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  • Resenha | Duna – Frank Herbert

    Resenha | Duna – Frank Herbert

    “Deus criou Arrakis para treinar os fiéis.” – ditado fremen, o povo da areia.

    Eis o destino cármico para a humanidade, ou pelo menos, para os destemidos que fazem de tudo pelo poder. Arrakis é o planeta Duna, lugarejo impróprio a vida humana e que carrega consigo um fatalismo inevitável – não só por suas terríveis condições naturais, mas pelos vermes de areia gigantescos que lá residem. Um inferno planetário, árido e hostil, com tempestades cujos ventos retiram até a carne dos ossos de alguém, e que esconde sob as infinitas dunas desta Terra desértica, a valiosa ménange. Uma especiaria que dá poderes a quem a consome, e se vicia, e que só é encontrada na desolação e nos perigos de Arrakis. Dispensável dizer que muitos poderosos a ambicionam, numa guerra cada vez mais oficializada pelo controle da droga, custe o que custar, a menos que as lendas e profecias dos fremen sejam reais, e um salvador, o tão esperado Kwisatz Haderach, venha de fato unir os povos dentro e fora de Duna e trazer consciência (e limites) a ganância dos homens.

    No gênero de fantasia, o clichê nunca some ao apontar O Senhor dos Anéis como seu expoente máximo, tal qual Duna, clássico de Frank Herbert, como a magnum opus literária da ficção-científica. É porque, às vezes, todo clichê é inevitável quando este é real. Há um pedaço vital de Duna em todo e qualquer produto extremamente popular do gênero pós-1965, incluindo Star Wars, Harry Potter, Jogos Vorazes, Game of Thrones, ou ainda na maravilhosa série Arquivo-X dos anos 90. O que Frank Herbert conseguiu em Duna, antes de mais nada, foi revitalizar a essência questionadora, e utópica das obras basilares de Aldous Huxley e Philip K. Dick, os titãs da ficção- científica do início do século XX (autores obrigatórios), e inserir doses explícitas de política na idealização de um planeta com um sistema e religião próprias, mitos e temores particulares, e tecnologias que visam a sobrevivência da espécie, mas que pode resultar no extermínio de um ecossistema inteiro. Duna consegue ser utópico e distópico ao mesmo tempo, estruturando tudo num contexto engenhosamente político, sob um realismo fantástico profundo, e impecável.

    O livro poderia também se chamar Onde os Fracos Não Têm Vez, uma vez que o duque Leto Atreides, ótimo pai e marido, homem de bom coração, aceitou se mudar para Arrakis a fim de administrar toda a extração do ménange, se achando astuto o suficiente para evitar traidores – nada maquiavélico ele, no uso original do termo. Quando a família Atreides sai de seu planeta Caladan e vão todos enfrentar, diretamente, a realidade que esconde os temidos vermes gigantes, um misterioso povo guerreiro cuja água é o mais inestimável bem, inexistente sob um sol vermelho escaldante, e muitos outros segredos além do horizonte, tudo começa a mudar, como se o destino exclamasse: “Vocês não deveriam estar aqui”. Não demora muito para o plano de poder dos Atreides dar errado, e assim, Lady Jessica e o filho de Leto, o jovem Paul Atreides, têm suas vidas mudadas por um jogo de interesses interplanetários enraizado em Arrakis, num amplo esquema de corrupção política que não poupa ninguém – Duna é o Brasil e ninguém percebeu isso?

    Presos numa armadilha que Leto sem saber os colocou, esposa e filho lutam por suas vidas, entregues a sorte e ao azar, enquanto o asqueroso barão Vladimir Harkonnen (a grande inspiração para Darth Vader, entre muitas outras que George Lucas usou em Star Wars) trama diabolicamente esquemas e intrigas para controlar Arrakis e o seu “petróleo”, a substância que aumenta a força psíquica, e mediúnica, do ser-humano. Mas os altos escalões sempre subestimam a força popular, e na sua jornada contra a morte, Jéssica e Paul descobrem que há futuro e salvação entre os “rebeldes” fremen, uma espécie de cangaceiros do deserto e que não se curvam as forças militares do barão Harkonnen! Diante de tantas subtramas assim, e uma miscelânea de personagens que ao final não queremos nos afastar, a narrativa em terceira pessoa de Frank Herbert é quase sempre sublime, deixando algumas passagens ser tão célebres quanto poderiam ser, de fato – vide sua habilidade em organizar tramas paralelas (e fazer isso parecer que é simples).

    Herbert fez de Duna o romance da sua vida, a viagem inesquecível, seu pomo de ouro, pelo menos neste primeiro volume. Mestre com seus diálogos e suas frases de efeito, sendo a mais famosa “Não terei medo, o medo mata a mente.”, dita por Paul, o escritor construiu em pouco mais de 600 páginas um monumento dificílimo de adaptar para o cinema ou TV, devido a força e aos detalhes de suas palavras; a magnitude definitiva de sua grande alegoria política, quase que impossível de ser superada em filme ou série, apenas copiada. Por ser a obra de ficção-científica mais vendida (e uma das mais inspiradoras) da história, desde 1965, e publicada com grande apreço e carinho no Brasil pela Editora Aleph, Duna justifica sua popularidade universal a cada um dos seus capítulos, os quais possuem trechos iniciais retirados de uma espécie de bíblia do sábio e nômade povo de Arrakis. Este, sempre à espera de um salvador, de um guia, ou de uma força extra, como preferir. E quem não está?


  • Resenha | Star Wars: Darth Vader e Filho

    Resenha | Star Wars: Darth Vader e Filho

    Ser pai não é fácil, e Darth Vader descobre isso na nova historinha adorável de Jeffrey Brown, autor de outros contos no universo Star Wars para crianças e jovens adolescentes – todos distante da ficção científica, assumindo de vez a fantasia feito a saga original. Em Darth Vader e Filho, vemos em poucas e hilariantes páginas o que aconteceria ser Luke Skywalker não tivesse crescido como um escravo no esquecido planeta de Tatooine, mas sim junto ao seu pai verdadeiro, o temível imperador de preto. Pelo menos escapar das lições de moral malucas de Yoda, Luke certamente conseguiria.

    Em cartões de grande sagacidade e tão expressivos, quanto possível, vemos o Lorde Vader e seu garoto (ainda longe da fama) passando por todos os dramas de pai e filho, envolvendo brinquedos espalhados pelo chão e muito teimosia – será que Vader deixaria o filho brincar com um Han Solo de oito anos, o futuro símbolo da resistência? Em dado momento, Luke até pergunta ao paizão “todo-poderoso” da origem do nome “Estrela da morte”, lugar em que eles precisam morar. Se Luke soubesse que seu pai é o Hitler do espaço, algo poderia mudar no coração do menino?

    Nunca de fato saberemos, mas a resposta está sugerida logo no fim de O Império Contra-Ataca, quando Luke descobre seu verdadeiro e terrível parentesco, e prefere o abismo ao destino que lhe aguarda. Muito antes de todo esse drama bem ao estilo George Lucas, Brown dá coração e até amor ao ditador das trevas, e muita paciência no decorrer da paternidade – mas sem saber o que falar quando Luke lhe pergunta de onde vem os bebês, até porque cegonhas não existem no vácuo espacial. “Juntos poderemos dominar o universo!”, almeja o pai, no que seu filho responde: “E ai eu ganho um doce?”. Espertinho.

    Toda a graça e a sensibilidade cativantes que não existem (nem de longe) na trilogia Star Wars da Disney, de 2015 a 2019, tem de sobra em Darth Vader e Filho, em imagens que falam mais que mil palavras ou efeitos visuais vazios. Um livro imperdível aos fãs de star Wars, imortalizando a convivência de duas figuras ainda semelhantes, bem antes que a realidade estrague a relação entre eles, vivendo o amor que os une protegido pela simplicidade do momento. E ainda, pelo auto controle que Vader precisa ter na frente de seu exército, quando um Luke mimado começa a chorar na frente de todas as autoridades subordinadas a seu pai. Ironicamente, é nessa hora que Vader poderia dizer: “Que mico, meu filho! Que mico!”

    Compre: Darth Vader e Filho.

  • Resenha | Snow Crash (Nevasca) – Neal Stephenson

    Resenha | Snow Crash (Nevasca) – Neal Stephenson

    A visão da informática nos anos 80 e 90 não poderia ser melhor representada, popularmente, do que foi em Matrix bem na virada do milênio. Não só através de cenas de ação inesquecíveis, mas no próprio uso dramático do seu principal tema tecnológico: o mundo online é uma extensão da nossa realidade. Logo no começo da revolução digital, autores de ficção científica e fantasia piravam nas possibilidades infinitas de um novo cenário, onipotente e fadado as ambições e loucuras do homem. Mas, se no épico das irmãs Wachowski ou em inúmeros animes japoneses futuristas, tudo pendeu mais ao surreal e ao barulho para garantir a adrenalina da plateia, e a ela apresentar pela ótica da ficção uma rede mundial de computadores, foi no campo literário que o cyberspace foi e continua a ser bem mais sofisticado, ou seja: melhor especulado nas suas inúmeras questões extrafísicas, polêmicas e regulatórias, debatidas em sociedade desde os primórdios da invenção coletiva da internet.

    Em 1992, Neal Stephenson veio com o seu Snow Crash, publicado inicialmente como Nevasca no Brasil pela editora Aleph, um dos cem melhores romances dos anos 90 segundo a revista Times. Exageros à parte, eis um livro-chave para os amantes mais modernos de aventura, e que as vezes podem se indagar: e se o Indiana Jones caísse numa dimensão cibernética, cheia de tecnologias delirantes e muita paranoia? Bom, foi mais ou menos isso que Neal imaginou ao acompanhar a história de Hiro Protagonist. Para todo mundo, ele é só um ex-entregador de pizza, já que na verdade (e para poucos) ele é o último hacker freelancer dos Estados Unidos. Co-criador do Metaverso, uma enorme realidade aumentada aonde se pode andar pelas ruas, e entrar nas lojas que os melhores programadores da Terra criaram no início do Metaverso, Hiro ajudou a criar o bar Black Sun. É lá onde os avatares mais renomados do Metaverso adoram passar um tempo ostentando suas vaidades, e é também onde uma poderosíssima droga (um vírus) chamado “Nevasca” aparece, pela primeira vez.

    Aparentemente inofensiva, a droga (“Snow Crash”, em inglês, um termo para quando o computador trava, e a imagem do monitor fica embaralhada igual uma Nevasca) é comercializada no Metaverso cada vez mais, feito o Covid-19 a se propagar na China. Infectando todo mundo nessa realidade virtual, Hiro começa a entender que ela pode ir muito além de um reles vírus online. Tendo implicações no mundo real, e servindo de ameaça iminente a Hiro, que sabe demais justamente por ser um hacker, a droga precisará ser combatida nas camadas mais ocultas do da deep web, ou poderá ser tarde demais inclusive no mundo real. O livro emblema com total dinamismo a falta de privacidade do cidadão quando inserido na internet, e o peso da liberdade quando esta é ameaçada. Assim, o autor reflete sobre a paranoia do homem diante do desconhecido, e principalmente quando o desconhecido é autônomo e faz parte daquilo que o próprio homem criou. É o velho drama do “Criamos um monstro e ele fugiu do controle, e agora?”, muito bem tratado aqui.

    Mesmo sendo mais longo do que precisava ser, e previsível quanto aos arcos de personagens coadjuvantes, Snow Crash ou Nevasca é um amplo conto futurista e cheio de influências dos anos 80 lançado bem no ano da morte de Isaac Asimov, o genial escritor russo de ficção-científica que revolucionou a maneira a qual o ser-humano enxerga a inteligência artificial – para sempre. O que impressiona, de fato, é a maestria de Stephenson junto a uma narrativa que flui feito um rio, a serpentear. O cara nos conduz por um jogo de palavras realmente cativante e que, com certeza, seduziu a revista Times no seu ranking da década de 90. Um tanto cansativo no final, mas irresistível no começo, Snow Crash é feito sob medida para quem não tem paciência para toda a filosofia de um O Tempo Desconjuntado, e prefere uma cientologia e uma filosofia bem embaladas na adrenalina, e no suspense que existe aqui. Achou que só Matrix era assim? Achou errado.

    Compre: Snow Crash – Neal Stephenson.

  • Resenha | Star Wars: Academia Jedi – O Retorno de Padawan

    Resenha | Star Wars: Academia Jedi – O Retorno de Padawan

    Ser aprendiz de bruxo não é fácil, mas ser um padawan é menos ainda! Esses aprendizes de Jedi, os grandes guerreiros do universo Star Wars, recebem um treinamento pesado na Academia Jedi, e não é qualquer um que consegue passar pelas provas, aguentar os conselhos (chatos) do Yoda e ainda, engolir a comida (terrível) do Gammy, o pior cozinheiro das galáxias! Bem-vindos a Academia Jedi – O Retorno de Padawan, na qual o jovem Roan Novachez ainda está longe de ser o grande piloto que sempre sonhou ser, e ao invés disso, ainda tem que lidar com muitos desafios – e até ver o seu melhor amigo Pasha namorando Gaiana, a menina dos seus sonhos.

    De volta para mais um ano em Hog… na Academia Jedi, Roan está mais animado do que nunca, se divertindo em um universo de possibilidades que todo menino gostaria de participar! Pela primeira vez, ele já começa a dominar o uso da Força, essa energia que os Jedi precisam ter controle, mas nem tudo é diversão! Agora, a turminha de alunos precisam aprender a ser responsáveis e a cuidar de um bichinho de estimação, um Voorpak muito fofo, e as inimizades de Roan se mostram inevitáveis. Logo no início do ano letivo ele já se depara com uma turma de jovens Sith, os poderosos do lado sombrio da Força, que já lhe dão dor de cabeça. E haja desabafos no seu diários.

    Com um tom leve e jovial, o livro ilustrado de Jeffrey Brown segue o mesmo clima descontraído do primeiro livro, também publicado no Brasil pela Editora Aleph, com desenhos tão expressivos e situações tão engraçadas que a gente nem sente falta das cores, já que o livro é todo em preto e branco como se fosse ilustrado a mão, transmitindo uma forte sensação de espontaneidade, francamente deliciosa. Em O Retorno do Padawan, ninguém está seguro da influência do mal, nem Roan, que começa a se juntar com os jovens Sith, porque eles parecem mais divertidos e estilosos que seus amigos Jedi. Logo, lições serão aprendidas, e Roan vai descobrir que nada (nada mesmo) vale mais que uma amizade de verdade, e sem interesses.

    Por toda parte, ecos de Harry Potter, As Crônicas de Nárnia e outros títulos famosos da cultura pop estão em evidência na história, e nem pense que isso pode comprometer alguma coisa, ou tornar O Retorno de Padawan menos criativo e surpreendente pra alguém. O livro consegue homenagear suas influências de um jeito bastante simpático, trilhando seu próprio caminho no universo Star Wars e sem esquecer dos ícones que fizeram a série ser tão amada ao redor do mundo – os Ewoks continuam sendo apaixonantes, apesar de serem malandros demais para seu tamanho. E o que será que Roan, o mais normal dos meninos consegue conquistar primeiro: a Gaiana, a menina que nem dá muita bola pra ele, ou o controle de uma nave espacial? Só lendo pra saber.

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  • Resenha | Star Wars: Tarkin – James Luceno

    Resenha | Star Wars: Tarkin – James Luceno

    Tarkin é um dos livros do cânone de Star Wars, ao contrário do muito que se diz do antigo Universo Expandido, que jamais foi oficialmente tratado como futuro, passado e presente da saga de George Lucas. O romance se passa cinco anos após o golpe que Palpatine deu na república.

    Nesse ponto, se revela o primeiro nome do político/ militar: Willhuff (o primeiro nome do Imperador também é dita, chamando então de Shiv Palpatine). A escrita de James Luceno é um pouco complicada, o ritmo da história é um bocado truncado, falta fluidez mínima na história, e o que se vê é uma narrativa arrastada, cheia de detalhes políticos que até são interessantes, mas que não se equilibra com os aspectos de ação ou aventura, ao contrário do que se fala a respeito de outro livro seu, do selo Legends, Darth Plagueis. Alias, apesar de ter sido jogado para um selo não canônico, Luceno faz questão de tornar oficial boa parte de sua história, dizendo que foi Plagueis o mestre de Darth Sidious.

    O ponto de partida são as cinzas das guerras clônicas, deixando claro que o pupilo do imperador, Darth Vader ajudou muito no expurgo ocorrido após a lei 66. No primeiro capítulo, se estabelece que o Moff acha correto afirmar que seus métodos não são totalitários como os de Vader e do imperador. Isso é interessante e contraditório, não só levando em conta o visto em Uma Nova Esperança, mas também em Clone Wars, quando Willhuff era apenas um capitão do exército da república. Lá já demonstrava ideais autoritários, fato que o fez se aproximar do déspota que tomou o poder.

    Das possibilidades para essa contradição, existem duas principais tentativas de justificativa para o comportamento de Tarkin, sendo a primeira um possível paralelo a realidade de muitos políticos atuais, que mesmo em ações neo liberais quando chegam ao poder, consideram-se esquerdistas levando em conta que o sujeito se auto engana, ao afirmar não ser autoritário), ou uma manipulação do próprio diário, para que ao menos sua memória oficial possa ser salva em caso de uma possível futura derrota do conglomerado imperial, em uma tentativa de contaminar futuras leituras ao seu respeito. Essa alternativa também tem paralelos iguais na realidade, inclusive entre costumeiros inimigos da opinião pública média.

    O livro acompanha os detalhes da construção da Estrela da Morte e seus capítulos divididos por paginas pretas, as vezes com desenhos nos inícios dos capítulos, fato que faz o trabalho editorial da versão brasileira da Aleph muito bonita.

    Luceno tem uma maneira de escrever bem peculiar,  de um jeito bem parecido com o de biografias. Suas histórias tem por costume focar bastante em seu personagem principal, e ao menos na parte em que foca a rejeição de Willhuff com os antigos separatistas, fato que ocorria por conta de sua origem. Nascido em Eriandur, em uma família rica, ele foi governador de  seu planeta antes de ingressar na carreira política. A narrativa varia de linha do tempo, entre o jovem cadete e o veterano político, que aliás, só ingressou nessa carreira por influência do chanceler de Naboo.

    Na parte do presente, Palpatine ordena que Vader e Tarkin trabalhem juntos, a fim de encontrar um Destroyer que foi roubado por opositores do governo, e ali se afina a relação dos dois, que passam de pessoas que se respeitam a quase amigos. Wilhuff chega a suspeitar que Vader e Anakin Skywalker são a mesma pessoa, fato que não é dado, ao menos nessa parte da cronologia da saga.

    É engraçado que pela ótica de Tarkin, o imperador é heroico, por ter conseguido organizar a galáxia e por driblar a problemática da corrupção do antigo senado, mas isso não justifica sequer aos olhos do Moff a exclusão de raças não humanas pelo Império, piorando muito quando se aproxima da borda da galáxia.

    As primeiras aparições de Vader o tornam amedrontador, mas não para o personagem-título. Apesar do respeito do Moff, Vader contesta sua preparação, diante do Imperador, que diz que ele está sendo reducionista. O livro também cita profecias do Conde Dooku, que conversava com Tarkin para tentar trazer ele para o lado separatista, e também fala um pouco sobre Ahsoka Tano, personagem que quase causou um racha entre Vader e seu novo mestre.

    Tarkin é mostrado como um belíssimo arquiteto e naves para a república e depois para o Império, mas incrivelmente deram a ele uma nave com um nome traduzido bem estranho: Pico da Carniça. Sua definição é de uma fragata, que fica baseada na Base Sentinela na Orla Exterior. A nave foi inspirada no design criado pelas naves furtivas usadas durante as Guerras Clônicas. Foi pega por uma célula rebelde e depois foi abandonada e recuperada pelo que restou do Império. Muito tempo depois, serviu ao Capitão Terex da Primeira Ordem.

    A literatura, para quem gosta do personagem ou para quem gosta de detalhamentos de dia a dia militar,  vale muito a pena, pois se aprofunda bem a questão de patentes e meandros, mas segue estranho como uma trama tão simples como a tentativa de Vader e Tarkin em recuperar um Star Destroyer raptado consegue ser tão enrolada e com uma escrita tão burocrático. Curioso é que um dos livros mais elogiados do Selo Legends, é Darth Plagueis. Ler Tarkin faz pensar duas vezes antes de encarar a leitura deste outro que já não tem qualquer peso canônico. As partes mais passáveis são as do passado de Willhuff, em Eriandur, como herdeiro do governo de sua família.

    De positivo em Tarkin, há o mergulho na intimidade de um personagem que ficou famoso como o real vilão de Uma Nova Esperança, a presença famosa no elenco que com Peter Cushing salvou o filme da inexperiência de Mark Hammil, Carrie Fisher e Harrison Ford, e notar isso hoje é um bocado estranho, já que são todos veteranos. Ainda assim, todo o código ético é bem exemplificado, e o livro serve bem como um pré Rogue One: Uma História Star Wars, no entanto a ideia de fortalecer o triunvirato Imperador, Vader e Tarkin é mal construída, de legal há a designação de Grão-moff (ou Gran Moff), e claro, o alvorecer da Estrela da Morte, mas não compensa a lentidão da trama.

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  • Resenha | Star Wars: Academia Jedi

    Resenha | Star Wars: Academia Jedi

    Há uma certa genialidade no tipo de oportunismo bem empregado, e bem-sucedido. Nisso, o autor Jeffrey Brown fez juntar a criação de George Lucas com Harry Potter e uma pitada (generosa) dos famosos livros de O Diário de Um Banana, e o resultado não poderia ser mais gracioso, simbólico e solene. Lucas criou na década de setenta o ícone máximo da cultura pop, cultura essa que vive de personagens, hype e muita comercialização. Engana-se quem acredita que a Marvel detém o trono.

    A saga interestelar dos Skywalker, Darth Vader e cia. é a pura essência e o mais icônico expoente da sapiência popular fictícia, e o livro ilustrado Star Wars: Academia Jedi usa desse privilégio único da maneira mais jocosa possível, além de contar com o espírito das lendas cósmicas originais e nos fazer lembrar, em vários momentos, porque crescemos amando essa grande estória. Porém, vale lembrar que a publicação da editora Aleph não é de modo algum canônica, acontecendo a parte de todas as trilogias galácticas da Lucasfilm, e os seus spin-offs centrados no passado.

    Star Wars: Academia Jedi acontece quase num universo paralelo as clássicas aventuras sob o comando de George Lucas e J.J. Abrams, mantendo boa parte dos mesmos personagens, uma verdadeira iconografia intrínseca ao imaginário popular da humanidade – junto do logotipo da Coca-Cola, e a cruz católica. Assim, o livro de Brown toma certas liberdades criativas interessantes e inócuas a toda a mitologia já estabelecida e revisitada nos filmes clássicos e mais recentes da Disney, resgatando e evidenciando o poder da magia de uma ficção que ultrapassa gerações.

    E, pela primeira vez, o garoto que nos guia pela história não é um Skywalker, e sim Roan Novachez, um menino comum que não descende de grandes linhagens. Um escolhido, propriamente dito, que recebe o convite de estudar em Hog… ops, numa academia de treinamento para futuros Jedis, chefiada por Yoda, numa mistura bem-humorada de Dumbledore com o Mestre dos Magos, para crianças que não sabem nem manejar um sabre de luz direito, e, honestamente, não têm a mínima ideia do que estão fazendo ali.

    Eles só querem brincar, ser bons o bastante para si mesmos, seus colegas, para seus mestres, e, é claro, depois de um ano se superando individual e coletivamente num ambiente divertido, e desafiador, não voltar para casa. A Academia, assim como Hogwarts nas histórias de J.K. Rowling, vira-lhes um lar, uma segunda (ou primeira) casa, devido aos triunfos que os jovens Jedis conseguem obter, ao longo de semestres de muito esforço, e muito aprendizado – como o almejado domínio do uso da Força.

    Para os fãs, o livro é como um passeio ensolarado no parque. Tal um exemplar de autoajuda visto pelas lentes da fantasia, Brown construiu em 2015 (junto ao cataclísmico sucesso de O Despertar da Força, que contou com uma das melhores companhas de marketing da história do Cinema) um best-seller do The New York Times ao narrar a força de vontade de um guri, enfrentando lições, alegrias e adversidades de todos os tipos. Convivendo com a diversidade de raças numa escola mista, ele aprende que querer não é poder, se não usarmos nossa “força” de um jeito certo.

    Com desenhos espirituosos, carismáticos e feitos sob medida para serem copiados por garotos que adoram desenhar em seus cadernos escolares, Academia Jedi nos apresenta um outro lado da guerra nas estrelas, num cenário sem conflitos, tirando os que cada um trava consigo mesmo durante o crescimento. Longe de ser moralista, Brown é ciente do poder das mensagens embutidas nas aventuras de Roan e seus amiguinhos, desfazendo e reatando amizades, enquanto tentam não tirar nota três nos exames. O autor, assim, afirma que o lado infantil de uma história não precisa ser bobo, despretensioso, inofensivo, e garante o fascínio mitológico de Star Wars entre os pequenos sem perder o ar da graça, ou o fôlego, ao longo de uma leitura deliciosa.

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  • Resenha | Jurassic Park – Michael Crichton

    Resenha | Jurassic Park – Michael Crichton

    Em 1990, o escritor e diretor de cinema Michael Crichton (Devoradores de Mortos) publicaria sua obra mais famosa e seminal, misturando elementos de fantasia e terror com uma pitada de teoria do caos e discussões sobre ética na biologia. Jurassic Park, já em sua introdução destaca o avanço biotecnológico de manipulação genética que ocorria no século XX, tudo para tornar mais plausível o seu conto fantástico que tentava tornar congruente a habitação mútua do mundo entre homens e os seres pré-históricos.

    Os capítulos começam sempre com uma citação de personagens, a chamada primeira iteração é aberta com uma frase de Ian Malcolm – o cientista que no filme Parque dos Dinossauros foi interpretado por Jeff Goldblum – em que diz: nos primeiros desenhos da curva fractal, poucas pistas da estrutura matemática subjacente serão vistas. Há também uma maior descrição da geografia das ilhas no livro, onde se fala abertamente em quais localidade ocorrem os eventos dentro do parque e nos arredores, coisa que fica um pouco confusa nos dois primeiros filmes de Steven Spielberg.

    O livro já começa agressivo, descrevendo um bocado de violência e já denotando um pouco do que Crichton esperava de seu romance. Aliás, há uma timidez atroz do texto em chamar as criaturas de qualquer coisa que não lagartos, uma vez que as primeiras criaturas descritas nessas páginas são bastante pequenas. Além disso, a Costa Rica era desmatada, o que provocava um êxodo de animais, o que propiciava também a chegada de novos moradores, os tais lagartos, que também eram acompanhados de outras preocupações, como a dos vírus que acompanham os lagartos, prejudiciais inclusive para os humanos.

    Ainda falando de localidades, o parque fica localizada na Ilha Nublar – ou Isla Nublar – um espaço arrendado pela Internacional Genetics Technologies Inc (ou simplesmente Ingen), de Palo Alto. Apesar da nomenclatura, o lugar não é exatamente uma ilha, segundo o livro, e sim um monte submarino, uma elevação de rocha vulcânica no fundo do mar, que possui géisers e outros fenômenos naturais. Obviamente, este é um lugar fictício.

     A leitura do material de Crichton é muito simples e dinâmica, seu estilo é muito comparado ao de Dan Brown, embora ele claramente tenha mais conteúdo a discutir e estilo literário. A apresentação dos personagens é bastante rica e quando eles aparecem têm uma recepção calorosa, típica de rockstar, em especial claro, Ian Malcolm, o matemático que brinca com o estereótipo de James Bond.

    As conversas entre Malcolm e o doutor Doutor Wu (que voltaria na franquia Jurassic World, do cinema) é bem detalhada quanto aos problemas de decomposição de fezes das criaturas, uma vez que por elas terem sua extinção a milhões de anos, as bactérias que faziam suas necessidades se decomporem também não existem mais, de modo que se cria um problema de logística ai. Nesse trecho também há uma discussão de matemático com o paleontólogo Alan Grant, que explica que os velociraptors tem uma conjuntura de DNA que mescla elementos de répteis na aparência e aves nos movimentos, fato que faz deles figuras muito imprevisíveis. Quando Wu – ou qualquer outro funcionário do parque – é indagado sobre os raptors a resposta é sempre a mesma, de que há total controle sobre as criaturas, de que elas não poderiam viver fora do cativeiro e de que há total vigilância sobre os animais, exceto por alguns filhotes, esses também, inofensivos e é nessa margem de erro que fica a dúvida de Malcolm e consequentemente, do leitor também, que é conduzido pelo personagem a sentir isso.

    Após discutir com o idealizador do parque John Hammond e outros que trabalham no espaço, Malcolm levanta a possibilidade de os dinossauros estarem se reproduzindo sem controle, fato que segundo Wu e Hammond seria impossível, já que eram todas fêmeas, mas como diz o discurso de Malcolm – Porque a história da evolução é de que a vida escapa a todas as barreiras. A vida se liberta, a vida se expande para novos territórios. Dolorosamente, talvez até perigosamente mas a vida encontra um jeito – e a preocupação dos investidores não era de que a população aumentasse e sim diminuísse.

    A Quarta Iteração começa frenética, quando os visitantes se deparam pela primeira vez com o Tiranossauro Rex, com a criatura percebendo que em meio a chuva, a cerca eletrificada deixou de fazer efeito. Crichton cria muita expectativa no leitor, e seu modo de lidar com elementos de thriller e suspense são muitíssimo bem elaborados, acompanhando atenciosamente os fatos narrados, deixando o leitor bastante apreensivo, em especial no embate entre Grant e o T-Rex, tanto no momento em que o doutor percebe que se ficar imóvel não será detectado, como também quando é arremessado longe pelo animal, onde mesmo com dor pode sentir a atmosfera ao seu redor mudar, em uma sensação semelhante a de quem está morrendo, ou ao menos é o que se passa em sua cabeça. De maneira bem simples essas sensações são passadas a quem lê, e quase se pode viver esses acontecimentos.

    Se discute nos lados internos do parque a Teoria do Caos, que Malcolm tanto defende e estuda, e o engenheiro chefe Ray Arnold (interpretado por Samuel L. Jackson no longa), diz que ela não se aplicaria ao parque porque os dinossauros não são máquinas ou dados de computador. Por ter sua gênese artificial isso é discutível, mas o que Malcolm explica é que a teoria do caos não necessariamente afeta só seres não vivos, mas também as curvas que a natureza tem, em especial se há alguma interferência externa. Mais tarde, isso seria evoluído, como visto em Jurassic World – Reino Ameaçado, em que a natureza tende a pressionar o rumo da vida ao status quo novamente, ou seja, tende a extinguir o que deveria permanecer extinto e claramente a ação humana pode alterar isso, possivelmente de maneira só temporária, e esses conceitos todos estão presentes no livro de Crichton

    As principais diferenças entre o material literário e a adaptação de Spielberg moram na persona de Malcolm, que talvez seja o mais próximo no livro de um protagonista – isso cabe no filme mais ao Grant, de Sam Neill – e também a questão da vida útil dos dinossauros, que não conseguiriam ter uma sobrevivência maior fora de ambiente controlado, obviamente para poder ter possibilidade de mais continuações. Sobre essas diferenças, há uma boa entrevista dentro da edição recente que a Editora Aleph fez, onde o autor fala sobre como foi difícil o processo de transformar o romance num roteiro, já que para fazer o livro, ele precisou abrir mão de algumas ideias, daí teve que revisitar seus esboços, resgatar ideias e propor novos rumos para a trama que seria filmada.

    Há um sub-capítulo, chamado Destruindo o Mundo, ele é dos mais curtos, tem apenas três páginas, mas tem nele das melhores discussões do livro, com Malcolm dando uma bronca em Hammond que teme que suas criaturas destruam o mundo. Para o matemático, o magnata é arrogante, acreditando que seus animais artificiais são capazes de dar fim a um planeta que sobrevive a bilhões de anos e que suas intervenções não seriam capazes de mudar isso agora.

    Grant comemora a queda da população do parque, uma vez que a cadeia alimentar começa a se estabelecer, para ele, o chamado equilíbrio jurássico faz um bem para o local e também para as populações dos dinossauros, uma vez que a natureza segue seu curso natural, ou ao menos tenta se adequar dessa forma. Sua conclusão de que os animais que saem dali não estão fugindo, e sim migrando é acompanhada de um sentimento bastante singelo.

    O desfecho do livro não tem uma cena icônica como a briga entre os velocirraptors e T-Rex, mas ainda assim é bem fechado e condizente com o restante da leitura, com uma esperança de que a vida prosseguirá para aquelas criaturas, sem a exploração predatória do homem, mesmo daqueles munidos de boas intenções como era o idealista John Hammond. No epílogo estão todos os envolvidos no incidente Ingen prisioneiros do governo costa riquenho, ainda que sejam tratados de modo suave, e são obviamente liberados depois, já que há dinheiro envolvido, ou seja, mesmo com o rumo das criaturas sendo controlado pela Natureza, a linguagem do capital ainda prossegue universal para quem vive aquele mundo.

    A ideia de Crichton em filosofar não sobre o que o homem deve ou não saber, mas sim sobre fatos que o homem simplesmente não saberá como saber é muito bem construída, e seu livro consegue aprofundar essa discussão ainda mais que o belíssimo filme que Spielberg conduziu. Ele fala abertamente que sua ideia seria de fazer um filme, mas que ficaria caro demais e portanto preferiu escrever um livro, que obviamente deu origem a um dos produtos  hollywoodianos que fez história, exatamente por ter um grande aporte em questões técnicas de efeitos digitais. Independente até das obras do cinema, Jurassic Park é um romance muito divertido, com personagens carismáticos, reais e com um clima aventuresco muito bem estabelecido desde o seu principio.

    Compre: Jurrasic Park – Michael Crichton.

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  • Ursula K. Le Guin, autora de clássicos de ficção científica, falece aos 88 anos

    Ursula K. Le Guin, autora de clássicos de ficção científica, falece aos 88 anos

    Ursula K. Le Guin, a premiada autora de livros de ficção científica e fantasia, morreu aos 88 anos em sua casa em Portland, no Estado do Oregon. A causa da morte não veio a ser revelada até o momento, entretanto, Theo Downes-Le Guin, filho da escritora, informou que sua mãe estava com problemas de saúde há vários meses.

    Em 1969, a autora publicou A Mão Esquerda da Escuridão, obtendo reconhecimento mundial e se tornando vencedora dos prêmios Hugo e Nebula, premiações voltadas aos melhores trabalhos e realizações de fantasia ou ficção científica do ano anterior. Ao longo da sua carreira, Le Guin foi indicada diversas vezes e ganhando outras tantas. Seu reconhecimento era tamanho que em 2014, recebeu o National Book Foundation Medal for Distinguished Contribution to American Letters, um prêmio atribuído anualmente pela National Book Foundation, que reconhece a contribuição de um autor por uma vida dedicada a literatura.

    Suas obras foram marcadas pelos temas envolvendo questões da sociologia, psicologia e antropologia, além de influências anarquistas, religiões do Leste Asiático e a defesa do ambientalismo. Na noite de terça-feira, homenagens foram lançadas por autores e pensadores, incluindo Neil Gaiman, Laurie Penny, Guy Gavriel Kay, John Scalzi, entre tantos outros.

    No Brasil, foram traduzidas as obras O Feiticeiro de Terramar e As Tumbas de Atuan, pela Editora Arqueiro, e A Mão Esquerda da Escuridão e Os Despossuídos, pela Editora Aleph.

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  • Resenha | Uma Princesa de Marte – Edgar Rice Burroughs

    Resenha | Uma Princesa de Marte – Edgar Rice Burroughs

    O livro conta a história de John Carter, ex-combatente do exército confederado, que tenta recomeçar a vida depois de perder tudo com o fim da Guerra Civil. Inexplicavelmente, o capitão vai parar em outro mundo: Marte. O planeta, mesmo com sua aparência inóspita, possui diversas formas de vida, inclusive, seres inteligentes e desenvolvidos que vivem em sociedade. Contudo, assim como na Terra, vários povos estão sempre em guerra Carter cai – quase literalmente – no meio dessa batalha. E, como todo bom herói, irá enfrentar vários inimigos, fazer muitos amigos e, lógico, se apaixonar por uma princesa que, em algum momento, precisará ser salva.

    Mais conhecido pelo seu personagem mais famoso – Tarzan – em 1912, Edgar Rice Burroughs iniciou a publicação de uma série de contos que posteriormente seria transformada numa coleção de 11 livros, de que este é o primeiro volume. Burroughs publicava as histórias sob o pseudônimo de Norman Bean, pois temia sujar sua reputação contando aventuras sobre marcianos e viagens espaciais. Apenas os três primeiros da série tem como protagonista o capitão John Carter.

    O autor faz uso de um artifício bastante comum pra contar a história. Ele mesmo é um personagem, que recebe uma herança de um tio e, junto com o testamento, lhe é entregue um manuscrito. Nele, o tio, John Carter, contava suas aventuras em Marte. Sendo assim, o livro é narrado em primeira pessoa, o que dá ao leitor apenas a visão de Carter sobre todos os eventos.

    “Não sei por que eu deveria temer a morte. Eu, que morri duas vezes e continuo vivo. Mas continuo tendo o mesmo medo de alguém que, como você, nunca morreu antes. E é por causa desse terror pela morte que, acredito, continuo tão convencido de minha mortalidade.
    Por causa dessa convicção, decidi escrever a história dos períodos interessante da minha vida e morte. Não posso explicar tal fenômeno, mas apenas registrar aqui, com as palavras de um simples soldado, a crônica dos estranho eventos que se abateram sobre mim durante os dez anos em que meu cadáver descansou em segredo em uma caverna do Arizona.”
    (p.14)

    É possível afirmar que Burroughs é tipo um Jules Verne, mas sem se importar muito com a acuidade científica. Sua narrativa é muito mais focada na aventura do que na ciência, por essa razão alguns não classificam seus livros como ficção científica. É uma obra com alto teor imaginativo. Basta ver que a aventura se inicia quando o protagonista é transportado para Marte, assim, sem mais nem menos, numa cena do tipo “mentaliza e vai!”. Não se pode analisá-la, principalmente quanto ao aspecto sci-fi, pensando-se na ficção científica mais recente, que é muito mais “tecnológica” do que fantasiosa. Mas nem por isso, o autor despreza alguns fatos científicos decorrentes da presença de um humano em Marte. Acostumado à gravidade da Terra, cerca de 3 vezes maior que a de Marte, Carter de certa forma ganha superpoderes. Com seus músculos habituados a funcionar em uma gravidade maior, ele acaba se tornando mais leve, mais forte e mais veloz, o que lhe angaria a admiração dos marcianos.

    Burroughs usa e abusa da criatividade ao descrever a fauna e flora que existem em Marte, diferente do conceito atual de que o planeta é apenas um imenso deserto – basta lembrar de Perdido em Marte, de Andy Weir. A riqueza de detalhes dá ao leitor a impressão de que aqueles seres, independente de sua viabilidade biológica, poderiam, sim, existir no planeta (vale destacar que um dos poucos pontos positivos do filme foi a fidelidade às descrições do autor). Além disso, Burroughs dá bastante atenção às civilizações que habitam o planeta, seus costumes, sua organização social, hierárquica e bélica.

    Por ter sido produzido em fascículos, todos os capítulos têm algo que desenvolve a trama e, lógico, uma boa dose de ação. E é com esse olhar que o leitor atual deve se aproximar do texto. A leveza e, talvez, a extrema simplicidade da trama podem parecer pouco atraentes hoje em dia. Mas vale lembrar que são características inerentes ao formato como o livro foi produzido e publicado em sua época.

    Texto de autoria de Cristine Tellier.

  • Resenha | Star Wars: O Último Comando – Timothy Zhan

    Resenha | Star Wars: O Último Comando – Timothy Zhan

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    O capítulo derradeiro da trilogia de Timothy Zhan retoma o personagem principal em posse de uma importante arma estratégica já que, finalmente, o grão-almirante Thrawn usa a tecnologia de clonagem utilizada pela antiga República. O primeiro tomo se inicia como manda a tradição, a bordo da Quimera, embora exista neste O Último Comando uma maior divisão de ações, entre vilões e mocinhos. A disputa ideológica entre Joruus C’Baoth e Grão-Almirante Thrawn é o aspecto mais interessante, pontuado com um desafio travado entre ambos, com o militar encarregado de tentar levar Leia grávida ao ponto onde está o jedi sombrio.

    O argumento dos livros de Zhan decaem muito mas ainda guardam bons momentos como a mostra da resignação e batalha sentimental de Mara Jade ao se aproximar da figura de Luke Skywalker. Além disso, há uma boa repercussão sobre a libertação do Almirante Ackbar que, em momentos anteriores, foi acusado de alta traição pela Aliança Rebelde.

    O ancião C’Baoth fica cego em relação a busca pelo poder, tencionando tomar a força os gêmeos Jacen e Jana, herdeiros de Leia. Sua necessidade de ter os rebentos a fim de treina-los eles e torna-los seus alunos na força sombria o deixa arrogante, subestimando e tentando impor seus ditames até mesmo  a Thrawn que o mantém perigosamente perto. Caso esta motivação fosse clara, poderia haver um sentido, mas logo o velho homem se contenta com a possibilidade de ter Luke, ou Leia ou Mara Jade com discípulos, demonstrando que suas motivações são pequenas.

    Por sua vez, o almirante azulado da raça Chiss segue sóbrio e dominador. Deixando-nos com a impressão deque ele é o grande almirante indicado para tentar remontar o Império, o único capaz de gerar confianças nas tropas que restaram além de possuir inteligência estratégica para tal.

    Outra trama evoluída são os sonhos de Mara Jade com seu antigo mestre que lhe ordena assassinar a pessoa por quem se apaixonou. Apesar de repetir o clichê de Ascensão Sombria, o plot é consistente, em especial porque quase todas as tramas secundárias finalizam de forma boba.

    Os personagens periféricos tentam a duras penas aparecer neste combate, mas a maioria é apenas citada. Han Solo e Chewbacca prosseguem tentando alistar esforços de contrabandistas e clandestinos em geral, como vinham fazendo antes e participam de algumas ofensivas. A questão dos clones defeituosos também tenta soar interessante mas resulta em algo banal – que pode ou não ter inspirado os eventos de Ataque dos Clones e A Vingança dos Sith. A análise sobre a saúde desse clones justificaria a questão dos kaminoanos na nova trilogia, grupo que seria os melhores neste ramo. A exploração do tema da raça dos Noghri ganha contornos mais sérios do que antes, um ponto positivo na trama, ainda que haja uma supervalorização evidente próximo ao desfecho.

    O esquadrão Rogue é apresentado com uma maior ingerência nos fatos ao ponto de interferirem na batalha política de Leia com o botano Borsk Fey’lya, discussão esta que demonstra que não havia unanimidade sobre o que seria o embrião da Nova República, além de evidenciar as problemáticas de um cenário político verossímil. O livro ajuda a aprofundar a tramóia social desta nova fase, elevando o “combate” ao maniqueísmo barato, utilizando subterfúgios de Luke junto aos Noghri em um comportamento moralmente discutível e pragmático, mas ainda aceitável diante do cenário caótico.

    Exceto pelos exageros em seu desfecho, estes fatos são bem executados na história. Zhan consegue estabelecer uma aura interessante, bem menos aventuresca do que aquela apresentada nas películas e mais caucada no militarismo. É no resgate destes conceitos que se nota o principal problema do livro, já que repete aspectos dos filmes da trilogia –  em especial O Retorno de Jedi – incluindo até mesmo um ambiente florestal onde Jade e Skywalker discutem a sua relação e a morte do mandatário do Império.

    As escolhas do autor para o embate entre Luke e C’Baoth são complicados e com péssimas ideias. Apelar para a emoção em Mara Jade era esperado mas clonar o herói da jornada é uma saída boba e pueril. A versão duplicada de Luke se assemelha ao conceito bruto do Super-Homem Bizarro, mas não tem em sua volta o background que torna o vilão do kriptoniano em algo digno de uma boa discussão, apesar das suas características paródicas. A ideia por trás de Luke banaliza a clonagem e faz a ideia de Timothy Zhan sobre as Guerras dos Clones parecer terrível.

    O fim de de ciclo de Joruus C’Baoth é igualmente fraco, imitando os momentos finais de Jedi, tendo como único ponto positivo o encerramento da maldição de Mara Jade. No entanto, o jedi do lado negro – lembrando que o conceito de sith não estava estabelecido ainda – era um adversário secundário, o vilão mais poderoso e bem construído da história teria um fim súbito e anticlimático, mas condizente com toda sua trajetória.

    A trilogia Thrawn é um divisor de águas, não só na questão do Universo Expandido, hoje chamado de Legends, mas como no universo de Star Wars em geral, uma vez que diversos elementos dos livros foram agrupados nos filmes de Lucas. O bom caráter bélico iniciado em Herdeiro do Império segue bem sustentado, assim como o carisma e força de seu personagem vilanesco, mas o texto não corresponde a expectativa criada em seu lançamento, tampouco o nível se iguala aos momento icônicos anteriores.O legado de Thrawn  se destaca devido aos personagens, porém, sua condução foi prejudicada devido a necessidade comercial, resultando em uma quantidade excessiva de clichês. Pouco para aquilo que era uma espécie de Episódio IX de Star Wars. Dentro das restrições impostas, Zhan fez o possível para manter a harmonia entra a plausibilidade da história política do universo – aliás, nunca antes tão desenvolvida como agora – e a expectativa de aventura escapista, que claramente perde para os episódios do cinema, mas em comparação melhor construída nesta trilogia do que em outros momentos do Universo Expandido.

    Compre: Star Wars: O Último Comando – Timothy Zhan

  • Resenha | Lordes dos Sith – Paul S. Kemp

    Resenha | Lordes dos Sith – Paul S. Kemp

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    O livro Lordes dos Sith escrito por Paul S. Kemp, pertencente ao universo canônico de Star Wars, conta uma história que fazem os fãs de Star Wars babar, a trama envolvendo o Imperador Palpatine e Darth Vader, coloca os dois personagens em uma situação bem complicada. Nós vimos a dupla frequentemente juntos na trilogia nova (episódios A Ameaça Fantasma, O Ataque dos Clones e A Vingança dos Sith) como Chanceler Palpatine e Anakin Skywalker, vemos o Chanceler tentando trazer Skywalker para o lado negro e eles retomam a parceria na trilogia antiga também, o livro de Paul S. Kemp mostra um olhar mais próximo da dupla de mestre e aprendiz.

    Lordes dos Sith acontece no planeta Ryloth, entre o filme Vingança dos Sith e livro Tarkin. Na trama do livro, o Império está explorando o planeta natal dos Twi’leks (espécie de humanoide) à procura do minério Ryll e ao mesmo enfrentando a rebelião considerável liderada por Cham Syndulla, que vimos pela primeira vez na animação Star Wars: The Clone Wars, Syndulla é pai de Hera que aparece na animação Star Wars Rebels. A intenção do grupo de Cham é causar bastantes problemas para chamar a atenção do Imperador Palpatine e Darth Vader. A viagem dos Siths a Ryloth não sai como planejada e eles encontram-se tendo que lutar por suas vidas.

    Vendo Palpatine e Vader neste particular período nos fornece um bom contexto da dupla. Vader continua tentando achar seu caminho, aprendendo a como deixar seu passado para trás e entendendo o poder aparentemente sem limites de Palpatine. É fascinante ver Vader descobrir como lidar com o medo e o ódio, tornando o personagem mais atrativo e entender o por que ele é do jeito que é, compreendendo qual é o papel de Palpatine na vida de Vader. Combinar o que é mostrado no livro com o que sabemos através dos filmes mostra um perfil mais completo do incrível vilão.

    Eu gostei muito de acompanhar a jornada de Vader, mas também fiquei bastante interessado em ver como Palpatine manipula as pessoas que estão a sua volta, sua inteligência e paciência também ficam bem evidente no livro, os momentos nos quais ele manipula Vader são bem impressionantes, “Lordes dos Sith” mostra toda a potência de Palpatine em ação. Palpatine não fica sentado em seu trono em Coruscant, ele vai cuidar dos assuntos do Império pessoalmente no meio da selva de Ryloth. As cenas de Kemp são vívidas, deixando muito fácil de imaginar o livro como um complemento dos filmes.

    No entanto as cenas de ação ficam um pouco a desejar no livro, elas são grandiosas, mas demoram muito a acontecer. Em alguns pontos do livro, eu me peguei calculando quantas páginas faltavam para finalmente chegar à cena da luta e em certos momentos eu tentei pular algumas partes, mas me contive e segui lendo o livro na íntegra.

    Durante a jornada de Vader e Palpatine tentando conter a rebelião podemos testemunhar a política interna do Império, onde podemos comparar o Império com uma grande corporação, com pessoas preguiçosas tentando tirar vantagem de todas as situações possíveis. No livro nós conhecemos a Moff Delian Mors, personagem cânone e a primeira personagem homossexual do universo Star Wars, e ela desenvolve um papel importante no curso do livro.

    No lado da rebelião, encontramos a continuação de uma história iniciada em Clone Wars. Os cidadãos querendo serem independentes do Império. Cham Syndulla líder da causa rebelde e é devoto a ela, enfrenta conflitos, toma decisões difíceis e carrega todo peso da causa. Você consegue sentir o peso das vidas perdidas nos ombros de Syndulla, toda decisão dele tem um impacto profundo e isso adiciona uma carga dramática ao livro.

    O livro conta outros personagens como Isval e Belkor tão importantes para a história assim como os personagens já citados. O ponto de vista muda entre os personagens durante a trama e isso funciona muito bem para a história. Kemp fez um trabalho excelente ao entrelaçar as histórias dos personagens, dando espaço a todos eles.

    Sem dar muito spoilers do final de cada personagem, o livro termina de uma forma bastante abrupta. Ainda assim, Lordes dos Sith é uma leitura obrigatória, se você é um fã do Imperador Palpatine e/ou Darth Vader e estiver interessado em entender melhor sobre a dinâmica da dupla. O livro é um retrato da galáxia em um momento em que o Império está no seu auge, demonstrando força extrema e crueldade ao enfrentar a Aliança Rebelde.

    Texto de autoria de Tiago Cesar.

    Compre: Lordes dos Sith – Paul S. Kemp

  • Resenha | Star Wars: Ascensão da Força Sombria – Timothy Zhan

    Resenha | Star Wars: Ascensão da Força Sombria – Timothy Zhan

    Ascensão da Força Sombria 1

    A começar pelo estranho planeta minerador Mykr, lugar que em si já possui personalidade própria dadas suas condições e características únicas, Ascensão da Força Sombria – segundo volume da trilogia Thrawn lançada pela Editora Aleph –  também tem sua introdução dentro da Quimera, mostrando que Pellaeon é a visão primordial desta nova trilogia, como eram os droids. Timothy Zhan parece ter um vicio introdutório de sempre apelar para a condição epitelial azulada de seu protagonista, como se aludisse o tempo inteiro para o racismo do Império e para a grande condução do grão-almirante Thrawn, capaz de vencer tal paradigma e ainda ser a principal figura herdeira dos espólios imperiais.

    O crescimento da ambientação e cenários é interessantíssimo, mas a trama ainda tem medo de se mostrar inovadora, sendo bastante comedida. Já no começo, são citados os AT-AT e AT- ST, máquinas terrestres, que evidenciam a precariedade do restante do Império Galático, necessitando de entrosamento e treinamento para retornar aos tempos gloriosos vistos no Episódio V – O Império Contra-Ataca e Episódio VI – O Retorno de Jedi. No primeiro capítulo, a parceria de Talon Karrde e Mara Jade é aludida como versão de Han Solo e Luke Skywalker em Episódio IV – Uma Nova Esperança, mas por vias menos maniqueístas, já que ambos flertam com uma posição vilanesca clássica. O capítulo também mostra o local onde o mestre “jedi Joruus C’Baoth, está, no aguardo de seus possíveis pupilos, guardando em si uma intenção dúbia.

    A acusação de traição do almirante Ackbar é uma manobra covarde, primeiro por ser um bocado incabível, segundo pelo desperdício de carga dramática de, realmente, modificar os personagens antigos em tons mais escuros, já que Lando esteve prestes a morrer e não pereceu, além de que não haviam provas suficientes para imputar culpa sobre o calomariano. A tentativa de gerar nuances narrativas, pondo dúvidas em Leia quanto a inocência do antigo general faz todo o argumento soar ainda mais oportunista e barato.

    A nave Wild Kaarde alude ao nome de batismo original do primeiro volume (Wild Card), o que ajuda a determinar a importância de seu piloto, o caçador de recompensas que parece ter herdado a complexidade que Solo antes tinha. É na persona de Kaarde que residem os melhores em momentos dos livros, em especial na parceria com Jade, já que um evoca no outro um interessante sentimento de confiança, algumas vezes se assemelhando a uma leve tensão sexual, ainda que o foco seja maior em desconstruir a figura de uma vilã puramente má.

    A desculpa para Luke estar inseguro em Herdeiro do Império é revelada e intimamente ligada ao personagem ancião de Joruus C’Baoth, uma versão embrionária de Conde Dooku, tendo muitos dos seus elementos coincidindo com a versão de Christopher Lee de como seria um jedi da Força Negra, já que se diz que Jorus teria sido muito próximo do então Senador Palpatine.

    O encontro de Luke e C’Baoth serve para reprisar a tentativa de selecionar Luke para o lado negro, bem como trata os opositores como Jedi Sombrios, e não Sith, como seriam conhecidos após. É nesta interação que há discussões mais maduras dentro da trilogia, até então, incluindo a rocambolesca discussão a respeito dos rumos da Nova República. C’Baoth começa a treinar seu novo pupilo e tenta fazê-lo alterar através da força o livre arbítrio de alguns aldeões de Jomark, planeta onde estão localizados. A experiência serve de eco mais adulto aos termos ditatoriais que tentam se insurgir após a queda do Império.

    A briga política e acusação a Mon Mothma através do conselheiro Borsk Fey’lya poderia ser melhor construída, pois, caso ocorresse, a discussão a respeito dos rumos políticos seria mais coerente e inédita na história do universo Star Wars. A possibilidade de instaurar uma ditadura, perpetrada por personagens canônicos – Mothma e Ackbar – se mostra suspeita aos olhos dos rebeldes ilustres, e quase não causa dúvida em seu leitor, dada a falta de consistência nessa ambiguidade.

    Problemas circunstanciais pontuam a história, bastante plausíveis, aliás, em vista do quadro econômico e político pós Retorno de Jedi, como complicações com câmbio entre moedas do Império e Nova República. Outro fator interessante é a revelação de Mara Jade junto a Thrawn, como a dita mão do Imperador, revelando que sua principal motivação era evidentemente fracassada, já que ela falhou em assassinar Luke Skywalker e ainda começa a se afeiçoar ao jedi.

    Ascensão da Força Sombria ajudou a fomentar uma velha discussão entre os fãs, envolvendo a completa falta de coesão entre o Universo Expandido e o controverso conceito de cânone dentro da franquia. O primeiro dos fatores, certamente, é a regra de dois vista no comportamento dos sith – conceito que, por si só, não era solidificado ainda na trilogia Thrawn – já que, no mínimo, Darth Vader e Mara Jade eram alunos do Imperador. Outro grave problema era a questão da clonagem, as “guerras clônicas”, anunciada por Leia em Nova Esperança, gerou em quase todas as cabeças pensantes do UE a necessidade de inserir este conceito em seus escritos, mesmo que a ideia não tenha sido explicitada ou amadurecida, sequer por George Lucas. O advento de Joruus C’Baoth, apesar de primitivo em conceito, ainda não sofria como um clichê comum, uma vez que ao ser escrito, ainda não havia estourado o “clonexploitation” visto especialmente nos quadrinhos, tanto na versão do Universo Marvel quanto nos quadrinhos de Star Wars da Dark Horse, fomentando péssimas situações, como a cópia genética de personagens fortes dos filmes, ressuscitado unicamente para fazer ainda mais vergonha aos já combalidos antigos guerreiros – leia-se trilogia em quadrinhos Império do Mal.

    Os capítulos finais servem para solidificar as mudanças de postura de Mara Jade, fazendo-a discutir os desígnios que recebeu de seu antigo mentor e treinador e se aproximando sentimentalmente de Luke, personagem que claramente evolui junto a ela, sendo essa a justificativa para sua desolação no livro anterior. O desfecho por parte dos inimigos reúne Thrawn e C’Baoth novamente, em um evento que, a priori, parece oportunista e conveniente, ao mesmo tempo em que emula a reunião de Luke e Leia no final de Império Contra Ataca, com muito menos dramaticidade nesta encarnação, é claro.

    A sensação de que a trilogia se aproxima mais de  Star Trek do que com Star Wars se intensifica na batalha final desta narrativa, não pela boa urdição militar, e sim pela falta de um embate mais épico e carregado de emoção. A batalha não é exatamente morna, mas carece de emoções mais fortes, como foi em Yavin, Bespin ou Endor. A alusão a clonagem, via Spaarti (que servia de embrião ao que Kamino representaria em Episódio 2: Ataque Dos Clones) é interessante, e serve de gancho para o derradeiro capítulo, o qual deveria amarrar as pontas soltas deste que é basicamente uma narrava de interligação desta trilogia. De qualquer maneira, a composição segue tão competente quanto em Herdeiro do Império, uma vez que Timothy Zhan é um escritor bastante experimentado, empregando nesses livros um talento narrativo único e um apreço por tramas militares bem construídas.

    Compre Aqui: Star Wars: Ascensão da Força Sombria – Timothy Zahn

  • Resenha | Star Wars: Herdeiro do Império – Timothy Zhan

    Resenha | Star Wars: Herdeiro do Império – Timothy Zhan

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    Cinco anos após a destruição da (segunda) Estrela da Morte, a Nova República recém instituída sofre para manter o controle político, tendo de enfrentar os resquícios do antigo regime que tinha em Darth Vader e no Imperador seus maiores expoentes. É a partir dessa premissa que Timothy Zahn introduz sua nova aventura, utilizando de um vilão carismático para aludir aos tempos de ouro do universo cinematográfico de George Lucas.

    Herdeiro do Império é o primeiro volume de uma trilogia, que introduz elementos interessantes e que seriam transportados do universo expandido para os filmes oficiais. O alicerce desta nova fase é o grão-almirante Thrawn, um estrategista militar que estaria nas sombras das conquistas imperiais, motivado talvez por sua compleição azulada de olhos vermelhos, aparência que ia de encontro a todo o purismo pregado pelas fileiras ditatoriais. Seu destróier estelar Quimera serviria de contraponto a Milenium Falcon e demais naves imponentes dos heróis.

    A altura do convite para escrever a trilogia, em 1989, não havia qualquer produto do Universo Expandido que tivesse passado após o O Retorno de Jedi. A recepção ao livro de Zahn foi excelente ao ponto de esgotar as edições em pouco tempo, talvez por curiosidade dos fãs, aumentada é claro pelo burburinho positivo de quem já havia lido. A aventura começa a borda da Quimera, sob os olhares atentos de Pellaeon , que ruma na direção possivelmente de seus opositores, lamentando os erros primários do Império, de investir forças em pontos isolados, como em estações especiais vulneráveis, ao invés de pulverizar os exércitos. A introdução deste personagem é quase como uma desculpa, para elevar o grau do real antagonista a níveis estratosféricos, colocando o grão- almirante em um patamar não visto sequer nos militares ditos nos filmes, talvez somente em um esboço do que seria o Grand Moff Tarkin.

    A trilogia foi descontinuada, tratada recentemente como parte do selo Legends, como parte do antigo Universo Expandido, sem interferir no novo canône da saga de Star Wars. O advento da Disney poderia ser encarado como algo necessariamente ruim, mas se analisado sob um prisma maior, o saldo é positivo, pois caso não ocorresse essa mudança, dificilmente tais publicações seriam reeditadas pela Aleph, além de haver uma criteriosa seleção de títulos antigos a serem traduzidos para o público brasileiro.

    Thrawn é um personagem denso, seu intelecto estrategista o põe em um nível de planejamento ainda inédito em Star Wars. Como o tom do livro passa necessariamente por ele, a literatura parece até mais ligada ao ideário da franquia de Gene Roddenberry do que a de George Lucas,  dada a complexidade de construção do oponente.

    Pelo lado dos rebeldes, Luke Skywalker é mostrado solitário, chorando por se sentir orfão mais uma vez, já que as aparições de Ben Kenobi tornam-se cada vez mais raras – aspecto este levado para outras mídias do universo expandido – pondo o personagem em uma posição de fragilidade imensa. Leia está gravida de gêmeos, e sofre para tentar estabelecer a Nova República em Coruscant, planeta este transportado até para o canône de Lucas, na nova trilogia, como capital também da antiga. Han Solo e Chewbacca correm o espaço atrás de novos pilotos, procurando caçadores de recompensa, que apesar de figuras vis, seriam colaboradores interessantes caso fossem pagos, mas, sem sucesso, uma vez que Talo Karrde ocupa o papel que antes era de Jabba, cujos métodos são ligeiramente diferentes e associações ainda mais dúbias que a monstruosa criatura, tendo até o apoio de um personagem que mais tarde seria importante, Mara Jade.

    A diferença básica deste vilão para os outros, é que sua pauta é inteira na razão, e não na espiritualidade. Thrawn não tem posição ligada ao lado negro da força, ele é “apenas” um militar, que se vale da experiência de Thimoty Zhan como escritor de romances típicos, para juntar forças de característica. Como bom estrategista, o grão- almirante procura formas de lidar com a “religião”, mas sem precisar aderir a ela, através do advento dos ysalamari, que são pequenos animais capazes de anular o poder da força – aspecto que provavelmente inspirou Lucas a criar os odiosos midchlorians, o que por si só já dá um peso negativo a isto – e de posse disto, o sujeito vai atrás do misterioso jedi aposentado Joruus C’Baoth, afastado desde a época das Guerras Clônicas.

    Thrawn é tão implacável e impaciente com fracassos de seus subalternos quanto Vader em Império Contra Ataca, mandando que seus capangas decapitem os mandados que erram. A construção do vilão é muito bem feita, o problema de Herdeiro do Imperio está possivelmente no seu herói. Apesar de estar mais hábil, nas capacidades de luta, a personificação de Luke é torpe, pois está visivelmente mais inseguro do que visto em Retorno de Jedi, cinco anos após o filme, inclusive se distanciando da figura capaz de desmantelar todo o esquema de Jabb te Hutt sozinho, derrotar seu pai e resistir as tentações do Imperador. Não há lógica em ele ser tão carente, acusa golpes tão evidentes e óbvios como outra despedida de seu mentor, ou a solidão fruto da sua dedicação como estudante da força;

    Além de profetizar como seria Koruscant, o livro também ajudou a montar o cenário de Kashyyk, que já havia evidentemente sido retratada de maneira indireta nos filmes, em Star Wars Holiday Special (toscamente é claro) e em Endor, em Retorno de Jedi, como inspiração para a terra dos Ewoks, ainda que a sua descrição não seja copiada a risca. Ao menos no espectro político, o panorama é muito bem engendrado, e comentado mesmo pelos personagens que aparentavam ser um tanto alienados nos três longas anteriores. É da boca de Skywalker, que se destaca a questão de quem o Império, mesmo sem suas cabeças pensantes anteriores, ainda subsiste, ainda que seus números sejam bastante baixos em comparação com o fronte da Nova República.

    Karrde e Jade são personagens bem dúbios, não revelando quais são suas reais interações nem com os resquícios do Imperio, e nem com a nova republica. O ethos do antigo caçador de recompensas é dúbio, discutindo termos comuns a moral, mostrando que há um senso de honra ainda que velado, enquanto a dita “mão do Imperador” não se permite afiliar diretamente a Thrawn e seus subalternos, já que o distanciamento da Força claramente a incomoda, além de sua missão pessoal não ser uma clara prioridade de exterminar o filho de Vader.

    O começo de Herdeiro do Imperio é um bocado morno, mas estabelece um vilão que se não tem a mesma imponência dos dois anteriores, é condizente e verossímil como todo o contexto histórico daquele instante da galáxia, onde as “sobras” dos antigos poderosos tentam insurgir sobre os vencedores da última batalha estratégico, em uma luta de foices cegas, já que nenhum dos lados está no auge de sua construção bélica.

    A perseguição de Mara se torna em algo ainda maior e mais complexo, deixando simplesmente de ser presa e predador para cooperarem mutuamente de modo obrigado, já que nem ela e nem Luke parecem gostar da ideia. É nesse momento em se planta o embrião do que seria o relacionamento de ambos. Jade talvez seja o melhor legado da trilogia Thrawn, já que seu personagem se tornou exemplo dentro de todo universo expandido. Outro aspecto bem trabalhado pelo autor, é o crescimento de importância de Wedge Antilles, que teria sua presença como figura chave da Aliança Rebelde martelada pelos inúmeros jogos do Rogue Squadron, evoluindo do originário grupo que venceu a Batalha de Yavin, se tornando algo ainda mais magnânimo com a mudança de alcunha.

    Além até da boa urdição dos aspectos militares, há um leve problema com as “cenas” de ação, que apesar de protagonizadas por personagens condizentes. O desfecho do romance faz eco com o aspecto positivo pinçado anteriormente, já que o talento do vilão é posto à prova, em uma batalha tática interessante, mostrando que se estivesse no comando nos momentos finais de O Retorno de Jedi, possivelmente a derrota do Império não ocorreria.

    Herdeiro do Império pavimenta de maneira poderosa a continuação da saga de Lucas, trazendo uma luz sobre o destino dos personagens, grafando problemas do espectro político, servindo de base para a discussão de tudo o que foi escrito pós aventuras do cinema. A exceção de Joruus C’Baoth, que será utilizado nos outros volumes, o romance serve para estabelecer os novos personagens, fator que quase justifica as repetições de plots com os carismáticos e antigos caracteres, ainda que a fraqueza de Luke siga sem necessidade, bem como segue incômoda a falta de ambiguidade em Han Solo, fator que se repetiria em quase todo o universo expandido. A vivacidade  e conteúdo ao menos servem de estímulo, para que o aficionado possa imaginar como seriam as continuações dos três filmes primordiais, reprisando inclusive todo o carisma da jornada vista no original, com o mesmo afinco e obsessão pela força que se via nos anos setenta e oitenta.

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  • Resenha | Homens Difíceis – Brett Martin

    Resenha | Homens Difíceis – Brett Martin

    homens dificeis - brett martinEntre o final do século XX e o início do XXI, um seleto grupo de séries televisivas dramáticas revolucionou não só o meio, mas mudou completamente a forma como assistimos à televisão nos dias de hoje. Brett Martin, colaborador de diversas revistas e jornais, conseguiu entrevistar os criadores das séries, roteiristas, elenco, equipes de filmagem e executivos, e conseguiu documentar este momento único no livro Difficult Men: Behind the Scenes of a Creative Revolution, From The Sopranos and The Wire to Mad Men and Breaking Bad – traduzido e lançado no Brasil pela editora Aleph sob o título Homens Difíceis – Os Bastidores do Processo Criativo de Breaking Bad, Família Soprano, Mad Men e Outras Séries Revolucionárias.

    Começando por The Sopranos (1999), Six Feet Under (2001 – review aqui), The Wire (2002 – review aqui) e Deadwood (2004 – review aqui) da HBO, passando por The Shield (2002) do FX e terminando em Mad Men (2007) e Breaking Bad (2008) da AMC, Difficult Men analisa os bastidores destas séries para tentar entender como ocorreu a revolução que mudou a forma como apreciamos um programa televisivo atualmente.

    Não é preciso dizer que existem spoilers das séries durante a análise do livro, por isso recomenda-se assisti-las antes, inclusive para acompanhar melhor o raciocínio do autor. Segundo Brett Martin, estamos vivendo uma terceira Era de Ouro dentro da história da televisão moderna. O livro começa analisando as outras duas eras de ouro da televisão, uma logo no seu início, nos anos 50, quando os roteiristas tiveram mais liberdade para criar, pois estavam explorando os primeiros anos do novo meio, e a segunda no início dos anos 80, com a explosão do videocassete, fazendo com que a demanda de programas e telefilmes aumentasse não só em quantidade, mas em qualidade. Já a terceira era de ouro, segundo Martin, vai desde The Sopranos, 1999 até 2013, ano do lançamento do livro, e termina como uma junção dessas duas: a explosão dos DVDs no final dos anos 90 e o streaming no meio dos anos 2000, permitindo que as histórias seriadas, feitas por roteiristas com liberdade criativa, pudessem ser acompanhadas com mais facilidade.

    HBO Premiere Of "The Sopranos" - After PartyOs dois desbravadores: James Gandolfini, o falecido ator que deu vida a Tony Soprano, e David Chase

    DavidSimonOmar2David Simon, criador de The Wire, e Michael K. Williams, que interpretou o personagem mais famoso, Omar Little

    Por que homens e por que tão difíceis? Segundo Martin, os EUA estavam divididos por causa da eleição americana em que George Bush venceu de maneira controversa, permitindo o avanço da direita radical através das guerras do Afeganistão e Iraque. Agora, quem comanda o país não está mais interessado em dialogar, mas em impor; e não quer ajudar os mais pobres, caso do desastre causado pelo furacão Katrina. O país foi comandado por homens difíceis, eleitos graças a um desejo que vinha aflorando desde os anos 90 por boa parte da população.

    Para definir o que entraria ou não em sua análise, o autor decidiu escolher séries dramáticas da TV a cabo com uma história contínua (ao invés das episódicas – onde toda a trama inicia e termina no mesmo episódio) e temporadas menores, de 10 a 13 episódios de uma hora. O que importa agora são séries que têm feito sucesso há mais de 15 anos por centrarem-se em figuras masculinas tão controversas quanto improváveis: um chefe de máfia que sofre de depressão; uma funerária administrada por uma família de malucos; um detetive de polícia narcisista e um bandido que rouba outros bandidos; o dono de bar mais politicamente incorreto de todo o Velho Oeste; um chefe de esquadrão de polícia assassino; um diretor de criação de agência que finge ser quem não é; e um professor de química que passa a ser traficante. Ou, como diz o título do livro, os Homens Difíceis.

    SixFeetUnder_11_SF_380-scaledNo set de Six Feet Under, onde o criador da série Allan Ball passa instruções a Peter Krause, que interpretou Nate Fisher

    20080616090158_milchDavid Milch, criador de Deadwood, conversa com um dos atores do show

    Nunca estes tipos de personagens seriam protagonistas ou teriam espaço maior nas séries tradicionais da televisão aberta norte-americana, com suas longas e desnecessárias temporadas de 22 a 24 episódios e personagens pouco complexos e desenvolvidos. Agora, o que importa são histórias que possuam algum diferencial, em que a personalidade e atitude destes Homens Difíceis imperem e personagens importantes para a trama morram; em um momento que não exista mais a catarse representada pela curva dramática, pois não existe mais final. A realidade havia chegado à dramaturgia televisiva, e o que importa agora é atingir qualidade com o máximo de verossimilhança possível para o espectador.

    Porém, para que houvesse esta ascensão, não se pode esquecer da época que antecedeu estas grandes séries. O autor da obra consegue contextualizar bem a época pré-The Sopranos através dos sucessos de crítica e público da HBO, como OZ (1997) e Sex And The City (1998), e o início de uma noção sobre televisão autoral. Enquanto isso, analisa a história de David Chase, tido como o líder e desbravador de todos os autores de TV, e como ele conseguiu se impor perante os executivos do canal ao ter completo controle sobre a primeira temporada de The SopranosMartin explica que ele negava a rede televisiva, mas acabou aceitando o meio do qual tanto se esforçou em fugir, porém sendo como suas inspirações, os cineastas franceses dos anos 60 e os americanos dos 70. Desta forma, os roteiristas viraram autores, ou showrunners. Brett também analisa a história da HBO e como os executivos da época conseguiram mudar a ideologia da emissora e passar a produzir conteúdo inédito de qualidade.

    73727829Os dois carecas de The Shield: Michael Chiklis, que viveu o detetive Vic Mackey, e o criador Shawn Ryan

    Mesmo tendo controle de sua produção, Chase se deparou com um desafio que pôs em xeque a sua visão de autor, logo antes da metade da primeira temporada, no 5º episódio, College. Durante uma viagem com a sua filha, Tony mata um dedo-duro depois de avistá-lo, impondo algo inédito na televisão até então: a morte de um personagem, que não vilão, a sangue frio pelo protagonista. Confrontado pelos executivos do canal, David Chase aceitou mudar a caracterização do delator, transformando-o em traficante, além de inserir uma cena em que o mostra contratando assassinos para matar Tony, deixando a morte do inimigo mais “aceitável” para o espectador. A importância do episódio em específico, segundo Martin, foi ter se tornado o principal pilar de toda a Terceira Era de Ouro: nunca mais deixar que os executivos interfiram na visão do autor para a história.

    Em algumas partes do livro, o autor descreve como eram as salas dos roteiristas (ou writer’s room – sala dos escritores) de todas as séries citadas. A sala sempre existiu na televisão americanas, mas a de The Sopranos foi diferente, pois mostrou como a imposição de David Chase perante os demais roteiristas e executivos foi importante para passar a sua visão. Ao analisar as salas de roteiristas de The Wire, The Shield e Deadwood, o pesquisador mostrou a diferença entre todas elas, e principalmente as dos escritores que se inspiraram nos pioneiros e acabaram virando autores: Matthew Weiner, criador de Mad Men, era um dos roteiristas de The Sopranos, assim como Terrence Winter, criador de Boardwalk Empire; já Kurt Sutter, criador de Sons of Anarchy, foi roteirista de The Shield.

    Por fim, é necessário ressaltar a importância de cada uma das séries citadas na revolução da Era de Ouro: The Sopranos por ter dado início a este grande momento, mas principalmente por representar a essência de uma série autoral; Six Feet Under, que desconstruiu todo o sonho americano com uma família disfuncional; The Wire pelo realismo; The Shield por mostrar como a polícia pode ser maquiavélica; Deadwood pela reconstituição histórica; Mad Men por explicar como a fantasia é vendida; e Breaking Bad pela direção e fotografia.

    tumblr_luth5sYEzm1qfhewmJon Hamm, intérprete de Don Drapper em Mad Men, conversa com Matthew Weiner, criador da série

    10bad_span-articleLargeO criador de Breaking Bad, Vince Gilligan, dando instruções para os dois astros do programa, Bryan Cranston e Aaron Paul

    O livro foi bem editado, e o tamanho dele está de acordo com a análise do autor. Esta resenha foi realizada a partir da edição em inglês, portanto não há como avaliar a tradução do livro em português que a editora Aleph lançou em 2014.

    Homens Difíceis vale a pena ser lido por quem gosta de séries e entende que elas não estão mais no patamar abaixo do cinema. Hoje em dia, elas se equivalem ao cinema e podem ser consideradas obras de arte, semelhantes aos melhores filmes do ano ou da década, graças a esses pioneiros que conseguiram impor a sua visão na indústria.

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    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Resenha | O Planeta dos Macacos – Pierre Boulle

    Resenha | O Planeta dos Macacos – Pierre Boulle

    Narrado a partir da vivência de seu autor enquanto jornalista de guerra, Planeta dos Macacos foi um pequeno romance publicado em 1963 por Pierre Boulle, cujos direitos autorais foram comprados pelo produtor de cinema Arthur P. Jacobs antes mesmo de chegar às livrarias. A obra era refutada pelo escritor, que a considerava algo menor, de qualidade inferior em comparação com o resto de sua carreira. Tal motivo é muito discutido pelo corpo de admiradores de sua obra, a possibilidade aventada seria outra questão. A Ponte do Rio Kwai, lançado em 1951 e que também gerou um premiado filme de David Lean, contaria partes das vivências de Boulle em meio a guerra, e se tornou um clássico instantâneo, enquanto o original La Planète des Singes remeteria ao período de 1943, em que foi prisioneiro de guerra no Japão.

    O tom narrativo é direto e coloquial, Boulle não buscou qualquer firula em seu modo de abordar, ao contrário, se vale de recursos metalinguísticos para tornar a sua história mais palatável que seus primos do mundo sci-fi. Nos dois primeiros parágrafos – muito curtos, por sinal – já fica claro que aqueles eram tempos em que as viagens espaciais eram mais comuns, onde qualquer indivíduo poderia explorar a galáxia sem maiores dificuldades. Dada tal condição, são apresentados dois personagens – um casal, Jinn e Phyllis – que em sua excentricidade, decidem viajar em um transporte que se locomovia a vela – a impossibilidade e suspensão de descrença é deixada de lado, em nome da influência clara dos trabalhos pregressos de Julio Verne, que entendia ser possível fazer viagens tão extensas com veículos tão primitivos. A convivência de tantas excentricidades com a modernidade é curiosa, e abriria os olhos dos roteiristas do filme de 1968 para as variações de cronologia.

    O cruzeiro interespacial teria ainda muitas semelhanças com a navegação pelos mares, uma vez que a dupla vê a frente de sua nau um corpo estranho, uma garrafa, cujo interior continha um rolo de papel, embalado dentro do vidro, de modo que não poderia ser aberto sem danificar o invólucro. O pergaminho era uma carta, de onde viria a história explorada pelos outros capítulos. O conteúdo textual começa alarmista, com seu autor temendo pelo futuro de toda a raça humana – o que obviamente assusta muito Phyllis. O relato prossegue, narrado por Ulysse Mérou, que não esconde a catástrofe pela qual passou, afirmando que sua nave estava à deriva pouco antes dele liberar a garrafa.

    Após o preâmbulo, o relato começa, recordando os fatos que o levaram àquela situação. Em 2500, uma ousada excursão espacial levaria os terráqueos até Betelgeuse, uma estrela vermelha de proporções dantescas. A idealização do primeiro voo intersideral da história proviria de Antelle, um professor e cientista que também tripularia a nave. Ulysse segue a viagem preocupado, dado que o pioneirismo da viagem poderia significar também um maior perigo para os astronautas. Parte da não preocupação de Antelle se dá por sua característica misantrópica, o pouco apreço que tinha pelos homens não o fazia se preocupar muito com a situação em que se empunham – tal característica no filme seria amputada a Taylor, personagem de Charlton Heston. Completava a tripulação o físico Arthur Levain, que, afeiçoado por Ulysse, resolveu chamá-lo a expedição, tanto por ser um exímio jogador de xadrez – o que faria dele uma boa companhia em meio a longa viagem espacial – e também por seu ofício, como jornalista. Catalogar as descobertas e organizar tudo de um modo histórico aprazível em texto seria uma de suas missões secundárias, o que acabou mudando, evidentemente.

    Após passar pela estrela rubra, eles decidem pousar em um planeta. À primeira vista, ele é muito semelhante a atmosfera terrestre, tendo planícies, fauna e flora praticamente idênticas ao local de onde vieram. O grupo resolveu batizar o local de Soror. Ao ter contato com o primeiro ser humano, Ulysse é vagaroso ao descrever o encontro com a tal “moça”. Sua perplexidade se dá pela pouca credulidade em notar a não civilização e selvageria que se esconde atrás de seus belos olhos. A despedida dela é súbita, quase mágica, como se a sua aparição fosse algo genuinamente raro. A carência do narrador era tanta que qualquer proximidade de relação era louvada e admirada. No entanto, os outros contatos com os selvagens são tímidos, esporádicos e comedidos, visando a não interferência em seu habitat.

    Os astronautas logo notam que a interação dos homens de Soror com eles é muito semelhante ao modo como os chimpanzés que servem a eles de cobaia agem, até mesmo coincidindo o olhar dessas criaturas. O “excessivo” cuidado é provado como uma atitude certa e não exagerada. O grupo de nativos ataca a nave dos três forasteiros, deixando-os sem roupas e suprimentos, depois, eles são levados como prisioneiros. A hostilidade dos homens silvestres tem uma boa razão para acontecer, e que é, aos poucos, descortinada. O nível de suspense aumenta, à medida que as palavras são postas no papel, e a tensão piora quando a moça que encantou o jornalista, repara nos olhos de Ulysse. Seu nome seria Nova, e a musa de Mérou seria o alento para sua existência tortuosa naquele lugar.

    O relator prefere omitir certos acontecimentos, não escondendo a sua existência factualmente, e sim não dando a importância que é devida a ele. O recurso metalinguístico que Boulle utiliza intui transmitir o medo e o terror que seu alter-ego tem ao mergulhar no âmago de Soror. Sem alarde, o jornalista diz que o macaquinho, que também tripulava a nave, foi destroçado sem qualquer misericórdia por aqueles que os levaram cativos. A escolha por fazer isto não foi arbitrária, a pontualidade dela seria a premonição do que viria e mostraria um pouco do medo daqueles seres viventes, o medo de ser consumido por seu predador. A surpresa de Ulysse ao se deparar com a primeira figura simiesca que atravessa o seu caminho é tamanha que até ele mesmo duvida de suas faculdades visuais e mentais. O gorila que se empunha à sua frente estava devidamente vestido, seus trajes eram de fino corte e sua postura ereta, como a de um humanoide com polegar opositor. A admiração ao contemplar a criatura era como a de um mortal assistindo o desfile de um semideus. O que o fez despertar foram os gritos das vítimas, Mérou não parava de se surpreender, pois o Macaco caçava os homens, e parecia sentir prazer em ver a dor alheia. Nem mesmo esta apresentação dantesca fez ele se convencer de que tentar fugir era um esforço fútil. Os terráqueos eram presas fáceis, visto que os macacos do Planeta Soror eram muitos, numerosos como uma sociedade e soberanos sobre aquele solo. Eles estavam emboscados e sequer notaram.

    Uma vez capturado, o jornalista em seu ofício de registrar tudo o que lhes acomete, reporta os maus tratos que sofria, evidenciando que não havia qualquer compaixão com os cativos, eram tratados de modo hostil, sem qualquer resquício de compreensão e misericórdia. O desespero dele é causado pela solidão permeada em sua existência e claro, pelo destino que se aproxima, piorada com a derrocada de Antelle e Levain.

    Ulysse percebe que para ter uma sobrevida, seria necessário entrar em contato com os que os mantinham cativos, e ele analisa cada um dos que o cerca, encontrando na chimpanzé Zira uma possibilidade de diálogo ou de fala. O começo tímido do contato com os símios passa por uma bateria de exames, cuja dificuldade é baixa, que obviamente subestima seu intelecto de ser pensante, semelhante ao que foi mostrado em A Fuga do Planeta dos Macacos, claro, com papéis entre macacos e humanos invertidos na película. A sociedade daqueles símios é avançada e emula a humana contemporânea. Tem sua língua e hierarquia próprias, com configurações complexas e papéis muito bem descritos e consolidados, visto até pela observação de um analisador finito em suas limitações como é o jornalista enjaulado – a intenção de Boulle é mostrar o quão míope pode ser a visualização de um quadro complexo pelos olhos de um leigo, como e por exemplo a ideia que um incauto tem do quadro político que se apresenta, ainda que o seu observador seja alguém interessado em entender todo o esquema, ao conseguinte de que os tais “incautos” não necessariamente o fazem. A Parte 1 é terminada com Mérou e os outros humanos sendo analisados em seus momentos de intimidade – leia-se coito – o que obviamente o deixa encabulado, para dizer o mínimo. Em nome de aumentar suas chances de se inserir naquele mundo, ele topa ter o sexo visto por aquela inconveniente plateia.

    No segundo tomo, Ulysse começa a se resignar com a possibilidade de travar contato com os símios soberanos de Soror, até desiste de falar com Zira, até que em um momento singular ele consegue se comunicar verbalmente com ela, deixando-a intrigado por seu uso da língua, ainda que o traquejo dele não fosse exemplar. Aos poucos ele convence Zira a levá-lo para ver a cidade, claro, fazendo uso de uma coleira, não para humilhar o homem, e sim para não chocar os cidadãos simiescos.

    Como bom jornalista que é, Ulysse trata de estudar a sociedade dos macacos, desvendando sua geografia e quadro político, descortinando desde a inexistência de fronteiras e divisão por país até o governo triunvirato, entre orangotangos, gorilas e chimpanzés, cada um com a sua assembleia. No capítulo cinco desta segunda parte é onde ele escrutina sobre as diferenças entre as raças, desenvolvendo o assunto de modo minucioso, dando detalhes até dos movimentos literários protagonizados por cada uma das castas.

    Levado por Zira e por seu noivo, o chimpanzé cientista Cornelius, Ulysse deveria se apresentar perante o ministério da ciência, para provar que não era mais um dos homens amestrados, que permeavam os circos de Soror, e lá, mais uma vez encararia Zeius, que antes mesmo da apresentação, já o desacreditou completamente. No entanto, Mérou prosseguiu em sua argumentação, através de seu belo e claro discurso. Seu intuito era provar que nem era como as aves daquele planeta, que podiam repetir algumas palavras, e nem que era um indivíduo hostil. O fim da segunda parte dedica-se a aceitação dele dentro da sociedade de Soror. Ele não demora para se enturmar, mas o seu entusiasmo é cortado pelo encontro que tem com seu antigo igual, o Doutor Antelle, que mesmo após Ulysse muito insistir, permanece agindo como os silvestres homens daquele planeta. Sua decepção serve para alertá-lo de alguns perigos e para mostrar o quão finitas são suas possibilidade de sucesso naquele solo estrangeiro.

    Uma vez que Ulysse é aceito pelo grupo como um sujeito civilizado, todo o quadro muda. Passa-se algum tempo e Zeius é exonerado, tendo Cornelius em seu lugar de parlamentar, o que obviamente gerou uma subida de patamar ao partido dos chimpanzés. Ulysse tenta adestrar os outros homens, quase sempre sem sucesso, exceto por Nova, que consegue bons resultados em reproduzir sílabas, no entanto, o distanciamento entre os dois aumentou muito, graças ao abismo social que se fez desde a época em que eles coabitavam.

    Paralelo a esse incômodo do humano, seu parceiro símio também se mostra preocupado, com a situação que chega às suas mãos. O objeto da discórdia seria uma boneca de porcelana, de feições humanas e com dispositivo de fala, que reabriria feridas antigas, de teorias sobre a origem da raça símia como seres soberanos dentro do planeta. Para Ulysse isso obviamente não se trata de algo aviltante, mas para os dogmas religiosos e tradicionais defendidos pelos orangotangos, tal situação causaria um enorme escândalo, que claro, cortaria o destino de todos os envolvidos na trama.

    Unindo a questão aventada anteriormente, além do estado de saúde de Nova, Ulysse se mostraria um ser instintual, movido também pela verve do sangue quente, que por sua vez era causada por um tímido começo de desprezo pelos símios, que não aceitam a influência humana no começo de sua evolução e também da própria sobrevivência. Internamente, Mérou considera os macacos como imitadores, semelhantes aos símios de seu planeta, e seu desdém aumenta quando é anunciada a notícia de que Nova estava prenha.

    O comportamento do narrador do conto visa obviamente a própria sobrevivência, mas, se olhado com cuidado, se notará sobre suas atitudes um bocado de passividade, tendo na volúpia por ser aceito por aqueles que o oprimem um quê de Síndrome de Estocolmo. A vontade de ser tratado como um igual pelos macacos o faz repensar até seu modo de viver e pensar, e aos poucos Ulysse é moldado, para ser o bom selvagem, seus movimentos vão gradativamente se aproximando da ideia que Zeius tem de si. Aí é que mora a principal diferença entre Mérou e Taylor, pois o astronauta vivido por Heston é um desbravador, imberbe de alma arredia. Não aceita em momento algum a supremacia de outra raça, e a despeito de toda a canastrice e das frases de efeito de seu intérprete, ele é sempre o macho alfa, imutável e conservador, como o bom membro do Partido Republicano deve ser. Ulysse é mais humano, mais emotivo, sujeito a falhas e a autoestima baixa, ele é o repórter que mergulha em sua matéria, e como um gonzo, sofre na pele e na alma a dor e as agruras que cercam o mundo. Se Taylor é o arquétipo hercúleo do herói intransponível, Ulysse é o camponês que se vê diante de uma jornada odisseica e que atende o chamado da aventura, mesmo não tendo sido ele o programado para vencer as difíceis e insolúveis tarefas.

    É por ser assim que ele titubeia na hora de tomar uma atitude mais enérgica para proteger sua cria e sua “cônjuge”. Apesar de se mostrar alguém que dá atenção aos seus instintos, ele ignora o perigo quando este se aproxima, e sua reação é deveras tardia, mesmo que todas as experiências com homens em Soror o mostrem que ali não é um lugar seguro para ele. A ascensão de Helius dentro do certame científico é mais uma das muitas provas de que ele corre perigo, em virtude das experiências que ele faz com uma tribo de homens, através de eletro-choque os faz falar, e contar algumas experiências de predação, em vidas passadas, onde o macaco é que era a espécie subjugada e “experimentada”.

    O quadro estatal aos poucos muda, Zeius retorna à cena política visando derrubar Cornelius, que assiste a sua situação ficar cada vez mais difícil, uma vez que os gorilas possivelmente se alinharão com aqueles que querem manter o status quo. Tomar conhecimento das descobertas de Helius poria o líder parlamentar em sarilhos enormes, num apuro incalculável.

    O pouco de ação que ainda guarda em si Ulysse dedica ao seu rebento. Ele vê o menino com olhos apaixonados, e enxerga nele a centelha de inteligência, além de um caráter semi-messiânico, uma característica profética, caso fosse dada a oportunidade ao menino de crescer, como seria retratado nos cinemas na figura (símia) de César em A Conquista do Planeta dos Macacos e O Confronto, o valor de figura pioneira e remissora seria invertido, num revisionismo na obra de Boulle.

    A miséria invade o viver de Ulysse, sua rotina de concidadão é mudada do vinho para água, tão logo é descoberto o seu herdeiro. A perseguição a si sofre a interferência de Zira, que tenta auxiliá-lo, facilitando sua fuga, dando condições dele levar Nova e o bebê. No caminho final, ele percebe a abissal distância entre si e os símios, pelas palavras da própria Zira, que não consegue beijá-lo após um momento emotivo, em virtude de sua “feiura”.

    Sírius é o nome de batismo do menino. Em Soror, os pares fugitivos foram substituídos por humanos não falantes. Possivelmente seriam poupados por Zeius, uma vez provado que eles não pensavam, tendo assim os dogmas símios intactos. Após toda a luta que tem para finalmente fugir, Ulysse chega a sua terra-natal, no mesmo território francês onde viveu seus dias de homem civilizado, para lá ter uma surpresa tremenda, tão catastrófica quanto a do começo de seu relato em carta. Tanto o final do manuscrito da garrafa quanto a conclusão a que chegam os macacos astronautas Jinn e Phyllis demonstram alguns argumentos reflexivos, como o desdém pelo menos evoluído, típico dos símios e a sensação de obsolescência de Ulysse Mérou, que tanto em Soror quanto na Nova Terra sente-se um fóssil, como o fruto de uma raça involuída que já foi a soberana, mas que em nada lembra todo o poder e magnificência de outrora, sendo somente o esboço da primazia da existência.

    Ouça: Planeta dos Macacos.