semelhanças estão na estrutura narrativa e no plot básico de um indivíduo incompreendido que se expressa através da violência.

    Parece haver um consenso entre os críticos de que Bronson faz uma crítica ao culto às celebridades, mas, honestamente, o filme toca muito pouco, ou nada, nesse aspecto. As consequências e repercussões para a sociedade dos atos do protagonista são praticamente ignoradas. Muito mais pertinente seria apontar sua reflexão sobre a incapacidade da sociedade em lidar com alguém tão incomum: após sua “reabilitação” fracassar tanto em prisões quanto em instalações psiquiátricas, o governo chega ao absurdo de libertá-lo com um falso atestado de sanidade – o que obviamente não dura muito. Outra crítica, sutil ou nem tanto, é em relação à condescendência que os pais de Peterson sempre demonstraram para com ele, desde sua infância problemática.

    Tais observações, porém, são muito subjetivas e restritas à interpretação de cada espectador, uma vez que a atenção do filme é voltada toda para o próprio protagonista. Isso permite que Tom Hardy brilhe na composição do personagem, entre overactings propositais e justificados e uma expressão corporal assustadora (reconhecível no Bane que ele faria mais tarde). Mesmo não possibilitando nenhuma empatia, o Bronson dele consegue captar toda a atenção do espectador, sem dúvida ajudado pela claustrofóbica direção que nos mantém incomodamente próximos a ele o tempo todo – inclusive nos momentos mais desagradáveis.

    Único ponto a se lamentar, a ausência de alguns episódios mais doidos da vida de Bronson, como suas exigências malucas (certa vez pediu uma boneca inflável, uma xícara de chá e um helicóptero como resgate) e sua conversão e rápida “desconversão” ao islamismo. Provavelmente situações mais engraçadas foram deixadas de lado em nome da proposta de contar a história sob o viés psicológico. Nada que comprometa este filme perturbador, com direção e atuação poderosas.

    Texto de autoria de Jackson Good.

  • Crítica | Drive

    Crítica | Drive

    Que preço estamos dispostos a pagar para vivermos pautados por um código? Até onde nos é possível negar nossa própria natureza? Podemos colocar as pessoas que mais amamos em risco em troca de nossa própria felicidade?

    Ao fim de Drive, filme mais recente do diretor dinamarquês Nicolas Winding Refn (Pusher, Bronson, Guerreiro Silencioso), o motorista vivido por Ryan Gosling terá – ainda que apenas para ele mesmo – as respostas para todas essas dúvidas. Até lá, entretanto, ele terá de atravessar e, se possível, conseguir sair vivo de uma espiral de violência, frustração e desilusão.

    Logo no início, somos apresentados ao motorista vivido por Gosling. Todos à volta veem que ele ganha a vida em dois empregos: como piloto para cenas de acidentes em filmes de ação e também como mecânico. No entanto, o piloto – sim, ele em momento algum do filme será chamado pelo próprio nome e o motivo ficará claro ao longo da trama – também conduz carros em assaltos. E é justamente nesse período – na tensa cena do roubo ocorrida no começo da película – que ele estabelecerá uma série de regras a serem cumpridas por seus contratantes.

    Sabemos, portanto, que o motorista vive por meio de regras. Normas. Um código de conduta. O que, numa alusão simbólica, o aproxima por demais da figura do samurai e seu Bushidô. A associação ao “homem silencioso” criado por Clint Eastwood para a Trilogia dos Dólares de Sergio Leone também é bastante adequada.

    O piloto é contido. Calmo. Fala pouco. E mesmo as raríssimas palavras que saem de sua boca são emitidas num baixíssimo volume. Ele não tem nome. Não há individualidade. O motorista é a personificação de uma maneira particular de enxergar a vida. No entanto, essa postura plácida é apenas aparente. Só uma contenção. Ao olhar nos olhos do homem, sabemos desde o início que ali dentro se encontra uma bomba-relógio prestes a explodir.

    E o gatilho desse explosivo é acionado em dois momentos.

    O primeiro é quando ele encontra e se envolve com a garçonete Irene (Carey Mulligan) e seu filho, Benicio (Kaden Leos). Os dois representam algo que ele nunca teve: redenção. A possibilidade de uma família e de laços afetivos. O distanciamento do mundo violento e arriscado no qual o motorista vive. O personagem se humaniza.

    No entanto, esse estágio chega ao fim com o retorno do marido de Irene, que até então estava na cadeia. A partir daí, uma série de fatores – todos envolvendo o dinheiro roubado inadvertidamente de mafiosos – vai acionar o segundo detonador. Quando a garçonete e o menino passam a correr risco, a explosão do motorista é inevitável e devastadora. Sua natureza, enfim, vem à tona. A justiça precisa ser feita. E terá que ser a seu modo.

    Aqui, o código de conduta do piloto predomina. Ele não quer o dinheiro. É sujo demais. Deseja apenas proteger a mulher e a criança pelos quais se apaixonou.

    Winding Refn demonstra um impressionante domínio da composição. Não há um fotograma sequer que seja menos que excelente. As belíssimas tomadas aéreas de Los Angeles (lembrando muito as produções de Michael Mann), a manipulação de luz e sombras, o contraste acentuado entre claro e escuro – aqui, méritos também para o diretor de fotografia Newton Thomas Sigel.

    Tudo funciona perfeitamente, inclusive – e principalmente – a condução dos atores. Ainda há espaço para uma cena de perseguição perfeita – para ser mais específico, a que envolve um Mustang GT preto e um Chrysler.

    Há claras referências aos filmes e séries de ação da década de 1980. Reparem nos caracteres cor de rosa usados na abertura do filme e percebam como lembram as letras utilizadas em seriados como Miami Vice. Isso sem mencionar a trilha sonora – grande parte calcada em composições dominadas por teclados e sintetizadores.

    O autor também é hábil ao sugerir, por meio de uma série de metáforas, a essência do personagem principal. Isso é particularmente notado numa cena de extrema violência – sempre filmada de maneira direta e seca – dentro de um elevador. Nela, após um ato violento – motivado inteiramente por um instinto de autodefesa – o motorista permanece no interior, enquanto Irene vai para o lado de fora.

    Assustada com a carnificina que acabou de presenciar, ela se afasta. Em segundos, a porta do elevador os separa. O recado é claro: ambos vivem em mundos separados.

    A metáfora maior, no entanto, está na jaqueta usada pelo piloto. Há a imagem de um escorpião costurado às suas costas. E o diretor propositalmente realiza uma série de closes na figura do artrópode. Calmo e silencioso. Letal quando forçado a agir. Assim é o escorpião. Assim também é o motorista.

    E ainda sobre o escorpião, cabe citar outra metáfora. Esta, no entanto, está ligada a uma velha fábula que talvez já tenham ouvido falar.

    Com uma ou outra variação, a história conta mais ou menos o seguinte: certa vez, um escorpião se aproximou de uma rã (em algumas versões é uma tartaruga) e pediu que ela o levasse ao outro lado de um rio. A rã rejeitou o pedido, argumentando que certamente o escorpião a picaria. O artrópode a tranquilizou, afirmando que jamais faria aquilo, uma vez que, como estaria nas suas costas, e ambos estavam no meio de um rio, se a picasse e ela se afogasse, ele certamente também morreria. Portanto, não fazia sentido que a rã desconfiasse de que ele poderia matá-lo.

    Diante de tamanha lógica, a rã aceita a proposta, coloca o escorpião em suas costas e começa a travessia. No meio do rio, entretanto, para espanto da rã, o escorpião a pica com seu ferrão.

    “Você enlouqueceu?”, pergunta a rã. “Agora eu vou morrer e você, que está nas minhas costas e não sabe nadar, vai se afogar junto comigo”. O escorpião olha para a rã e responde calmamente: “Sinto muito. Esta é a minha natureza”.

    Ambos morrem.

    É justamente uma menção a essa fábula que o motorista usa para dar ao bandido Bernie Rose (Albert Brooks, excelente) a noção exata de sua própria natureza.

    Como as melhores obras de arte, “Drive” está aberta a interpretações. No entanto, as duas principais mensagens transmitidas pelo seu escritor – o filme é uma adaptação do romance homônimo escrito por James Sallis – são bem claras:

    – Paga-se um preço alto por viver por meio de um código.

    – As pessoas podem até fingir para si mesmas e se adaptar às situações por um tempo. Mas, no fim, a sua natureza, a sua verdadeira essência, virá à tona.

    O anti-herói interpretado por Ryan Gosling traduz perfeitamente as afirmações acima.

    No fim, este filme cumpre um papel importantíssimo: dá um belo soco no estômago de todos aqueles que argumentam que “filmes de ação não precisam de conteúdo, argumento ou um bom roteiro”. Argumento muito comum entre os fãs de produções como “Transformers”…

    Assista “Drive” pelo menos 10 vezes para entender que ação e uma história extremamente bem construída e dirigida não precisam – e nem devem – estar dissociados.

    Texto de autoria de Carlos Brito.