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  • Crítica | Bird Box

    Crítica | Bird Box

    São muitas as assombrações, muitos os demônios correndo soltos entre nós. O diabo mora no pequeno detalhe de que eles são atraentes. Uma pequena olhada em suas faces e é bem possível que nos entreguemos a seu poder de conquista. Mas esses demônios não querem apenas nos conquistar, sua satisfação é nos levar ao limite, à destruição, à autodestruição.

    [Esse texto contém spoilers. Não descrições de cenas e desfechos, mas interpretações da história. Sugestão: tendo chegado até aqui, assistir o filme é retornar a este ponto para o restante da leitura do texto.]

    Apesar de a descrição do filme indicar que se trata de drama, não é um erro de percepção entender que se está assistindo uma história de terror. A humanidade está sendo atacada por uma força incontrolável, que não se consegue explicar e que se espalha extremamente rápido. Ao primeiro, simples e breve contato com essa força, o indivíduo se torna autodestrutivo e comete suicídio logo em seguida.

    O enredo se confunde com a história de Malorie (Sandra Bullock), que, grávida já em estado avançado, se depara com as primeiras “contaminações” próximas a ela justamente quando saía do hospital onde havia ido para mais um exame pré-natal. Ela ainda, mesmo já no final da gravidez, não estava certa se queria ser mãe.

    Quando o contágio começa em sua cidade, se alastra de forma estupidamente rápida. O cenário de caos e destruição é apocalíptico. Não apenas um contingente enorme de pessoas ao seu redor, mas inclusive sua irmã Jessica (Sarah Paulson) que dirigia levando-as de volta do hospital para casa se mata.

    Malorie, caída na rua, tentando fugir do contágio e recém espectadora do suicídio da irmã, acaba se refugiando na casa de um estranho, juntamente com outros seus completos desconhecidos. Naquele refúgio, eles viverão pelos anos seguintes. Ela, que até ali era uma pintora solitária e reclusa, que praticamente não saia de casa (até suas compras de supermercado quem fazia e a levava era sua irmã), há muito não falava com a mãe, passará a viver com diversos estranhos, um dia após o outro, lutando pelo mais básico: sobreviver.

    Não bastasse a profunda metáfora da história, o filme é excelente também pelo nível excepcional de mistura de sentimentos e tensão da história. Suas duas horas passam muito rapidamente, graças a seu enredo muito bem construído. A sequência de fatos, de profundidade das mensagens de cada cena, cada diálogo nos faz ficar vidrados na tela. Embora não seja possível aqui falar sobre o livro que baseia o filme, é relativamente certo que Josh Malerman (autor do livro que deu origem ao filme) entrega uma obra profunda. Também não sendo aqui viável julgar falhas isoladas do livro ou do roteiro do filme, percebe-se que Eric Heisserer (A Chegada) poderia ter feito uma melhor adaptação para tornar a história mais verosímil. Explicações a respeito de disponibilidade de energia elétrica, água e suprimentos gerais ficam um tanto quanto falhas, especialmente se considerarmos os cinco anos em que ocorre a história entre o momento do hospital e o desfecho do filme. Isso não chega, contudo, a comprometê-lo, são detalhes menores diante de todo o resto.

    A direção de Susanne Bier (Serena) coroa atuações fenomenais de todos os atores. Sua condução leva a um nível próximo do perfeito de dramaticidade e explosões de emoções. Bullock encarna Malorie a ponto de quase nos fazer esquecer que se trata apenas de uma atriz interpretando um papel. Os companheiros de morada de sobrevivência de Malorie: Douglas, Tom, Cheryl, Lucy, Olympia, Charlie, Felix e Greg, são trazidos à vida por excelentes atuações de (respectivamente) John Malkovich, Trevante Rhodes, Jacki Weaver, Rosa Salazar, Danielle Macdonald, Lil Rel Howery, Machine Gun Kelly e BD Wong. Destacam-se também as interpretações de Paulson, das crianças Vivien Lyra Blair e Julian Edwards, além de Tom Hollander (Gary) – convincente e importantíssima, por sinal.

    Verdadeira trama filosófica, a história nos faz refletir sobre: o quão atrativas são as promessas de satisfação e prazer ao nosso redor (consumo desenfreado, prazeres momentâneos, drogas, soluções rápidas e fáceis para nossos problemas mais complexos?) e ao mesmo tempo quentou elas nos levam à destruição; pessoas próximas a nós que podem de uma hora para outra se entregar a isso; indivíduos aparentemente frágeis poderemos fortes e resistir a essas tentações e mesmo salvar outros de nelas caírem; pessoas ranzinzas, mal-humoradas, de mal com a vida podem ser importantes em apoiar nessa resistência; existirem pessoas deslumbradas com aquelas promessas, as quais conseguem, contudo, resistir à autodestruição, e também sentirem satisfação em levar outras a sucumbirem; tentar ajudar uma pessoa aparentemente frágil poder ser uma armadilha de um ser ardiloso e vil; a fragilidade da juventude, que se entrega facilmente aos prazeres e à satisfação, acreditando ser imbatível; a existência de comunidades dedicadas a entender a importância de se manter cego a tais promessas e como ler sobre essa cegueira (a alegoria da escola para cegos no final do filme é fenomenal); dentre outras questões nas entrelinhas.

    Como uma linha que costura todas as peças de pena que compõem todo esse tecido, se apresenta a importância da mãe como protetora, guia e educadora de suas crias. Sem perder de vista o risco da super proteção e do exagero (incluindo o potencial de fazer o filho lhe temer e querer se afastar de si), somos colocados diante do fundamental papel da mãe que se mantém cega e cega seus filhos para a contaminação da maldade. Pássaros se agitam com a aproximação do mal, é importante estarem isolados dele (engaiolados?) e voarem em ambiente seguro!

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior.

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  • Resenha | Caixa de Pássaros – Josh Malerman

    Resenha | Caixa de Pássaros – Josh Malerman

    Caixa de Pássaros 1

    Mesmo no preâmbulo da história contida em Caixa de Pássaros, não há qualquer menção a tranquilidade. O romance de Josh Malerman utiliza seu ponto de partida como um lugar comum onde a tensão e sensação de tragédia coabitam harmoniosamente, interferindo nos desígnios e prospectivos de vida de Malorie e seus dois filhos. O senso de urgência faz a família fugitiva estar apta para sobreviver, mesmo os infantes sabem exatamente o que fazer, e não demoram a sair da letargia e partir para ação. Tal perspectiva rasga o coração da mãe, que enxergava no comportamento de seus filhos, o ideal de curiosidades com a vida, e não necessariamente o temor por ela.

    O estado do mundo é calamitoso, e aos poucos revelados. O que se sabe no início do conto é que uma violência atroz acomete os humanos que cruzam as ruas sem vendas nos olhos, com atos de violências capazes de causar morte, tumulto e muitos atos de ódio. Após morar um tempo em uma casa abandonada, a beira do lago, Malorie deseja alcançar um lugar seguro, um refúgio, chamado de santuário, mas que está distante demais de sua localidade atual.

    No convívio com outros homens é demonstrado que sua paranoia de Malorie não é algo isolado, ainda que o perigo que os cerca seja ainda não revelado, permanecendo na mente do leitor como um vulto, distante de ganhar contornos reais. O perigo prático deles incorre sobre a dificuldade em manter suprimentos, especialmente aos que sofrem de vícios com bebidas e cigarros, já que em estado de sítio, achar tais bens torna-se uma hercúlea tarefa. Quase tão assustador quando a ação das criaturas, é a condição de completo abandono das cidades e lugares antes habitados. A descrição que Malerman exibe, descreve um retrato semelhante a aridez que predomina em outros cenários póstumos ao fim da civilização, como Mad Max, Livro de Eli e Eu Sou A Lenda, piorado e muito pelo protagonismo materno, que teme por si e principalmente por seus herdeiros, lamentavelmente lançados em um ambiente hostil demais.

    As tentativas de fuga deixam marcas nos personagens, mesmo quando são bem sucedidos. Os hematomas que causam dor nos membros inferiores servem como lembrete da mortandade que se aproxima. A catástrofe paira sobre a cabeça das personagens, usando a gravidez de Malorie como função narrativa para aumentar a urgência na tentativa de escapar daquele cenário hostil, piorando a situação quando um parto se vê prestes a acontecer.

    Caixa de Pássaros se baseia em um terror evocando uma estranha criatura, que ajuda a tornar ainda mais ambíguo o sentimento materno, já que as intenções do “monstro” também são ligadas ao cuidado da cria. O conjunto de alegorias é muito grande, apesar de óbvias, especialmente no que tange o uso das vendas oculares para salientar a alienação do mundo, tanto o particular do livro de Josh Malerman, quanto com a sensação de que o perigo não mais habita a rotina dos personagens, mas que pode retornar a qualquer momento, paralelo fundamental com a realidade contemporânea, em especial a cenários reais que já tiveram em situações catastróficas.

    Compre: Caixa de Pássaros: Josh Mallerman