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    Review | OZ

    Atenção: este review contem spoiler de toda a série. Siga por sua conta e risco.

    OZ tem importância histórica para o momento atual da Era de Ouro da televisão norte-americana. Criada por Tom Fontana em 1997, foi uma das primeiras séries originais da HBO ao lado de Sex And The City, de 1998, a serem concebidas de forma autoral, onde o criador e roteirista tinham mais liberdade criativa. As duas ganharam prêmios relevantes e tiveram o reconhecimento da crítica suficiente para encorajar o canal a cabo a continuar o investimento que permitiu produzir The Sopranos em 1999.

    A série acompanha a rotina na Penitenciária Estadual nova-iorquina Oswald de Segurança máxima Level 4, mais conhecida como OZ, mostrando a convivência entre os presos de diversas facções e diferentes entre si.

    Claustrofobia, essa é a sensação de assistir a série. O tema central é um só: o aprisionamento do ser humano e todas as discussões levantadas ao longo dos 56 episódios giram em torno do encarceramento do homem na sociedade. O tema é desenvolvido sob diversos ângulos, como também outros temas como a fé e a falta dela; os estupros constantes e a sexualidade; o tráfico de drogas, o poder e vício gerados; e o maior deles, a reabilitação social do preso.

    A narrativa da série é tão densa que sentiu a necessidade de recorrer a um narrador, Augustus Hill, que se dirige à câmera e aparece no início, final de cada episódio, além de flashes no meio. No início ele aborda o tema do episódio, no final faz uma conclusão, e sempre que um preso novo chega à OZ ele lê a sua ficha criminal, como também ocasionalmente lê a ficha de outros que estão lá há tempos.

    Augustus Hill, um dos personagens mais icônicos de OZ

    As digressões da série feitas pelo narrador

    A primeira temporada da série se inicia com a inauguração do projeto experimental Emerald City, cujo objetivo é forçar uma convivência entre os grupos dos mais variados possíveis para que sua reabilitação futura na sociedade seja menos traumática. A rotina da série mostra os presos criando ou mantendo seus grupos de influência e competindo pelo poder.

    Os personagens e núcleos principais também se consolidam aqui. A irmandade ariana liderada por Vern Shillinger que odeia os negros encabeçados por Jefferson Keane e Simon Adebisi, que tem diferenças com os muçulmanos ministrados por Kareem Said e se chocam com os mafiosos italianos de Nino Schibetta. Neste meio, os latinos de Miguel Alvarez e o irlandês Ryan O’Reily, além dos quatro personagens mais icônicos da série que não pertencem a grupo nenhum, os veteranos Busmalis e Rebadow, o cadeirante Augustus Hill e Tobias Beecher. O outro lado da prisão é o corpo administrativo, o diretor Leo Glynn permite que Tim McManus crie Emerald City, ele conta com a ajuda da guarda Diane Whittlesey, a freira e psiquiatra Irmã Pete Marie, o padre Ray Mukada, além da médica Gloria Nathan e as aparições esporádicas do governador James Devlin.

    Jefferson Keane é executado pelo estado no meio da temporada e Nino Schibetta morre após comer vidro esmagado que O’Reily e Adebisi colocaram na sua comida, provando que em OZ não deve-se apegar a nenhum personagem, e termina com uma rebelião após os grupos antagônicos se reunirem contra a administração de OZ.

    Kareem Said, interpretado por Eamonn Walker, o melhor personagem de OZ

    Na segunda temporada vemos os desdobramento da rebelião que fechou Emerald City e causou a morte de dois guardas e seis presos. Ela se inicia uma investigação da corregedoria que não chega a nenhuma conclusão com provas. 10 meses depois Emerald City é reaberta e inicia na série os projetos sociais que marcam cada temporada. Nesta segunda, McManus cria um projeto de aula para os detentos. Poeta, um viciado em heroína, se inscreve no programa e com a ajuda de Kareem Said publica as suas poesias, conseguindo a condicional. Porém, ele volta à OZ após matar um dos traficantes. Ryan O’Reily é diagnosticado com câncer de mama pela Dra Glória e se apaixona por ela, ele pede para seu irmão Cyril matar o marido de Glória e Cyril acaba indo para OZ.

    Novos personagens aparecem nesta temporada além de Cyril O’Reily; Chris Keller, aliado de Vern, seduz Beecher e quebra suas costelas; Shirley Bellinger como a nova presa do corredor da morte; El Cid como o líder dos latinos; o guarda Eugene Rivera que é atacado por Miguel Alvarez e acaba cego; Peter Schibetta, filho de Nino, assume a máfia, porém após se envolver em uma briga com Adebisi, Peter é estuprado e perde a liderança dos italianos para outro recém chegado Antonio Nappa. Uma característica desta temporada é a inserção do aspecto espiritual na série com a chegada de Jara. Ele se torna um xamã para Adebisi, fazendo com que ele se reconecte com a sua origem africana, até que Jara é morto e Simon se sente à deriva.

    Na terceira temporada, um novo programa social é implementado pela irmã Peter Marie, encontros entre vítimas e agressores. Novos personagens entram na série, como o guarda Clayton Hughes, filho de um antigo amigo de Glynn que morreu no seu lado. Clayton investiga a morte do pai e aos poucos vai ficando louco até tentar matar o governador em um evento e acabar preso, provocando o fechamento de Emerald City. Outro personagem importante é o novo guarda Sean Murphy, antigo amigo de McManus, que organiza um campeonato de boxe como forma de aliviar a tensão dos detentos. Cyril decide participar e Ryan vai dopando seus adversários até que na última luta Cyril acidentalmente mata o favorito Hamid Khan.

    Enquanto isso, Adebisi ainda à deriva rouba uma agulha infectada de HIV e fere Antonio Nappa, provocando a sua transferência de Emerald City para a ala dos aidéticos, fazendo com que Chuck Pancamo vire o novo líder dos italianos. Mais um personagem marcante da terceira temporada é Claire Howell, a guarda de OZ que usa o seu poder para explorar sexualmente primeiro McMannus e depois os presos, especial Ryan O’Riley.

    J.K. Simmons como Vern Schillinger

    A quarta temporada é marcada por ser a mais longa da série com o dobro de episódios e foi dividida em duas partes. Na primeira, Emerald City é reaberta e Diane se muda para Londres, já que Edie Falco havia se comprometido com The Sopranos. O principal evento da primeira parte é a vinda de um novo diretor para Emerald City, Martin Querns, para o lugar de Tim McMannus, o que é bem visto aos olhos dos presos pois ele é negro. Querns quer baixar o nível de violência do local e para isso libera o tráfico de drogas.

    As novas políticas de Querns causam mudanças radicais nas relações com os guardas, pois o novo diretor transfere todos os não negros de Emerald City, transformando o local no reino de Adebisi. O final da primeira parte da temporada é coroada pela morte de Adebisi por Said, que tentava ajudar a controlar a situação e evitar uma nova rebelião.

    Na segunda parte, Querns é demitido e McMannus retorna. Um caso curioso é a droga experimental que faz com que alguns presos aceitem tomar em troca da pena reduzida e que causa a morte de alguns deles. A dinâmica entre Beacher e Vern fica ainda mais tensa quando eles tentam acertar as contas e um mata o filho do outro. Outra morte da temporada é a de Clayton Hughes, que perde a sanidade por completo e é esfaqueado por um colega de solitária quando tentava matar Glynn e morre em seus braços, assim como o pai.

    Um novo personagem é introduzido, Burr Reading, veterano da Guerra do Vietnã. Ele assume o tráfico de drogas ao liderar os negros e acaba alterando a relação com os italianos e os latinos para mais conflituosa. O Reverendo Jeremiah Cloutier também chega a OZ e altera o realismo da série, iniciado por Jara, ao influenciar os protestantes na sua jornada contra o catolicismo. Outro personagem curioso é o viciado Omar White, que é o elemento caótico que causa sérias alterações. Por último, o membro do IRA, o irlandês Padriac Connelly que coloca uma bomba em Emerald City no último episódio provocando a sua evacuação.

    Chris Keller e Tobias Beecher e a sua relação de amor e ódio

    A quinta temporada marca retornos e ironias à OZ. A mãe de Ryan começa a fazer trabalho voluntário na prisão, a ex-esposa de McMannus se transforma na nova assessora do governador em Oswald e Chris Keller, que havia sido transferido na temporada passada, volta para o corredor da morte. Um novo programa social se inicia, o treinamento de cão-guia para cegos, o que transforma a relação de Miguel Alvarez com Eugene Rivera.

    As ironias continuam. McMannus pede ajuda de Said para reabilitar Omar White, mas falha todas as vezes até que ele vai no show de variedades e passa a não usar mais drogas. O bilhete premiado da loteria de Rebadow, que havia pedido ao guarda Dave Brass comprar e ele some, fez com que o seu neto morresse devido a um tratamento caro. E a maior ironia de todas é a morte de Augustus, o narrador da série, após se livrar do vício das drogas ele vai defender Burr Reading do ataque dos italianos e é esfaqueado.

    A abertura da série que muda a cada temporada com as novas cenas

    A sexta temporada tem novos narradores, todos que morreram na própria prisão, como Jeferson Keane, Shirley Bellinger, os filhos de Schillinger, Antonio Nappa e até Dino Ortolani. Para salientar, McMannus coloca um labirinto da meditação na quadra de basquete, o que permite a diversos detentos refletir sobre os seus problemas. Para salientar, um novo personagem é introduzido, o pantera negra Jahfree Neema, que traz mais questionamentos do que soluções na nova dinâmica da prisão.

    Outro programa social permite a interação entre os presos, a encenação de MacBeth. Beecher consegue a condicional, mas volta à OZ traído por Keller, Ryan deixa de entrar com recursos no tribunal para Cyril morrer, pois não vê mais solução. Robson, um dos arianos mais fortes do grupo, tem a sua gengiva trocada pela de um negro, promovendo a sua expulsão da irmandade ariana e fazendo com que ele virasse a puta de outro detento.

    O alívio cômico de OZ através da dupla Busmalis e Rebadow

    E a sexta temporada promove uma série de mortes que visa a dar um final para cada personagem, algumas não tão satisfatórias. Pancamo mata Peter Schibetta, Said morre por conta de um repórter louco, este depois mata Omar também, o pai de Beecher é esfaqueado por uma puta de Schillinger que queria subir de hierarquia, Morales é morto pela enfermeira serial killer Carol, que deixa um rastro de outras mortes na enfermaria, Cyril é executado pelo estado, e na encenação de MacBeth, Beecher mata Vern após Keller trocar as facas, o próprio Keller mata diversos arianos com um pó químico entregue numa carta, depois Keller se suicida na frente de Beecher, e o próprio diretor Leo Glynn, que investigava a morte suspeita de um prefeito amigo do governador, é morto a mando do governador como queima de arquivo.

    E como não poderia ser diferente, OZ termina por causa de uma evacuação geral da prisão. Após a morte de Glynn, Querns volta como o novo diretor, e, alertado pela Dra Glória do pó químico usado para matar os arianos, todos vão embora e assim o ciclo se fecha pois a rotina daqueles presos terminou.

    Os irmãos Ryan e Cyril O’Reily

    Por se tratar de uma série de rotina, similar a The Sopranos e Mad Men, é difícil encontrar uma linearidade de tema em OZ. A partir da terceira temporada passa a existir temas marcantes, mas ainda não arcos centrais, os episódios iniciam e terminam em si, promovendo uma narrativa híbrida tanto episódica quanto contínua.

    A rotina da prisão opta por não mostrar a vida dos personagens principais fora da penitenciária, nem os poucos presos que conseguiram sair e depois voltaram. As cenas externas são sempre com algum filtro de cores aleatórias, geralmente usado em cinema para as cenas de sonhos, para mostrar os crimes cometidos por cada preso que os levaram para lá, elas servem também em sua maioria das vezes para introduzir novos personagens. O que importa na série é a visão daqueles presos, e, para eles, a sociedade é um sonho distante.

    Outra característica que reforça o aprisionamento ao espectador é a noção do tempo. Não existe o desenvolvimento narrativo linear de cenas encadeadas entre si ou até mesmo uma unidade temporal. Ao longo das seis temporadas quando há alguma conspiração sendo tramada na cena seguinte já acontece o fato que levaria alguns dias ou semanas, como por ex a morte do marido da Glória por Cyril O’Reily, planejada na cena anterior por seu irmão Ryan.

    Simon Adebisi

    Mais uma particularidade da reclusão é o número limitado de locações. Todos os 56 episódios se passam em poucos locais, como Emerald City, Unidade B, Corredor da Morte, Solitária, Academia, Hospital e nas salas do diretor Leo Glynn, de Tim McMannus e da Irmã Pete Marie.

    Ao lado do roteiro denso e a direção que traz uma boa mise-en-scène, a atuação é o grande forte de OZ. Eamonn Walker interpreta Kareem Said, o líder dos muçulmanos e o melhor personagem da série; Lee Targersen dá vida ao ótimo Tobias Beecher; o excelente J.K. Simmons como o líder dos arianos Vern Schillinger; Christopher Meloni é o bom Chris Keller; Harold Perrineau é o cadeirante e narrador Augustus Hill; Adwale Akinnuoye-Agjabe é o imponente Simon Adebisi; o canastrão David Zayas como o novo líder dos latinos Enrique Morales; Michael Wright é o caótico viciado Omar White; Luna Lauren Velez como a Dra Gloria Nathan; Ernie Hudson como o diretor Leo Glynn; a sempre ótima Edie Falco na pele da guarda Diane Whittlesey; Rita Moreno interpreta a boa personagem Irmã Pete Marie; Terry Kinney é Tim McMannus; o limitado Chuck Zito é Chuck Pancamo; Scott William Winters como Cyril O’Riley; Kirk Acevedo é Miguel Alvarez; BD Wong é o Padre Mukada; Luke Perry como o pastor Jemeriah Cloutier; Anthony Chrisolm como o veterano Burr Reading; Peter Francis James é o pantera negra Jahfree Neema; R.E Rogers como o caótico ariano Robson; Craig MuMs Grant é o Poeta; Tony Musante o mafioso italiano Nino Schibetta; Luís Guzman como o líder latino El Cid; e George Morfogen e Tom Mardirosian dão vida à dupla hilária Bob Rebadow e Agamemnon Busmalis. A pior menção é Dean Winters, o ator mais limitado do elenco que interpreta um dos melhores personagens, Ryan O’Reiley.

    OZ merece ser vista pelo valor histórico, além de ser densa, trata de diversos temas sociais que pode vir a interessar diversos públicos adultos.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

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  • 15 Séries Imperdíveis de Todos os Tempos

    15 Séries Imperdíveis de Todos os Tempos

    15 Séries Imperdíveis de Todos os Tempos

    Em tempos de jornalismo de listinha, aí vai uma lista das minhas séries que, além de grande qualidade estética e/ou narrativa, trouxeram grande contribuição para a qualidade na TV. Também coloquei menções honrosas, desonrosas e aquelas sem muita importância, sempre de séries que acompanhei. Para esta lista excluí algumas séries mais famosas e já debatidas em demasiado, que apesar de terem sido influentes, sofreram problemas graves de produção que afetaram sua qualidade, como Arquivo X ou Twin Peaks.

    1. The Wire

    The Wire

    A considerada “série das séries” realista da forma mais ficcional possível. Ou ficcional da forma mais realista possível. O tráfico de drogas. Tensões raciais. O crime. A polícia e todo o caldo cultural americano envolvido em uma narrativa simples, direta, crua e não perfeita, mas sempre honesta.

    2. The Sopranos

    The Sopranos

    A máfia ítalo-americana de Nova Jersey em sua forma mais crua. Com personagens densos e com dilemas sempre interessantes, mesmo os mais simples até os mais esdrúxulos, nunca menospreza o espectador. É O Poderoso Chefão sem glamour, mas com toda sua força narrativa, que também apesar de simples, não perde em nada por isso.

    3. Six Feet Under (A Sete Palmos)

    A Sete Palmos

    Uma família normal do subúrbio da Califórnia, a não ser pelo fato de serem extremamente disfuncionais e serem donos de uma agencia funerária. O humor negro, as alucinações narrativas e os personagens mais inconsequentes possíveis fazem qualquer pessoa se apaixonar pela série. Se você não gostou é porque não estava no momento certo. Veja de novo.

    4. Seinfeld

    Seinfeld

    A sitcom das sitcoms. Larry David e Jerry Seinfeld mudaram a TV quando trouxeram para ela esse formato repaginado da comédia sobre situações mundanas e da relação entre quatro amigos problemáticos e com personalidades diferentes, mas que se complementavam. A ajuda de roteiristas malucos também fez a diferença. Inimaginável a TV sem eles, pois daí surgiu a fórmula que deu origem a Friends e todas as outras sitcoms da atualidade.

    5. Community

    Community

    Um grupo de estudantes de uma universidade comunitária nos EUA seria algo super normal, não fosse o local mais estranho e que juntasse as pessoas mais desajustadas da sociedade no mesmo lugar. Utilizando de referências a cultura pop mas sem se apoiar exclusivamente nela, Community oferece uma comédia de alto nível raramente visto na TV. Por causa de problemas de produção algumas temporadas foram ruins, mas seu legado permanece.

    6. The IT Crowd

    The IT Crowd

    O humor britânico em sua forma. Misturando situações esdrúxulas, tirando sarro de estereótipos de técnicos de TI e de todo o mundo corporativo, essa curta série britânica tem o maior índice de momentos memoráveis por episódios que já vi. São quatro temporadas de seis episódios. Curta demais para algo tão bom.

    7. Mad Men

    Mad Man

    Uma das melhores produções da TV. Mad Men retrata o mundo corporativo da publicidade do auge do american way of life nos EUA, e retrata cruelmente não só o mundo dos negócios, mas também a sociedade da época sem fazer concessões.

    8. Louie

    Louie

    Louis CK aqui deixa de lado seu humor mais escrachado e se volta a uma dramédia com toques surreais e situações inusitadas que divertem ao mesmo tempo que fazem o espectador se questionar porque está rindo daquilo. Também uma das melhores coisas em exibição hoje na TV.

    9. American Dad

    American Dad

    Ao estilo Family Guy, mas mais ácida, mais maluca e mais criativa, American Dad satiriza o estilo de vida americano de forma mais contundente e engraçada do que o principal produto de seu criador. Mesmo com vários problemas de produção, ainda se mantém como uma das melhores animações da TV.

    10. Archer

    Archer

    Uma comédia adulta, só que nem tanto. Ao retratar como seria uma agencia de espionagem conduzida por pessoas com todos os distúrbios sociais e psicológicos possíveis, o resultado não poderia ser outro. É algo como uma mistura de Family Guy com 007, só que melhor que ambos.

    11. Band of Brothers

    Band of Brothers

    Uma das primeiras séries que vi, e uma das primeiras produções fechadas da HBO, que ainda não sabia estar produzindo a chamada “Era de Ouro” da TV. Uma série sobre um destacamento de soldados americanos na 2ª guerra, ao melhor estilo O Resgate do Soldado Ryan.

    12. Sherlock

    Sherlock

    O maior detetive de todos os tempos, mas modernizado. E feito por ingleses, garantindo uma atmosfera típica que só eles conseguem criar. Casos mirabolantes e cada vez mais inverossímeis não importam. A leveza com que os atores interpretam os excelentes roteiros e a química entre todos faz essa uma das melhores séries do gênero. FUJA da versão americana Elementary

    13. Wallander

    Wallander

    Livros policiais são moda na Suécia faz tempo, mas a série Wallander, também britânica, traz o veterano ator Kenneth Branagh como o também policial sueco Kurt Wallander, que além de resolver crimes com um faro policial aguçado, mas sem malabarismos, precisa cuidar dos problemas particulares com seus pais, filha e sempre na corda bamba para não ser vítima do próprio comportamento. Excelente para quem curte um bom drama policial.

    14. Rectify

    Rectify

    Daniel Holden fica preso numa solitária por 15 anos por um crime que não cometeu. É solto por evidencias de DNA e precisa reaprender a conviver em sociedade, mas em uma pequena cidade no interior dos EUA que ainda acha que ele cometeu o crime. Também um excelente drama.

    15. Breaking Bad

    Breaking Bad

    Ok, essa todo mundo viu e nem precisaria falar, mas apesar de todos os problemas narrativos e atalhos preguiçosos, a jornada de Walter White se mostra muito interessante (menos por ele, uma cópia mal feita de Tony Soprano) especialmente por conta de outros personagens como Mike, Saul e outros. Porém, o ponto positivo ainda é a espetacular cinematografia, que ajudava a contar visualmente uma história.

    Menções Honrosas

    Sons of Anarchy (história cafona, mas com personagens interessantes, vale a pena);
    Homeland (interessante história sobre terrorismo mas que as vezes se perde);
    Episodes (Muito boa série de comédia sobre bastidores de uma…série de comédia);
    Treme (do mesmo autor de The Wire, os mesmos elementos, mas dessa vez lidando com Nova Orleans pós-Katrina);
    The Knick (A NY do início do século XX é palco dessa série sobre médicos tentando expandir as fronteiras da cirurgia enquanto lidam com os mais diversos problemas e barreiras. Muito bem contextualizada social e culturalmente);
    – True Detective 1ª temporada (Excelente série policial sobre um culto no sul dos EUA, com um grande destaque para a atmosfera e música americanas da região. Não veja a 2ª);
    Fargo (Baseada no filme dos irmãos Coen, adotando o formato de antologia, possui uma 1ª temporada Ok e uma 2ª excelente);
    Flight of the Conchords (como seria se os hipsters fossem engraçados ou interessantes como pensam que são);
    Séries da Marvel na Netflix (Demolidor e Jessica Jones são boas, mas não perfeitas. Problemas especialmente na narrativa. Mas Luke Cage eu nem vi e já gostei);
    House of Cards (apesar de cansativa, é um interessante debate sobre bastidores da política institucional);
    Mr. Robot (interessante história sobre hackers e cyber ativismo no século XXI, mas o lado pessoal da trama deixa a desejar);
    Black Mirror (Antologia britânica de minicontos de ficção científica com debates muito interessantes sob os mais variados temas);
    Friends (Praticamente a primeira sitcom que veio na esteira do sucesso de Seinfeld, trouxe um humor mais diluído e açucarado, mas a boa química entre os atores e algumas temporadas de nível acima de média – especialmente a 4ª e a 5ª – garante uma boa diversão, mesmo que no final a série perca muito o fôlego).

    MENÇÕES “MEH”

    House M.D. (8 temporadas, OITO, da mesma coisa);
    Californication (7 temporadas, SETE, da mesma coisa);
    Game of Thrones (ok gente, 1ª temporada excelente, mas depois foi só ladeira abaixo, vamos agilizar esse novelão aí. Já, já encontra The Walking Dead na falta de coragem);
    Hannibal (Um clima muito bom, as vezes diálogos interessantes, mas derrapam demais na enrolação e condução da história);
    The Killing (Um clima muito bom, as vezes diálogos interessantes, mas derrapam demais na enrolação e condução da história);
    The Mentalist (Um protagonista interessante, mas só. Faltou desenvolver o lado crítico que começou forte contra os charlatães. A obsessão e consequente resolução desastrosa do vilão principal deixou muito a desejar);
    Boardwalk Empire (De uma 1ª temporada excelente a episódios cada vez mais comuns e uma trama mais diluída em conflitos menores e desinteressantes);
    Agents of Shield. (é tão ok que nem tem muito o que dizer. Não vale a pena nem para se manter por dentro do Marvel Cinematic Universe. Veja só caso não tenha absolutamente nada a ver. Ou caso goste do Phil Coulson e do ator que o interpreta);
    Narcos (era para todo mundo gostar, mas é um discurso sobre drogas tão raso, com vários elementos requentados de Tropa de Elite que… Veja The Wire. É melhor :P);
    Supernatural (Apesar de algumas temporadas muito boas no começo, a série definitivamente abandonou qualquer ambição em meados de sua 6ª temporada, onde os irmãos Winchester se viram morrendo, ressuscitando, visitando o céu, o inferno e no meio de um conflito celestial. Se mantém no ar pela grande audiência, mantida por um público cativo, especialmente de adolescentes).

    Menções Desonrosas feat NÃO VEJA ou PARE DE VER

    The Big Bang Theory (Dez anos de atores repetindo falas, bordões e comportamentos são legais apenas porque fazem referencia a quadrinhos? Zorra Total é mais eficiente que isso);
    The Walking Dead (George Romero já disse que a série é ruim. E é. Drama arrastado, com personagens chatos, e que se baseia apenas em cliffhangers para manter a audiência. Desonesta e mal produzida até o osso);
    Lost (Um dos começos mais promissores com um dos piores finais que já foram exibidos na TV. Não perca seu tempo);
    Dexter (Um dos começos mais promissores com um dos piores finais que já foram exibidos na TV. Não perca seu tempo)²;
    Séries de heróis da DC. Não veja.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Resenha | Homens Difíceis – Brett Martin

    Resenha | Homens Difíceis – Brett Martin

    homens dificeis - brett martinEntre o final do século XX e o início do XXI, um seleto grupo de séries televisivas dramáticas revolucionou não só o meio, mas mudou completamente a forma como assistimos à televisão nos dias de hoje. Brett Martin, colaborador de diversas revistas e jornais, conseguiu entrevistar os criadores das séries, roteiristas, elenco, equipes de filmagem e executivos, e conseguiu documentar este momento único no livro Difficult Men: Behind the Scenes of a Creative Revolution, From The Sopranos and The Wire to Mad Men and Breaking Bad – traduzido e lançado no Brasil pela editora Aleph sob o título Homens Difíceis – Os Bastidores do Processo Criativo de Breaking Bad, Família Soprano, Mad Men e Outras Séries Revolucionárias.

    Começando por The Sopranos (1999), Six Feet Under (2001 – review aqui), The Wire (2002 – review aqui) e Deadwood (2004 – review aqui) da HBO, passando por The Shield (2002) do FX e terminando em Mad Men (2007) e Breaking Bad (2008) da AMC, Difficult Men analisa os bastidores destas séries para tentar entender como ocorreu a revolução que mudou a forma como apreciamos um programa televisivo atualmente.

    Não é preciso dizer que existem spoilers das séries durante a análise do livro, por isso recomenda-se assisti-las antes, inclusive para acompanhar melhor o raciocínio do autor. Segundo Brett Martin, estamos vivendo uma terceira Era de Ouro dentro da história da televisão moderna. O livro começa analisando as outras duas eras de ouro da televisão, uma logo no seu início, nos anos 50, quando os roteiristas tiveram mais liberdade para criar, pois estavam explorando os primeiros anos do novo meio, e a segunda no início dos anos 80, com a explosão do videocassete, fazendo com que a demanda de programas e telefilmes aumentasse não só em quantidade, mas em qualidade. Já a terceira era de ouro, segundo Martin, vai desde The Sopranos, 1999 até 2013, ano do lançamento do livro, e termina como uma junção dessas duas: a explosão dos DVDs no final dos anos 90 e o streaming no meio dos anos 2000, permitindo que as histórias seriadas, feitas por roteiristas com liberdade criativa, pudessem ser acompanhadas com mais facilidade.

    HBO Premiere Of "The Sopranos" - After PartyOs dois desbravadores: James Gandolfini, o falecido ator que deu vida a Tony Soprano, e David Chase

    DavidSimonOmar2David Simon, criador de The Wire, e Michael K. Williams, que interpretou o personagem mais famoso, Omar Little

    Por que homens e por que tão difíceis? Segundo Martin, os EUA estavam divididos por causa da eleição americana em que George Bush venceu de maneira controversa, permitindo o avanço da direita radical através das guerras do Afeganistão e Iraque. Agora, quem comanda o país não está mais interessado em dialogar, mas em impor; e não quer ajudar os mais pobres, caso do desastre causado pelo furacão Katrina. O país foi comandado por homens difíceis, eleitos graças a um desejo que vinha aflorando desde os anos 90 por boa parte da população.

    Para definir o que entraria ou não em sua análise, o autor decidiu escolher séries dramáticas da TV a cabo com uma história contínua (ao invés das episódicas – onde toda a trama inicia e termina no mesmo episódio) e temporadas menores, de 10 a 13 episódios de uma hora. O que importa agora são séries que têm feito sucesso há mais de 15 anos por centrarem-se em figuras masculinas tão controversas quanto improváveis: um chefe de máfia que sofre de depressão; uma funerária administrada por uma família de malucos; um detetive de polícia narcisista e um bandido que rouba outros bandidos; o dono de bar mais politicamente incorreto de todo o Velho Oeste; um chefe de esquadrão de polícia assassino; um diretor de criação de agência que finge ser quem não é; e um professor de química que passa a ser traficante. Ou, como diz o título do livro, os Homens Difíceis.

    SixFeetUnder_11_SF_380-scaledNo set de Six Feet Under, onde o criador da série Allan Ball passa instruções a Peter Krause, que interpretou Nate Fisher

    20080616090158_milchDavid Milch, criador de Deadwood, conversa com um dos atores do show

    Nunca estes tipos de personagens seriam protagonistas ou teriam espaço maior nas séries tradicionais da televisão aberta norte-americana, com suas longas e desnecessárias temporadas de 22 a 24 episódios e personagens pouco complexos e desenvolvidos. Agora, o que importa são histórias que possuam algum diferencial, em que a personalidade e atitude destes Homens Difíceis imperem e personagens importantes para a trama morram; em um momento que não exista mais a catarse representada pela curva dramática, pois não existe mais final. A realidade havia chegado à dramaturgia televisiva, e o que importa agora é atingir qualidade com o máximo de verossimilhança possível para o espectador.

    Porém, para que houvesse esta ascensão, não se pode esquecer da época que antecedeu estas grandes séries. O autor da obra consegue contextualizar bem a época pré-The Sopranos através dos sucessos de crítica e público da HBO, como OZ (1997) e Sex And The City (1998), e o início de uma noção sobre televisão autoral. Enquanto isso, analisa a história de David Chase, tido como o líder e desbravador de todos os autores de TV, e como ele conseguiu se impor perante os executivos do canal ao ter completo controle sobre a primeira temporada de The SopranosMartin explica que ele negava a rede televisiva, mas acabou aceitando o meio do qual tanto se esforçou em fugir, porém sendo como suas inspirações, os cineastas franceses dos anos 60 e os americanos dos 70. Desta forma, os roteiristas viraram autores, ou showrunners. Brett também analisa a história da HBO e como os executivos da época conseguiram mudar a ideologia da emissora e passar a produzir conteúdo inédito de qualidade.

    73727829Os dois carecas de The Shield: Michael Chiklis, que viveu o detetive Vic Mackey, e o criador Shawn Ryan

    Mesmo tendo controle de sua produção, Chase se deparou com um desafio que pôs em xeque a sua visão de autor, logo antes da metade da primeira temporada, no 5º episódio, College. Durante uma viagem com a sua filha, Tony mata um dedo-duro depois de avistá-lo, impondo algo inédito na televisão até então: a morte de um personagem, que não vilão, a sangue frio pelo protagonista. Confrontado pelos executivos do canal, David Chase aceitou mudar a caracterização do delator, transformando-o em traficante, além de inserir uma cena em que o mostra contratando assassinos para matar Tony, deixando a morte do inimigo mais “aceitável” para o espectador. A importância do episódio em específico, segundo Martin, foi ter se tornado o principal pilar de toda a Terceira Era de Ouro: nunca mais deixar que os executivos interfiram na visão do autor para a história.

    Em algumas partes do livro, o autor descreve como eram as salas dos roteiristas (ou writer’s room – sala dos escritores) de todas as séries citadas. A sala sempre existiu na televisão americanas, mas a de The Sopranos foi diferente, pois mostrou como a imposição de David Chase perante os demais roteiristas e executivos foi importante para passar a sua visão. Ao analisar as salas de roteiristas de The Wire, The Shield e Deadwood, o pesquisador mostrou a diferença entre todas elas, e principalmente as dos escritores que se inspiraram nos pioneiros e acabaram virando autores: Matthew Weiner, criador de Mad Men, era um dos roteiristas de The Sopranos, assim como Terrence Winter, criador de Boardwalk Empire; já Kurt Sutter, criador de Sons of Anarchy, foi roteirista de The Shield.

    Por fim, é necessário ressaltar a importância de cada uma das séries citadas na revolução da Era de Ouro: The Sopranos por ter dado início a este grande momento, mas principalmente por representar a essência de uma série autoral; Six Feet Under, que desconstruiu todo o sonho americano com uma família disfuncional; The Wire pelo realismo; The Shield por mostrar como a polícia pode ser maquiavélica; Deadwood pela reconstituição histórica; Mad Men por explicar como a fantasia é vendida; e Breaking Bad pela direção e fotografia.

    tumblr_luth5sYEzm1qfhewmJon Hamm, intérprete de Don Drapper em Mad Men, conversa com Matthew Weiner, criador da série

    10bad_span-articleLargeO criador de Breaking Bad, Vince Gilligan, dando instruções para os dois astros do programa, Bryan Cranston e Aaron Paul

    O livro foi bem editado, e o tamanho dele está de acordo com a análise do autor. Esta resenha foi realizada a partir da edição em inglês, portanto não há como avaliar a tradução do livro em português que a editora Aleph lançou em 2014.

    Homens Difíceis vale a pena ser lido por quem gosta de séries e entende que elas não estão mais no patamar abaixo do cinema. Hoje em dia, elas se equivalem ao cinema e podem ser consideradas obras de arte, semelhantes aos melhores filmes do ano ou da década, graças a esses pioneiros que conseguiram impor a sua visão na indústria.

    Compre aqui:  Homens Difíceis – Brett Martin

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Review | The Wire

    Review | The Wire

    wireAtenção, este review contém spoilers de toda a série. Siga por sua conta e risco.

    Segundo o livro Homens Difíceis, de Brett Martin, The Wire entrou para o seleto grupo das cinco séries dramáticas que mudaram a televisão americana atual e a fizeram entrar em uma nova era de ouro. Ao lado de The Sopranos e Six Feet Under da HBO, e Breaking Bad e Mad Men da AMC, a série criada por David Simon, sem nenhum exagero, conseguiu atingir o nível de excelência de roteiro através dos seus 60 episódios divididos em 5 temporadas. Entretanto, com uma peculiaridade que se tornou uma das identidades da série e a diferenciam de todas as citadas: o realismo.

    Sinopse: todas as possíveis ramificações do tráfico de drogas na cidade de Baltimore são mostradas tanto sob o ângulo dos vários traficantes e seus subordinados, quanto da polícia, principalmente da equipe especial de inteligência responsável pelos grampos.

    Pela densidade do roteiro de uma hora que contém muitas informações, seguindo o padrão HBO de qualidade, The Wire pode ser considerada uma das melhores séries policiais de todos os tempos. As cinco temporadas se dividem entre os vários casos que vão surgindo e suas investigações decorrentes, conforme o tráfico de drogas vai se adequando as novas realidades, gerando uma interação curiosa entre os dois lados.

    A primeira temporada consolida uma parte do elenco fixo da série, focando principalmente no detetive de homicídios Jimmy McNulty, e os policiais que farão parte da primeira equipe formada com o intuito de perseguir os traficantes sob a forma de grampos telefônicos, a Major Crimes Unit, chefiados pelo superior Cedric Daniels e liderados pelo principal investigador da equipe, Lester Freamon. Como os traficantes usam pagers para se comunicar, eles acabam percebendo o padrão utilizado pelos bandidos. É aqui também que se inicia também a investigação pelo dinheiro gerado pelo tráfico, para mostrar o quanto o comércio ilegal das drogas está intrínseco na sociedade, fato recorrente durante toda a série.

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    A Major Crimes Unit

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    Stringer Bell e Avon Barksdale

    É aqui que vemos também toda a politicagem nos bastidores dos mais diversos escalões de poder da polícia, que dificultam ou ajudam a formação da equipe, com os coronéis, tenentes e outros chefes tentando subir na hierarquia a qualquer custo. Em toda a temporada da série algum chefe de polícia se destaca, nesta primeira é o caso do comandante Burrell e do Major Raws.

    A outra parte do elenco fixo se centra no outro lado, a rua, e, claro, as drogas. O traficante Avon Barksdale, junto com seu braço direito Stringer Bell e seu sobrinho atrapalhado D’Angelo com seus vários subordinados, se tornam o alvo da investigação policial. Todas as séries costumam ter um personagem que se torna especial de alguma forma, seja pelo carisma do ator ou pelo roteiro que lhe permite essa possibilidade. Em Deadwood é Al Swarengen e em The Wire é o caso de Omar Little, o bandido que rouba outros bandidos. Ele aparece de vez em quando durante a série, e proporciona os pontos altos dos episódios.

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    Michael K. Williams como Omar Little

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    D’Angelo Barksdale com os seus soldados

    Na segunda temporada há um novo caso para ser investigado. O porto de Baltimore é dominado por imigrantes poloneses, chefiados pelo líder sindical Frank Sobotka. Eles encobrem seus esquemas ilegais operando dentro da lei, se diferenciando do tráfico nas ruas a céu aberto. Nesta temporada o superior da polícia que se destaca é o Major Valchek, também descendente de poloneses e adversário de Sobotka. É ele quem age nos bastidores para o retorno da equipe de investigação com o objetivo de ir atrás de seu desafeto. Não demora muito para que a Major Crimes Unit, agora uma unidade fixa dentro da polícia, descubra o padrão utilizado pelo sindicato dos estivadores.

    Como a investigação mudou de rumo, há um novo olhar sobre o tráfico, agora internacional. O sistema operado no porto permite a entrada de matéria prima para a fabricação da droga fornecida pelo Grego para o traficante Proposition Joe, adversário de Barksdale. Continuamos a ver o que aconteceu a Avon e seu sobrinho D’Angelo na prisão, e Stringer Bell operando seu esquema do lado de fora. Stringer, sem conseguir manter a área conquistada com tanto custo por ele e Avon com um produto de baixa qualidade, mas com uma força ainda grande, começa a maquinar uma espécie de parceria com Prop Joe.

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    Frank Sobotka e seu sobrinho Nick

    Na terceira temporada acontece um fato extraordinário. A princípio instigado em abaixar as estatísticas de assassinato no Distrito do Oeste, o Major Colvin opta por tentar combater o tráfico de uma maneira diferente. Colvin faz com “Hamsterdam”, o que se torna um ensaio sócio-econômico-político-cultural sobre o que aconteceria se o tráfico de drogas fosse legalizado em uma grande cidade dos Estados Unidos. É, de longe, uma das maiores contribuições da série para o debate a cerca do tema.

    Em paralelo, há uma espécie de retorno à primeira temporada, pois a unidade de escuta de grampo volta as atenções para os traficantes na rua. Eles agora vão atrás de Stringer Bell e Prop Joe, mas a princípio não conseguem nada. Se os pagers antes eram a base para o grampo, o foco muda para os celulares pré-pagos descartáveis. Também vemos a formação de uma Cooperativa. Liderados por Stringer e Joe, os traficantes percebem que se não há corpos nas ruas, diminui o risco do negócio com menos investigações policiais. Marlo Stanfield e sua gangue também surgem nesta temporada; ele declina participar na Cooperativa em função da sua própria força e poder, e o seu estranhamento com Avon gera uma das melhores guerras de tráfico da série.

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    Marlo Stanfield e sua gangue

    Ainda na terceira temporada, David Simon nos apresenta mais um foco de debate na guerra ao tráfico: os políticos. Se antes as maquinações se atinha aos bastidores nas esferas do poder policial, agora com a nomeação de Burrell como comissário, chegamos diretamente ao prefeito Clarence Royce e o ambicioso líder da câmara dos vereadores Thomas Cercetti.

    Na penúltima temporada quase não há escuta. Por ser ano eleitoral, todas as grandes investigações cessam em função da disputa pela prefeitura, principalmente as que iam atrás do dinheiro sujo. Agora, Baltimore vai decidir entre o atual prefeito, o negro Royce ou o branco Cercetti. As discussões que surgem em torno da questão racial, além do uso político da polícia são mais uma visão sobre os problemas do tráfico de drogas que David Simon nos fornece. No final, a vitória de Cercetti mostra que um novo horizonte se abre para a polícia, pois o novo prefeito quer mostrar serviço.

    The Wire consegue nos fornecer ainda outro foco sobre a questão: o momento anterior da ida dos traficantes para as ruas, a sua infância. Durante toda a temporada acompanhamos, ao lado do ex-Major Colvin, um estudo sociológico sobre um grupo de pré-adolescentes que um dia vão se tornar traficantes. Além de discutir a falta de perspectivas sobre o seu futuro e a veneração que as ruas geram pelo poder do tráfico, também vemos a politicagem dentro da própria escola com as notas dos alunos, provando que qualquer sistema público que vive em função de estatísticas para eleger ou reeleger políticos é cruel.

    Se o objetivo da Cooperativa era evitar mortes entre os traficantes para não atrair investigação policial, Marlo Stanfield resolve isto nesta quarta temporada de uma forma curiosa: deixando os cadáveres em casas vazias e abandonadas pela cidade. É aqui que o escritor policial Dennis Lehane começa a participar do roteiro da série.

    image2Os futuros traficantes

    Na última temporada não há mais escuta, porque o novo prefeito eleito optou por cortar muito da verba da polícia em função da educação. Como estava muito próximo de conseguir pegar Stanfield, Lester e McNulty decidem arriscar a volta da escuta realizando algo extraordinário como no arco de Hamsterdam da terceira temporada. É aqui que novamente há uma quebra do realismo da série, ainda que tentando manter o máximo de plausibilidade para o espectador.

    Esta quinta temporada opta por mostrar agora um dos últimos ângulos que faltava: a mídia. Agora a redação do Baltimore Sun entra em destaque para fornecer novos debates sobre o tráfico que só enriquecem a discussão, além de dar mais sustentação ao evento curioso que ocorre nesta última parte. Este evento, inclusive, acaba dando um final digno para a série, e vemos como terminou a história de cada personagem.

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    O Major ‘Bunny’ Colvin, interpretado por Robert Wisdom, responsável por Hamsterdam

    Uma característica é a presença maciça de atores negros na série. Baltimore, como é dito algumas vezes durante os episódios, é uma cidade americana com 75% da população afro-descendente. Além de conferir mais realismo, felizmente não há a utilização pelo autor de premissas com enfoque racial. O que existe é simplesmente uma adequação ao real: em uma cidade onde a maioria da população pertence a uma etnia, esta mesma etnia domina todas as formas de representação social. Existem detetives, chefes de polícia, traficantes, advogados, repórteres, políticos e professores negros e brancos. É diferente de uma certa novela brasileira ambientada na cidade de São Paulo em que boa parte da população é negra, mas no hospital só há médicos brancos por “decisão artística”, porém, quando um casal gay decide adotar um menino cuja a mãe morreu por causa de crack, ela é negra.

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    A redação do Baltimore Sun, retratada na quinta temporada

    Diferente de Breaking Bad, que apresentou vários episódios muito bem dirigidos e fotografados, com câmeras POV e ótimas decupagens, o principal em The Wire é o roteiro, e tudo acaba ficando em segundo plano, desde a edição e a fotografia, até o som e a direção. A direção, inclusive, é padronizada, com planos médios, americanos e closes comuns, que não acrescentam muito na dramaticidade da série. O enquadramento pode causar estranheza nas televisões de tela plana de hoje em dia, já que a série usou o tempo todo o 4 x 3 padrão das TVs de tubo da época. Entretanto, o roteiro não é igual a The Sopranos, que inovou ao criar situações cotidianas das mais variadas possíveis para os mafiosos, ou Deadwood que permitiu a reconstrução de personagens históricos no velho oeste, o diferencial em The Wire é primar pelo realismo. E o realismo na série é tanto que algumas vezes chega a quebrar o clímax construído nos episódios anteriores, se distanciando assim de uma dramaturgia tradicional como Breaking Bad ou Dexter. David Simon, inclusive, era conhecido como “non-fiction man” na HBO por reclamar que algumas situações se distanciavam da realidade por causa da dramaturgia.

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    Outra marca da série são as epígrafes no início de cada episódio

    O que também ajuda a manter o realismo na série é a falta de música. Só a abertura e os créditos finais são musicados. Outro momento em que aparece música são nos clipes no final dos episódios que fecham cada temporada, dando um resumo visual do que aconteceu. Sobre a falta de música na série tem uma discussão interessante aqui.

    Todas as entradas da série, que mudavam a cada temporada

    A atuação em The Wire é outro ponto forte da série. Como não é dramaturgia tradicional, os atores estão mais soltos com pouca ou nenhuma marcação de cena, e já que a ideia de David Simon é primar pelo realismo, o improviso se torna praticamente uma regra para criar a mise-en-scene nas locações. Michael K. Williams cria o melhor personagem da série, Omar Little; Idris Elba encarna de forma fantástica o estrategista Stringer Bell; Dominic West é o detetive caótico descendente de irlandeses Jimmy McNulty; Wendell Pierce atua magistralmente como o detetive ‘Bunk‘ Moreland, seu melhor amigo; Clarke Peters interpreta a mente por trás da Major Crimes Unit Lester Freamon; Wood Harris personifica o traficante Avon Barksdale; Sonja Sohn se torna a detetive ‘Kima’ Greggs; Andre Royo é o viciado Bubbles, outro ótimo personagem; Lance Reddick vive o tenente Cedric Daniels; Deirdre Lovejoy é a assistente da promotoria Rhonda Pearlman; Jim True-Frost interpreta o detetive e professor maluco Roland ‘Prez’ Pryzbylewski; Hassan Johnson se torna um dos tenentes de Avon, Wee-Bee; Lawrence Gilliard Jr é o sobrinho maluco D’Angelo Barksdale; J.D. Williams como Bodie, um dos seus soldados; Chris Bauer dá vida ao líder sindical Frank Sobotka; James Ransone é Chester ‘Ziggy’ Sobotka, seu filho porra-louca; Pablo Schreiber vive Nick Sobotka, seu sobrinho e também um dos estivadores; o limitado Jamie Hector é o traficante sedento por poder Marlo Stanfield; Gbenga Akinnagbe vira Chris Partlow, seu braço direito; Felicia Person é Snoop, o outro braço direito de Marlo; Robert Chew interpretou o traficante Proposition ‘Prop’ Joe; Anwan Glover como o tenente do tráfico ‘Slim’ Charles; Glynn Turman é o prefeito Clarence Royce; Aiden Gillen, o mindinho de Game of Thrones, magistralmente interpreta o vereador Thomas Cercetti; Frankie Faison dá show quando encarna o comissário Ervin Burell; John Doman vive o chefe de polícia Bill Rawls; Al Brown é o Major Valchek; Tristan Wilds é Michael Lee, a criança que mais se destaca da quarta temporada; Jarmaine Crawford se torna Duquan, um dos seus melhores amigos; Maestro Harell vive Randy Wagstaff; Julito McCullum é Namond Brice, filho de Wee-Bee e outra criança que também se destaca; Robert Wisdom dá vida ao controverso Major ‘Bunny’ Colvin; Domenick Lombardozzi encarna Herc; Seth Gilliam é o detetive Carver, seu parceiro na polícia; Reg Cathey como Norman, o assistente de Cercetti; Clark Johnson, que dirigiu alguns episódios da série, é o editor do Baltimore Sun, Gus Haynes; Thomas McCarthy encarna o repórter ambicioso e atrapalhado Scott Templeton; David Costabile, o Gale Boetticher de Breaking Bad, é Thomas Blebanow, editor chefe do Baltimore Sun. Ainda vale uma menção a Isiah Whitlock, que compôs o Senador Clay ‘Sheeeet’ Davis; o rapper Method Man que deu vida ao traficante Cheese, sobrinho de Proposition Joe; além de Michael Kostroff, que se tornou Maurice Levy, o advogado preferido dos traficantes.

    The Wire Alignment Chart

    Uma das melhores definições para os personagens da série

    The Wire merece ser vista, não só porque se encontra no distinto grupo das séries que revolucionaram a televisão americana moderna, mas também para quem quiser ver uma boa história contada de forma magistral. Para aqueles consumidores que sempre criticam clichês e a estrutura narrativa, o realismo da série é outro incentivo. Quem quiser também pode se aventurar pela wiki da série.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.