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  • Crítica | A Espiã

    Crítica | A Espiã

    Em Israel no ano de 1956, começa o drama do filme de Paul Verhoeven, acompanhando um grupo de excursão turístico, a terra “sagrada”. Após um encontro inesperado, entre duas mulheres que haviam se conhecido anos atrás nos Países Baixos, o roteiro retorna a Holanda, em Setembro de 1944, onde Rachel Stein (Carice van Houten), uma das mulheres que aparece na primeira parte, mora. Ela é uma cantora judia escondida, e em uma tarde comum vê sua casa ser alvejada por bombas alemãs.

    Rachel não se assusta com  tentativa que fizeram de cercear sua vida, ao contrário, logo após sua casa ser obliterada, ela está sorrindo, ao se encontrar com um homem a quem tem interesse. Incrivelmente Verhoeven emprega um pouco da sua visão estilizada da violência na vivência da  personagem principal, a fez ser um pouco alienada aos reais perigos que sofre, e isso serve bem de paralelo a letargia com que boa parte da opinião pública tratava o governo extremista de Adolf Hitler e sua força governamental do III Reich, fingindo que havia normalidade ou tão somente não percebendo legitimamente que o perigo ronda o mundo.

    Da parte dos soldados alemães, há muito  pragmatismo. Eles são violentos, alvejam um barco repleto de judeus, roubam seus pertences mais caros, como ouros, jóias, relógios caros. Perceber que o mundo não é o paraíso super  colorido onde cantar seria uma ocupação boa o suficiente para conseguir se sustentar e para se ver segura das ações dos  nazistas, ela se junta a resistência, pinta os cabelos de loiro, e muda o próprio nome para Elis de Vries. Lá, ela encontra Hans (Thom Hoffman), um homem que trabalha infiltrado entre os militares alemãs.

    É engraçado como as marcas do cinema satírico do diretor holandês seguem vivas, e ainda permeiam seus produtos mais recentes, mesmo os mais sérios, e não baseados em ficção científica ou em conceitos de super heróis. O tiroteio que ocorre dentro de um armazém lembra demais as trocas de tiros dos Westerns Spaghetti, onde os mocinhos não levavam uma bala sequer mesmo estando em menor número, ao passo que os heróis matam todos com facilidade.

    As partes que mostram relações sexuais também tem um tom caricatural, onde  a nudez  da bela Carice Van Houten é aplacada por uma hiper sexualização tão falsa que parece as fitas de sexo armado antigas, completamente inverossímil. É como se estivessem todos frios, acima da linha da alienação, em animação suspensa esperando o transe de um mundo em guerra acabar, para então, dar prosseguimento a suas vidas.

    A sensualidade que Rachel / Ellie é utilizada para ludibriar os oficiais nazistas, em especial Ludwig Muntze (Sebastin Koch), que passa a se interessar mais por ela, de maneira sexual é claro. Toda a forma como eles se relacionam varia entre a fantasia assexuada, com os participantes do sexo nus que mal se tocam, ou tensos o suficiente com a guerra, ao ponto de não sentirem vontade sequer de chegar ao ápice do gozo. Embora não seja explicito, o estado belicista da nação alemã atrapalha até a libido de seus oficiais, que são mostrados de maneira impotente e patética, a nudez dos homens é digna de risos, e seu desempenho na cama é motivo de piadas para as mulheres, os homens da SS e da Gestapo não tem força ou saúde para se manterem eretos por muito tempo, tampouco conseguem deixar seus pares satisfeitos.

    A espionagem dentro desse universo semi realista de Verhoeven não possui glamour, tal qual as práticas dos nazi-fascistas. Os vilões são mostrados como devem ser, como figuras malignas, dignas de desprezo, motivos de riso quando tentam se manifestar de maneira artística, grotescos e estranhos, capazes de serem cruéis com seus opositores e de não ter qualquer pena ou receio de alvejar todos que se opõem a eles. Não se suaviza ou deusifica a imagem dos que teimam em compor resistência contra o reinado de terror de Hitler, ao contrário, a maioria dos personagens bons e éticos tem suas vidas precocemente encerrada, de maneira agressiva, normalmente cuspindo ou transpirando sangue em cenas que não tem nada de poético, ao contrário, o gore plastifica a maior parte das perdas e homicídios.

    O roteiro de Gerard Soeteman e Verhoeven é repleto de reviravoltas, e é incrível como num período curto de tempo, em apenas 145 minutos se referencia todo a crueldade dos extremos de direita, a violência decorrente dos que compuseram a resistência, além de mostrar Ellis sendo humilhada, por pessoas que sofreram nas mãos dos alemães, relegando a ela o papel de traidora e indigna. Na visão do filme, o fascismo é um evento e uma ideologia tão nefasta, que é capaz de invocar os instintos mais primitivos da humanidade, tornando normais práticas de violência extrema, seja física, verbal ou sexual, afinal, parte do pensamento é o de desumanizar.

    A dificuldade em resgatar a sua real identidade faz o drama de Ellis/Rachel muito forte, carregado de força e emoção. É nesse ponto que o filme deixa de ser maniqueísta e uma crítica a hipocrisia geral dos países quando estão em guerra, para falar sério e de maneira direta ao espectador. A personagem é complexa, mesmo seus atos de vingança são justificáveis, ainda que possam ser facilmente confundidos com justiçamento barato, ou revanchismo gratuito. Quando ela tem de matar, a mulher só aperta as saídas de ar do caixão onde está um dos que a traiu, deixando que a falta  de ar se encarregue de levar a vida de um homem que se sujou e se corrompeu por pouco, e que fez uso das mesmas artimanhas escusas que os nazistas.

    A Espiã ataca obviamente a o fascismo dos alemães e europeus que engrossaram as fileiras do Eixo, mas também julga problemática a mentalidade belicista que até hoje move os filhos de hebreus e os que formam o atual Estado de Israel, em uma breve porém não ignorável referência no final, já de volta a linha do tempo dos anos 50, onde o refúgio dos parentes e sobreviventes da Guerra, é altamente armado e cercado de arames. Para Verhoeven, a violência é um processo e estilo de vida cíclico e inevitável caso chegue a ser vivido, e a guerra ou o sentimento bélico se retro alimenta baseado na paranoia do conflito, e paranoia não representa nada além do desejo reprimido de vingança ou justiçamento, e essa mensagem é profunda demais para ser ignorada ou posta de lado.

    https://www.youtube.com/watch?v=hQCy1oAD2lE

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  • The Long Night: Choro e Frustração – Análises e Teorias sobre Game of Thrones

    The Long Night: Choro e Frustração – Análises e Teorias sobre Game of Thrones

    O início de The  Long Nigtht é bem respeitoso com a expectativas dos aficionados pela obra de George R. R. Martin. A preparação para a balhata que Miguel Sapochnik conduzirá é lenta e gradual, quase sem falas, e a tensão dos personagens é facilmente transmitida ao público. Há dois momentos cruciais: a respiração desesperada e cadenciada de Sam, que reflete em quem está vendo; e a puxada de ar de Sir Jorah (Iain Glen), com a sensação de que ele e tantos outros podem perecer.

    A misteriosa feiticeira Melissandre (Carice van Houten) tem seu último ato dentro de sua igualmente misteriosa jornada. Cabe a ela dois papéis fundamentais constituídos pela “unção” ao aço e as espadas dos guerreiros, que pegam fogo e iluminam o caminho, rumo a morte. A bruxa também faz uma profecia sobre Arya Stark, que a tornaria o ponto chave para a resolução dos conflitos mais esperados da temporada, pois mesmo a disputa pelo trono de ferro não é tão aguardada quanto a batalha contra o rei da noite. Seu fim já era esperado, e só acontece mesmo nos minutos finais, deixando boa parte de suas origens desconhecidas.

    A fotografia de Fabian Wagner dá um destaque absurdo não só as batalhas campais, mas também às inserções de efeitos digitais. Sapochnik sabe como ninguém lidar com muitos personagens em espaços curtos. O aglomerado de guerreiros se vê cercado muito facilmente, e mesmo quando os heróis apelam para os dragões, não há muita esperança.

    Uma coisa há de se admitir, os dois episódios preparativos, Winterfell e Knight of Seven Kingdoms, por mais anticlímax que fossem, prepararam o terreno para a chegada da grande batalha. O grande problema – meu inclusive – foi a péssima transmissão que o canal fez, com imagens ou saturadas ou pixeladas que desabonam aspectos visuais da série, além é claro do fato de o aplicativo HBO Go após um ano de hiato de Game of Thrones ainda apresentar problemas com excesso de acessos, dando erro ou simplesmente não funcionando.

    O inverno finalmente chegou e a expectativa de que a imensidão branca tomaria todos os espaços deu lugar ao predomínio das trevas. O nome do Rei da Noite nunca fez tanto sentido, e as especulações de teorias também se concretizaram com o exército do inimigo universal dos sete reinos. É preciso que o general adversário mande seu pelotão avançar sobre um muro que aparentemente de fogo para que eles encurralem os heróis, e esse momento é muito bem escolhido, pois ocorre logo após um dos poucos momentos de fôlego e respiro. Apesar da resistência, a turba é praticamente inútil sem seu invocador, são mais inteligentes em combate do que zumbis simples, mas não são exatamente racionais. É como se o Rei da Noite fosse um Sistema Nervoso Central.

    Isso abre possibilidade para uma série de perguntas. Se o Rei da Noite tivesse estado nos outros ataques, será que Jon Snow, Cão e companhia sobreviveriam? Dificilmente, e é um pouco frustrante notar isso, embora esse aspecto seja bem comum tanto em exploração de dramas históricos de época, quanto em clássicos de fantasia. Batalhas grandes também são decididas em detalhes bem pequenos.

    Quando a batalha se torna franca, e o desalento e desesperança ocorrem, há alguns momentos onde o fan service impera – há de se lembrar que o único lobo vivo aparece brevemente antes da batalha e onde Sapochnik faz uma mistura de gêneros. Com Arya (Maisie Williams) há um sem números de cenas típicas de filmes de horror que são bem conduzidas, mas que tem boa parte do seu impacto reduzidas pela escuridão onde ocorrem. Sabe-se obviamente que isso é feito para reduzir orçamento, mas a maioria das vezes são saídas covardes. De positivo há o aceno ao público dela junto ao Cão, mas é só isso.

    Em contrapartida, ao mesmo tempo em que a direção acerta nas batalhas, o roteiro desabona a sobrevivência dos que estão ao Norte do Mapa. Há muito desespero quando os mortos voltam a caminhar, mas não há certezas sobre os destinos da maiorias dos personagens. Há um bocado de covardia, exceção feita obviamente à Jorah Mormont, que fecha seu ciclo de lutas honrando sua amada jamais correspondida, e claro, Theon (Alfie Allen) que após um caminho de sofrimento e dor, finalmente tem um momento épico, primeiro conseguindo proteger seu irmão de criação dos andadores, improvisando armas quando necessário, e depois perecendo diante do inimigo maior.

    A escolha da trilha sonora instrumental é bem conduzida, ao passo que ganha força ao mostrar o sofrimento dos heróis, também perde por alguns dos momentos deus ex machina que ocorrem, embora nenhum deles seja tão forte, quanto o que cabe a Stark que foi refugiada e aguentou toda sorte de humilhação. O desfecho, por mais que existam mortes significativas é anticlímax, no mínimo. O fã que ainda não desagradou com essa temporada de Game Of Thrones é a prova viva de que basta que produtores e realizadores entreguem qualquer coisa que terá público cativo.

    Mesmo que seja justo caber a Arya o último golpe no lendário inimigo, e mesmo tenham se dado sinais do golpe meio infantil que ela usa contra o opositor, ainda assim soa bobo e infantil. A defesa tola de que “a verdadeira guerra é contra Cersei” acaba entrando em contradições sérias se levar em conta que eventos simples, como toda a construção do passado dos White Walkers, as primeiras aparições do Rei da Noite, seus talentos como necromante ou o simples encontro dos poderosos na sétima temporada onde a própria Cersei treme diante de um pequeno morto vivo, todo o resto não faz sentido.

    Para o futuro se espera que as mortes confirmadas não tenham sido em vão, e que o exército do Norte consiga se recompor, mesmo com as baixas, afinal, David Nutter volta à direção, possivelmente para mais um episódio epílogo, com Sapochnik outra vez conduzindo o quinto, cabendo o último aos showrunners, além de se esperar que a próxima batalha seja realmente grande, pois essa, que prometia ser a maior de todas, não foi sequer a melhor de Game of Thrones, ficando anos-luz atrás da Batalha dos Bastardos.

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