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  • Review | Dom – 1ª Temporada

    Review | Dom – 1ª Temporada

    A primeira temporada da série ficcional da Prime Video, Dom, surfa em ondas bem distintas: na popularização de seriados true crime e com o formato popular conhecido como favela movie, explorando uma história dramática como chamariz do público.

    A série é idealizada por Breno Silveira, diretor de sucessos de bilheteria como Dois Filhos de Francisco e, ao contrário do que se pensava, narra não somente a história de Pedro Machado Lomba Neto, rapaz de classe média carioca que ganhou os noticiários por se valer de sua aparência de bom moço e playboy para assaltar casas de luxo do Rio de Janeiro com uma gangue, mas também narra a história de seu pai, Victor Dantas.

    Antes de chegar ao streaming o seriado ganhou algumas discussões bem polêmicas. O roteiro se baseia em dois livros, Dom de Tony Belloto e O Beijo da Bruxa de Luiz Victor Lomba, pai do personagem central, e detentor dos direitos da história vendida para o Prime Video (o que por si só é contraditório, visto que é uma história de saber público, o que não deveria ter de compor direitos autorais, em especial no que tange os crimes). Antes mesmo do lançamento, a família de Pedro, em especial sua mãe e irmã, reclamaram que a história era bastante diferente do retratado em texto e tela, não só por conta de liberdades criativas, mas também pela participação direta do pai do rapaz. Segundo a mãe, Nídia Almeida, o homem era um sujeito abusivo, distante demais do herói que Flávio Tolezani e Filipe Bragança vivem.

    Polêmicas a parte, o seriado reúne boa parte dos elementos que fizeram sucesso no cinema e no audiovisual brasileiro recente. Escancara a violência, a futilidade e inutilidade da guerra as drogas que impera no Rio de Janeiro e, consequentemente, no Brasil. A temporada mostra uma metrópole violenta, com a urbanização do país sendo marcada pelo sangue, pelos vícios em entorpecentes e pela batalha encarniçada entre policiais e bandidos. Esse cenário só consegue soar interessante graças a entrega do elenco, afiado. Para além dos já citados, merece destaque Gabriel Leone (que faz Pedro) e os que formam o bando do anti-herói. A história possui duas linhas do tempo distintas e outras variações de uma delas.

    A mais antiga mostra Bragança como o jovem Luiz, adentrando a academia da polícia, tentando viver seus sonhos, em meio a uma época de repressão da ditadura militar. Nessa fase, se percebe que pai e filho não são tão diferentes, inclusive em questões polêmicas como o uso de drogas e outros vícios ligados a adrenalina e ao desafio do que é a vida.

    Por mais que as polêmicas digam o contrário, os roteiros são bem preocupados em humanizar seus personagens. O “Dom” é um garoto confuso, nervoso, desesperado por atenção. O que se lê sobre seu modo de operar — em especial as questões criminosas — é que era quase um psicopata. É nessa questão que Silveira difere seu produto final dos true crime tradicionais, não só pelo fato dramatúrgico (afinal, o gênero se dá normalmente por documentários, como O Caso Evandro ou Elize Matsunaga: Era Uma Vez um Crime), mas também por dar voz e dimensão a um sujeito encarado pela mídia da época apenas como um bárbaro. Seus círculos de amizade ou familiares são realistas, claro, tomando como base a cultura popular brasileira e seu modo de mostrar a vida dos homens comuns. É fácil se envolver com as questões dramáticas.

    Personagens como a Jasmin (Raquel Villar) e Viviane (Isabela Santoni) são sedutores para muito além do fato de serem bonitas, carismáticas e talentosas. Elas servem de peças de um xadrez bem calculado pelo texto e direção, adequando-se bem ao propósito de mostrar as alternativas de vidas possíveis de Pedro. São avatares de desejos reprimidos do personagem-título, mas servem também aos desejos comuns a qualquer ser humano adulto, envolvendo fama, dinheiro, luxúria e outras dezenas de pecados sedutores possíveis.

    O seriado é bem produzido. Elementos como fotografia e reconstituição de época são bem pensados. A trilha sonora remete aos sucessos dos anos noventa de pop, rock e funk e dá uma boa dimensão do que era a identidade do jovem carioca desta época: uma mistura de estilos como pagode e sons mais pesados que conviviam bem apesar do preconceito musical comum em outros lugares que não o Rio.

    A narrativa se desenvolve de maneira gradual, sem as barrigas típicas das séries da Netflix, claro, remetendo a sucessos cinematográficos como Tropa de Elite e Cidade de Deus. Tudo é milimetricamente pensado. A escalada de frustrações de valores familiares e as rivalidades entre às duas gerações mostram dois protagonistas que se julgam diferentes um do outro, mas que não são,  ambos flertam com o desejo de não existir, em atenção ao conceito psicanalítico que determina a sedução de solução de qualquer problema apenas com uma morte súbita, pois sem vida, sem problemas. Dom acerta demais ao abordar essas sensações, e ainda abre possibilidade para um segundo ano que fecharia o arco trágico do personagem.

  • Crítica | Evangelion: 1.11 Você (Não) Está Sozinho

    Crítica | Evangelion: 1.11 Você (Não) Está Sozinho

    Para quem não está familiarizado com Evangelion, este é o primeiro dos quatro filmes da série Rebuild. É uma espécie de nova versão da série clássica, que mantém a essência da história e dos personagens, mas a trama toma um rumo diferente a partir de certo ponto. Logo de cara vou responder à sua pergunta: então posso assistir aos Rebuild sem ter visto o anime? Olha, você pode fazer muitas coisas em sua vida, porém há consequências desastrosas para determinados atos. Por isso eu te respondo que sim, você pode assistir primeiro ao Rebuild, ainda que não seja o recomendado.

    Por que não? Acredito que muita gente pode ficar perdida se não estiver familiarizada com diversos conceitos da série. A série, assim como o anime clássico, mostra que a humanidade está sendo atacada por seres gigantes chamados Anjos, combatidos pelos EVA, robôs gigantes humanoides muito poderosos construídos pela entidade militar Nerv. Porém, quem pilota os robôs são adolescentes na faixa dos quinze anos. Um deles é Shinji, que acaba de chegar a Tokyo 3 convocado por seu pai, comandante na Nerv. O grande objetivo é impedir o Terceiro Impacto, evento que exterminaria o resto da humanidade, já que boa parte dela já foi exterminada pelo Segundo Impacto, um meteoro (?!) que caiu na Antártida no ano 2000. A história se passa no longínquo futuro de 2015.

    Aí você pensa: por que um moleque de 15 anos, sem experiência alguma de combate, vai pilotar um robô que provavelmente custou bilhões? Detalhe que Shinji e seu pai não se falam há anos, e o garoto está claramente sendo apenas um objeto nas mãos do pai. São estes aspectos humanos que destacam Evangelion.

    Quem assistiu ao anime vai perceber que a maior parte deste filme é praticamente igual à série. Pelo menos os acontecimentos, pois a qualidade de animação e imagem é muito melhor. Mas as diferenças vêm em detalhes. Por exemplo, aqui o mar já está todo vermelho. O design de alguns Anjos mudaram, apesar de a ideia ser quase a mesma. Shinji está um pouco menos introvertido. Rei parece mais humana. PenPen está mais engraçado. A Misato… bem, continua bebendo muito!

    Entretanto, outros detalhes sinalizam mudanças consideráveis. Um deles é a quantidade de Anjos previstos para aparecer, que aqui é menor. O fato de a Nerv guardar um Anjo em sua base não é mistério aqui, e desde o início eles já sabem que aquele não é Adão. Só esses dois elementos já permitem perceber que Rebuild não é apenas a série clássica com animação melhor.

    O filme se desenvolve bem, mas dá a impressão de que é apressado demais, e isso talvez deixe os novatos perdidos. Porém, acaba sendo um filme enxuto, onde praticamente tudo que é mostrado tem relevância. Por isso é uma boa pedida assistir mais de uma vez. Repito, recomendo assistir ao anime e a The End of Evangelion primeiro. Mas se quiser fazer um teste, este é um ótimo começo, o filme é bastante similar à série clássica. Se não conseguir absorver muito bem os conceitos e ideias deste filme, assista ao anime e depois tente novamente.

    A periodicidade da série Rebuild é bastante similar à do mangá: literalmente demorou mais de uma década para ser concluída. Este primeiro filme é de 2007. O segundo é de 2009. O terceiro, de 2012. Já o quarto e último, saiu apenas agora, em 2021. O lançamento ocorreu na Amazon Prime Video, que disponibilizou todos com a mesma dublagem brasileira da série clássica disponível na Netflix.

    Evangelion 1.11 não trouxe mudanças muito bruscas, e prepara o fã antigo para uma chuva de batalhas. Os próximos filmes, meus amigos… se preparem.

  • Crítica | Um Príncipe em Nova York 2

    Crítica | Um Príncipe em Nova York 2

    Um Príncipe em Nova York 2 foi bastante criticado na época de sua estreia em plataformas de streaming, apesar de seguir a toada do primeiro filme de John Landis. A continuação apresenta uma nova aventura de Akeem e Semmi, dessa vez mostrando o personagem de Eddie Murphy como o novo rei de Zamunda, analisando a sucessão de seu trono, sem considerar a possibilidade de dar a Meeka, sua filha mais velha, a sucessão da coroa depois do fim de seu reinado.

    Este segundo filme aposta mais em humor físico que o original. Em comum com o primeiro Um Príncipe em Nova York, há um humor um pouco datado, não por complicações éticas, mas sim pelo tom humorístico meio defasado. A obra de Craig Brewer, mesmo diretor que fez Meu Nome é Dolemite, reutiliza alguns dos clichês de comédia e tais usos parecem esgarçados, repetitivos demais. Ao menos os novos personagens são carismáticos e o retorno a cenários clássicos como a barbearia dá chance a Murphy e Arsenio Hall retornar a bons papéis. Muito se reclamou das insinuações sexuais presente também. Elas são mais suaves que do primeiro filme, uma vez que até nudez explícita e insinuações de sexo oral ocorrem na versão de 1988.

    O cenário de Zamunda lembra bastante a Wakanda de Pantera Negra. Os roteiristas sabiamente apelaram a essa representação cênica, a fim de conseguir notoriedade para o novo filme. Além disso, a discussão sobre sucessão real leva em conta análises pontuais ligadas a micro política e ao discurso liberal, fugindo absolutamente de um caráter mais revolucionário. Ao menos o texto faz questão de combater com o louvor a regimes monárquicos.

    Murphy está bem, não tão afiado quanto em outras produções recentes. Parece mais confortável quando está em um dos personagens idosos. A mesma sensação é observada em Hall e Wesley Snipes. Kiki Layne, que faz a filha mais velha do personagem, também desempenha um bom papel.  Sua evolução em cena demora a ocorrer e, por isso, se torna um dos melhores plots da história. Além de combater a ideia de que princesas estão em cena como um mero objeto de beleza.

    Se Um Príncipe em Nova York 2 não é brilhante, ao menos é uma comédia engraçada. Leva em consideração os ideais progressistas que estão na contramão do reacionarismo que tomou os Estados Unidos no período que antecedeu a eleição de Donald Trump. Faz sua crítica sem parecer meramente panfletário.

     

  • Review | Invencível – 1ª Temporada

    Review | Invencível – 1ª Temporada

    Baseada na obra de Robert Kirkman e Cory Walker, Invencível é uma animação adulta que narra a história de Mark Grayson, um menino adolescente que tem uma pequena revolta por ter um herói em sua família. A primeira temporada apresenta seus primeiros passos como herói, logo depois que percebe ter acesso a herança alienígena viltramita de seu pai, o Omni-Man, uma variação mais velha do Superman.

    Os episódios são mais longos que o comum entre animações, com pouco mais de 40 minutos. Seu conteúdo é bastante violento e a qualidade visual não é das melhores. O design dos personagens humanoides é bem simples e quadrado. Até esse “defeito” é utilizado a favor da trama, pois como os humanos lembram versões dos desenhos da Filmation, o espectador é ludibriado ao imaginar que será um desenho pueril ou inocente. Ainda no piloto, o tom muda completamente com um dinamismo diferenciado e gore extremo nos combates.

    Enquanto escrevia a história original, Kirkman (que também é produtor executivo desta versão) afirmava que sua intenção era celebrar os quadrinhos que gostava. Em uma página ele poderia colocar momentos mais divertidos e escapistas. Em outros, celebrar o horror e terror de uma luta de dois titãs capazes de destruir o mundo em poucos momentos. Nas histórias, poderiam ter referências ao Quarto Mundo, Watchmen, Authority, Astro City e até The Boys e esse conjunto de referências é bem trabalhado na adaptação. O roteiro favorece mistérios e teorias da conspiração, fato que faz a série conversar bem com a atualidade. O desenvolvimento gradual  faz dessa série uma das produções nerds e de quadrinhos mais legais da atualidade.

    As referências do programa são muitas para além até dos análogos com personagens de DC e Marvel. Há até uma versão do Doutor Malus, um cientista louco que fez experimentos com o soro do Super Soldado e foi aludido em Falcão e Soldado Invernal recentemente. Também há referência aos animes hiperviolentos. Além disso, há no roteiro situações adultas além da mera violência.

    O final surpreende. Mesmo que cada um dos oito capítulos termine com algo grandioso e sensacionalista, nada prepara o espectador para a verborragia agressiva imposta no oitavo capítulo. Os produtores traduziram bem o imediatismo da história que Kirkman criou. Invencível discute o momento político atual, a paternidade ausente, além de mostrar personagens poderosos em momentos de fragilidade poucas vezes explorada no audiovisual mainstream sobre quadrinhos de heróis.

  • Crítica | O Som do Silêncio

    Crítica | O Som do Silêncio

    Como é bom quando um filme vem “do nada” e assalta todo mundo com sua força e criatividade. Foi assim com Um Lugar Silencioso, ou mesmo com John Wick, e agora se repete com O Som do Silêncio, filme da Amazon Prime para ganhar prêmios e melhorar a imagem da plataforma nessa guerra dos streamings pela nossa atenção. O resultado não poderia ser melhor: um dos filmes mais aclamados do ano de 2020, justamente por ser tão inventivo de várias formas. A principal, claro, está em contar uma história na perspectiva de um deficiente auditivo, ou seja: inserir o espectador a fundo nesta experiência sonora, ou na falta de som, que a surdez acarreta. E o impacto do filme de Darius Marder não poderia ser mais estarrecedor.

    Primeiro porque o diretor aposta tudo num drama pesado e ultra realista, que envolve o desespero do metaleiro Ruben Stone (Riz Ahmed, atuação da carreira). Cada vez mais surdo, Ruben vê seus dias de rebeldia e liberdade com sua banda underground começarem a sumir, já que o seu mundo da música desaparece a cada batida, a cada ritmo perdido (o trabalho sonoro do filme é espetacular). O baterista então se torna impotente, e aos poucos tem o seu emocional devastado, contando com sua namorada Lou (Olivia Cooke) até mesmo para garantir a pouca sanidade que lhe resta em um primeiro momento. Enquanto assistimos a sua árdua transição para o mundo dos gestos e da mudez – não ouvir a própria voz pode ser um pesadelo. A instabilidade de Ruben é total, caindo num abismo e numa revolta sem fim e nada parece ser capaz de salvá-lo… exceto a pobre Lou, bem quando o mundo dá as costas para Ruben. Ou seria o contrário?

    Assim, o baterista é levado a um grupo de ajuda a deficientes sonoros e são essas reuniões que fazem o homem encontrar uma chance (que cabe a ele, e mais ninguém) de superar as condições e voltar a sorrir. Uma questão de aceitar que o heavy metal ficou para trás, quase numa outra encarnação, e o desafio agora foi reservado por um destino implacável. O Som do Silêncio investiga o poder do espírito diante da fatalidade e como podemos ser a versão Super de nós mesmos, quando isto se torna necessário. Marder comanda o show pelo viés das conexões: das nossas relações, das nossas dependências, medos e resistências que carregamos, com total paixão pela história e os seus atores (os closes são ótimos e oportunos), sempre propondo e visando uma catarse redentora, rumo aos confins do instinto de sobrevivência humano – individual, e coletivo. Imperdível.

  • Crítica | Stretch

    Crítica | Stretch

    Ainda que o diretor Joe Carnahan tenha ótimos trabalhos como Narc e A Perseguição, Stretch não foi lançado em circuito. Relegado ao lançamento on demand, o longa está no catálogo da Amazon Prime Vídeo escondido pela miniatura de um pôster muito feio de divulgação. Porém, não se enganem. Além de contar com Carnahan na direção e roteiro, possui um grande elenco com como Patrick WilsonBrooklyn Decker, um quase irreconhecível Chris Pine, Ed Helms, Jessica Alba, Ray Liotta e outros.

    O filme conta a história de Kevin “Stretch” Bryzowski, um motorista de limusine que está se esforçando para superar seus vícios em drogas e jogos de azar, além de uma decepção amorosa. Porém, ainda endividado até o pescoço, o chofer aceita o trabalho de conduzir um excêntrico bilionário conhecido por dar grandes gorjetas a quem lhe presta serviços.

    Diretor e roteirista, Carnahan já de início imprime um ritmo ágil ao filme, com diálogos rápidos e cenas movimentadas que vão apresentando os personagens e suas motivações. Nota-se que há um carinho em retratar o protagonista, mas em nenhum momento ele é mostrado como alguém que o espectador deve se compadecer. Ao contrário, ele mostrado como alguém consciente das escolhas erradas que faz ao longo da vida e que agora precisa se virar para resolver seus problemas. Isso é potencializado pela ótima interpretação de Wilson.

    Situações absurdas ocorrem em escala gradual, mas em nenhum momento o filme parece inverossímil. Todos os atos tem consequências, que se não são imediatas, influenciam diretamente em outros momentos do longa. Nada fica impune em Stretch, nem mesmo as boas ações. O diretor trabalha muito bem a tensão e há uma boa dose de comédia durante o filme, principalmente nos momentos em que Helms está em cena, ainda que em vários momentos os risos são de nervoso, posto que a situação do momento, ainda que cômica, pode representar até mesmo o fim da vida do protagonista. Carnahan faz ainda um ótimo trabalho de direção de atores de todo o elenco de coadjuvantes, principalmente Pine. O Capitão Kirk dos novos Star Trek está especialmente surtado como o bilionário que é a razão da noite insana que Stretch enfrenta.

    Não se deixem enganar pela figurinha que retrata o péssimo pôster de divulgação. Stretch é um ótimo e injustiçado filme que não teve o merecido destaque à época de seu lançamento.

  • Crítica | Borat: Fita de Cinema Seguinte

    Crítica | Borat: Fita de Cinema Seguinte

    Depois de Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América, o criador e interprete do jornalista do Cazaquistão, Sacha Baron Cohen, ficou famoso. Fez filmes de comédias rasgadas intercaladas com papéis mais sérios. Catorze anos depois o personagem retorna, em meio a pandemia de Covid-19, para mais uma estranha aventura: Borat: Fita de Cinema Seguinte.

    A historia é narrada novamente pelo personagem central. Dessa vez, o diretor Jason Woliner traz uma abordagem menos engessada que a de Larry Charles, com um estilo de filmagem mais moderna. Na trama, Borat, preso político do Cazaquistão, é novamente convidado pelo governo para uma viagem aos Estados Unidos para trazer nova glória ao combalido país. Para isso, deve entregar um presente especial a Donald Trump.

    A parte mais incrível desta retomada é que o roteiro insere as piadas e historias paralelas à trama principal do outro filme, ressignificando o fracasso do personagem central. Obviamente, as piadas refletem o obscurantismo da política mundial atual, inclusive citando com líderes decadentes e degradantes, como Vladimir Putin, Donald Trump e até o brasileiro Jair Bolsonaro.

    Além disso, também brinca com a grande utilização da tecnologia como um vício, mostrando uma relação de dependência com ela. Por mais batida que seja a questão, o roteiro produz boas discussões a partir dessa premissa. As piadas mais imaturas seguem ótimas, afiadas de um jeito absurdo, e a utilização de disfarces por Baron Cohen garantem algum anonimato a ele, tal qual era com seu personagem na obra de 2006.

    A sequência obteve bastante popularidade graças ao modo como foi veiculada, através do serviço de streaming Amazon Prime, facilitando o acesso mundial, e investindo em um mercado já consolidado no pós pandemia, com direito a um comentário metalinguístico sui generis. Além desse aspecto, um dos destaques narrativos, vai para a relação familiar do protagonista com sua jovem filha de 15 anos, Tutar, interpretada pela atriz búlgara Maria Bakalova, que faz as vezes de auxiliar de filmagem e uma possível prenda para a estranha missão de reconciliação das forças cazaques com os Estados Unidos.

    Mesmo que esse seja um filme mais forçado que o anterior, até porque nem todos os disfarces de Cohen escondem sua imagem, ainda há muita graça e crítica social ao american way of life, sendo certeira na maioria delas, além de destacar a hipocrisia americana. Além disso, também acerta quando apela ao besteirol, espantando qualquer chance de uma abordagem séria, escrachando de maneira inteligente o sistema político e social dos Estados Unidos e demais repúblicas conservadoras. Como na primeira produção, o filme ainda contém polêmicas com políticos reais, um humor incômodo devido a sua veracidade.

    Borat: Fita de Cinema Seguinte é ainda mais poderoso que o filme de 2006, não só pela audácia em ser produzido no meio da pandemia, como utilizar eventos reais para uma exposição crítica das contradições do mundo moderno.

  • Crítica | A Vastidão da Noite

    Crítica | A Vastidão da Noite

    Acredito que a manobra mais bonita do cinema seja aquela que um filme faz para se destacar. É fato que para um filme chegar até nossas bolhas, nossas timelines, nossas casas e chegar até esse site por exemplo, é investido dinheiro – e mais um pouco de dinheiro em alguns casos – para ele ser visto. Então, o que fez A Vastidão da Noite, um filme independente, estupidamente barato e sem nenhum grande nome, se destacar? 

    Desde que foi exibido em Sundance de 2019 o primeiro longa da carreira do diretor Andrew Patterson vem causando burburinhos que felizmente garantiram sua aquisição pelo Prime Video neste ano. Estava feito, certo? Em um ano que o cinema foi profundamente afetado pela pandemia e que os streamings se firmaram de vez como a primeira opção de muitos, a possibilidade do longa ganhar um grande público estava aí. Porém, se tem algo que esse ano nos ensinou também é que às vezes essas plataformas só oferecem um buraco profundo de opções imemoráveis e descartáveis.

    Independente, pequeno e tímido, sem dinheiro para estourar bolhas e no meio de tantas opções fresquinhas saindo do forno fast food da indústria, A Vastidão da Noite acabou se destacando pelo caminho mais barato: sendo formidável. A narrativa episódica criada por Patterson e o co-roteirista Craig W. Sander acompanha dois jovens radialistas, Fay (Sierra McCormick) e Everett (Jake Horowitz), que captam uma estranha frequência enquanto quase toda a população da pequena cidade assiste a um jogo no ginásio, fazendo com que desenterrem alguns segredos assustadores.

    Episódico e não é à toa. Inspirado diretamente na série de TV The Twilight Zone (Além da Imaginação) (1959 – 1964), o filme traz consigo uma agradável atmosfera de especial de TV e o design de produção resolve muito bem essa alternativa estética, que acaba se fazendo presente também na montagem. Tudo em tela nos imerge rapidamente, longas tomadas e uma trilha musical intrínseca ao melhor dos mistérios passeiam pelo longa nos puxando a mão para uma perspectiva próxima à de voyeur.

    Mas mesmo que A Vastidão da Noite consiga abordar certas temáticas e gêneros com uma tensão absurda, entregando cenas que ainda vivem na memória após meses, é como Andrew Patterson nos apresenta e desenvolve suas personagens que fica conosco logo de cara. Há entrelinhas uma paixão palpável, usando as duas personagens principais como instrumentos claros de identificação com o público, sentimos uma espécie de otimismo raro em produções contemporâneas, mas não um otimismo desonesto, longe disso. É como um abraço, daqueles que nos levam às memórias mais nostálgicas e esperançosas.

    Na tentativa de digerir o que com certeza seja o ano mais difícil de muita gente em níveis globais, e também a de encontrar filmes minimamente bons em um 2020 atípico, essa carta de amor à ciência, ao rádio e ao fogo mais caloroso da juventude é com certeza um dos pontos mais altos do ano. O longa se destaca por apresentar de volta atmosferas há muito tempo não aproveitadas, provando que apesar dos pesares o limite de orçamento não é um obstáculo absoluto para um pedaço de arte.

    Texto de autoria de Felipe Freitas.

  • Review | Too Old To Die Young – 1ª Temporada

    Review | Too Old To Die Young – 1ª Temporada

    Durante a produção de sua série, Nicolas Winding Refn disse que a TV está morta, criticando a falta de conteúdo, mas também a forma de consumo de mídia nos serviços de streaming, maratonar séries. Afirmando que as pessoas não conseguem consumir e absorver tanta informação rapidamente, em sua Too Old Die Young o público teria o seu devido respeito, com a liberdade de escolher por onde começar e até mesmo assistir de forma aleatória suas 13 horas, divididas em 10 episódios. Inclusive na montagem o diretor decidiu não seguir a duração padrão de uma série, com episódios de até uma hora e meia, finalizando com um corte de 30 mins. Inicialmente já é mostrado a conexão entre Martin (Miles Teller) e Jesus (Augusto Aguilera). Jesus atira no parceiro de Martin, Larry (Lance Gross), matando o policial e vingando a morte de sua mãe, Magdalena (Carlotta Montanari). Após isso a narrativa se desenvolve através da jornadas de Martin e Jesus, o detetive secretamente decide investigar o caso, adentrando no submundo, revelando ser tão perverso quanto aqueles quem caça, enquanto Jesus se reencontra com a família no México para preparar-se na função de restabelecer o império da mãe nos EUA.

    Ed Brubaker e Refn, juntos criadores e roteiristas da série, decidem revelar pouco do passado de seus protagonistas, trabalhando mais o desenvolvimento dos personagens através de arquétipos e passagens guiadas pelas cartas de tarot que nomeiam os episódios, todos dirigidos pelo realizador de Drive, que optou por uma narrativa lenta e arrastada, combinando com a quietude das cenas, com pouca movimentação e diálogos dos personagens, reforçando o uso da imagem como ferramenta narrativa, com enigmas guiados pela trilha sonora de Cliff Martinez. Por um lado acompanhamos a jornada de Martin, sua queda no submundo, exposto cada vez mais a situações perversas, colocando em xeque sua própria moral para julgamento do público, mas cria-se a real dúvida, o que de fato move esse personagem, que parece mais existir apenas como chave para ligação das subtramas que permeiam a série, do que individualmente. Como a problemática relação com Janey (Nell Tiger Free), uma menor de idade, relação que aparenta ser sustentada apenas no prazer carnal pois são raros os momentos de afeto entre o casal, afirmando a personalidade fria e obscura de Martin

    Por outro lado, a jornada de Jesus é mistificada pela presença de Yaritza (Cristina Rodlo), uma cartomante deixada pelo seu falecido tio, com a promessa de ser uma divindade encontrada para iluminar a família e o detentor do poder do cartel. Yaritza se revela cada vez mais importante na trama, chegando em alguns momentos evocar a presença de Magdalena em cena, através de memórias e projeções de Jesus, que nutre um profunda devoção por sua mãe, sendo colocado em diversos cenários cheios de quadros e memórias de sua Magdalena, sempre exaltando sua beleza, em alguns momentos, sugerindo uma relação incestuosa entre eles. Momentos esses que cada vez mais ganham importância na série, colocando o cartel em segundo plano, com algumas passagens de tempo percebidas nas falas dos personagens.

    Com personagens como Diana (Jena Malone) e Viggo (John Hawkes), que dão escopo a jornada de Martin, apresentando à ele uma oportunidade de se recompensar, atuando como um justiceiro, assassinando e caçando estupradores e pedófilos, trazendo também questionamentos morais para o personagem e discurso da série, Too Old apresenta um breve comentário sobre o fascismo, como raiz de todos esses problemas, reforçado pelo monólogo de Diana. Martin também é exposto ao julgamento com o personagem Theo (William Baldwin), pai de sua namorada, aqui acontece um dos momentos mais interessantes da série onde é mostrada uma pequena reprodução do primeiro episódio, funcionando como uma sátira, ridicularizando o detetive e pondo em jogo sua abordagem diante o ocorrido.

    Refn já sem interesse de trabalhar em uma segunda temporada tinha plena consciência do produto em mãos, faltou inspiração para preencher tantas horas de planos que apesar de belos, nada acrescentam para a trama, que por outro lado se mostrou vazia e rasa, sustentada no enigma dos personagens, não fazendo jus aos seus discursos, na verdade, nos faz questionar qual seu papel na colaboração para esses serviços de streaming, já que em sua oportunidade criou um grande exercício de sua própria carreira, mantendo seus acertos e excessos, causando total indiferença no espectador.

    Texto de autoria de Mattheus Henx.

    https://www.youtube.com/watch?v=im2hWV3ZJjI

  • Review | Good Omens

    Review | Good Omens

    Adaptação da literatura de Neil GaimanTerry Pratchett, conhecida como Belas Maldições, Good Omens é uma minissérie em 6 episódios com um caráter satírico, que mostra a historia de dois seres divinos que se vêem obrigados a voltar a conviver juntos graças a chegada do apocalipse. A produção original da Amazon teve muitos recursos gastos em divulgação, e aposta nos seus dois atores principais para fazer sucesso, em Michael Sheen, que faz o anjo Arizaphale, e David Tennant que interpreta o demônio Crowley, em compensação, não há tantos gastos com efeitos de pós produção e afins, o foco é no texto engraçado e nas atuações do elenco estrelado.

    Primeiro há de se notar que a série  não se leva a sério, sua estética se assemelha ao que se faz na TV britânica, como é visto em Doctor Who, com efeitos especiais bem baratos, parecidos com os vistos nas produções do canal B Syfy. O programa não é exatamente trash, mas o cunho cômico ajuda a normalizar o fato de claramente não ter muito investimento em efeitos em CGI. A trilha sonora, repleta de sucessos do rock inglês – em especial Queen – também facilita a adaptação de olhos e ouvidos do espectador, além do que, ajuda a fortalecer o senso de humor que lembra bastante Dogma e outras comédias nonsense.

    O começo é um pouco truncado, mas melhora bastante seu ritmo no segundo episódio. Jon Hamm faz Gabriel, um anjo que não sabe parecer um humano normal, sendo nada sutil ao tentar disfarçar sua condição. Para emular normalidade, ele diz em um lugar publico que seu objetivo é comprar pornografia, em uma mostra do quanto o humor, apesar de bem trabalhado pode se fundamentar em idiotice implícita.

    Outro ponto importante  do caráter do seriado, é que ele adora debochar de seus espectadores, fazendo piadas com astrologia, sempre mostrando os personagens divinos acima dessas crenças mundanas, sem deixar de discutir clichês dogmáticos em especial as religiões judaico-cristãs, a começar por ter Deus dublado por Frances McDormand, uma figura feminina que apesar de forte, desafia a mentalidade misógina que é bem presente nos círculos internos das igrejas. A rivalidade do Diabo e do Divino faz criar a humanidade, e através da biografia de Adão e Eva, Crawley e Arizaphale interferem no Status Quo, de maneira muito pontual, aliás, com cenas de um chroma key terrível com a cobra do Jardim do Éden. Ambos personagens acham que suas ações não interferirão no universo, mas obviamente mudam toda a configuração das criaturas terrenas, fazendo o homem pecar, descobrir o fogo e as armas. O desespero deles aumenta quando percebem que em suas ações conjuntas, podem ter condenado o universo, e se pensa numa possibilidade de terceira via, mas se eles tem contato com os homens, obvio que eles mudam seus passos. É  incrível como essa parte da trama conversa bem com a mentalidade de primeiro contato presente em séries de ficção científica como Jornada nas Estrelas: Série Clássica.

    O drama vai aumentando seu grau com o decorrer dos outros episódio. A estética da série também melhora, cada cenário e núcleo diferente tem sua própria identidade visual e seu conjunto de personagens. Da parte dos anjos caídos, há todo uma aura pós apocalíptica que faz crescer quando o Armageddon se aproxima. Para a surpresa do grande público – não para quem conhece a obra original – há um núcleo infantil onde reside o possível/futuro Anti-Cristo, e esse personagem, feito por Sam Taylor Buck é bem humanizado, e faz lembrar muito eventos da cultura pop, como Os Goonies. Os anjos que não são os protagonistas seguem numa aura típica dos seriados da HBO, com glamour, fotografia que faz a luz prevalecer e alguns luxos.

    A postura galhofeira de Crawley  contrasta bem demais com a postura reta e conservadora de Arizaphale, e a maioria dos momentos dramáticos só funciona por esse choque cultural. As discussões sobre os anjos desencarnarem, como parte do processo apocalíptico abre possibilidades para comentar até sobre mitos gregos, como Prometheus, ligando isso ao Hiper  Mito que Joseph Campbell sempre defendeu, em uma versão quase ecumênica da origem e fim da humanidade. A brincadeira com a distância idealista entre um anjo e um demônio é muito bem exposta, mostrando que a percepção do mundo que os dois personagens não é tão diferente, pois ambos são alienados em comparação ao homem, que vive e sofre seus flagelos diariamente.

    A rebeldia de Sam é voltado para um lado não maniqueísta, é incrível a subversão da religiosidade comum, e o modo irônico que os roteiros empregam nesses seis capítulos. Mesmo a desculpa de que a confusão que ocorre no final, que trata o fim do mundo”cancelado” como um  devaneio coletivo tão grosseiro que faz o povo esquecer automaticamente o que acabou de acontecer é sensacional. Incrivelmente a historia termina ao mesmo tempo como mantenedora do status quo e ousada, pervertendo a ideia cristã de como o mundo acabaria.

    Há muita inteligência na tradução de Good Omens para um programa de TV, mostrando os anjos caídos ou não como personagens falhos, atrapalhados, e que tendo um poder imenso, podem interferir  de maneira arbitrária na vivência comum dos homens, mesmo em pequenos atos, mudando toda a situação dos seres vivos comuns, mostrando o quão frágil pode ser a obra-prima de Deus, mesmo os formados a sua imagem e semelhança. A conclusão filosófica sobre o homem e o divino é muito sagaz e inteligente, e faz sentido na maior parte dos minutos em tela.

    https://www.youtube.com/watch?v=hUJoR4vlIIs

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