Tag: Constantin Costa-Gavras

  • Crítica | Amém

    Crítica | Amém

    As primeiras cenas de Amém mostram Stephan Lux (Ovidiu Cuncea), um homem caminhando pelos corredores do que parece ser um lugar público, com arquitetura clássica, mas antes dele adentrar o interior da Liga das Nações de Genebra, ele calibra um pequeno revolver, e o guarda em seu terno. A postura resoluta, a roupa social e os papéis que distribui destoam demais de sua postura. Ele dá um discurso inflamado, denunciando os maus tratos que ocorrem naquela época, com os judeus, então encerra a própria vida em um ato simbólico, com um tiro no coração.

    Constantin Costa-Gravas e seu corroteirista Jean-Claude Grumberg não inventaram esse episodio, Lux era um jornalista tcheco, e ele realmente se suicidou na Suíça em 3 de Julho de 1936 para alertar o mundo sobre o antissemitismo alemão. Em seus últimos momentos ele grita C’est le dernier coup, que se traduziria para Este é o golpe final, e o filme faz questão de logo após isso, mostrar todo uma marcha pelas ruas do país sede do Reich, louvando a suástica e o modo de vista ideológico da extrema direita, mostrando um estado forte, que oprimiria inclusive com Kurt Gerstein (Ulrich Tukur), um tenente que aos poucos ascende no exército nazista mas que tem a reprovação de sua esposa nesse esforço bélico.

    Gerstein é um cientista, seus serviços militares se limitam basicamente a falar sobre um gás que ele desenvolveu para matar animais, o chamado Zyklon B. Em paralelo a isso, alguns outros tipos de manifestação aparecem em primeiro plano também, como a organização dos religiosos, capitaneados pelo papa que Marcel Iures interpreta. Aos poucos, o religioso vai inflamando mais e mais seus sermões, pregando contra a intolerância reinante. Não demoraria para o destino dos dois homens se encontrar.

    Com apenas vinte minutos, o cientista percebe para que fins a SS e Gestapo usariam o gás que ele desenvolveu para matar pessoas. Ele não demora a começar a falar – até abertamente – sobre o mau uso de sua descoberta, e obviamente ele tenta trazer isso a antigos amigos, pessoas que combatiam os nazistas dentro da Alemanha, mas com a chegada da Guerra a prioridade passou a ser contra-atacar os inimigos, e não corrigir desmandos governamentais e crimes de intolerância.

    É evidente que um período de guerra move todas as atenções para o front, e que preocupações mais triviais deixam de ser prioridade, mas igualar o massacre a todo um povo e classe a algo menor e desonesto em um nível absurdo. O estado bélico altera o bem estar social, e serve também para esconder atos tirânicos, normalizando uma série de atos, que passam a ser mais aceitáveis por conta do regime de exceção, mas quanto mais o tempo passa, a opinião pública internacional vê com maus olhos a isenção da autoridade papal. Afirma-se categoricamente que a isenção diante da injustiça é uma forma de apoio a intolerância.

    Há uma sensação de agonia que invade o espectador ao assistir o drama que Costa-Gravas propõe. Todos os esforços do protagonista em denunciar a gravidade da segregação e dos assassinatos é recebido com desculpas da parte dos poderosos de que aquela não é a área de domínio dos mesmos. O jogo de empurra prossegue

    Chega a assustar o fato de somente o padre Ricardo Fontana (Mathieu Kassovitz) ter disposição para enfrentar a tirania e o lugar comum, ao apoiar a tentativa de Kurt. Amém é lento, sua historia se desenrola de modo tão gradual que causa até agonia em alguns momentos, mas essa letargia é bem pensada, pois alem de refletir a letargia dos homens poderosos que poderiam se opor ao triste regime, ainda registra muito bem a alienação geral que ali ocorre.

    Os momentos finais do longa variam entre a apreensão com o que o destino reservaria a Ricardo, e claro, se Gerstein conseguiria ou não seu intento, no entanto, isso tudo é conduzido de maneira demasiada morna, o que não seria um problema, já que se trata de uma historia real, mas se Costa-Gravas não procurou eximir seu filme de drama, poderia é claro ter dado mais emoção às curvas finais. Ainda assim, a resolução tendo pés fincados no realismo traz uma boa mensagem, com um letreiro no final, afirmando que o relatório serviu como matéria de comprovação do holocausto, e Gerstein sendo absolvido vinte anos depois de finalmente entregar os papéis.

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  • Crítica | O Capital

    Crítica | O Capital

    O Welfare State surgiu em meados de 1942, na Grã-Bretanha, mas passa por um forte desenvolvimento após a Segunda Guerra Mundial também nos EUA e boa parte da Europa Ocidental, sendo um modelo exportado pelo mundo todo. O Welfare State, ou Estado de Bem-estar Social, ficou conhecido por ser uma medida de política pública intimamente relacionada às áreas de direitos sociais, além de intervir diretamente na política econômica de seus Estados de modo a assegurar uma regulamentação dos capitais a fim de realizar uma tentativa de diminuição das desigualdades sociais.

    Difícil conceber a razão da criação desse tipo de política pública, que é atualmente uma das bandeiras levantadas por boa parte dos partidos de esquerda, por governos declaradamente capitalistas. Talvez tenha sido motivada por razões altruístas, ou mais provavelmente, pela tensão política causada pelos sindicatos e pela crescente ascensão do Socialismo na Europa Oriental. Ocorre que, nos anos 1970, esse modelo político passa a entrar em colapso, e os governos de Margaret Thatcher e Ronald Reagan representam o desmonte histórico do sistema, seguidos por regimes de outros países, dando lugar ao neoliberalismo e sua campanha contra o intervencionismo estatal.

    O Capital, de Constantin Costa-Gavras, não trata necessariamente deste período histórico, mas um pouco adiante, já que o filme se passa durante o clima de crise europeia, ainda vivido, fruto do neoliberalismo que colhemos diariamente. O cineasta mais uma vez se mostra incisivo, e até mesmo obsessivo (ainda bem), em retratar o poder político, uma assinatura temática de sua filmografia. Aqui, Gavras constrói – para em seguida desconstruir – o complexo modelo reestruturado do Capitalismo e a barbárie social e financeira causada por ele.

    O longa se inicia com uma partida de golfe; de modo metafórico, o diretor dá sinais do que veremos adiante, e claro, do que vemos cotidianamente no mercado financeiro: um jogo. Gavras repetirá isso dezenas de vezes ao longo do filme através de figuras metafóricas, mas não à toa isso ocorre de maneira brilhantemente colocada pelo diretor ao explicar a lógica do jogo do capitalismo globalizado.

    Marc Tourneuil (Gad Elmaleh) é um escritor e homem de confiança do então presidente de um dos maiores bancos da Europa, que o considera talentoso para assumir a presidência em seu lugar após descobrir-se acometido de câncer nos testículos. Tourneuil assume, mas sua nomeação é temporária, já que o conselho quer usá-lo apenas como marionete para uma verdadeira transição e que ajudará o banco a sair da crise em que se encontra. Dali em diante, veremos a rápida ascensão de Tourneuil como banqueiro e sua decadência moral advinda de suas escolhas. Sua ambição maquiavélica pelo poder e dinheiro, como uma tentativa de obter respeito pelos seus pares, denota a importância do dinheiro no mundo atual, o que fica claro em um dos diálogos da personagem com sua esposa; ao ser indagado sobre o que quer, ele diz apenas que deseja o dinheiro para ser respeitado, pois quanto menor o salário, menor o respeito. Observação dura, mas facilmente vista em nossa sociedade do consumo.

    As pérolas metafóricas espalhadas por Gavras demonstram um pouco do pensamento do autor, ou seria mera coincidência o afastamento do antigo presidente em decorrência de um câncer nos testículos? Claro que não. A esterilidade do ex-presidente é também a esterilidade do mercado de capital. A perda de virilidade é a crise e a ruína desse modelo político. Não à toa, essa mensagem é reforçada através de relações humanas artificiais mostradas no filme, ou o desejo não consumado de Marc pela modelo.

    Em contrapartida, Gavras mantém uma visão bastante pessimista quanto a essa possível ruína do capital financeiro, o que deixa claro, inclusive, na escolha do nome do banco: Phenix. Assim como o capitalismo, que sempre se renova, para o bem ou para mal. Ainda assim, o cineasta greco-francês não deixa de realizar suas críticas e colocar o dedo na ferida, indo ao cerne do mundo político e econômico, retratando a desfaçatez desse mundo ao utilizar os ensinamentos da figura do líder socialista chinês Mao Tse-Tung como estratégia para realizar uma demissão em massa e ainda aumentar os lucros do banco. Uma completa inversão de valores.

    O Capital é uma leitura esmiuçada sobre os aspectos perversos do neoliberalismo. A síntese desses males é bastante clara em dado momento, quando o tio do protagonista questiona: “Seu banco obtém benefícios e você demite as pessoas. Como lida com isso?”, ao que Marc diz: “Muito mal, tio. O Banco estava afundando. Tive que salvá-lo. E tive que despedir para salvar 100 mil empregos.” A indignação de seu tio explode, e ele responde: “Não me venha com isso. Cansei de ouvir isso. Vocês sangraram as pessoas três vezes: primeiro, a bolsa quer sangue. Você realoca, funcionários perdem emprego; segundo, você os sangra como clientes; terceiro, pressiona os Estados endividados e quem paga é o cidadão. E como o funcionário é cliente e cidadão, você o fode três vezes. O dinheiro contamina tudo.”

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