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  • Crítica | Druk: Mais uma Rodada

    Crítica | Druk: Mais uma Rodada

    E se quatro professores de ensino médio, cansados de tudo, resolvessem testar um método científico para ingerir uma pequena quantidade de álcool, todo dia, a fim de melhorar suas habilidades sociais e profissionais? Receita do apocalipse individual? Sim, é claro, mas não há nada que Martin, Tommy, Nikolaj e Peter não topem para se sentir mais jovens e dispostos. Livres dos quarenta anos que pesam nas suas costas, presos a salas de aula, a rotina, a famílias que estão perdendo valor. Druk: Mais Uma Rodada é um estudo dinâmico sobre o auto engano coletivo, fomentado em grupo até o limite da sua intoxicação – não apenas alcoólica, mas ideológica, numa revitalização contemporânea do clássico Farrapo Humano. E aqui, o dinamarquês Thomas Vinterberg dirige o filme através de uma tensão crescente, e bem modulada, a fim de esclarecer a grande dúvida: de onde nasce a necessidade de uma catarse?

    Seria do mesmo lugar que surgiu a violência de William Foster, de Um Dia de Fúria, ou pior, a rebeldia de classe média alta do jovem Alexander, de Laranja Mecânica? A arte de “chutar o pau da barraca” pode ter vários gatilhos estudados a exaustão, e em Druk, eis um gatilho tão auto destrutivo, quanto passivo-agressivo. Um quarteto que quer fugir da realidade, até então livre de vícios, e mesmo que correndo o risco de levar todos com eles, destruindo lares, seus alunos, ou qualquer chance de futuro. Mads Mikkelsen se joga (como sempre) na pele de Martin, o professor desiludido que, junto de outros, só quer um buraco pra entrar e sumir. “Você não é o mesmo Martin de antes.”, admite sua esposa, cansada de secar gelo em sua relação. Mas o experimento do álcool não para, e de repente, não há mais volta. De rodada em rodada, os quatro mudam sua história, gerando dó, e tragédia. Prisioneiros das próprias armadilhas, como alguns belos closes nos dão conta de transmitir também.

    O principal, então, é o manifesto do desespero. Aquele que assalta tantos homens de meia idade sobre seu papel na sociedade, e que os leva a uma ação imediata: beber, fugir, esquecer, e isso no fim da juventude, dos sonhos de conquistar o mundo e se casar com a Beyoncé. Martin e os outros decidiram não enfrentar a vida, e se são obrigados a isso, vão enfrentar bêbados. É claro que o tiro vai sair pela culatra, mas Vinterberg, cineasta engenhoso, ainda dá espaço no filme para a redenção. Para um lembrete que a vida não para, e a armadura da coragem, se vestida, pode render bons momentos de alegria que fazem tudo valer a pena – a vida não tem sentido e menos sentido ainda tem a nossa procura por ele, exclama o final. Druk é um filme que choca mas não merece ser polêmico, dada a sua questionável apologia ao alcoolismo, e o seu retrato ultrarrealista das consequências da cachaça, e imprudência. Usa da controvérsia para subvertê-la, e nisso, é bem-sucedido. Cinema europeu por excelência e muito bem feito.

  • Crítica | A Caça

    Crítica | A Caça

    a caça

    O movimento Dogma 95 é conhecido por mim, mas não contemplado com um olhar mais atento do que aquele dividido entre crítico e apaixonado por cinema. Após assistir esta produção,  observei que o diretor era Thomas Vinterberg, um dos criadores do movimento. Desde já, peço que relevem qualquer omissão que faça em relação às regras primordiais do movimento.

    Com direção de Vintenberg e estrelado por Mads Mikkelsen – vencedor do prêmio de Melhor Ator em Cannes e hoje conhecido por interpretar o psiquiatra Hannibal Lecter A Caça é uma produção excelente que funciona, além de sua história em si, como uma análise e um estudo do comportamento coletivo e das fabulações de uma mentira.

    Mikkelsen é um professor de uma creche em uma pequena cidade em que todos se conhecem e luta para sobreviver a um complicado divórcio que lhe tirou a guarda do filho. Em um desses arroubos infantis, uma de suas alunas projeta uma pequena paixão no professor e, ao ser reeprendida por ele ao tentar beijá-lo, desenvolve a mentira de que o professor teria lhe mostrado as partes íntimas.

    A trama escolhe nos apresentar a história de maneira natural e coerente, sem nenhum apelo e nem escolha de lados. Parte de um gesto simbólico de uma pequena garota para uma mentira que conquista maiores dimensões e destrói a vida do professor.

    Mesmo que ao professor tenha sido confiada a educação dos filhos, a cordialidade e a amizade que a comunidade tem por ele são destruídas pela potência do rumor que promove uma histeria no coletivo, que começa a vê-lo como um monstro.

    O tema que serve como base da história é um dos mais polêmicos da atualidade, presente em notícias diárias de adultos que abusaram sexualmente de infantes. Se o assunto por si só tem uma pesada carga, a trama demonstra que até mesmo uma acusação neste teor é o suficiente para produzir uma raiva coletiva e desestabilizar o acusado. É inegável que trata-se de um crime hediondo; contudo, é interessante ressaltar que, em casos como este, a necessidade pública de fazer justiça ultrapassa a punição de uma lei e produz uma massa que deseja, literalmente, liquidar o acusador.

    A personagem julgada pela própria sociedade, sem oportunidade real de defesa, perde sua base. Aos poucos, vemos um homem equilibrado que tentava seguir sua vida após um divórcio ser destruído por uma opinião histérica pública. A composição de Mikkelsen para o papel demonstra que é um ator de grande intensidade vista em pequenas expressões. Sua dor é interna, minimalista nos gestos, se acumula em um crescendo que explode em uma das melhores cenas do longa, realizada em contraste tanto pelo espaço cênico, que demonstra o sagrado e o blasfemo, como é o auge da libertação emotiva.

    Em outro aspecto, há a mentira criada pela criança, motivo que desequilibra toda a vida do professor. Adentrando um pouco o escopo da psicologia, há estudos que afirmam que seres humanos são capazes de mentir desde a infância. O filme demonstra como uma mentira branca, uma pequena criatividade na hora de expor os fatos, pode ser fatal na vida dos ofendidos.

    A naturalidade da narrativa, que nunca transforma o tema em polêmica como normalmente é visto, e a boa credibilidade de suas personagens fazem de A Caça um reflexo e uma análise incrível sobre a força da mentira e o julgamento de um coletivo, nunca desequilibrando sua trama bem composta e sem nenhuma crítica prévia.

    Ao expor um acusado frente uma multidão que não acredita nele e o repreende, observamos uma angustiante sensação de que a verdade nem sempre é prerrogativa que a massa deseja ouvir. E a angústia da personagem permanece no espectador, que reconhece que há certas dúvidas que jamais se dissipam, mesmo na clareza dos fatos. É devastador.