Tag: Eric Heisserer

  • Crítica | Bird Box

    Crítica | Bird Box

    São muitas as assombrações, muitos os demônios correndo soltos entre nós. O diabo mora no pequeno detalhe de que eles são atraentes. Uma pequena olhada em suas faces e é bem possível que nos entreguemos a seu poder de conquista. Mas esses demônios não querem apenas nos conquistar, sua satisfação é nos levar ao limite, à destruição, à autodestruição.

    [Esse texto contém spoilers. Não descrições de cenas e desfechos, mas interpretações da história. Sugestão: tendo chegado até aqui, assistir o filme é retornar a este ponto para o restante da leitura do texto.]

    Apesar de a descrição do filme indicar que se trata de drama, não é um erro de percepção entender que se está assistindo uma história de terror. A humanidade está sendo atacada por uma força incontrolável, que não se consegue explicar e que se espalha extremamente rápido. Ao primeiro, simples e breve contato com essa força, o indivíduo se torna autodestrutivo e comete suicídio logo em seguida.

    O enredo se confunde com a história de Malorie (Sandra Bullock), que, grávida já em estado avançado, se depara com as primeiras “contaminações” próximas a ela justamente quando saía do hospital onde havia ido para mais um exame pré-natal. Ela ainda, mesmo já no final da gravidez, não estava certa se queria ser mãe.

    Quando o contágio começa em sua cidade, se alastra de forma estupidamente rápida. O cenário de caos e destruição é apocalíptico. Não apenas um contingente enorme de pessoas ao seu redor, mas inclusive sua irmã Jessica (Sarah Paulson) que dirigia levando-as de volta do hospital para casa se mata.

    Malorie, caída na rua, tentando fugir do contágio e recém espectadora do suicídio da irmã, acaba se refugiando na casa de um estranho, juntamente com outros seus completos desconhecidos. Naquele refúgio, eles viverão pelos anos seguintes. Ela, que até ali era uma pintora solitária e reclusa, que praticamente não saia de casa (até suas compras de supermercado quem fazia e a levava era sua irmã), há muito não falava com a mãe, passará a viver com diversos estranhos, um dia após o outro, lutando pelo mais básico: sobreviver.

    Não bastasse a profunda metáfora da história, o filme é excelente também pelo nível excepcional de mistura de sentimentos e tensão da história. Suas duas horas passam muito rapidamente, graças a seu enredo muito bem construído. A sequência de fatos, de profundidade das mensagens de cada cena, cada diálogo nos faz ficar vidrados na tela. Embora não seja possível aqui falar sobre o livro que baseia o filme, é relativamente certo que Josh Malerman (autor do livro que deu origem ao filme) entrega uma obra profunda. Também não sendo aqui viável julgar falhas isoladas do livro ou do roteiro do filme, percebe-se que Eric Heisserer (A Chegada) poderia ter feito uma melhor adaptação para tornar a história mais verosímil. Explicações a respeito de disponibilidade de energia elétrica, água e suprimentos gerais ficam um tanto quanto falhas, especialmente se considerarmos os cinco anos em que ocorre a história entre o momento do hospital e o desfecho do filme. Isso não chega, contudo, a comprometê-lo, são detalhes menores diante de todo o resto.

    A direção de Susanne Bier (Serena) coroa atuações fenomenais de todos os atores. Sua condução leva a um nível próximo do perfeito de dramaticidade e explosões de emoções. Bullock encarna Malorie a ponto de quase nos fazer esquecer que se trata apenas de uma atriz interpretando um papel. Os companheiros de morada de sobrevivência de Malorie: Douglas, Tom, Cheryl, Lucy, Olympia, Charlie, Felix e Greg, são trazidos à vida por excelentes atuações de (respectivamente) John Malkovich, Trevante Rhodes, Jacki Weaver, Rosa Salazar, Danielle Macdonald, Lil Rel Howery, Machine Gun Kelly e BD Wong. Destacam-se também as interpretações de Paulson, das crianças Vivien Lyra Blair e Julian Edwards, além de Tom Hollander (Gary) – convincente e importantíssima, por sinal.

    Verdadeira trama filosófica, a história nos faz refletir sobre: o quão atrativas são as promessas de satisfação e prazer ao nosso redor (consumo desenfreado, prazeres momentâneos, drogas, soluções rápidas e fáceis para nossos problemas mais complexos?) e ao mesmo tempo quentou elas nos levam à destruição; pessoas próximas a nós que podem de uma hora para outra se entregar a isso; indivíduos aparentemente frágeis poderemos fortes e resistir a essas tentações e mesmo salvar outros de nelas caírem; pessoas ranzinzas, mal-humoradas, de mal com a vida podem ser importantes em apoiar nessa resistência; existirem pessoas deslumbradas com aquelas promessas, as quais conseguem, contudo, resistir à autodestruição, e também sentirem satisfação em levar outras a sucumbirem; tentar ajudar uma pessoa aparentemente frágil poder ser uma armadilha de um ser ardiloso e vil; a fragilidade da juventude, que se entrega facilmente aos prazeres e à satisfação, acreditando ser imbatível; a existência de comunidades dedicadas a entender a importância de se manter cego a tais promessas e como ler sobre essa cegueira (a alegoria da escola para cegos no final do filme é fenomenal); dentre outras questões nas entrelinhas.

    Como uma linha que costura todas as peças de pena que compõem todo esse tecido, se apresenta a importância da mãe como protetora, guia e educadora de suas crias. Sem perder de vista o risco da super proteção e do exagero (incluindo o potencial de fazer o filho lhe temer e querer se afastar de si), somos colocados diante do fundamental papel da mãe que se mantém cega e cega seus filhos para a contaminação da maldade. Pássaros se agitam com a aproximação do mal, é importante estarem isolados dele (engaiolados?) e voarem em ambiente seguro!

    Texto de autoria de Marcos Pena Júnior.

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  • Crítica | A Chegada

    Crítica | A Chegada

    a-chegada

    O começo do novo filme de Dennis Villeneuve mistura docilidade com melancolia, mirando um evento bastante sentimental antes de adentrar na questão central da vinda de alienígenas pelo globo terrestre. A Chegada tenciona ser poético e reflexivo, resgatando conceitos antigos de Carl Sagan a fim de reimaginá-los, mas esbarra em um maniqueísmo que já havia sido ofensivo em Sicário e que aqui, é suavizado. O drama é contado através da vivência da doutora em linguística Louise Banks, vivida por sua vez por Amy Adams.

    Louise é uma mulher bem resolvida, inteligente, solteira e de pensamento progressista. No passado ela já havia auxiliado o governo americano com uma situação com árabes, da qual se arrependeu, já que os americanos cercearam a vida de seus adversários sem piedade. Quando ocorre um evento global de invasão de alienígenas, é a linguista que chamam, após uma situação de calamidade e comoção que se assemelhava demais ao ocorrido em 11 de Setembro de 2001.

    Villeneuve é indiscutivelmente um diretor interessante, seu trabalho de imagens é de uma qualidade ímpar e o mesmo está sempre acompanhando por bons cinematógrafos. No episódio anterior, o diretor canadense havia trabalhado com Roger Deakins, e neste sci-fi a direção de fotografia está a cargo de Bradford Young, que já havia mostrado um olho apurado para cenas de suspense e tensão tanto em Selma quanto em O Ano Mais Violento. Young apresenta imagens lindíssimas e consegue harmonizar o CGI fruto do orçamento milionário com cenas emocionantes e carregadas de melodrama, fazendo toda a questão soar naturalista apesar do aspecto fantasioso presente na adaptação do livro de Ted Chiang, Story Of Your Life.

    O principal problema no texto é compartilhado com o nome da literatura do qual foi baseado, uma vez que todos os aspectos positivos do filme e toda a filosofia por trás dos visitantes giram em torno de uma experiência individual, no caso de Louise. A personagem de Adams é forte mas há um claro desequilíbrio narrativo. Todo e qualquer personagem da trama soa caricato e forçado, para fazer a protagonista brilhar sozinha, sub aproveitando os préstimos de gente tarimbada como Forest Whitaker e Michael Stuhlbarg, e outros famosos como Jeremy Renner. O enfoque na mulher soaria ainda mais interessante se aqueles que a envolvem não fossem tão incapazes de gerar nuances diante das câmeras.

    O estabelecimento do primeiro contato é feito gradativamento, pautado no talento da linguista que consegue em pouco tempo estabelecer uma empatia com os visitantes. A questão da gravidade é recorrentemente mencionada dentro do argumento, e a demonstração gráfica dela soa interessante. A questão é que esse escopo de realidade e pragmatismo é levado em conta em alguns momentos e em outro não, fazendo com que toda a suspensão de descrença para alguns graves furos de roteiro de Eric Heisserer soe ofensiva. O paradoxo estabelecido dentro da história beira o deus ex machina, fator que infelizmente está cada vez mais em uso nos blockbusters, quase jogando o filme em uma vala comum e medíocre.

    O cenário sócio político é risível, mais uma vez se apelando para uma paranoia que cabia mais na época da Guerra Fria do que em 2016, ao mostrar os Estados Unidos como o povo mais compreensivo com os problemas de comunicação e os chineses como seres teimosos, que só se veem compelidos a mudar sua atitude depois de uma revelação pessoal e certeira em uma de suas autoridades. A inteligência do roteiro mora também em um de seus defeitos, já que apesar da glamourização do auto sacrifício soar pueril e oportunista, também acaba fazendo paralelo com o pensamento freudiano de que a simples ciência de um diagnóstico de uma condição de doença não necessariamente a soluciona, semelhante ao visto na dor que Louise teria de sentir mesmo tendo consciência do que ocorreria no futuro. A Chegada mira uma versão moderna de Contato e entrega um desfecho de dádiva bastante parecido com o de Highlander, ainda que a seriedade da película de Villeneuve em nada tivesse semelhança com a de Russel Mulcahy. Ainda assim, pelas questões propostas e pelo fascínio ao que o humano desconhece, Arrival soa interessante apesar de suas falhas de concepção.