Tag: literatura sci-fi

  • Resenha | Duna – Frank Herbert

    Resenha | Duna – Frank Herbert

    “Deus criou Arrakis para treinar os fiéis.” – ditado fremen, o povo da areia.

    Eis o destino cármico para a humanidade, ou pelo menos, para os destemidos que fazem de tudo pelo poder. Arrakis é o planeta Duna, lugarejo impróprio a vida humana e que carrega consigo um fatalismo inevitável – não só por suas terríveis condições naturais, mas pelos vermes de areia gigantescos que lá residem. Um inferno planetário, árido e hostil, com tempestades cujos ventos retiram até a carne dos ossos de alguém, e que esconde sob as infinitas dunas desta Terra desértica, a valiosa ménange. Uma especiaria que dá poderes a quem a consome, e se vicia, e que só é encontrada na desolação e nos perigos de Arrakis. Dispensável dizer que muitos poderosos a ambicionam, numa guerra cada vez mais oficializada pelo controle da droga, custe o que custar, a menos que as lendas e profecias dos fremen sejam reais, e um salvador, o tão esperado Kwisatz Haderach, venha de fato unir os povos dentro e fora de Duna e trazer consciência (e limites) a ganância dos homens.

    No gênero de fantasia, o clichê nunca some ao apontar O Senhor dos Anéis como seu expoente máximo, tal qual Duna, clássico de Frank Herbert, como a magnum opus literária da ficção-científica. É porque, às vezes, todo clichê é inevitável quando este é real. Há um pedaço vital de Duna em todo e qualquer produto extremamente popular do gênero pós-1965, incluindo Star Wars, Harry Potter, Jogos Vorazes, Game of Thrones, ou ainda na maravilhosa série Arquivo-X dos anos 90. O que Frank Herbert conseguiu em Duna, antes de mais nada, foi revitalizar a essência questionadora, e utópica das obras basilares de Aldous Huxley e Philip K. Dick, os titãs da ficção- científica do início do século XX (autores obrigatórios), e inserir doses explícitas de política na idealização de um planeta com um sistema e religião próprias, mitos e temores particulares, e tecnologias que visam a sobrevivência da espécie, mas que pode resultar no extermínio de um ecossistema inteiro. Duna consegue ser utópico e distópico ao mesmo tempo, estruturando tudo num contexto engenhosamente político, sob um realismo fantástico profundo, e impecável.

    O livro poderia também se chamar Onde os Fracos Não Têm Vez, uma vez que o duque Leto Atreides, ótimo pai e marido, homem de bom coração, aceitou se mudar para Arrakis a fim de administrar toda a extração do ménange, se achando astuto o suficiente para evitar traidores – nada maquiavélico ele, no uso original do termo. Quando a família Atreides sai de seu planeta Caladan e vão todos enfrentar, diretamente, a realidade que esconde os temidos vermes gigantes, um misterioso povo guerreiro cuja água é o mais inestimável bem, inexistente sob um sol vermelho escaldante, e muitos outros segredos além do horizonte, tudo começa a mudar, como se o destino exclamasse: “Vocês não deveriam estar aqui”. Não demora muito para o plano de poder dos Atreides dar errado, e assim, Lady Jessica e o filho de Leto, o jovem Paul Atreides, têm suas vidas mudadas por um jogo de interesses interplanetários enraizado em Arrakis, num amplo esquema de corrupção política que não poupa ninguém – Duna é o Brasil e ninguém percebeu isso?

    Presos numa armadilha que Leto sem saber os colocou, esposa e filho lutam por suas vidas, entregues a sorte e ao azar, enquanto o asqueroso barão Vladimir Harkonnen (a grande inspiração para Darth Vader, entre muitas outras que George Lucas usou em Star Wars) trama diabolicamente esquemas e intrigas para controlar Arrakis e o seu “petróleo”, a substância que aumenta a força psíquica, e mediúnica, do ser-humano. Mas os altos escalões sempre subestimam a força popular, e na sua jornada contra a morte, Jéssica e Paul descobrem que há futuro e salvação entre os “rebeldes” fremen, uma espécie de cangaceiros do deserto e que não se curvam as forças militares do barão Harkonnen! Diante de tantas subtramas assim, e uma miscelânea de personagens que ao final não queremos nos afastar, a narrativa em terceira pessoa de Frank Herbert é quase sempre sublime, deixando algumas passagens ser tão célebres quanto poderiam ser, de fato – vide sua habilidade em organizar tramas paralelas (e fazer isso parecer que é simples).

    Herbert fez de Duna o romance da sua vida, a viagem inesquecível, seu pomo de ouro, pelo menos neste primeiro volume. Mestre com seus diálogos e suas frases de efeito, sendo a mais famosa “Não terei medo, o medo mata a mente.”, dita por Paul, o escritor construiu em pouco mais de 600 páginas um monumento dificílimo de adaptar para o cinema ou TV, devido a força e aos detalhes de suas palavras; a magnitude definitiva de sua grande alegoria política, quase que impossível de ser superada em filme ou série, apenas copiada. Por ser a obra de ficção-científica mais vendida (e uma das mais inspiradoras) da história, desde 1965, e publicada com grande apreço e carinho no Brasil pela Editora Aleph, Duna justifica sua popularidade universal a cada um dos seus capítulos, os quais possuem trechos iniciais retirados de uma espécie de bíblia do sábio e nômade povo de Arrakis. Este, sempre à espera de um salvador, de um guia, ou de uma força extra, como preferir. E quem não está?


  • Resenha | Eu, Robô – Isaac Asimov

    Resenha | Eu, Robô – Isaac Asimov

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    Isaac Asimov (1920-1992), natural da Rússia, foi professor assistente de bioquímica na  Escola de Medicina da Universidade de Boston. A partir de 1958, passou a se dedicar à literatura e acabou se tornando um dos principais ícones da ficção científica, juntamente com Arthur C. Clarke e Robert A. Heinlein. Em Eu, Robô, publicado em 1950, Asimov desenvolve a relação entre humanos e robôs, inovando o modo de pensar os robôs e, ao mesmo tempo, se afastando da lógica de Frankstein (Mary Shelley) – em que uma criatura entra em conflito com o criador, por este tentar se aproximar de deus – muito comum à época.

    “Eu, Robô” é uma coletânea de nove contos interligados entre si, os quais perpassam pela história da robótica na humanidade pelos olhos de Susan Calvin, em 2057, uma psicóloga de robôs prestes a se aposentar que dedicou a maior parte da sua vida trabalhando para a empresa U.S. Robôs, fabricante cuja proposta era construir robôs para servirem os seres humanos para as mais diversas atividades. Todos eles estariam apoiados sobre três leis fundamentais da robótica (as quais foram criadas pelo próprio Asimov):

    1) Um robô não pode ferir um ser humano ou, por omissão, permitir que um ser humano sofra algum mal.

    2) Um robô deve obedecer às ordens que lhe sejam dadas por seres humanos, exceto nos casos em que tais ordens contrariem a Primeira Lei.

    3) Um robô deve proteger sua própria existência, desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira e a Segunda Lei.

    Desde o primeiro conto, intitulado “Robbie”, somos levados à progressão da relação dos robôs com os seres humanos e a forma como essas três leis se aplicam de maneira intrínseca no intelecto desses seres. Neste primeiro momento temos uma história de Robbie, um robô mudo cuja atribuição é servir de babá para uma criança, mas sofre com a rejeição e preconceito da mãe da garota. Asimov nos apresenta uma humanidade temerosa por mudanças drásticas, de serem substituídos por máquinas em seus trabalhos, além de evidenciar uma metáfora para a discriminação de minorias.

    Deste momento em diante encontramos robôs que falam, que raciocinam sobre questões esotéricas e existenciais, com crises de estresse, que cuidam de linhas de produção inteiras e que projetam o futuro para a humanidade. O relato por parte de Susan, a qual se dedicou a compreender como pensam os robôs, evidencia sua afinidade maior com estas máquinas, pois acredita que estas são dotadas de bondade. Mesmo quando temos dúvida que um robô poderia se revoltar contra um ser humano (que seria um ser tecnicamente inferior), as três leis da robótica sempre se mostram superiores, refletindo dessa forma em uma ética por parte dos mesmos.

    No conto “Razão”, Cutie é um robô que possui uma incrível capacidade de raciocinar sobre as mais diversas coisas. Seu passatempo preferido é ler romances de ficção científica, pois lhe atrai ver a forma como humanos pensavam o futuro em um passado pouco tecnológico. Asimov praticamente se diverte consigo mesmo ao descrever Cutie, ainda mais visualizando esta realidade em meados de 1950 e considerando que até hoje o ser humano se fascina em sonhar e imaginar o futuro desconhecido.

    No último conto, quase como uma profecia, “O Conflito Evitável”,  a primeira lei da robótica atinge um nível mundial e as máquinas passam a cuidar dos seres humanos, evitando conflitos, guerras e perpetuando nossa existência. No fim, os seres humanos dependem das máquinas para sua existência.

    “Eu, Robô” é uma ficção científica intrigante que leva o leitor a pensar, juntamente com a robô-psicóloga Susan Calvin, a forma como os robôs pensam, sua evolução e a forma como se tornaram cada vez mais participativos no seio da sociedade. O livro é mais do que uma mera obra de ficção científica. É um ensinamento, uma experiência filosófica e uma obra de reflexão para a humanidade.

    Texto de autoria de Pedro Lobato.