Tag: series sobre trafico

  • Review | The Wire

    Review | The Wire

    wireAtenção, este review contém spoilers de toda a série. Siga por sua conta e risco.

    Segundo o livro Homens Difíceis, de Brett Martin, The Wire entrou para o seleto grupo das cinco séries dramáticas que mudaram a televisão americana atual e a fizeram entrar em uma nova era de ouro. Ao lado de The Sopranos e Six Feet Under da HBO, e Breaking Bad e Mad Men da AMC, a série criada por David Simon, sem nenhum exagero, conseguiu atingir o nível de excelência de roteiro através dos seus 60 episódios divididos em 5 temporadas. Entretanto, com uma peculiaridade que se tornou uma das identidades da série e a diferenciam de todas as citadas: o realismo.

    Sinopse: todas as possíveis ramificações do tráfico de drogas na cidade de Baltimore são mostradas tanto sob o ângulo dos vários traficantes e seus subordinados, quanto da polícia, principalmente da equipe especial de inteligência responsável pelos grampos.

    Pela densidade do roteiro de uma hora que contém muitas informações, seguindo o padrão HBO de qualidade, The Wire pode ser considerada uma das melhores séries policiais de todos os tempos. As cinco temporadas se dividem entre os vários casos que vão surgindo e suas investigações decorrentes, conforme o tráfico de drogas vai se adequando as novas realidades, gerando uma interação curiosa entre os dois lados.

    A primeira temporada consolida uma parte do elenco fixo da série, focando principalmente no detetive de homicídios Jimmy McNulty, e os policiais que farão parte da primeira equipe formada com o intuito de perseguir os traficantes sob a forma de grampos telefônicos, a Major Crimes Unit, chefiados pelo superior Cedric Daniels e liderados pelo principal investigador da equipe, Lester Freamon. Como os traficantes usam pagers para se comunicar, eles acabam percebendo o padrão utilizado pelos bandidos. É aqui também que se inicia também a investigação pelo dinheiro gerado pelo tráfico, para mostrar o quanto o comércio ilegal das drogas está intrínseco na sociedade, fato recorrente durante toda a série.

    uf3

    A Major Crimes Unit

    avon-and-stringer

    Stringer Bell e Avon Barksdale

    É aqui que vemos também toda a politicagem nos bastidores dos mais diversos escalões de poder da polícia, que dificultam ou ajudam a formação da equipe, com os coronéis, tenentes e outros chefes tentando subir na hierarquia a qualquer custo. Em toda a temporada da série algum chefe de polícia se destaca, nesta primeira é o caso do comandante Burrell e do Major Raws.

    A outra parte do elenco fixo se centra no outro lado, a rua, e, claro, as drogas. O traficante Avon Barksdale, junto com seu braço direito Stringer Bell e seu sobrinho atrapalhado D’Angelo com seus vários subordinados, se tornam o alvo da investigação policial. Todas as séries costumam ter um personagem que se torna especial de alguma forma, seja pelo carisma do ator ou pelo roteiro que lhe permite essa possibilidade. Em Deadwood é Al Swarengen e em The Wire é o caso de Omar Little, o bandido que rouba outros bandidos. Ele aparece de vez em quando durante a série, e proporciona os pontos altos dos episódios.

    The-Wire-the-wire-35299989-1600-1200

    Michael K. Williams como Omar Little

    the-wire-season-1-tv-show-image

    D’Angelo Barksdale com os seus soldados

    Na segunda temporada há um novo caso para ser investigado. O porto de Baltimore é dominado por imigrantes poloneses, chefiados pelo líder sindical Frank Sobotka. Eles encobrem seus esquemas ilegais operando dentro da lei, se diferenciando do tráfico nas ruas a céu aberto. Nesta temporada o superior da polícia que se destaca é o Major Valchek, também descendente de poloneses e adversário de Sobotka. É ele quem age nos bastidores para o retorno da equipe de investigação com o objetivo de ir atrás de seu desafeto. Não demora muito para que a Major Crimes Unit, agora uma unidade fixa dentro da polícia, descubra o padrão utilizado pelo sindicato dos estivadores.

    Como a investigação mudou de rumo, há um novo olhar sobre o tráfico, agora internacional. O sistema operado no porto permite a entrada de matéria prima para a fabricação da droga fornecida pelo Grego para o traficante Proposition Joe, adversário de Barksdale. Continuamos a ver o que aconteceu a Avon e seu sobrinho D’Angelo na prisão, e Stringer Bell operando seu esquema do lado de fora. Stringer, sem conseguir manter a área conquistada com tanto custo por ele e Avon com um produto de baixa qualidade, mas com uma força ainda grande, começa a maquinar uma espécie de parceria com Prop Joe.

    the-wire-season-2-tv-show-image-nick-frank-sobotka

    Frank Sobotka e seu sobrinho Nick

    Na terceira temporada acontece um fato extraordinário. A princípio instigado em abaixar as estatísticas de assassinato no Distrito do Oeste, o Major Colvin opta por tentar combater o tráfico de uma maneira diferente. Colvin faz com “Hamsterdam”, o que se torna um ensaio sócio-econômico-político-cultural sobre o que aconteceria se o tráfico de drogas fosse legalizado em uma grande cidade dos Estados Unidos. É, de longe, uma das maiores contribuições da série para o debate a cerca do tema.

    Em paralelo, há uma espécie de retorno à primeira temporada, pois a unidade de escuta de grampo volta as atenções para os traficantes na rua. Eles agora vão atrás de Stringer Bell e Prop Joe, mas a princípio não conseguem nada. Se os pagers antes eram a base para o grampo, o foco muda para os celulares pré-pagos descartáveis. Também vemos a formação de uma Cooperativa. Liderados por Stringer e Joe, os traficantes percebem que se não há corpos nas ruas, diminui o risco do negócio com menos investigações policiais. Marlo Stanfield e sua gangue também surgem nesta temporada; ele declina participar na Cooperativa em função da sua própria força e poder, e o seu estranhamento com Avon gera uma das melhores guerras de tráfico da série.

    wallpaper-the-street-1600

    Marlo Stanfield e sua gangue

    Ainda na terceira temporada, David Simon nos apresenta mais um foco de debate na guerra ao tráfico: os políticos. Se antes as maquinações se atinha aos bastidores nas esferas do poder policial, agora com a nomeação de Burrell como comissário, chegamos diretamente ao prefeito Clarence Royce e o ambicioso líder da câmara dos vereadores Thomas Cercetti.

    Na penúltima temporada quase não há escuta. Por ser ano eleitoral, todas as grandes investigações cessam em função da disputa pela prefeitura, principalmente as que iam atrás do dinheiro sujo. Agora, Baltimore vai decidir entre o atual prefeito, o negro Royce ou o branco Cercetti. As discussões que surgem em torno da questão racial, além do uso político da polícia são mais uma visão sobre os problemas do tráfico de drogas que David Simon nos fornece. No final, a vitória de Cercetti mostra que um novo horizonte se abre para a polícia, pois o novo prefeito quer mostrar serviço.

    The Wire consegue nos fornecer ainda outro foco sobre a questão: o momento anterior da ida dos traficantes para as ruas, a sua infância. Durante toda a temporada acompanhamos, ao lado do ex-Major Colvin, um estudo sociológico sobre um grupo de pré-adolescentes que um dia vão se tornar traficantes. Além de discutir a falta de perspectivas sobre o seu futuro e a veneração que as ruas geram pelo poder do tráfico, também vemos a politicagem dentro da própria escola com as notas dos alunos, provando que qualquer sistema público que vive em função de estatísticas para eleger ou reeleger políticos é cruel.

    Se o objetivo da Cooperativa era evitar mortes entre os traficantes para não atrair investigação policial, Marlo Stanfield resolve isto nesta quarta temporada de uma forma curiosa: deixando os cadáveres em casas vazias e abandonadas pela cidade. É aqui que o escritor policial Dennis Lehane começa a participar do roteiro da série.

    image2Os futuros traficantes

    Na última temporada não há mais escuta, porque o novo prefeito eleito optou por cortar muito da verba da polícia em função da educação. Como estava muito próximo de conseguir pegar Stanfield, Lester e McNulty decidem arriscar a volta da escuta realizando algo extraordinário como no arco de Hamsterdam da terceira temporada. É aqui que novamente há uma quebra do realismo da série, ainda que tentando manter o máximo de plausibilidade para o espectador.

    Esta quinta temporada opta por mostrar agora um dos últimos ângulos que faltava: a mídia. Agora a redação do Baltimore Sun entra em destaque para fornecer novos debates sobre o tráfico que só enriquecem a discussão, além de dar mais sustentação ao evento curioso que ocorre nesta última parte. Este evento, inclusive, acaba dando um final digno para a série, e vemos como terminou a história de cada personagem.

    bunny2

    O Major ‘Bunny’ Colvin, interpretado por Robert Wisdom, responsável por Hamsterdam

    Uma característica é a presença maciça de atores negros na série. Baltimore, como é dito algumas vezes durante os episódios, é uma cidade americana com 75% da população afro-descendente. Além de conferir mais realismo, felizmente não há a utilização pelo autor de premissas com enfoque racial. O que existe é simplesmente uma adequação ao real: em uma cidade onde a maioria da população pertence a uma etnia, esta mesma etnia domina todas as formas de representação social. Existem detetives, chefes de polícia, traficantes, advogados, repórteres, políticos e professores negros e brancos. É diferente de uma certa novela brasileira ambientada na cidade de São Paulo em que boa parte da população é negra, mas no hospital só há médicos brancos por “decisão artística”, porém, quando um casal gay decide adotar um menino cuja a mãe morreu por causa de crack, ela é negra.

    thewires511

    A redação do Baltimore Sun, retratada na quinta temporada

    Diferente de Breaking Bad, que apresentou vários episódios muito bem dirigidos e fotografados, com câmeras POV e ótimas decupagens, o principal em The Wire é o roteiro, e tudo acaba ficando em segundo plano, desde a edição e a fotografia, até o som e a direção. A direção, inclusive, é padronizada, com planos médios, americanos e closes comuns, que não acrescentam muito na dramaticidade da série. O enquadramento pode causar estranheza nas televisões de tela plana de hoje em dia, já que a série usou o tempo todo o 4 x 3 padrão das TVs de tubo da época. Entretanto, o roteiro não é igual a The Sopranos, que inovou ao criar situações cotidianas das mais variadas possíveis para os mafiosos, ou Deadwood que permitiu a reconstrução de personagens históricos no velho oeste, o diferencial em The Wire é primar pelo realismo. E o realismo na série é tanto que algumas vezes chega a quebrar o clímax construído nos episódios anteriores, se distanciando assim de uma dramaturgia tradicional como Breaking Bad ou Dexter. David Simon, inclusive, era conhecido como “non-fiction man” na HBO por reclamar que algumas situações se distanciavam da realidade por causa da dramaturgia.

    enhanced-buzz-8121-1358540522-11

    Outra marca da série são as epígrafes no início de cada episódio

    O que também ajuda a manter o realismo na série é a falta de música. Só a abertura e os créditos finais são musicados. Outro momento em que aparece música são nos clipes no final dos episódios que fecham cada temporada, dando um resumo visual do que aconteceu. Sobre a falta de música na série tem uma discussão interessante aqui.

    Todas as entradas da série, que mudavam a cada temporada

    A atuação em The Wire é outro ponto forte da série. Como não é dramaturgia tradicional, os atores estão mais soltos com pouca ou nenhuma marcação de cena, e já que a ideia de David Simon é primar pelo realismo, o improviso se torna praticamente uma regra para criar a mise-en-scene nas locações. Michael K. Williams cria o melhor personagem da série, Omar Little; Idris Elba encarna de forma fantástica o estrategista Stringer Bell; Dominic West é o detetive caótico descendente de irlandeses Jimmy McNulty; Wendell Pierce atua magistralmente como o detetive ‘Bunk‘ Moreland, seu melhor amigo; Clarke Peters interpreta a mente por trás da Major Crimes Unit Lester Freamon; Wood Harris personifica o traficante Avon Barksdale; Sonja Sohn se torna a detetive ‘Kima’ Greggs; Andre Royo é o viciado Bubbles, outro ótimo personagem; Lance Reddick vive o tenente Cedric Daniels; Deirdre Lovejoy é a assistente da promotoria Rhonda Pearlman; Jim True-Frost interpreta o detetive e professor maluco Roland ‘Prez’ Pryzbylewski; Hassan Johnson se torna um dos tenentes de Avon, Wee-Bee; Lawrence Gilliard Jr é o sobrinho maluco D’Angelo Barksdale; J.D. Williams como Bodie, um dos seus soldados; Chris Bauer dá vida ao líder sindical Frank Sobotka; James Ransone é Chester ‘Ziggy’ Sobotka, seu filho porra-louca; Pablo Schreiber vive Nick Sobotka, seu sobrinho e também um dos estivadores; o limitado Jamie Hector é o traficante sedento por poder Marlo Stanfield; Gbenga Akinnagbe vira Chris Partlow, seu braço direito; Felicia Person é Snoop, o outro braço direito de Marlo; Robert Chew interpretou o traficante Proposition ‘Prop’ Joe; Anwan Glover como o tenente do tráfico ‘Slim’ Charles; Glynn Turman é o prefeito Clarence Royce; Aiden Gillen, o mindinho de Game of Thrones, magistralmente interpreta o vereador Thomas Cercetti; Frankie Faison dá show quando encarna o comissário Ervin Burell; John Doman vive o chefe de polícia Bill Rawls; Al Brown é o Major Valchek; Tristan Wilds é Michael Lee, a criança que mais se destaca da quarta temporada; Jarmaine Crawford se torna Duquan, um dos seus melhores amigos; Maestro Harell vive Randy Wagstaff; Julito McCullum é Namond Brice, filho de Wee-Bee e outra criança que também se destaca; Robert Wisdom dá vida ao controverso Major ‘Bunny’ Colvin; Domenick Lombardozzi encarna Herc; Seth Gilliam é o detetive Carver, seu parceiro na polícia; Reg Cathey como Norman, o assistente de Cercetti; Clark Johnson, que dirigiu alguns episódios da série, é o editor do Baltimore Sun, Gus Haynes; Thomas McCarthy encarna o repórter ambicioso e atrapalhado Scott Templeton; David Costabile, o Gale Boetticher de Breaking Bad, é Thomas Blebanow, editor chefe do Baltimore Sun. Ainda vale uma menção a Isiah Whitlock, que compôs o Senador Clay ‘Sheeeet’ Davis; o rapper Method Man que deu vida ao traficante Cheese, sobrinho de Proposition Joe; além de Michael Kostroff, que se tornou Maurice Levy, o advogado preferido dos traficantes.

    The Wire Alignment Chart

    Uma das melhores definições para os personagens da série

    The Wire merece ser vista, não só porque se encontra no distinto grupo das séries que revolucionaram a televisão americana moderna, mas também para quem quiser ver uma boa história contada de forma magistral. Para aqueles consumidores que sempre criticam clichês e a estrutura narrativa, o realismo da série é outro incentivo. Quem quiser também pode se aventurar pela wiki da série.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

  • O Último Respiro de Breaking Bad

    O Último Respiro de Breaking Bad

    breaking-badTentei deixar um texto final com o mínimo de spoilers possível, para ser uma leitura tanto para quem já viu, como quem não viu a série.

    Então, todas as coisas ruins chegam ao fim, certo? As boas também, e chegou a hora de Breaking Bad. Pretendo aqui analisar a série como um todo, e não apenas a última temporada, ou a impressão final, apesar de como algo termina sempre ter um peso maior do que o resto.

    Se você já conhece a série pode pular para o próximo parágrafo, pois não me pergunte porque, eu colocarei uma breve sinopse aqui: BB trata de Walter White, um professor de química da High School, frustrado por várias razões, é um gênio da química, mas que pulou fora de uma empresa bilionária, quando ela não valia nada. Frustrado porque está com câncer, não tem grana pra pagar o seu tratamento, e o seu ego não permite que ninguém à sua volta o ajude. Ele então resolve que sua única saída para poder pagar o tratamento do câncer e ainda deixar uma grana pra família, quando ele morrer, é começar a cozinhar meta-anfetamina.

    Ok, mas porque uma série com um plot tão absurdo, e num primeiro olhar, inverossímil, afinal de contas, um professor frustrado? De onde ele vai tirar coragem pra fazer tudo que é necessário para se tornar um traficante? Como ele vai conseguir se desvencilhar de todas essas amarras que uma pessoa de classe média padrão tem para se tornar o temido Heisenberg. E acredito que o grande trunfo e acerto de Breaking Bad, está justamente nisso: usar essa capa de violência, tráfico, mortes e tudo de ruim em que Walt vai se transformando, para nos mostrar que na verdade, aquilo tudo sempre esteve com ele, de uma forma inerente, ele sempre foi capaz de fazer tudo que o fez, só precisava de uma centelha, precisou se encontrar em uma situação fatal, uma situação em que tudo, a não ser um pouco que restava da sua dignidade já estava perdido, portanto, se já não resta mais nada, porque não arriscar? Isso toma ainda mais corpo, quando no episódio final, em seu último encontro com Skyler, ele finalmente admite, que ele não fez tudo aquilo pela família, ele fez por ele mesmo, para se sentir vivo, para poder fazer algo que ele realmente era bom. Afinal, se fosse pela família, ele teria aceitado a grana do pessoal da Grey Matter pra fazer o tratamento, e a série não existiria. hehehe

    Breaking Bad tem vários pontos altos, sua fotografia, trabalho de edição e colorização, montagem, escolha de trilha sonora, a maioria das atuações durante toda a série também são magníficas, mas pra mim o grande estouro da série, maior do que todo o resto, é o roteiro. Principalmente por um motivo recorrente da série em que ao mesmo tempo que estamos vendo cenas de violência brutal, tráfico, assassinatos a sangue frio, enfim, todo tipo de situação ruim, que sabemos que existe, mas que não faz parte do nosso dia-a-dia. Toda essa brutalidade era vivida por Walt, que apesar de alguns deslizes e desvios de percurso, na maior parte do tempo vivia uma vida dupla, sendo o criminoso Heisenberg, e também Walter White, um cara meio esquisito, mas gente boa, que trata bem os filhos, faz um churrasquinho no fim de semana com os amigos, enfim, um cara normal. Com essa dualidade, é muito fácil você se colocar no lugar de Walter White, e muitas vezes se perguntar, o que seria necessário para mim, para que eu fizesse o meu próprio “Breaking Bad” (usado aqui como a expressão linguística que da nome à serie), o que pra mim seria o meu limite pra finalmente chutar o balde? Largar minha vida mediana, e partir pra uma jornada de loucura como Walt fez? Visto que, loucura aqui não precisa ser necessariamente traficar drogas e matar meio mundo. Digo isso num sentido mais amplo, como quebrar de uma vez a rotina, pra fazer algo que queremos e gostamos, mas que num primeiro momento nos parece impossível, ou fora de qualquer padrão?

    Para mim, o grande tema de Breaking Bad, é justamente esse, qual é o limite que cada um chegaria pra alcançar algo que quer. Ou ainda mais, esse limite seria diretamente proporcional a situação ruim que você se encontrava para mandar tudo pro alto de uma vez? Ou é algo inerente a cada pessoa, seja por qualquer motivo, e o limite de cada um já seria “pré-estabelecido”?

    Tentando fazer um recap mental da série, dos temas que ela pretende abordar, e os assuntos que estão colocados por ali, principalmente puxando a última temporada. Você facilmente percebe, que dentre os personagens apenas um importa, Walt/Heisenberg, todo o resto gira apenas em torno dele, têm o destino selado e definido por ele, seja a paz, o esquecimento, ou o caixão. O que não faz com que os secundários sejam menos interessantes, como o meu favorito, Hank, por justamente ser o completo oposto do Mr. White. Ele é um oficial do DEA, que funciona quase como um paladino da justiça, mas em nenhum momento deixando de ser humano, com falhas. É como se o fazer justiça, e caçar traficantes, resolver casos complexos, tudo isso que o Hank faz, sempre me passou a impressão de ser quase que pelos mesmos motivos do Walter. Hank não é um agente por que ficar do lado da lei é “a coisa certa a se fazer”, mas sim porque ele sabe que é bom nisso, e de certa forma aquilo o mantém vivo, aquilo preenche e massageia o ego dele.

    Tudo isso fica claro, quando acidentado ele começa a colecionar minerais, deitado na cama, como se esperando pela morte, numa vida que não mais valia a pena. E apenas quando seus amigos do DEA trazem trabalho para ele, é que ele volta a se sentir com força e vontade de sair da situação que se encontra. Ou até mesmo para o final em que sua mulher, Marie, tenta convencê-lo a contar ao DEA o que ele descobriu sobre o Walt, para pelo menos salvar a carreira dele que estava a perigo caso tudo viesse à tona. E ele simplesmente não o faz, preferindo correr o risco de ficar sem nada seguindo em sua caçada “low profile”, do que simplesmente dar tudo como perdido, ou deixar aquilo correr como se deve, já que ele não mais era um agente de campo, e sim coordenador do DEA. E esse espelho entre os cunhados, sempre foi meu ponto favorito da série.

    Não sou adepto dos exageros, não gosto dos rótulos mesmo antes de terminar, como a de melhor série já feita, ou que nunca mais veremos algo tão bom, etc, etc. Até porque a série, a meu ver, tem seus pontos negativos, como o arco dramático sempre seguindo uma estrutura muito parecida entre as temporadas, em algo como: cozinhar, dar uma merda violenta pra conseguir vender e se safar, ganhar a grana, perder tudo. Sempre escalando no nível de violência, volume e profissionalismo do tráfico conforme a série avança. Outro ponto bastante negativo para mim foi o foco total no Walter ao fim da série, mesmo sabendo que era ele que importava, ele era a “estrela principal do show”, muitos personagens foram subaproveitados ao fim da trama, principalmente Jesse Pinkman, que ao final da história me deixou com a impressão de um ratinho acoado, que estando ali, ou não, não faria grande diferença para a história, virando uma peça para girar o roteiro e não mais ser explorado pela história. Principalmente porque até a quarta temporada, ele sempre foi peça chave, e junto com o Hank formavam meus personagens preferidos. Gostaria de um final mais digno para ele.

    Apesar dessas falhas, o resultado final é muito positivo, tanto por toda a sua qualidade técnica, as grandes atuações, e novamente pelo seu roteiro, tratando de personagens humanos, multifacetados, que abordam temas complexos e aplicáveis a nós mesmos, apenas sem o seu invólucro de sangue, e drogas. Trazendo também vários temas e questionamentos ao espectador, às vezes mais implícitos, outros claramente abertos, para nos colocarmos na situação dos personagens e talvez se perguntar, eu faria tal coisa nessa condição, ou meu limite já teria sido ultrapassado? Muitas vezes esse tipo de pergunta, com sinceridade, nos surpreende, assim como Walter White, professor de química do High School, inofensivo, com câncer inoperável, surpreendeu a todos ao se tornar Heisenberg.

    breaking bad

  • Os Maiores Golpes de Roteiro de Breaking Bad

    Os Maiores Golpes de Roteiro de Breaking Bad

    breaking bad

    Atenção: contém spoilers de toda a série. Siga por sua conta e risco.

    De forma merecida, Breaking Bad entrou para o seleto grupo de séries da considerada atual era de ouro da televisão americana. A esta lista, em que também figuram SopranosMad Men, The Wire e A Sete Palmos, eu acrescentaria ainda a pouco comentada Deadwood da HBO, que, apesar de ter sido cancelada após a terceira temporada, em 2006, continua sendo uma das séries mais bem escritas até hoje.

    No entanto, algumas pessoas creditam a ótima série criada por Vince Gilligan para o canal pago AMC como a melhor série de todos os tempos, que dividiu a televisão entre antes e depois, e que Breaking Bad é um exemplo Impecável da televisão como forma de arte. Não sei se chega a tanto, já que ela tem problemas narrativos perceptíveis, entre eles muitos “golpe de roteiro”. Golpe de roteiro é quando o roteirista e/ou diretor resolvem forçar uma situação não natural entre os personagens para que se crie uma tensão entre eles. Quando bem feita, tudo passa desapercebido e o roteiro chega ao nível de excelência de Sopranos e Deadwood; agora, quando não é, quebra a quarta parede e tira o espectador da história.

    Como desconstruir é muito mais interessante do que construir, sem mais delongas, vamos a elas:

    01 – Episódio “Sunset” (6º epi/3a temp): Hank deixa o ferro-velho onde está encurralando Jesse e Walt no trailer e segue correndo para o hospital depois de receber uma ligação informando que Marie está internada.

    Golpe de roteiro: encontrar uma solução para livrar Hank de quase prender Walt e Jesse.

    Forçada de barra: entende-se que o personagem pode entrar em choque ao receber uma notícia do tipo, mas não é do feitio do melhor agente investigativo do DEA não checar e confirmar a veracidade de qualquer informação que receba, ainda mais um que lide com chefões do crime organizado.

    02 – Episódio “Sunset” (6º epi/3a temp): Walt ignora o aviso de Badger sobre avisar Jesse de que mudariam o trailer de lugar, mesmo sabendo que Hank o estava seguindo.

    Golpe de roteiro: fazer com que Hank quase prenda Jesse e Walt por causa do trailer.

    Forçada de barra: o sempre cuidadoso Walter White não o foi dessa vez por conveniência do roteiro.

     03 – Episódio “4 Days Out” (9º epi/2ª temp): Jesse “esquece” a chave do trailer ligado durante todo o final de semana, arriando a bateria.

    Golpe de roteiro: deixar os dois protagonistas à revelia no meio do deserto.

    Forçada de barra: eles sempre passaram dias cozinhando no meio do deserto e nada nunca aconteceu, somente quando os roteiristas quiseram.

    04 – Episódio “ABQ” (13º epi/2ª temp): Sob o efeito da anestesia, Walter revela o segundo celular para Skyler.

    Golpe de roteiro: além da grande revelação bombástica, iniciar o arco de decaída do protagonista ao mostrar o começo da ruptura familiar, a falta de apoio de Skyler e Jr.

    Forçada de barra: mesmo tendo falado “sem querer” e sob o efeito do anestésico, nada justifica o descaso do roteiro, jogando a informação sem mais nem menos, com o único propósito já dito acima.

    05 – Episódio “Half Measure” (12º epi/3ª temp): Tomás, o irmão da namorada de Jesse, aparece morto mesmo depois de Gus Fring fazer os traficantes prometerem não usar mais meninos.

    Golpe de roteiro: fazer com que Jesse busque vingança do modo mais desesperado possível, a ponto de uma catástrofe em potencial surgir.

    Forçada de barra: mesmo sendo inconsequente durante boa parte da série, Jesse já havia tido o seu momento estúpido minutos antes do encontro com Fring, ao tentar envenenar os traficantes ao lado da prostituta. Fring sempre foi conhecido como um homem de negócios razoável e que sempre cumpriu a sua palavra, portanto, não é justificável o acontecido com o menino.

    06 – Episódio “Say My Name” (07º epi/5ª temp): Walter mata Mike para pegar os nomes dos comparsas de Mike que estavam na prisão.

    Golpe de roteiro: matar um dos personagens mais carismáticos da série.

    Forçada de barra: para evitar que o roteiro fosse criticado como um grande furo, o roteirista tratou de colocar que o próprio Walter “se lembrou” de que Lydia tinha a lista.

     07 – Episódio “Gliding Over All” (08º epi/5ª temp): Hank finalmente descobre que Walter é Heisenberg.

    Golpe de roteiro: promover uma das maiores revelações da série e iniciar o último arco da história.

    Forçada de barra: assim, do nada, enquanto está cagando, Hank percebe que Walter é Heisenberg por causa da dedicatória WW, sendo que é algo que “o maior investigador da DEA” poderia ter deduzido uma temporada e meia atrás. Então tá, né.

    Antes que algum leitor apele para a “humanidade” dos personagens como justificativa para seus atos falhos nestes exemplos citados aqui, lembro que a humanidade emBreaking Bad é mostrada de forma exemplar quando Walter aos poucos vai se transformando no Heisenberg durante toda a história, Skyler traindo o Walt com o Ted Beneke, Jesse tendo suas recaídas de drogas e se sentindo deprimido de vez em quando, Hank tendo sua crise de pânico e a difícil recuperação do hospital, além de Marie tendo o seu dia de cleptomaníaca.

    Texto de autoria de Pablo Grilo.

    breaking-bad