Um Príncipe em Nova York 2 foi bastante criticado na época de sua estreia em plataformas de streaming, apesar de seguir a toada do primeiro filme de John Landis. A continuação apresenta uma nova aventura de Akeem e Semmi, dessa vez mostrando o personagem de Eddie Murphy como o novo rei de Zamunda, analisando a sucessão de seu trono, sem considerar a possibilidade de dar a Meeka, sua filha mais velha, a sucessão da coroa depois do fim de seu reinado.
Este segundo filme aposta mais em humor físico que o original. Em comum com o primeiro Um Príncipe em Nova York, há um humor um pouco datado, não por complicações éticas, mas sim pelo tom humorístico meio defasado. A obra de Craig Brewer, mesmo diretor que fez Meu Nome é Dolemite, reutiliza alguns dos clichês de comédia e tais usos parecem esgarçados, repetitivos demais. Ao menos os novos personagens são carismáticos e o retorno a cenários clássicos como a barbearia dá chance a Murphy e Arsenio Hall retornar a bons papéis. Muito se reclamou das insinuações sexuais presente também. Elas são mais suaves que do primeiro filme, uma vez que até nudez explícita e insinuações de sexo oral ocorrem na versão de 1988.
O cenário de Zamunda lembra bastante a Wakanda de Pantera Negra. Os roteiristas sabiamente apelaram a essa representação cênica, a fim de conseguir notoriedade para o novo filme. Além disso, a discussão sobre sucessão real leva em conta análises pontuais ligadas a micro política e ao discurso liberal, fugindo absolutamente de um caráter mais revolucionário. Ao menos o texto faz questão de combater com o louvor a regimes monárquicos.
Murphy está bem, não tão afiado quanto em outras produções recentes. Parece mais confortável quando está em um dos personagens idosos. A mesma sensação é observada em Hall e Wesley Snipes. Kiki Layne, que faz a filha mais velha do personagem, também desempenha um bom papel. Sua evolução em cena demora a ocorrer e, por isso, se torna um dos melhores plots da história. Além de combater a ideia de que princesas estão em cena como um mero objeto de beleza.
Se Um Príncipe em Nova York 2 não é brilhante, ao menos é uma comédia engraçada. Leva em consideração os ideais progressistas que estão na contramão do reacionarismo que tomou os Estados Unidos no período que antecedeu a eleição de Donald Trump. Faz sua crítica sem parecer meramente panfletário.
Aposta da Netflix para a temporada de premiações – em meio a outras tantas obras caras– Meu Nome é Dolemite conta a historia de Rudy Ray Moore, um homem criativo, mas que não consegue ter sorte em suas empreitadas artísticas. Eddie Murphy vive Rudy, e logo aparece ele tentando convencer um produtor vivido por c a tocar suas fitas. Ele está com uma leve pança e o cabelo começa a rarear, e esses são apenas alguns aspectos que mostram que ele não corresponde ao estereotipo do negro bem sucedido.
Os dias de Rudy incluem conversas com seus amigos mais próximas, pessoas simples, de hábitos não sofisticados, que se alimentam de forma gordurosa e barata. Suas idéias de piadas são rejeitadas, não só nos shows de comedia em pé, mas também com os mais próximos, e a missão do filme é mostrar essa jornada de maneira palatável para o grande público, e para isso, investe em um elenco repleto de figurinhas carimbadas, em especial, atores negros.
É incrível a entrega de Murphy, que realmente parece um sujeito vindo somente de insucessos, em busca de novos materiais para fazer rir. As tentativas de construir um personagem, no caso, Dolemite resultam em momentos pouco engraçados e muito dramáticos. A abordagem que o diretor Craig Brewer dá a sua adaptação biográfica é muito bem pensada e encaixada de um modo único. Rudy tem personalidade, e por mais que seu trabalho de pesquisa e laboratório seja curto, há fluidez no sentido de enfim encontrar a sua persona graciosa. O visual clichê, típico dos cafetões do Harlem, a peruca artificial, o gingado o aprimoramento de piadas e ditos bem populares
Depois de fracassar nas vezes que mostrou a produtores seu esquete cômico, muito por conta da linguagem pesada nas piadas, ele encontra na independência seu caminho. A historia de como Rudy encontrei seu personagem, Dolemite é muito rica, e o roteiro não se perde em meio a todos esses detalhes. A reconstituição dos anos setenta é muito boa, lembra em alguns momentos a mesma feita nos filmes de máfia de Martin Scorsese, mas com identidade própria.
Uma coisa leva a outra e Dolemite e sua turma resolvem tentar fazer um filme, com pouco dinheiro e muita vontade. Brewer faz questão de mostrar que cinema não é fácil de fazer, tampouco é tranqüilo todo o processo de captação de historias, imagens, atuações e dramaturgia e toda a metalinguagem empregada aqui não é novidade em produções recentes, mas a entrega tanto de elenco quanto do texto original impressiona, tornando o longa muito crível e palpável.
Toda a parte da produção do Dolemite de 1975 é sensacional, faz lembrar pérolas recentes, como O Artista do Desastre, com a diferença de que o D’Urville Martin de Wesley Snipes não é um completo sem noção, aliás, essa versão do astro negro dos filmes de aventura blaxsploitation é muito rico, marcante desde sua primeira aparição.
A abordagem que Murphy e Brewer dão a Rudy impressiona, em especial no fato dele não se incomodar em ser encarado como um astro motivo de piadas, afinal o humor é onde moram suas raízes, tampouco se leva a sério ao ponto de refutar a chance de ser adulado e idolatrado. Poucas vezes um ator conseguiu entender tão bem um ícone como Murphy faz aqui, o filme soa fidedigno e até lirico em alguns momentos, a liberdade que o ator teve para achar seu papel ideal é um diferencial mesmo, do tipo que normalmente só ocorre quando o próprio ator dirige o filme, e não é o caso aqui.
Misto de filme de assalto com ode ao esporte, Homens Brancos Não Sabem Enterrar de Roy Shelton começa com uma variação do tema musical da 20 Century Fox, para logo depois passar para outra musica com elementos Black, cantada por três vocais, do The Venice Beach Boys . A trilha serve perfeitamente a chegada do estranho Billy Hoyle a Venice. O sujeito é vivido por Woody Harrelson, um aficionado por basquete que quer treinar na quadra ao ar livre que Eddie “The King” Farouk e Duck Johnson jogaram no passado.
Logo, o caminho de Billy se cruza com o de Sidney Deane, o malandro feito por Wesley Snipes, e o acaso faz com que apareça a oportunidade dos travarem um crossover 3×3 em quadra. Após impropérios ditos um para o outro, Billy mostra ter uma habilidade grande, sabendo driblar muito bem, fintando bem e acertando passes de difícil execução, isso tudo nos 15 minutos iniciais.
O filme tem uma carga de humor bastante forte, há toda uma gaiatice não só dos dois personagens, mas também nos periféricos. Depois de um tempo e de se confrontarem dentro e fora das quadras de ruas, a dupla passa a trabalhar juntos, praticando pequenos golpes, se aproveitando do fato de serem habilidosos e muito ágeis e não serem tão altos quantos os gigantes – Woody tem 1,78m e Wesley 1,75 – e nesses desafios que fazem, arrumam muita confusão.
O modo como eles e outros personagens se vestem evoca a estética dos anos noventa, onde as blusas de cores gritantes e bonés de tonalidades claras eram moda. Incomoda um pouco os olhos assistir isso, e é até natural que um filme de assalto tenha sido feito nesta época, com a popularidade Michael Jordan sendo tão grande em popularidade. Outro fator preponderante para o filme fazer sucesso, é a brincadeira com o fato de haver um abismo de qualidade no basquete dos homens negros e dos brancos, aludido no título do filme e claro, na aparência de Billy, que além de não inspirar confiança, ainda é o suficiente para que todos apostem contra ele, fazendo ele ser sempre a barbada.
Os locais onde os confrontos acontecem primam por uma realidade enorme, as tabelas onde eles arremessam são enferrujadas, a maioria sequer tem quadrados desenhados, e os efeitos do clima e tempo pesam sempre contra os arremessos de lance livre, e o chão duro pesa contra as quedas dos jogadores. Isso dá uma sensação de veracidade que poucas vezes se vê em filmes de esporte. Por mais glamorosos que sejam os atores sempre maquiados para um jogo, há substância e proximidade do real, e essa atmosfera é bem difícil de ser construída.
A musica de Benni Wallace embala maravilhosamente as trapaças e dissabores de Billy e Sid, mostrando o branco perdendo sua amada, Gloria Clemente (Rosie Perez), uma mulher que prima pela independência e não deixa o seu amado dominá-la – e que curiosamente, vê a possibilidade de ganhar um game show de curiosidades chamado Jeopardy como forma de ganhar algum dinheiro – enquanto o negro tem dificuldades em ter sua independência, ou ter alvos pequenos, como uma casa própria, para ele, sua esposa e seu filho pequeno. Os problemas deles são muito tangíveis, fáceis de tocar e de se repetir na vida real, e isso aproxima o público de seus dramas, são questões universais.
O que não ó universal é o receio de todos em relação a Billy não conseguiria enterrar a bola na cesta, já que há uma crença antiga de que homens brancos não conseguem esse feito. Fato é que isso é uma lenda, e mesmo sendo assim, o co-protagonista não consegue isso, e obviamente o roteiro de Shelton permite que ele tenha algum percalço genérico, onde sua vida dependeria disso e onde ele poderia provar seu valor de maneira bem clichê, mas tão divertida em essência que nem o espectador mais ranzinza implicaria com isso.
Brancos Não Sabem Enterrar foi um filme recebido bem por público e crítica, e ajudou dois atores principais a ganhar o estrelato, deixando de serem apenas coadjuvantes para enfim ganharem notoriedade, com um virando um ator de ação e outro recebendo prêmios por sua dramaticidade anos depois. A amizade dos dois se pavimentou, eles já haviam trabalhado juntos em 1986 em Uma Gatinha Boa de Bola (Wildcats), onde jogavam futebol americano. Eles voltariam a se reunir em Assalto Sobre Trilhos em 1995, três anos após este, Por Uma Boa Briga, também de Roy Shelton, já o cineasta voltaria em outras oportunidades a explorar temas esportivos na sua filmografia, mas brigaria com a Fox, processando eles para nunca mais conduzir nada envolvendo o estúdio.
Os momentos finais são emocionantes, envolvendo a amizade e parceria dos dois jogadores e claro, as relações amorosas que os dois têm, ambas em crise. Todo o esforço de equipe e produção foram recompensados, os dois atores principais treinaram arduamente, seis dias por semana para aprimorar o seu jogo, e as cenas de rachão são sensacionais, sendo assim, toda a parte dramática também ganha significado e peso, que são levados de modo natural obviamente pelo enorme carisma de Snipes e Harrelson, que dão charme a obra como um todo.
Simbolicamente – e claro, a exemplo dos dois episódios anteriores – Os Mercenários 3 já começa em meio a ação, mostrando Barney Ross (Sylvester Stallone) e seu grupo de dispensáveis brucutus invadindo um trem em movimento, no intuito de resgatar o preso e antigo amigo do membro do grupo Surgeon, que é vivido por Wesley Snipes, que apesar de ser resgatado, permanece arredio. A quantidade de referências à vida pessoal do intérprete (este ficou um tempo longe dos holofotes por estar encarcerado) só não é maior que o paralelo feito com o retorno aos sucessos que cada um dos antigos heróis de ação teve após o primeiro filme de Sly e companhia.
No entanto, uma mudança é notada logo de início. Apesar do conteúdo da fita permanecer agressivo, a faixa etária da classificação indicativa diminuiu drasticamente, o que impede a câmera do novato Patrick Hughes de exibir a quantidade colossal de sangue e dilacerações que permeavam os filmes anteriores. O retorno de Surgeon, além de causar uma marola na relação dos Mercenários (com uma referência, claro, a este como alcunha do clube) por este, como Christmas (Jason Statham) ser especialista em facas, reabre algumas feridas, como com as mostras das tags dos antigos companheiros mortos e claro, com a descoberta da sobrevivência de Conrad Stonebanks, encarnado por um bombadíssimo Mel Gibson.
Além de guardar o ódio de seus antigos colegas, Stonebanks alveja Caesar (Terry Crews), e o põe em um perigo de vida imenso, o que faz Barney pensar mais seriamente em uma aposentadoria, não por si, mas por seus companheiros. A caçada do herói passa a ser solo, resgatando mais algumas figuras de seu passado, cortando a estrada em busca do que deu errado, e do porquê de Conrad ainda estar vivo. Nesse ínterim, ele é apresentado a uma nova gama de personagens, entre eles o novo encarregado da CIA vivido por Harrison Ford, Drummer – que consegue ser um trocadilho até pior que Church – o selecionador de novos talentos Bonaparte (Kelsey Grammer) e o acrobata cinquentenário Galgo (Antonio Banderas) e alguns outros meninos novos, com disposição e com todos os dentes na boca, que deveriam substituir os trabalhos de seus antigos colegas.
Refugados por seu antigo líder, Lee e os outros veem a força tarefa da nova geração embarcar junto a Barney e Trench (Arnold Schwarzenegger), repleta de rostos bonitos, sorrisos encantadores, remetendo visualmente às séries consumidas pelos adolescentes atuais, em mais uma artimanha de Stallone em alcançar o público juvenil. A dura realidade de estar novamente relegado a um papel secundário, em um campo onde antes reinavam, acomete Lee, Gunnar (Dolph Lundgren), Toll Road (Randy Couture) e Surgeon, e até o que poderia ser um defeito do guião acaba sendo uma boa anedota, a banalização da figura do brucutu serve como uma excelente motivação dentro da proposta.
O legado que Ross tenta deixar é o de proteger os que lhe são caros, mesmo que isso signifique tirar da ação aqueles que sempre foram fiéis, o que faz o embate com seu antigo parceiro ser ainda mais aviltante, uma vez que Conrad considera que ambos são iguais. O antagonista não vê diferença nas posturas tomadas pelos sexagenários mercenários, e em meio a uma troca de papéis nos arquétipos de gato e rato, Stonebanks rapta a nova equipe de Barney, o que faz com que o dream team retorne das cinzas, em mais uma manobra redentora típica dos filmes que Sly dirigia nos anos 80.
O modo como Hughes conduz a câmera é competente em sua proposta, uma vez que, ao contrário dos outros filmes onde se fazia um pastiche dos filmes de ação oitentistas, esse serve para mergulhar na mente e na operação de seus protagonistas. A fita é repleta de humor, especialmente nas figuras de Galgo, mas o viés de reflexão é mais sobre a obsolescência do que qualquer outra coisa, não que haja alguma inteligência maior do que nos outros momentos da franquia, mas a emoção é muito mais elevada, a busca é em comover a audiência através do drama de seus heróis.
Nas cenas finais, é a velha guarda que toma as rédeas da situação, protagonizando as partes mais interessantes do embate, que infelizmente usa e abusa dos efeitos em CGI. Um dos diferenciais da franquia até então eram os combates filmados in loco, com técnicas que podem ser vistas como rudimentares pelo expectador novato, mas que garantiam às fitas mais veracidade e textura.
No entanto, os erros de concepção ficam ainda mais evidentes. O vilão poderia ter sido melhor construído, ele não é nem tão digno de ódio quanto Villain era em Os Mercenários 2. Falta sentir apuro pelos personagens principais, a todo momento parece que os velhacos se safarão sem arranhões, são raros os embates físicos, que até são precedidos por frases feitas de cunho excelente, mas pouco mostram, ainda que a breve luta de Stonebanks e Ross seja interessante. O grave problema deste Os Mercenários 3 é ser bem menos divertido do que as fases pretéritas, deixando espaço para enxergar seus defeitos.
A mensagem deixada em seu final vai de encontro a tudo o que foi mostrado na carreira de Stallone e também nesta franquia. O modo como Barney olha para aqueles que seriam os seus alunos, trinta anos mais jovens fazendo tudo o que ele cansou de fazer em tela dá a tônica de como funciona atualmente a mente e a intimidade do ator, diretor e cineasta, talvez até antevendo uma possível aposentadoria, se não da carreira de cineasta, ao menos do filão de filmes de ação. Esse subtexto acaba sendo mais rico que toda a arquitetura, pirotecnia e atitude bad ass que sempre preconizaram as ações de Barney e seus asseclas.