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  • O Desfecho de Mad Men

    O Desfecho de Mad Men

    mad-menUm Corpo que Cai e Intriga Internacional, David Carbonara e sua mina de ouro tocam pela última vez e fazem aqueles 30 segundos abrirem o último episódio de Mad Men.

    Como começar melhor o fim do que lembrar o espectador que já estamos nessa estrada há quase 10 anos? Basta, após os créditos, encararmos um deserto e, à la Mad Max, o barulho ensurdecedor de um carro dirigido por Don Draper, de capacete e óculos. O próprio personagem nos recorda da conversa com sua filha dizendo que tudo passou rápido demais. Depois de encerrar 2014 com a cena mais inesperada e, provavelmente, uma das mais belas na história das produções pra TV, o último episódio de Mad Men se concentra exclusivamente em não parecer o fim de nada, e apenas mais um episódio muito bem executado como todos os outros.

    Matthew Weiner volta para continuar cavando o buraco que abriu dirigindo e roteirizando. Temos pequenas jóias de diálogos entre amigos que parecem não se ver ou se encontram na mesma frequência de tempos anteriores em algumas passagens do episódio. Aquelas três pessoas, que começaram como coadjuvantes do grande diretor de arte da Madison Avenue, agora possuem algo próprio, apesar de não tão grande, e fizeram tanta presença nessa história quanto ele. São bons amigos agora, estão longe uns dos outros e vão continuar assim daqui em diante.

    Ken e Joan nos relembram novamente sobre o dinheiro. Ele sempre estará ali. Foi o dinheiro que traçou o caminho de todos, retornando eventualmente como prioridade. O Dinheiro pra Joan é o respeito de poder trabalhar com o que quer, de estabelecer seu nome e não precisar estar na sombra de ninguém, um preço que aceita sem hesitar. Para Peter foi finalmente a chance de reconquistar Trudye, largar toda a estrada que consequentemente resultou no seu divórcio, mas que, ainda assim, deixa boas memórias pra trás.

    O trabalho é o corpo dessas pessoas; não o fazem pelo dinheiro, mas pelo hábito. Não interessa se algo não se encaixa ou se tudo não se encaixa mais: simplesmente é necessário fazer. Um processo quase mecânico, assim como precisar de dinheiro. Peggy reflete muito bem essa faceta do trabalho durante a série, e curiosamente é Joan e ela que se mostram mais viciadas no que fazem antes de qualquer outro.

    Mas antes de olhar para trás, Sally e Betty nos lembram de que tudo que está acontecendo agora vai continuar acontecendo também daqui pra frente. Faz parte do grande abismo que essas pessoas viveram no decorrer de cada temporada (não podendo faltar um ultimo “What?”). Ninguém, de fato, nunca está ou esteve bem por muito tempo, mas ainda assim há espaço aberto para vermos Peter e Trudy como um casal prometido e feliz a caminho de seu jatinho particular. Certamente, se ele irá seguir pelo caminho de Don como pessoa, como já havia feito algumas vezes, é incerto, mas foi um final feliz.

    E o Don? Não é a primeira vez que vai embora aleatoriamente para qualquer lugar. Repetir o mesmo processo há mais de 20 anos não deve ser simples, muito menos mecânico. Mais uma vez com outra mulher e outro problema que irá corroê-lo por dentro da mesma forma como qualquer outro problema. Don é a pessoa que mais tenta juntar pequenos pedaços de um todo desfeito há muito tempo. Poderíamos esperar qualquer coisa menos um retiro espiritual como opção para acabar com sua decadência contínua.

    De todos, ele é o único que precisou encarar tudo o que representa e faz esse exercício todos os dias naquele lugar com sua própria imagem refletida na vida de outra pessoa. Precisou ver o abismo de outros e se prender ao próprio abismo sem beber ou fugir (de novo). Encarar que é um péssimo pai e que nunca irá fazer parte importante de uma família que ele já teve ao seu lado, a qual hoje não existe mais. É triste pensar que sua última conversa com Peggy foi uma carta de confissão, quase como um suicídio. A sensação de que algo ruim estava por vir é cortada de maneira sobrenatural pela declaração de amor de Stan por Peggy. Sem nenhum tipo de preparação, com a própria Elizabeth Moss cortando o clima da declaração, mostrando que aquilo está completamente perdido no meio de tudo. e daí lembramos: é o ultimo episódio.

    Com o tempo quase esgotado, vemos Roger e Marie finalmente juntos (quem sabe até o fim dessa vez), e passamos por todos os outros personagens novamente, cada um mais distante do outro e certamente com os mesmos problemas de sempre. Don finalmente aparece, em seu estado mais zen já antes visto. O som de tudo cessa e a meditação ilustra ordem e controle de todo aquele abismo que ele se encontrava, porém um sorriso aparece.  Ele finalmente conseguiu se dividir da sua pior parte?  Ele voltou a trabalhar e aquela propaganda da Coca-Cola é de sua autoria? Não saberia dizer, mas é certo que algo ali mudou, pelo menos em parte.

    Se pudesse chutar, diria que o episódio 7 encerraria o programa de forma que não pudéssemos pensar em nada disso. Mas, ao mesmo tempo, seria uma lágrima no final das contas, e não um sorriso curioso que encerraria uma das maiores produções na história da TV.  Sentirei falta de pensar no que ele poderia ter sido.

    Texto de autoria de Halan Everson.

  • Mad Men: Inventando Verdades

    Mad Men: Inventando Verdades

    mad-men-posterAtenção: este review contém spoilers de toda a série. Siga por sua conta e risco.

    Mad Men entrou para o seleto grupo de séries que mudaram a televisão americana atual, ao lado de Breaking BadThe Sopranos, Deadwood, The Wire e Six Feet Under. A série criada por Matthew Weiner relata a rotina dos homens e mulheres que modernizaram a publicidade a partir dos anos 60.

    Entre os turbulentos anos de 1960 a 1970, acompanhamos as principais figuras da agência de publicidade nova-iorquina Sterling Cooper, centralizadas na figura de seu misterioso diretor de criação, Don Drapper.

    Por se tratar de uma série que acompanha a rotina dos mesmos personagens em um ambiente que pouco altera com o tempo, as mudanças em Mad Men poderiam ser ainda menos perceptíveis de uma temporada para a outra se não fossem as contextualizações históricas. Os grandes eventos da época foram agentes importantes para as mudanças que a publicidade sofreu. Não obstante, os anos 60 são reconhecidos nos Estados Unidos como a grande fase em que houve a quebra do padrão em toda a cultura, além das manifestações políticas contra a guerra do Vietnã, a ascensão da mulher no mercado de trabalho e os conflitos raciais através da luta dos direitos civis.

    primeira sterling cooperOs personagens principais da série na primeira Sterling Cooper

    No entanto, os três atos da série podem ser identificados entre antes e depois do divórcio de Don, e após o seu afastamento da agência.

    A primeira temporada consolida os personagens principais da agência, os “homens loucos” que modernizaram a publicidade. Eles são compostos pelos chefes de atendimento que lidam diretamente com os clientes e o núcleo de criação que dá ideias para o seu diretor fazer as apresentações, e assim conquistá-los e mantê-los. No entanto, é através da rotina de Don Drapper que vemos quase tudo o que acontece na agência, além dos seus inúmeros casos extraconjugais. Aos poucos, também vemos como Don vai se mostrando um personagem com passado misterioso que ele tenta a todo o custo esconder; sua única fraqueza aparente. Don na verdade se chama Dick Whitman, filho de uma prostituta, sem família, que na guerra da Coreia acaba assumindo a identidade do seu superior para fugir do conflito.

    É aqui também que vemos o outro lado da Sterling Cooper através da contratação da nova secretária de Don, Peggy Olson e do trabalho de quem a contratou, a secretária geral Joan Harris. O manjado artifício nos permite conhecer o funcionamento da Sterling Cooper através de um novo personagem, além de mostrar o lado das mulheres da empresa, o que permite problematizar o sexismo no trabalho. Não à toa, as duas personagens crescem de importância já no final da primeira temporada, com Peggy se tornando redatora e Joan resolvendo problemas cada vez maiores. O terceiro núcleo se fixa na residência de Don, através da sua esposa Betty, dona de casa que cuida dos seus dois filhos.

    Na segunda temporada temos o evento histórico da crise de mísseis de Cuba. Apesar de ser somente nos episódios finais, o evento histórico dialoga com os principais acontecimentos: Duck Phillips, apresentado na temporada anterior, trouxe instabilidade a todos os personagens principais da agência, e não à toa ele se torna o responsável pela compra da Sterling Cooper pela Putnam, Powell & Lowe, uma agência inglesa.

    Don tem um novo caso, agora com a esposa de um comediante que destrata seus clientes, algo que se torna um resumo da sua vida no momento, já que não consegue respeitar seu casamento depois do acordo que fizera com a própria esposa e ainda termina por engravidá-la. Aliado a isso, em uma viagem com Pete, Don acaba sumindo, e assim conhecemos Anna Drapper, esposa do verdadeiro Don, o que faz com que comece o colapso do seu casamento.

    mad-men-the-monolith_article_story_largePeggy Olson, interpretada por Elisabeth Moss, liderando a sua equipe

    Na terceira temporada vemos uma mudança na Sterling Cooper, agora controlada pelos ingleses sob o comando de Lane Pryce. A mudança de rotina com a fusão afeta menos a publicidade em si e mais a forma de trabalho do núcleo principal da agência. Como não possuem mais o controle, Don Drapper e a sua equipe agora têm que seguir ordens de Londres das quais discordam, sendo o caso mais emblemático do Jai Alai: aceitar o investimento de um cliente em algo que eles sabem que está fadado ao fracasso. Somado a outras complicações com clientes, o desgaste com Londres vai crescendo até que os publicitários tomam uma decisão: sair da empresa que venderam antes de uma nova aquisição e fundar a sua própria agência levando os clientes que conseguirem.

    Enquanto isso, a relação de Don com a sua esposa se desgasta, apesar do nascimento do novo filho. A crise se agrava ainda mais com a morte do pai de Beth, o que a faz buscar em Harry Francis um amante e no fim da temporada terminar se divorciando de Don, decisão que encerra o primeiro grande ato da série.


    Uma das cenas mais brilhantes da série: o carrossel

    A quarta temporada traz uma mudança no protagonista e inicia o segundo ato de Mad Men. Agora solteiro, Don está vivendo solitário em seu apartamento experimentando a vida de Dick Whitman que ele tinha deixado para trás. Entre prostitutas e curtos relacionamentos que não dão certo, ele passa a beber ainda mais.

    A sua instabilidade acaba sendo a síntese de todos os personagens da nova agência Sterling Cooper Draper Pryce. É nesta temporada que vemos todos os personagens enfrentando ou começando a ter problemas pessoais mais sérios, além da nova agência se tornar instável financeiramente por causa dos novos e incertos clientes. Para piorar a situação, a SCDP perde Lucky Strike, o seu principal cliente, e em uma tentativa desesperada de salvar o negócio, Don comete um erro grave, o que acaba sendo o início do seu declínio na empresa. Assim como o divórcio foi um trauma para o protagonista, a perda da Lucky Strike o foi para a agência. E ambos agora seguem se recuperando.

    Na quinta temporada, Don está casado com sua ex-secretária Megan, e o equilíbrio volta um pouco para a sua vida ao se afastar dos casos extraconjugais e, por consequência, ao funcionamento da própria SCDP. Somente no último episódio, ele dá indícios de que voltará a ter uma possível amante. Lane Pryce comete suicídio no final por um erro que ele mesmo cometeu, e a empresa acaba expandindo.

    O assassinato e a morte das enfermeiras em Chicago também marca esta quinta temporada em se tratando dos direito civis dos negros e das mulheres. A barbárie causada em 1966 permite a discussão sobre o racismo e o sexismo no mercado de trabalho. Assim, no final da temporada, Peggy recebe proposta da agência rival e decide ir, e Joan Harris se torna cada vez mais indispensável dentro da SCDP.

    0240creen20shot202013-06-1820at2011.56.0520am

    Na sexta temporada, a SCDP, que havia voltado a crescer, acaba se fundindo com a agência do antigo rival de Don, Ted Chaough, a Cutler Gleason Chaough. Por causa dessa união, a nova agência acaba tendo maiores problemas, como lidar com os dois diretores de criação no mesmo lugar. O assassinato de Martin Luther King serve como contexto histórico para discutir o racismo na sociedade americana e a luta pelos direitos civis dos negros através de Dawn Chambers, a secretária de Don. A principal figura negra dentro da agência acaba representando todo o preconceito sofrido.

    Com o novo casamento consolidado, Don voltou a ter amantes, e sua arrogância está ainda maior, o que só reforçará a sua queda dentro da própria empresa, iniciada com a sua decadência na quarta temporada. A sexta temporada termina o segundo ato de Mad Men com o afastamento de Don da agência.

    Assim como Breaking Bad, que termina o ato principal na penúltima temporada, a sétima e última temporada soa como um grande epílogo. Don Drapper, desvinculado da agência e mais solitário do que nunca, agora tem que se virar para voltar a ser uma pessoa relevante tanto no mundo publicitário quanto na vida pessoal e familiar. Ele começa passando seu tempo entre Nova York e Los Angeles, onde agora vive a sua esposa Megan, o que faz com que a sua vida fique ainda mais perdida. A luta para ser readmitido de volta a Sterling Cooper passa por entraves entre os sócios, e Don tem que voltar a provar o seu valor. Aqui vemos uma faceta já mostrada na série, mas através de Peggy: como um iniciante em publicidade virou o principal e mais desejado diretor de criação. É também aqui que vemos a chegada do homem à Lua, em 1969, e isso dialoga com a chegada de uma nova tecnologia na agência: a computação. A inovação representa um novo momento para todos, pois Peggy agora chegou onde jamais esteve ao se apresentar para um cliente grande, e, com a morte de Bert Cooper, tudo muda.

    christina-hendricks-joan-harrisJoan Harris, vivida por Christina Hendricks

    A segunda parte da última temporada inicia pela quinta vez com a mudança de nome da agência após ser vendida/passar por fusão/absorvida pela McCann-Ericksson. Don inicia um romance com uma garçonete misteriosa que desaparece, e isso dá o tom de toda a temporada final da série: a magia por trás de Mad Men chegou ao fim. Todos os personagens principais se desvinculam de alguma forma do trabalho que estavam acostumados. Matthew Weiner, o criador da série, dá indícios o tempo todo nesta temporada que ela está terminando: a morte de Cooper, o segundo divórcio de Don, a venda do seu apartamento, o câncer de Betty, a segunda demissão de Joan e de Ken Cosgrove, e o devaneio que leva Don a se aposentar do trabalho.

    Fashion Emmy NomineesDon Drapper, interpretado por Jon Hamm

    A jornada final do protagonista é a desconstrução de Don Drapper para voltar a ser Dick Whitman. Ao dirigir sem rumo pelo país e acabar em um hotel de beira de estrada onde o dono é um veterano da Segunda Guerra Mundial, voltamos ao soldado que admite que causou a morte do seu superior e ficou com seu nome. Neste mesmo lugar, vemos um vigarista que rouba dinheiro e consegue bebida alcoólica, duas coisas que Dick fez ao se passar por Don metade da vida inteira: ganhar dinheiro sendo aquilo que não é, ou, em suma, a essência da publicidade. Don é levado pela sobrinha de Anna Drapper, esposa do Don original, a um retiro espiritual para a sua final desconstrução do personagem. É emblemática a cena onde ele abraça um senhor que compartilha o sonho de ser aquilo que todo mundo é: uma pessoa irrelevante para a própria família. Finalmente ele deixa de ser Don Drapper de vez ao abandonar seus filhos e volta a ser Dick Whitman, um desconhecido para a sociedade.

    A estrutura de Mad Men é toda baseada em The Sopranos, inclusive não é segredo nenhum que Matthew Weiner, enquanto roteirista da série, via como mentor David Chase, criador de Sopranos. Ambas tratam a rotina de um grupo de homens poderosos liderados por um chefe, o “Don”, protagonista. Os cabos e soldados da máfia são os chefes de atendimentos das agências, que respondem a ele para aprovar ou não as peças publicitárias ou ajudar com alguma coisa, e resolvem problemas dos seus clientes, sendo que nenhum deles respeita a própria esposa e tem amantes. Apesar de aparentar ser um homem forte, Don Drapper sofre do mesmo mal de Tony Soprano: a ansiedade de ter o tempo todo que representar um papel que ele não é. Enquanto Don Drapper na verdade é Dick Whitman, Tony Soprano não é o chefão da máfia, mas uma pessoa frágil.

    Don_train_nixon_vs_kennedyO momento em que Dick Whitman vira Don Drapper

    Por se tratar do cotidiano de uma agência de publicidade que lida basicamente com os mesmos clientes, fica mais difícil pontuar as diferenças entre uma temporada e outra. Para tal, são usados os grandes eventos dos anos 60, que acabam servindo para discutir parte dos problemas da Sterling Cooper. Acaba que o microcosmo da agência serve como uma versão resumida da própria América.

    Se Breaking Bad prima pela direção e The Wire pelo roteiro realista, um dos grandes diferenciais de Mad Men é a discussão política, social e cultural da sociedade americana através da publicidade. Não à toa a série se passa nos anos 60: os produtos que sempre foram feitos para os públicos certos agora enfrentam mudanças intensas nunca antes sentidas na sociedade.

    A desconstrução do mito norte-americano, que começa na falência do american way of life centrado na família de Don, passando pela força de um capitalismo baseado na exclusão ao deixar mulheres e negros em posição inferior, enfrenta a hostilidade da guerra do Vietnã e da crise de mísseis de Cuba. Além disso, é brigado a se adaptar à contracultura e ao movimento hippie, mas termina com uma esperança quando o homem chega à Lua e vence a corrida espacial. Como se adaptar a essas mudanças? Os EUA continuam sendo o modelo ético e moral para a sua própria população? E que população é essa? Será que o mundo também está mudando? Como nós vamos nos vender agora? E que novo mundo é esse?

    A outra discussão da série é a filosofia e a moral da publicidade. Como transformar o inútil em um desejo? Como vender algo para alguém que não precisa daquilo? É ético tentar moldar o caráter de alguém? O todo poderoso chefe de criação Don Drapper na verdade é alguém que se passa por outra pessoa o tempo todo, alguém que negou a sua própria história e personalidade, e construiu outra para chegar ao poder de persuasão sob os demais como diretor de arte. E o que é a publicidade senão a vitória da persuasão sobre a personalidade?

    11242209384_e09303316dBert Cooper e Roger Sterling, dois dos melhores personagens da série

    Por fim, algumas curiosidades da série. É comum nas salas de roteiristas o criador da série, ou showrunner, reescrever os episódios de algum dos roteiristas, porém mantendo o crédito original. Matthew Weiner mudou isso e ele se deu crédito em quase todos os episódios da série como co-autor. Para quem quiser se aprofundar: a lista de alguns livros que os personagens leram durante a série; o figurino que os atores usam de acordo com os seus personagens; um guia pela direção de arte da série; e a história do publicitário Draper Daniels, principal referência para a criação do protagonista.

    Além da direção de atores, direção geral e direção de arte, a atuação da série é outro ponto forte de Mad Men. Jon Hamm dá vida a Don Draper; a ótima Elisabeth Moss é Peggy Olson; Vincent Kertheiser como Pete Cambell; Christina Hendricks é Joan Harris; a limitada January Jones vive Betty Drapper e depois Betty Francis; Rich Sommer é Harry Crane; Aaron Stanton vive Ken Cosgrove; a boa atriz Jessica Paré dá vida a Megan, ex-secretária e segunda esposa de Don; Jay R. Ferguson vive Stan Rizzo, o melhor amigo da Peggy; o limitado Michael Gladis é Paul Kinsey; Bryan Batt como Salvatore Romano; por último o sempre ótimo Jared Harris é Lane Price; e sem esquecer do bom ator John Slattery como Roger Sterling e Robert Morse como Bert Cooper.

    Mad Men é o tipo de série que vale a pena simplesmente por tudo o que a história representa. Ela não somente foge do padrão das séries na TV fechada, mas também consegue contar uma boa história usando um ótimo fundo histórico.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • Crítica | Para O Que Der e Vier

    Crítica | Para O Que Der e Vier

    Para O Que Der e Vier 1

    Começando como um monólogo, a criação de Matthew Weiner narra as desventuras emocionais de Steve Dallas (Owen Wilson), que faz total questão de explicar para cada um dos seus pares sexuais as razões que o fazem optar pela solteirice e completa ausência de apreço a uma vida de compromissos amorosos. Mesmo neste primeiro momento, não se esconde o quão miserável é a sua vivência, ainda que o escopo seja muito mais agridoce que melancólico.

    Logo, Dallas tem um estranho reencontro com seu amigo de infância, Ben Barker (Zach Galifianakis), recebido de maneira agressiva e paranoica, remetendo ao comum aspecto que o fumo da maconha causa em alguns seres. Uma simples análise do ambiente ao redor de Barker revela uma tardia imaturidade, já que todo o cenário de seu quarto lembra o aspecto grotesco e pitoresco de um adolescente em idade pré-universitária, longe de qualquer preocupação mais rebuscada, comum a qualquer ser humano de rotina adulta.

    O cotidiano de Steve é repleto de atitudes banais e egoístas. Seus serviços como apresentador de um jornal local revelam uma enorme irresponsabilidade de sua parte, não tendo qualquer compromisso com prazos e horários, tanto que o chamado à aventura com seu amigo é aceito de bom grado, sem qualquer discussão. Sem jeito, a dupla faz uma viagem de carro para presenciar o enterro de Mister Barker, e ter a assustadora surpresa de ser Ben o seu maior beneficiário, a despeito de sua irmã Terri (Amy Poehler) e de sua bela madrasta Angela (Laura Ramsey), que foram muito mais presentes na vida do patriarca.

    A paranoia segue como comportamento padrão de Ben, já que ao receber o prêmio ele acha que aquilo é mais um artifício de seu pai para controlá-lo. A maturidade chega perto de acometê-lo ao decidir mudar seu estilo de vida, ainda que não saiba qual o direcionamento correto, nem para si e menos ainda para a pequena fortuna de que agora era dono. Mas a completa falta de noção faz o personagem enveredar por caminhos dionisíacos, tentando sem qualquer base teórica fundar uma ONG para mudar o mundo.

    Os trôpegos passos do confuso homem de meia-idade são observados por Angela e ao longe por Steve. Pioram-se os imbróglios familiares de sua irmã, que tenta restringir legalmente o uso do dinheiro herdado, visto que ainda é movida pela mágoa que sente de sua “mãe substituta”. A complexidade da estrutura familiar conservadora é prontamente debochada por um roteiro que teima em não se levar a sério, apesar de tocar em questões bastante espinhosas.

    O roteiro de Weiner divaga um pouco, perdendo o ritmo interessante da metade para o final da obra, ocasionando um círculo vicioso que tenta em vão achar virtudes em suas personagens, imitando aspectos comuns da vida dos homens. O script consegue ser tão confuso quanta a psique do personagem de Galifianakis, e é bem intencionado em essência, mas repleto de erros de ação contínua, fruto, talvez, da inexperiência do autor em dirigir filmes.

    Em alguns pontos, o texto lembra demasiado as fitas que Nick Hornby ajudou a compor, especialmente pela inevitabilidade dos destinos dos espécimes apresentados, que tem em seu carisma o principal ponto louvável, já que o currículo destes está longe de acumular grandes feitos. As curvas finais do script revelam uma inesperada evolução da parte de Ben, movida por uma sequência de entrópicas relações, que, além de fazerem-no levantar, acabam por findar a boa interação que tinha com seu antigo parceiro. Ambos afastam-se de uma maneira até então inédita, necessária para as duas contrapartes terem finalmente uma evolução franca e sóbria. Um afastamento que flerta com o pieguismo, mas que se sustenta em uma forte mensagem edificante, algo condizente com toda a trajetória de Ben e Steve, até mesmo nos defeitos, com um saldo extremamente positivo.

  • Resenha | Homens Difíceis – Brett Martin

    Resenha | Homens Difíceis – Brett Martin

    homens dificeis - brett martinEntre o final do século XX e o início do XXI, um seleto grupo de séries televisivas dramáticas revolucionou não só o meio, mas mudou completamente a forma como assistimos à televisão nos dias de hoje. Brett Martin, colaborador de diversas revistas e jornais, conseguiu entrevistar os criadores das séries, roteiristas, elenco, equipes de filmagem e executivos, e conseguiu documentar este momento único no livro Difficult Men: Behind the Scenes of a Creative Revolution, From The Sopranos and The Wire to Mad Men and Breaking Bad – traduzido e lançado no Brasil pela editora Aleph sob o título Homens Difíceis – Os Bastidores do Processo Criativo de Breaking Bad, Família Soprano, Mad Men e Outras Séries Revolucionárias.

    Começando por The Sopranos (1999), Six Feet Under (2001 – review aqui), The Wire (2002 – review aqui) e Deadwood (2004 – review aqui) da HBO, passando por The Shield (2002) do FX e terminando em Mad Men (2007) e Breaking Bad (2008) da AMC, Difficult Men analisa os bastidores destas séries para tentar entender como ocorreu a revolução que mudou a forma como apreciamos um programa televisivo atualmente.

    Não é preciso dizer que existem spoilers das séries durante a análise do livro, por isso recomenda-se assisti-las antes, inclusive para acompanhar melhor o raciocínio do autor. Segundo Brett Martin, estamos vivendo uma terceira Era de Ouro dentro da história da televisão moderna. O livro começa analisando as outras duas eras de ouro da televisão, uma logo no seu início, nos anos 50, quando os roteiristas tiveram mais liberdade para criar, pois estavam explorando os primeiros anos do novo meio, e a segunda no início dos anos 80, com a explosão do videocassete, fazendo com que a demanda de programas e telefilmes aumentasse não só em quantidade, mas em qualidade. Já a terceira era de ouro, segundo Martin, vai desde The Sopranos, 1999 até 2013, ano do lançamento do livro, e termina como uma junção dessas duas: a explosão dos DVDs no final dos anos 90 e o streaming no meio dos anos 2000, permitindo que as histórias seriadas, feitas por roteiristas com liberdade criativa, pudessem ser acompanhadas com mais facilidade.

    HBO Premiere Of "The Sopranos" - After PartyOs dois desbravadores: James Gandolfini, o falecido ator que deu vida a Tony Soprano, e David Chase

    DavidSimonOmar2David Simon, criador de The Wire, e Michael K. Williams, que interpretou o personagem mais famoso, Omar Little

    Por que homens e por que tão difíceis? Segundo Martin, os EUA estavam divididos por causa da eleição americana em que George Bush venceu de maneira controversa, permitindo o avanço da direita radical através das guerras do Afeganistão e Iraque. Agora, quem comanda o país não está mais interessado em dialogar, mas em impor; e não quer ajudar os mais pobres, caso do desastre causado pelo furacão Katrina. O país foi comandado por homens difíceis, eleitos graças a um desejo que vinha aflorando desde os anos 90 por boa parte da população.

    Para definir o que entraria ou não em sua análise, o autor decidiu escolher séries dramáticas da TV a cabo com uma história contínua (ao invés das episódicas – onde toda a trama inicia e termina no mesmo episódio) e temporadas menores, de 10 a 13 episódios de uma hora. O que importa agora são séries que têm feito sucesso há mais de 15 anos por centrarem-se em figuras masculinas tão controversas quanto improváveis: um chefe de máfia que sofre de depressão; uma funerária administrada por uma família de malucos; um detetive de polícia narcisista e um bandido que rouba outros bandidos; o dono de bar mais politicamente incorreto de todo o Velho Oeste; um chefe de esquadrão de polícia assassino; um diretor de criação de agência que finge ser quem não é; e um professor de química que passa a ser traficante. Ou, como diz o título do livro, os Homens Difíceis.

    SixFeetUnder_11_SF_380-scaledNo set de Six Feet Under, onde o criador da série Allan Ball passa instruções a Peter Krause, que interpretou Nate Fisher

    20080616090158_milchDavid Milch, criador de Deadwood, conversa com um dos atores do show

    Nunca estes tipos de personagens seriam protagonistas ou teriam espaço maior nas séries tradicionais da televisão aberta norte-americana, com suas longas e desnecessárias temporadas de 22 a 24 episódios e personagens pouco complexos e desenvolvidos. Agora, o que importa são histórias que possuam algum diferencial, em que a personalidade e atitude destes Homens Difíceis imperem e personagens importantes para a trama morram; em um momento que não exista mais a catarse representada pela curva dramática, pois não existe mais final. A realidade havia chegado à dramaturgia televisiva, e o que importa agora é atingir qualidade com o máximo de verossimilhança possível para o espectador.

    Porém, para que houvesse esta ascensão, não se pode esquecer da época que antecedeu estas grandes séries. O autor da obra consegue contextualizar bem a época pré-The Sopranos através dos sucessos de crítica e público da HBO, como OZ (1997) e Sex And The City (1998), e o início de uma noção sobre televisão autoral. Enquanto isso, analisa a história de David Chase, tido como o líder e desbravador de todos os autores de TV, e como ele conseguiu se impor perante os executivos do canal ao ter completo controle sobre a primeira temporada de The SopranosMartin explica que ele negava a rede televisiva, mas acabou aceitando o meio do qual tanto se esforçou em fugir, porém sendo como suas inspirações, os cineastas franceses dos anos 60 e os americanos dos 70. Desta forma, os roteiristas viraram autores, ou showrunners. Brett também analisa a história da HBO e como os executivos da época conseguiram mudar a ideologia da emissora e passar a produzir conteúdo inédito de qualidade.

    73727829Os dois carecas de The Shield: Michael Chiklis, que viveu o detetive Vic Mackey, e o criador Shawn Ryan

    Mesmo tendo controle de sua produção, Chase se deparou com um desafio que pôs em xeque a sua visão de autor, logo antes da metade da primeira temporada, no 5º episódio, College. Durante uma viagem com a sua filha, Tony mata um dedo-duro depois de avistá-lo, impondo algo inédito na televisão até então: a morte de um personagem, que não vilão, a sangue frio pelo protagonista. Confrontado pelos executivos do canal, David Chase aceitou mudar a caracterização do delator, transformando-o em traficante, além de inserir uma cena em que o mostra contratando assassinos para matar Tony, deixando a morte do inimigo mais “aceitável” para o espectador. A importância do episódio em específico, segundo Martin, foi ter se tornado o principal pilar de toda a Terceira Era de Ouro: nunca mais deixar que os executivos interfiram na visão do autor para a história.

    Em algumas partes do livro, o autor descreve como eram as salas dos roteiristas (ou writer’s room – sala dos escritores) de todas as séries citadas. A sala sempre existiu na televisão americanas, mas a de The Sopranos foi diferente, pois mostrou como a imposição de David Chase perante os demais roteiristas e executivos foi importante para passar a sua visão. Ao analisar as salas de roteiristas de The Wire, The Shield e Deadwood, o pesquisador mostrou a diferença entre todas elas, e principalmente as dos escritores que se inspiraram nos pioneiros e acabaram virando autores: Matthew Weiner, criador de Mad Men, era um dos roteiristas de The Sopranos, assim como Terrence Winter, criador de Boardwalk Empire; já Kurt Sutter, criador de Sons of Anarchy, foi roteirista de The Shield.

    Por fim, é necessário ressaltar a importância de cada uma das séries citadas na revolução da Era de Ouro: The Sopranos por ter dado início a este grande momento, mas principalmente por representar a essência de uma série autoral; Six Feet Under, que desconstruiu todo o sonho americano com uma família disfuncional; The Wire pelo realismo; The Shield por mostrar como a polícia pode ser maquiavélica; Deadwood pela reconstituição histórica; Mad Men por explicar como a fantasia é vendida; e Breaking Bad pela direção e fotografia.

    tumblr_luth5sYEzm1qfhewmJon Hamm, intérprete de Don Drapper em Mad Men, conversa com Matthew Weiner, criador da série

    10bad_span-articleLargeO criador de Breaking Bad, Vince Gilligan, dando instruções para os dois astros do programa, Bryan Cranston e Aaron Paul

    O livro foi bem editado, e o tamanho dele está de acordo com a análise do autor. Esta resenha foi realizada a partir da edição em inglês, portanto não há como avaliar a tradução do livro em português que a editora Aleph lançou em 2014.

    Homens Difíceis vale a pena ser lido por quem gosta de séries e entende que elas não estão mais no patamar abaixo do cinema. Hoje em dia, elas se equivalem ao cinema e podem ser consideradas obras de arte, semelhantes aos melhores filmes do ano ou da década, graças a esses pioneiros que conseguiram impor a sua visão na indústria.

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    Texto de autoria de Pablo Grilo.