Tag: Filmes Bíblicos

  • Crítica | O Filho do Homem

    Crítica | O Filho do Homem

    O Filho do Homem, longa de Alexandre Machafer, é mais uma adaptação brasileira a respeito da história do Nazareno, e se inicia em uma reunião dos doutores da lei que discutem avidamente sobre o que deveria ser feito com o sujeito que se intitula “messias”, inclusive com defensores e personalidades dentro dessa conversa, fato raro nas versões cinematográficas desse registro bíblico.

    O drama do filme soa episódico e dramaturgicamente ele se complica com eventos simples, seja pelas atuações que parecem versões pioradas do que se assiste nas novelas da Rede Record ou pela trilha sonora que manipula e causa enfado. Há um uso estranho de slow motion, que visa tornar as cenas momentos épicos, ainda que isso soe bastante forçado.

    A linha do tempo é bastante confusa, não se estabelecendo de maneira clara o presente e o passado, e dado que o filme mira em um público mais universal, poderia ser mais explícito para se fazer entender. O intérprete de Jesus, Allan Ralph, lembra muito José Loreto, mas sem as camadas de atuação do protagonista de Mais Forte Que o Mundo. Ao menos no quesito de cenários e figurinos não há do que reclamar, já que é tudo muito acurado.

    Os diálogos têm a necessidade de manter a mesma formalidade lida nos evangelhos, fazendo-o parecer grotesco e insistente no caráter artificial e mecânico. Ao menos nos momentos de tortura, a maquiagem do estado combalido de Jesus é bem feito, remetendo à Paixão de Cristo de Mel Gibson, mas a falta de talento como ator de Ralph pesa demais.

  • Crítica | Os Dez Mandamentos (1956)

    Crítica | Os Dez Mandamentos (1956)

    O cinema de Cecil B. DeMille é composto basicamente de filmes do gênero conhecido antigamente como épico, onde personagens fortes e heroicos tinham suas jornadas contadas. Sua versão de 1956 para Os Dez Mandamentos é uma refilmagem do seu filme homônimo e certamente é o mais conhecido e elogiado de sua carreira, e essa alcunha não se deu à toa, já que a adaptação do conto bíblico a respeito de Moisés é grandiosa, não só pela potência da história do libertador dos judeus, mas também pelo fato de ser Charlton Heston a vivê-lo – no auge de seu popularidade – além do orçamento vultuoso acompanhado de uma construção visual absurdamente grandiosa e bem feita.

    O roteiro é adaptado dos livros Prince of Egypt, de Dorothy Clarke Wilson, Pillar of Fire, de Rev. J. H. Ingraham e On Eagle’s Wing, de Rev. A. E. Southon. A parte política do Egito, como o nome dos faraós vem da fusão desses três livros, além dos coadjuvantes que não tem destaque nos livros iniciais do Antigo Testamento.

    Da parte dramática, se ouve uma narração incômoda e expositiva, fruto do que era comum ao cinemão dos  anos cinquenta, seu conteúdo aborda o domínio dos homens sobre a Terra após a historia de Adão, onde se resume o Gênesis, para logo depois mostrar a civilização egípcia como a mais evoluída, e com o barbarismo como norte, decidindo acreditar na lenda do escolhido que libertaria os hebreus.

    A produção era soberba, os cenários enormes e suntuosos, com muitos figurantes diferentes e coloridos entre si e um cuidado ao mostrar outros povos lidando com o faraó e seus subordinados, mas mesmo assim se notam alguns elementos que não casam com um filme tão grande, como o exemplo da cena que mostra a chegada do pequeno Moisés às margens do Rio Nilo, com meninas de pele branca e belas feições, que claramente não nasceriam no ambiente árido do Egito. São modelos fotográficas, e perceber isso é quase tão flagrante quanto o artifício utilizado no filme produzida pela Penthouse, Calígula, e fica lado a lado com outro clássico contemporâneo, Cleopatra, de Joseph L. Mankiewicz no sentido de trocar fidelidade histórica pela beleza estética condizente com a época.

    O roteiro é bastante básico e estabelece desde o primeiro momento a rivalidade de Ramsés II (Yul Brinner) com o Moisés de Heston, seja por conta do trono ou pela promessa de desposar Nefertite (Anne Baxter). O triângulo amoroso é mostrado de forma expositiva, assim como a predestinação do bravo Josué (John Derek), como parceiro, mesmo antes dele se identificar como descendente dos escravos. Fato é que desde o início, Moisés age como o “bom opressor”, sendo bem mais tolerante com a dor dos escravos do que os próximos de si. Ele defende Josué quando ele diz que quer ser livre, mas não hesita em mandar milhares de escravos levantarem monumentos a Seth, mesmo que a maioria deles possa simplesmente morrer.

    Da parte técnica, a qualidade varia bastante em efeitos especiais. Para a época era de fato deslumbrante, na remasterização, as cenas com chroma key funcionam melhor quando acontecem à noite, com os cenários vulcânicos. Já pela manhã, no deserto os cenários casados com as pessoas ficam bastante artificiais, mas nada que tire o espectador da atenção à trama. A dramaturgia se desenrola lentamente, como era comum ao cinema nessa época.

    DeMille tem escolhas sábias ao abordar o encontro do futuro profeta com Jeová. A descrição bíblica dá conta de que as feições de Moisés mudaram, e o penteado e a barba de Heston aparecem com tons mais grisalhos para referenciar essa mudança. O trabalho de restauração faz com que as cores fiquem ainda mais vivas, fato que favorece demais o trabalho do cineasta e sua equipe, além de também tornar a música de Elmer Bernstein algo ainda mais grandioso. Evidente que nem todos os efeitos especiais mantém-se com o apuro visual nos tempos atuais, mas ainda assim a abertura do mar e as cenas que seguem a partir daí ainda causam espanto.

    Os Dez Mandamentos é grandioso, mesmo em seus momentos finais, quando o profeta recebe a palavra de Deus, com o povo se corrompendo em torno da idolatria. O único senão mora no fato de que Moisés é um personagem sem defeitos ou nuances, é o belo e perfeito herói incapaz de errar, e ainda que a Bíblia o trate como um homem honrado, ele não é infalível e o próprio Antigo Testamento demonstra isso. No mais, o tom épico dos momentos derradeiros justifica a pressa com alguns dos plots, incluindo a pouca participação dos irmãos do protagonista. Heston concentra em si toda a complexidade do filme, e entrega uma performance apoteótica, mesmo que tenha poucos tons em si.

  • Crítica | O Príncipe do Egito

    Crítica | O Príncipe do Egito

    Em 1998, a Dreamworks e os diretores Brenda Chapman, Simon Wells e Steve Hickner conduziram uma adaptação do livro do Êxodo, bem ao estilo dos musicais da Disney, com um apuro visual absurdo que mistura animação em 2D super detalhada ao mostrar os personagens humanos, com outras tantas em 3D para mostrar os cenários e monumentos da civilização antiga.

    Já nos primeiros instantes, onde Joquebede e os seus pequenos filhos Arão e Miriam têm de se despedir do recém nascido são apresentadas duas músicas belíssimas, uma clamando pela liberdade do povo que tem as costas marcadas pela chibata dos escravagistas egípcios, e outra de lamento pelo destino possivelmente trágico do menino, que era perseguido pelo faraó, por conta de uma profecia antiga – que nesta versão é bem diferente, atribuindo a morte das crianças não a crença do nascimento de um libertador, mas sim por conta de um controle de natalidade dos escravos.

    A pequena cesta que carrega o futuro profeta reúne no pequeno trajeto até a sua mãe adotiva um resumo do livro do Gênesis, não só na óbvia referencia a embarcação que Noé fez para salvar a humanidade (a cesta lembra uma pequena arca) e a fauna do fim do mundo pelo dilúvio, como uma breve demonstração de animais na parte rasa do Rio Nilo. Além destes momentos, há também uma corrida de bigas, onde os diretores mostram como o alto orçamento da produção foi bem empregado, não só na grandiosidade do império e a referência óbvia ao clássico Ben-Hur.

    A escolha narrativa de um Moisés provocador e imaturo é inteligente, pois na própria Bíblia ele costuma ser demonstrado como um homem genioso e complicado, principalmente em sua juventude, assim como colocar Ramsés como alguém instável, sempre pilhado e receoso com o fato de não ter todos os predicados para levar sua civilização ao apogeu. Dois homens criados juntos, mas com destinos diferentes e igualmente complexos – tudo isso com pouquíssimo tempo de tela para cada um.

    Lógico que se tratando de uma animação cantada, há algumas desnecessárias lições morais – o primeiro encontro do protagonista com Zípora, por exemplo. O que realmente pode incomodar plateias mais velhas é a velocidade com que os fatos ocorrem. As músicas pontuam bem os momentos de transição e evolução, do mimado e inconsequente príncipe rumo a se tornar o pastor das ovelhas de um povo oprimido.

    O filme se divide basicamente em três partes, a juventude do herói no seu antigo lar, a fase no deserto onde encontraria sua vocação e a saída do povo do estado servil. O estado de revolta e amadurecimento de Moisés é muitíssimo bem pontuado, não só no sonho sobre suas origens, em uma animação com imagens de hieróglifos que em sua composição beiram o genial, como também em sua transformação para o completo oposto de seu irmão de criação, primeiro por se sentir enganado ao longo dos anos por não saber de onde veio, depois por entender o quão injusta era a condição de opressão do povo.

    Por mais que o segundo terço não tenha tantos momentos épicos – mesmo que a cena da Sarça Ardente ocorra neste tomo – a condução do agora pastor de ovelhas para o Egito é cuidadosamente planejada para causar encanto em quem assiste, desde o confronto entre os sacerdotes Hotep e Huy, até as conversas com Ramsés, que em sua vida adulta, repete os erros e a simbologia visual de seu pai, Seth, inclusive com a repetição da posição das imagens dele como tirano junto às estátuas dos soberanos da dinastia, com novos signos e discussões.

    A questão da onipotência divina é muito bem exemplificada, mesmo em seus detalhes. Quando Moisés transforma as águas de um rio em sangue, o espaço onde ele fica, não é manchado, em uma pequena amostra de que as pragas e pestilências não ocorreriam de maneira alguma com o povo escolhido. Essa face intervencionista de Deus está presente o tempo inteiro no livro sagrado dos judeus e cristãos, no entanto, ela é ignorado por boa parte dos fiéis e dos porta-vozes da fé, o que é uma pena. Não é preciso ser especialista em teologia para perceber que o caráter do Criador segundo as sagradas escrituras citadas sempre foi a favor do povo oprimido, e esse deveria ser o maior dos símbolos. O Príncipe do Egito acerta em cheio, pois ainda que a intervenção do Deus seja enérgica, e por vezes cruel, há benevolência em suas ações e intenções, e não busca por glória ou egoísmo.

    A questão do Anjo da Morte repetindo a matança dos bebês judeus do início do filme é uma boa demonstração de que a vida cíclica, e claro, é uma resultante do conceito da lei da Semeadura, onde os egípcios colhem a mesma desventura que plantaram anos atrás. Os momentos finais são épicos e dignos, semelhantes ao último ato de uma ópera. Os milagres divinos são grandiosos, postos em tela de maneira tão eloquente e fortificam a ideia de uma das últimas canções entoadas pelos imigrantes.

    A ruína de Ramsés se dá exatamente onde mais dói, não fisicamente mas em seu ego, com ele sobrevivendo para perceber seu reinado e o legado de seu pai entrarem em decadência, tudo porque ele não quis ceder aos seus caprichos. Essa talvez seja a mais poética versão dos fatos ocorrido no livro do Êxodo, e graças ao trabalho hercúleo tanto das composições de Stephen Schwartz (adaptadas magistralmente para o português na versão brasileira), e ao alto custo da produção, conseguiram traduzir de maneira certeira uma história inspiradora, mesmo com a pressa e a supressão de muitos pontos polêmicos da biografia do que seria o personagem histórico de Moisés.

  • Crítica | Jesus de Nazaré: O Filho de Deus

    Crítica | Jesus de Nazaré: O Filho de Deus

    Lançado na época dos feriados pascais a fim de angariar algum público durante as folgas religiosas, Jesus de Nazaré: O Filho de Deus é um filme espanhol, dirigido por Rafa Lara, que diz começar pelo ano um depois de Cristo, embora a gênese de sua história seja no ano da morte do Cristo. O primeiro cenário é um castelo, que tem uma legenda bem grande afirmando ser o Palácio de Caifás, um dos líderes religiosos judaicos, descrito no filme como servo do governo romano, ajudando o domínio europeu que é erguido com mão de ferro.

    O primeiro dos aspectos discutíveis do filme é uma narração bastante intrusiva, que dita todas as emoções que o espectador vai sentir, sem permitir que o público tire suas próprias conclusões, pouco importando se atuações, roteiro e atmosfera do filme. A questão é que ao se assistir um pouco do desempenho dos atores, entende-se a escolha por esse artifício, já que o desempenho do elenco não funciona bem, talvez por conta do roteiro confuso, com passagens de tempo muito mal encaixadas, fortalecendo um formato de narrativa por contos.

    Outra questão complicada é a atmosfera, que é pouco ou nada criada aqui. As locações, em meio ao deserto servem bem aos subúrbios das cidades de Israel ou aos lugares em que Jesus pratica seus bons atos, mas em alguns dos seus milagres ou no momento próximo de sua crucificação se nota as dificuldades orçamentárias. Na multiplicação de pães e peixes, o Jesus de Júlian Gil põe um pano sobre a cesta de alimentos, depois a levanta, e se percebe um corte mal feito, gritante quando se trata de um filme para o cinema, e na via crúcis, momento emocionante, se nota que os capacetes dos soldados foram totalmente improvisados. Há peças de igrejas católico-evangélicas que fazem isso melhor.

    Gil não parece ser um mal ator, mas seu Jesus é sem carisma e sem beleza, não acompanha o visual histórico correto e nem consegue ser uma versão mais eurocentrista, como em Jesus de Nazaré, de Franco Zefirelli, ou Paixão de Cristo, de Mel Gibson. Pior, na cena em que se exige dele, em um momento de ira ao se deparar com o consumismo que tomou o templo de Deus, o ator sequer consegue parecer irritado ou ameaçador, e para piorar, a câmera ainda passeia pelo cenário, e tenta pegar ângulos mais alternativos, numa tentativa de direção moderna, mas que simplesmente não funciona.

    Nenhum dos apóstolos se destaca, nem Pedro ou Judas. Há uma tentativa de dar importância aos papéis de Caifás e João Batista, mas eles também não sobressaem, nem mesmo Sergio Marone, ator brasileiro que interpreta Pôncio Pilatos consegue ter algum destaque – curiosamente, a cena mais simbólica e emblemática ao se lavar as mãos é feita no escuro, em secreto, longe dos olhos do povo e do espectador.

    A maioria dos diálogos é artificial, com frases de efeitos que sequer combinam com uma adaptação bíblica, assim como os momentos que deveriam ocorrer ações sobrenaturais. O encontro de Moisés, Elias e Jesus parece tirado de um episódio barato de The Walking Dead (vazio de qualidade visual) e o diabo é claramente uma cópia do que Gibson já havia feito em Paixão de Cristo. Da parte narrativa, Jesus induz o traidor a escolher o caminho do mal.

    Jesus de Nazaré: O Filho de Deus é um filme complicado, caça-níquel que não consegue ter pompa sequer para ser um bom filme religioso. Em seu começo a narração irrita, mas fato é que sem ela, talvez boa parte de sua trama não fosse entendida, e a escolha pela não linearidade se mostrou uma saída tola, tão fraca quanto o restante do filme.

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  • Crítica | Rei dos Reis

    Crítica | Rei dos Reis

    Obra de grande investimento da MGM, Rei dos Reis é um filme bíblico clássico conduzido por Nicholas Ray, o mesmo responsável pela direção de Juventude Transviada. Depois de uma longa abertura, pontuada pela bela música de Miklos Rosza, começa finalmente a ação, narrada pelo general romano Pompeu, vivido por Conrado San Martin, e através de seu relato percebe-se o tempo de escravidão que Israel sofria sob o domínio do Império Romano.

    A produção era cara, mas não tão pomposa quanto foi Cleópatra, lançado dois anos depois. Nos momentos iniciais, se mostra um pouco do que seria a gênese da vida do Messias, mostrando um pouco das tramas políticas que reinavam em Roma, culminando na perseguição que Herodes praticou aos primogênitos hebreus. Mostra-se também em detalhes sua queda, a briga pelo trono que seu filho travou, e obviamente, o retorno de José e Maria. Incrivelmente o filme é bastante fluido, algo não muito comum em adaptações bíblicas, aparentando uma certa modernidade no modo de contar sua história.

    O roteiro funciona mais como um resumo dos evangelhos do que como uma trama coesa e isso é uma pena, pois tanto Ray quanto Jeffrey Hunter, intérprete de Cristo estão muito bem. O ator inclusive ganharia uma fama tardia por seu papel como Christopher Pike no primeiro piloto de Jornada nas Estrelas. Ao menos nos episódios mais famosos da biografia do Filho de Deus há um belo desempenho de Hunter, mesmo que os momentos como o apedrejamento da mulher adúltera ou o destino de João o Batista primem pela artificialidade, não do ambiente, mas da situação.

    Philip Yordan conta em seu roteiro com uma valorização de Barrabás, mostrando-o como um ativista político, belicoso e forjador de armas, que não se vê seguindo um profeta pacifista, ainda mais na situação que seu povo está. Apesar de exagerada, a questão contém um pouco das características que também seriam associadas a Judas Iscariotes, o apóstolo que pensava que Jesus deveria ser mais enérgico e interferir diretamente na servidão do povo de Israel.

    Rei dos Reis ganhou fama em sua época por ser um filme que tratava da história de Jesus sem o receio de mostrar como o povo judeu foi ingrato com o profeta que lhes deu tudo, pavimentando o caminho para que Franco Zeffirelli fizesse Jesus de Nazaré e Mel Gibson realizasse A Paixão de Cristo. Ainda assim, o filme soa bem menos grandioso do que Os Dez Mandamentos, de Cecil B. Demille.

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  • Crítica | A Última Tentação de Cristo

    Crítica | A Última Tentação de Cristo

    A Ultima Tentação 1

    Apelando para a dubiedade do espírito humano, Paul Schrader adapta o texto original de Nikos Kazantzakis, que por sua vez desvirtua e se desvincula de qualquer história contada nos evangelhos. Mesmo com o aviso, enquanto a trilha incidental ainda apresentava a abertura do filme, A Última Tentação de Cristo não conseguiu fugir das polêmicas, sendo constantemente censurado, editado e proibido em diversos períodos e países ao redor do globo.

    A proposta intimista exibe por quase três horas a história do carpinteiro Jesus, interpretado pelo jovem Willem Dafoe, que em seus dias sofre uma perseguição pontual de um homem ruivo e agressivo, o ativista anti-romano chamado Judas Iscariotes (Harvey Keitel). Em todas as oportunidades, humilha o protagonista da jornada, criticando-o pela letargia de trabalhar fabricando cruzes, que, em essência, é a maior arma que os romanos usam para humilhar os judeus, já que tradicionalmente a cruz simboliza maldição, sendo proibido sentenciar um cidadão romano à crucificação.

    Já nos primeiros momentos de exibição, há uma dupla inversão de valores, com a representativa caminhada de Jesus carregando a parte superior das cruzes, debochando de antemão da via crucis, tornando física a revolta anunciada por Iscariotes e a violência física contra a conhecida meretriz Maria Madalena (Barbara Hershey), agindo de modo tão sensacionalista quanto o militante arruivado, levando as joias que carrega sobre o rosto para cuspir em sua face.

    A face patética de Jesus esconde algo fundamental, tendo neste paradigma o ponto em comum com o texto bíblico, demonstrando que o Chamado Divino é o seu fardo, como espíritos amaldiçoados que vagam ao seu redor produzindo um tormento sem precedentes. A peregrinação pelo deserto emula a mesma viagem que o escritor original da Torah, Moisés, fez para ter também com Jeová. Ainda que a intenção de Jesus fosse outra, a de se livrar do pesado jugo proposto a ele, pôde-se enfim dar vazão às suas necessidades, indo de encontro a Madalena.

    Paciente, ele aguarda vendo todos os homens ao seu redor deitarem-se com sua amada, demonstrando a mesma letargia de outrora, uma dificuldade em assumir o que queria, tomado por um temor de não ser bom o bastante para nenhuma das tarefas a que foi designado, desde as que jamais escolheu até as que naturalmente assumiu. O medo é fruto do sagrado, receio de quebrar promessas a um ser invisível e supremo que determina o destino de todos os que estão sob a jurisdição terrestre, sentimento comum a muitos fiéis e devotos do cristianismo pós anos 2000.

    Aos poucos, o eremita aceita seu chamado, ainda que sua postura seja cautelosa, fruto de uma rejeição tipicamente teatral que exibe grande parte das incertezas humanas, aproximando o anunciado arquétipo, demonstrado por Nietzsche, do homem perfeito perante o homem comum, medroso, repleto de falhas e com coragem moderada, quase nula. Mesmo o “aceitar” de seu fardo não é pleno; o reconhecimento é gradativo. Enquanto outros servos trabalham durante toda uma vida para se aproximar do criador, o personagem biografado tem livre acesso às palavras do alto, chegando ao ponto de subvalorizar sua própria interferência e seus talentos.

    Logo, os caminhos de Judas e Jesus mais uma vez se cruzam, sob a pena de o militante político assassinar o nazareno. Antes de se cumprir o sacrifício voluntário do “cristo”, Judas percebe a mudança postural do seu conhecido, ainda que de forma mínima. A volta à terra de Jerusalém pontua-se pela Palavra de Conhecimento – termo que designa um dom, no livro de Atos – onde Jesus provoca o primeiro milagre político, tendo total ciência da intimidade do respeitado Zebedeu (Irvin Kershner, diretor de O Império Contra-Ataca), e o freia em sua fúria assassina e machista. Após o fato, o carpinteiro lança mão de sua origem agrícola e humilde para falar diretamente ao povo, conseguindo um alcance popular que nenhum político catedrático conseguira antes, repetindo palavras otimistas que incrivelmente fugiam do lugar comum em tempos de escravidão, e que faziam confundir a incauta plebe, a qual achava que o discurso do homem era para enfrentar os opressores.

    Nadando na contramão do óbvio, o resignado Messias faz lavar os pés da mulher que se deitou com milhares de homens, citando passagens canônicas do judaísmo e do cristianismo, mas em uma ordem conveniente à versão mais humanizada do conto. O homem do campo passa a ser chamado de Rabi, mesmo pelo sujeito que quis matá-lo, e começa a formar seguidores, homens que dependem de seus discípulos para viver, e que não tem qualquer alento ou esperança fora os seus mandamentos inseguros. A certeza de caráter cresce em uma subida íngreme, que se fortifica à medida que o caminho é traçado. No entanto, a ordem dos zelotes ainda perturba Judas, apesar de sua crença no messianismo de Jesus se manifestar cada vez mais frequentemente.

    A mais brilhante faceta da realização de Martin Scorsese é mostrada antes mesmo da obra completar uma hora de duração, quando os Pentecostes pós-Evangelhos se amalgamam com ao batismo do profeta e anunciador da vinda do Salvador, João, o Batista (Andre Gregory), um homem de aparência e vestes grotescas, que comanda um culto onde mulheres nuas batem cabeça como se estivessem possuídas por algo maior, pela mesma manifestação comum aos terreiros de religiões de matiz africana que cristãos fundamentalistas demonizam, mas que visualmente nada diferem das manifestações alegadas à ação do Espírito Santo, que na Bíblia seria o substituto físico do Deus Filho. O batismo aquático seria o carimbo, o primeiro passo da comprovação da missão de resgate aos homens confiado ao corpo do Cristo, a testificação, chamada Rhema (palavra falada e direta), que se insere no interior emocional do iluminado em ascensão.

    As visões a que o personagem título é submetido se confundem com devaneios, fazendo alegoria ao autoengano, algo muito comum em alguns dos que professam uma fé recalcante e excludente, que está mais disposta a acusar do que acolher. A diferença básica é que, como nos escritos sagrados, Jesus repele tais indicações e tentações, não cedendo a qualquer julgamento prévio, pautando seu agir e julgar na verdade, e não em ditos sofistas.

    O imprescindível realismo do script revela um Lázaro (Tomas Arana) ressuscitado não da forma conveniente como os filmes bíblico convencionais, mas sim como um moribundo, um morto andante que guarda semelhanças enormes com as criaturas ressuscitadas nos apocalípticos filmes de George A. Romero, exibindo a contrapartida dos milagres jesuínos, nem sempre maravilhosos, algumas vezes macabros e inconvenientes. A carne putrefata de Lázaro exala um odor forte, e serve basicamente para demonstrar o poder do Cristo encarnado, já que, daquela sub-vida, nada novo surgiria, nada proveitoso seria estabelecido, além da óbvia referência miraculosa que chegaria aos ouvidos dos poderosos romanos.

    O auge do orgulho inflamado de Jesus se dá após um justificado ataque de raiva. Sua ira e violência imperam despejando-se sobre os comerciantes, que fazem do templo sua feira, uma rajada de impropérios, xingamentos que atingem a moral daqueles homens, denunciando todos os maus atos e a banalização do santificado que fazem. Em defesa do povo, há os doutores da lei, que usam o pretexto do câmbio da moeda para exercer a prática lucrativa na casa que deveria ser de deus, usando do poder sacerdotal para enriquecer levianamente. Sempre aos olhos da multidão, que nada faz além de consumir e financiar a vergonha lucrativa.

    É para destituir o sistema corrupto dos romanos, e escancarar a hipocrisia dos fariseus e saduceus, que Jesus permite a Judas se “corromper”, entregando-o ao destino cruel que sofreria, para então fechar a esfera da cruz. O viés pensado para justificara traição é mais plausível, política e verossímil do que os livros de Mateus, Marcos, Lucas e João, além de retratar melhor a contemporaneidade de Jesus e a atualidade.

    A partir da segunda hora de exibição da obra é que mora a principal polêmica do filme, com a saída do crucificado antes do estabelecimento da condição de cadáver. Ele é visitado por um infante querubim de formas humanas, o símbolo da inocência que o livra do fardo desnecessário, como em Abraão e Isaque, no Gênesis. A partir deste ponto, o Messias pode seguir sua vida normativa, sofrendo perdas e ganhos como qualquer reles mortal. A  tratativa de sua rotina é muito mais calcada no “se fazer carne” do que no conteúdo das escrituras sagradas.

    Já na velhice, Jesus recebe a visita de seus seguidores do passado, revelando o infortúnio causado a Israel desde a aposentadoria do Messias, que decidiu não morrer, mostrando que a celeuma e a rendição à mediocridade foram os fatores que primordialmente perverteram os rumos históricos da região, devendo ser consumada sua morte para que o seu povo – e não a humanidade – tivesse qualquer chance de salvação, fazendo dele uma criatura muito mais política do que um baluarte de religiosidade.

    Apesar das muitas acusações de sacrilégio, usando-se de passagens isoladas e fora de contexto para justificar as negativas falas, A Última Tentação de Cristo cumpre um importante papel de reflexão, a despeito da moral encontrada na Bíblia Sagrada, exemplificando de maneira bem didática o viés revolucionário da figura messiânica, afastando de si a possibilidade de ser o incentivo e inspiração para o mote do fundamentalismo religioso em voga no discurso de tantos sacerdotes e líderes ditos religiosos. O Cristo de Scorsese, Kazantzakis e Schrader habitou a humanidade, viveu seus pecados e seus medos, e a humanidade habitou em si, se fazendo carne na figura que devia ser deus, aproximando divindade do humano. Como uma singela e sincera ponte para o Divino.

  • Crítica | Êxodo: Deuses e Reis

    Crítica | Êxodo: Deuses e Reis

    Êxodo - Deuses E Reis 1

    A frieza dos números proferidos antes da ação começar é quase como um alerta, um aviso aos desavisados sobre a morosidade que estava prestes a ocorrer. Passados 1300 anos antes da “era comum”, somados a 400 anos de escravidão do povo hebreu, Ridley Scott foca a parte burocrática da Bíblia para introduzir o público no épico que retrata o segundo livro das escrituras cristãs sagradas, no qual se destaca um povo devoto, apesar das adversidades que ocorrem em seu cotidiano escravagista.

    O Moisés de Christian Bale seria um resistente. Mesmo nas cenas em que é mostrado agindo a favor do país que o acolheu, percebe-se um bocado de hesitação, fruto de uma desconfiança ainda não justificada, visto que o filme começa com o protagonista já adulto. Coincidentemente, a trajetória do Libertador começa semelhante a de outro herói ao qual Bale deu vida, pois Batman e Moisés começam suas jornadas na meia-idade – ainda que em Batman Begins haja variados flashbacks da traumática infância do destemido protagonista, e o segundo já comece mostrando Moisés ornado com vestes douradas, remetendo à condição real do hebreu criado no palácio.

    Um dos pontos facilmente notáveis é a estrutura narrativa “clonada” de Gladiador, talvez o último sucesso indiscutível do diretor. A posição do herói, antes ao lado do tirano império para depois voltar-se contra ele, é a mesma, assim como a estranha coincidência entre Maximus e Moisés, ambos muito admirados por seus mentores, em detrimento da figura que sucederia o trono da instituição monárquica. Reside o primeiro dos muitos problemas de Êxodo na completa ausência de interpretação do estrelado elenco. Quase todas as performances são realizadas no piloto automático, exceção, talvez, de John Turturro, que faz um iluminado Seth – faraó do começo do filme. Sigourney Weaver, Ben Kingsley, Bale e até Joel Edgerton atuam de forma mecânica, com muitas dificuldades de demonstrar qualquer sentimento em tela, o que prejudica demais a rivalidade que deveria haver entre o futuro faraó Ramses (Edgerton) e seu primo/irmão Moisés.

    Apesar do caráter épico da obra e das cenas em CGI serem deslumbrantes, o mesmo não se pode dizer da postura do protagonista. O Libertador de Israel deveria mostrar-se um sujeito em franca evolução, um incrédulo que passa a acreditar no Deus de seus pais e que, com o tempo, retorna a confiança que tinha desde os tempos em que reinava sobre todos. Quanto à primeira parte, não há crítica alguma. Bale consegue interpretar bem o herói falido, mas não consegue ser nada parecido com o colossal personagem bíblico. Não parece a figura imponente que deveria subjugar o inimigo comum do Povo de Deus, representado por Babilônia e Roma em tempos posteriores e neste, mostrado como o Egito. A frase dita pelo príncipe egípcio de que “a verdade não é uma boa história” se encaixa perfeitamente no arquétipo do personagem, ainda que essa “verdade” seja bastante discutível.

    A primeira recusa ao chamado transforma Moisés em um homicida, em uma versão diferente da bíblica, mas fiel em essência e ideia. Esse é o catalisador da mudança que o leva a ser pastor e pai de família. No entanto, a transição é problemática, pois seu retorno à terra dos escravos como um eremita faz Moisés parecer insano, um louco que cedeu à pressão dos muitos anos no deserto, movido por vozes de Um Invisível. O estigma de louco piora ao revelar o comportamento de seu futuro discípulo, Josué, vivido por um Aaron Paul ainda mais entorpecido do que em Breaking Bad.

    Moisés logo abandona o arquétipo de resignado profeta para se tornar um guerrilheiro visionário, liderando os seus como o general que inspira a resistência aos tiranos. Os métodos que começa a usar são pouco ortodoxos, extremamente belicistas, errados aos olhos do Criador. A ideia de mostrar os hebreus insatisfeitos é bela – e válida –, mas soa forçada e inverossímil.

    Há uma tentativa de compensação das falhas de conteúdo com o realismo auto infligido às pragas egípcias. O visual é belo, mas não consegue esconder as terríveis falhas de motivação dos personagens centrais, especialmente o estupefato comportamento do líder israelita, que não tem qualquer segurança em seus mandos e desmandos.

    Nota-se uma leve elevação da qualidade dos filmes de Ridley Scott, mas que é somente notada pela extrema decepção que foram O Conselheiro do Crime, Robin Hood e Prometheus. Moisés é um libertário sem nuances, um líder irresoluto durante a fita inteira, incapaz de evoluir, distante demais do arquétipo de Libertador, como é conhecido na Bíblia Sagrada, não inspirando qualquer confiança ou avidez por mudança. Êxodo: Deuses e Reis tenta ter pompa e procura ser magnânimo, mas sofre os defeitos de concepção, injustificáveis sequer pelo fato de ser um blockbuster.

  • Crítica | O Filho de Deus

    Crítica | O Filho de Deus

    Son of God

    Vésperas de Páscoa e Natal, as duas ocasiões preferidas pelas distribuidoras para o lançamento de filmes com mensagens cristãs ou obras sobre o próprio Jesus. Teoricamente, é nesse período em que muitos dos que se denominam adeptos ao cristianismo, mas quase não se lembram do fato, trazem à tona a suposta admiração que nutrem por este personagem histórico e seus feitos registrados e conhecidos por meio dos evangelhos da Bíblia Sagrada.

    Na cronologia da sétima arte já tivemos boas películas sobre o ícone religioso. Nicholas Ray trouxe O Rei dos Reis em 1961. O mesmo rigor formal e habilidade técnica, testemunhados em sua obra-prima Juventude Transviada, podem ser encontrados neste relato honesto da história narrada pelo Novo Testamento. Contando com a presença de Orson Welles como produtor e narrador da obra, este é, indubitavelmente, o melhor filme sobre Cristo já lançado. Mas temos também a versão contada pelo italiano Franco Zeffirelli (A Megera Domada), que foi responsável pelo material mais extenso sobre a vida do Filho de Deus, chegando a lançá-lo como minissérie, e somente depois relançando-o numa montagem alternativa, e ainda assim enorme, como longa-metragem. Ninguém mais ninguém menos do que Martin Scorsese também debruçou-se na análise do personagem, e desta surgiu em 1988 A Última Tentação de Cristo, outra ótima obra que, se não abrange todos os períodos da vida de Jesus, esbanja elementos de seus momentos mais emblemáticos, e com toda a competência esperada do diretor de Taxi Driver e Touro Indomável. Mel Gibson, por sua vez, matou (inclusive literalmente) vovozinhas de tristeza nas salas de cinema ao registrar toda a ultraviolência (e nada mais do que realista) na abordagem do período denominado como A Paixão de Cristo, também nome do filme (que ficou mais conhecido como A Paixão de Cristo de Mel Gibson). Falada em aramaico, a película é corajosa e traz um “quê” fidedigno de um novo e eficaz olhar sobre a desgastada história adaptada tantas vezes de forma rasteira por cineastas pouco talentosos no intervalo entre A Última Tentação e A Paixão.

    E, agora, eis que surge O Filho de Deus, dirigido por Christopher Spencer. Quem é este? Famoso por seus documentários no canal National Geographic e sem nenhum longa-metragem de ficção no currículo. E é exatamente esta completa inexperiência em dirigir uma história que Spencer exala em todos os insuportáveis e intermináveis 138 minutos de projeção. Em tela, o que parece é que o cineasta reuniu manuais e manuais dos mais batidos recursos cinematográficos e decidiu utilizar todos de uma vez. Então não falta nenhum dos inúmeros clichês que já não funcionam recorrentemente e soam piores ainda na readaptação de uma história tantas vezes já contada. Temos narração em off mal utilizada, que serve apenas para costurar os buracos do péssimo roteiro; flashbacks (apenas um dos elementos da terrível montagem do filme); diálogos expositivos; panorâmicas e mais panorâmicas que enfatizam os absurdos cenários digitais desenvolvidos para a obra; trilha sonora que pontua cada nova palavra dos personagens –  e quase ordena: “emocione-se com Jesus”, “tenha raiva dos Romanos”, “atente-se para as atitudes de Judas, ele é o traidor” –; cenas em slow com o acompanhamento da edição de som para causar “maiores” e previsibilíssimos impactos – a pedra que cai no chão e é acompanhada por um som de canhão disparando, a cruz que é derrubada enquanto Jesus cai lentamente e novamente ouvimos um estrondo grave. E, realço, tudo isso acontecendo diversas vezes em um filme com mais de duas horas de duração.

    E o que mais assombra na longa obra do Spencer é que não existe NADA de novo, a não ser o fato de Maria Madalena também ser mostrada, desde o início, como uma seguidora de Jesus, algo que o cinema, por vezes, não quis mostrar. A não ser por esse fato, O Filho de Deus é um mais do mesmo piorado à milésima potência. Jesus aparece como um Rockstar da Galiléia, bonitão, com um sorriso no rosto, realizando mágicas – que é como soam os milagres nas mãos do péssimo diretor – e com as criancinhas correndo atrás dele, gritando seu nome e pedindo autógrafos (ok… esse último eu inventei, mas não me surpreenderia caso acontecesse). Baixo orçamento ou não – e não acredito que os 22 milhões de dólares gastos na produção sejam baixo orçamento – nada, e faço questão de repetir, NADA justifica o desleixo com os efeitos especiais e com a direção de arte do longa. A introdução do filme, com cenas que vão desde a criação do mundo ao nascimento de Cristo, já mostra a baixa qualidade do que será visto a posteriori. A estrela de Belém… o figurino dos Reis Magos… A tomada panorâmica de Jerusalém… O interior dos templos judaicos… Tudo artificial e completamente “incrível”. Parece que alguém brincou de ser supervisor e designer de efeitos especiais e chamou um amigo para a brincadeira pra se fazer de diretor de arte.

    Como dito anteriormente, o roteiro é péssimo, forçando o espectador a manter uma empatia com o protagonista, interpretado pelo fraco ator português Diogo Morgado, e seus discípulos, que alternam atuações risíveis a vergonhosas. Os diálogos abusam da obviedade e acompanham o completo desinteresse das cenas cada vez mais insuportáveis da projeção. O diretor da obra não consegue concluir uma cena sem que seus cortes transmitam a enorme sensação de que estamos vendo uma obra displicente, sem nenhum apuro técnico, nem ao menos uma revisão do material final. Será que ninguém da produção notou os drásticos erros de continuidade nas cenas da multiplicação dos pães e peixes, ou até mesmo no momento em que o povo escolhe Barrabás a Jesus. Inconcebível.

    E o mínimo esperado, o sofrimento do Filho de Deus nos transmitindo algum tipo de emoção, não acontece. Talvez por A Paixão de Cristo de Mel Gibson ter retirado de nós quase todo arroio sentimental que teríamos em relação às chicotadas ou às marteladas imputadas ao personagem, ou talvez por nova incompetência da obra (que é, na realidade, a tese mais provável), as cenas “de sofrimento” são apenas isso: sofríveis; assim como o resto do filme, que se encerra numa tentativa de transmitir esperança, mas faz o contrário: nos assusta quanto à qualidade das próximas adaptações de conteúdo religioso que estão para estrear neste e no próximo ano. Que ao menos não contem com a direção de Christopher Spencer, verdadeira mostra de como não realizar um longa-metragem.

    Texto de autoria de Rodrigo Rigaud.