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  • Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Crítica | Trumbo: A Lista Negra

    Trumbo 1

    Em meio a tantas cinebiografias chapa-branca, normalmente premiáveis pela Academia em especial nesta época do ano próximo às festividades do Oscar, uma se destaca pela discussão de um período turbulento e paranoico da história americana. Trumbo: Lista Negra começa mostrando a ação de seu personagem-título, o roteirista Dalton Trumbo, encarnado pelo ator recentemente alçado ao patamar de estrela Bryan Cranston, em uma performance que beira a perfeição, graças aos trejeitos resgatados do operário do cinema.

    A persona de Trumbo varia entre o homem preocupado com as condições de trabalho do proletariado, ligado a sindicatos dos trabalhadores, e claro um astro dentro do papel de argumentista de filmes. Jay Roach utiliza sua experiência com comédias variadas entre o tom escrachado de Os Candidatos e o humor ácido de Virada no Jogo para estabelecer um cenário cínico e paranoico, resumido já nos primeiros sete minutos de filme, ao exibir uma cena em que o espectador comum revida o estereótipo que lhe é atribuído, como comunista e inimigo do estilo de vida americano. O repúdio, que começa a partir do receptor furioso, aos poucos se alastra por praticamente todos os membros da indústria, incluindo aí intérpretes de atores famosos como John Wayne.

    O roteiro de John McManara compreende momentos encenados e de gravações de depoimentos da época, que ajudam a assinalar o mesmo clima de perseguição injusta ocorrido na época do macarthismo. Nos depoimentos de Trumbo, há o cuidado de registrar as cenas metade em partes coloridas, metade em preto e branco.

    Trumbo 3

    A evolução do quadro se dá na primeira metade com uma introdução à situação de encarceramento de Trumbo ainda há um modo cínico, com o personagem observando a exibição do filme-propaganda Os Boinas Verdes, distante demais da realidade daquela época. Ligado a este momento há demonstrações emocionais do quão cruel era a época, com a delação entre amigos, o que faz o elenco de apoio sobressair-se, especialmente Michael Stuhlbarg, que faz o ator Edward G. Robinson; Diane Lane que interpreta a esposa do protagonista Cleo; Louis C.K. (cada vez melhor em papéis não cômicos) como Arlen Hird e Ellen Fanning, que executa Nikola, a filha mais velha do casal.

    O didatismo do texto permite demonstrar o infortúnio do escritor mesmo após sua libertação do cárcere, sem perspectivas de trabalho, tendo que se submeter a trabalhos hercúleos sem o crédito e merecimento que lhes eram devidos, como no Oscar que Ian Mclellan Hunter (Alan Tudyk) recebeu por A Princesa e o Plebeu, cujas linhas foram escritas pelo roteirista perseguido.

    Os bastidores da relação de Trumbo com pessoas ilustres do cinema são mostrados em detalhes interessantes, desde Otto Preminger a Kirk Douglas. Talvez o maior pecado de Trumbo: A Lista Negra seja não conseguir expressar todas as polêmicas e dificuldades de carreira que o biografado sofreu, passando rapidamente por grande parte delas, além de aludir a questões cotidianas desimportantes que visavam obviamente humanizar o personagem-título e agradar aos ditames de Hollywood, curiosamente tentando alcançar a simpatia dos mesmos olhos e corações raivosos que destilavam sobre Dalton um desprezo imenso.

  • Crítica | Brüno

    Crítica | Brüno

    Bruno - poster

    A potência do humor depende da surpresa. De uma quebra de expectativa que conduz o público ao riso após conduzi-lo a um caminho não previsto. Contar uma piada pela segunda vez para um mesmo grupo requer habilidade de seu narrador. Sem um elemento surpresa, parte do impacto é absorvido e os risos não são tão efusivos como na primeira vez.

    Brüno é a piada contada pela segunda vez por Sacha Baron Cohen. Tentando evocar o mesmo humor do excelente Borat: O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América, o comediante apresenta outro personagem excêntrico em um humor limítrofe entre o absurdo e o exagero, utilizando situações aparentemente reais como constrangimento para fazer rir.

    A produção segue o mesmo estilo da história anterior, uma espécie de documentário sobre um personagem exagerado que busca ascensão na vida. Bruno, um repórter de moda, reconhecido em seu país natal, a Áustria, inicia uma jornada rumo ao estrelado nos Estados Unidos. Conforme fracassa em sua intenção, o jornalista procura alguma maneira de alcançar a fama. Espaço em que se desenvolvem as esquetes encenadas – ou não –, que funcionam como uma fraca linha narrativa.

    Reconhecido por seu papel em Borat, Cohen teve dificuldades em gravar cenas dessa produção devido à falta de anonimato, sendo obrigado a se equilibrar entre o material que colocava o personagem fictício em situações reais e em outras encenações com atores (Borat teve somente um ato articulado e previamente combinado). Mais episódica do que a história do repórter do Cazaquistão, a trama carece de uma linha narrativa mínima e, por consequência, parece ainda mais superficial.

    Impossível negar que Cohen se dedica aos papéis que cria. Entrega-se de corpo e espírito, e em entrevistas afirmou sobre o desgaste em interpretar uma outra pessoa diariamente. Isso sem contar o fato de que, como comediante, é sempre necessário superar-se devido à expectativa do público. Como personagem, o repórter gay representa a tradicional tipificação dada aos homossexuais na ficção. Um estereótipo afetado entre frases e roupas chamativas, como se esses elementos fossem taxativos. Por outro lado, o mesmo exagero poderia ser uma representação do quanto tudo que é diferente é visto com maus olhos pela sociedade. Uma reflexão que pode surgir no debate desta obra, desde que se saiba que a intenção primordial é o humor agressivo.

    A sátira do comediante não é velada nem sutil, mas aguda e agressiva. Escancarando os preconceitos enraizados nos Estados Unidos como também ridicularizando aqueles que, a todo custo, buscam a fama sem nenhum talento de fato. Sua maneira cáustica de mostrar tais problemas é através do riso, do absurdo que deve ser alvo do riso. Mas o humor peculiar doura tanto a pílula do disparate que mais constrange do que faz rir.

    A repetição de um mesmo estilo cômico provou falta de eficiência como material de riso. Tanto que, três anos depois, Cohen desenvolveu O Ditador como uma obra de ficção, tentando focar em uma história além da excentricidade e qualidade de suas interpretações. Com distanciamento, é perceptível que Borat foi uma espécie de experimento funcional que não pôde ser repetido pela falta de ineditismo, nem mesmo duplicado por conta de sua qualidade como mockumentary/comédia. Infelizmente, o comediante precisou reforçar a dose pela segunda vez nesta produção para compreender que a reiteração de uma piada é quase fatal para o humor.

  • Crítica | Virada no Jogo

    Crítica | Virada no Jogo

    Após dois mandatos consecutivos, o presidente americano George W. Bush deixava a Casa Branca com um espantoso nível de rejeição. Uma porcentagem, divulgada em uma pesquisa da CNN, suficientemente alta para torná-lo o presidente mais impopular desde Nixon no caso Watergate. Na eleição presidencial de 2008, o Partido Republicano tinha dois objetivos na composição de sua campanha: a primeira era vencer o democrata Barack Obama, o senador americano considerado ponto de mudança na política mundial. Para isso, o candidato John McCain precisava demonstrar ao seu eleitor que, apesar de oito anos de governo Bush, o partido ainda era forte o suficiente para continuar na presidência do país e conduzir os Estados Unidos da América de maneira diferente daquela realizada pelo antecessor.

    Baseado no livro de John Heilemann e Mark Halperin, com roteiro de Danny Strong (O Mordomo da Casa Branca) e dirigido por Jay Roach (Os Candidatos), Virada no Jogo, lançado pela HBO, apresenta a versão republicana das eleições e a composição da chapa de McCain. (Considerando que toda história baseia-se em uma verdade parcial, além do universo político ser carregado de interpretações variadas, a análise seguinte enfocará o conteúdo apresentado por esta produção, sem um amparo maior no contexto americano e em especialistas políticos).

    Roach já realizou outra produção política para o canal: Recontagem, que analisa a eleição de 2000, em cuja contagem de votos elegia Al Gore mas fez George Bush o 43º presidente do país. Virada no Jogo é mais uma narrativa centrada em acontecimentos contemporâneos da política americana. Ed Harris personaliza o candidato republicado à procura de uma chapa forte o suficiente para derrotar Obama. Diante das poucas opções para vice-presidente, a equipe escolhe um caminho inédito e incômodo para a ala mais conservadora ao colocar Sarah Palin (Julliane Moore), governadora do Alaska, como representante.

    Entre partidos, havia um jogo silencioso de intenções. Se os Republicanos confiavam em um presidente que ganhava status de celebridade e promovia um novo contato com o público jovem, o partido opositor escolheu um representante que também apresentava novidade ao eleitorado e, neste caso, a escolha de Palin demonstrava a importância de um estado normalmente diminuto ou ignorado e evidenciava uma disposição partidária nova, a de escolher uma mulher como vice-presidente. Um embate oculto e absurdo que, silenciosamente, fazia da raça e do gênero, aliados.

    A princípio Palin demonstra coerência com os objetivos de McCain, porém, aos poucos, demonstra uma alienação disfuncional para um candidato desse porte, destacando-se na mídia não como ponto de mudança, mas sim por entrevistas e depoimentos inusitados, tornando-se constantemente alvo de deboche. A atriz Tina Fey, no programa Saturday Night Live, compôs uma das paródia mais elogiadas, em parte pela semelhança física de ambas. Uma representação que resumia de maneira exagerada um pensamento interno do partido: Palin poderia ser suficientemente boa para o Alaska, mas não possuía apelo nacional. Incapazes de retroceder e nomear outro líder, a governadora é dominada como pode, sendo vista com respostas decoradas e um discurso preestabelecido.

    A produção analisa a incoerência dentro do sistema político e o quanto é difícil unir políticos com visões díspares para representar os mesmo interesses. Palin reconhece os conflitos que surgiam, mas parece negar sua incapacidade. Impõe seu estilo em diversos momentos, causando desconforto no partido. Como mérito de uma história biografada, a composição física das personagens estabelece a credibilidade das cenas. Harris e a sempre talentosa Julianne Moore estão caracterizados com esmero. Além da maquiagem e figurino que os deixaram idênticos aos candidatos, a atriz compõe uma governadora que demonstra uma força interior destruída aos poucos, questionando a própria credibilidade como representante político.

    A obra é considerada fiel aos acontecimentos factuais. Porém, gerou discussão quanto à veracidade dos fatos, tanto da própria Palin quanto de militantes que apontam incongruências e mentiras nesta produção. Mesmo considerando uma possível parcialidade dos fatos, a trama demonstra a delicadeza do agressivo jogo político e do necessário alinhamento interno de um partido para selecionar seus representantes.

  • Crítica | Os Candidatos

    Crítica | Os Candidatos

    OsCandidatos

    Não é de hoje que a política do planeta, em particular a das grandes democracias, precisa de críticas de humor afiadas e precisas para demonstrar seus vícios, fraturas e incongruências. Aí que está o erro de Os Candidatos, pois não é um filme de humor, não é afiado (às vezes beira a grosseria) e passa longe de qualquer tipo de conscientização. Fui ver esse filme já sabendo mais ou menos o que esperar, e infelizmente minhas expectativas foram atendidas.

    Will Ferrell interpreta o congressista Cam Brady, que está concorrendo sozinho a mais uma reeleição em seu condado e é apoiado e financiado por lobistas inescrupulosos com planos cada vez mais ardilosos para aumentarem seus lucros às custas da democracia. Zach Galifianakis interpreta Marty Huggins, o filho gordinho, desajeitado, com trejeitos femininos e que usa roupas justas (lembram-se de Se Beber não Case 1 e 2 e Um Parto de Viagem? Então…) de um milionário local que decide bancar sua campanha contra Brady, já que Marty é de fácil manipulação.

    O filme ainda tenta dar um ar de seriedade, colocando como trama a influência de lobistas em cima do processo eleitoral e como eles escolhem os políticos para depois terem projetos que os beneficiem aprovados, coisa que acontece no mundo todo e que, nos EUA, é algo regulamentado. O plot exagerado (os lobistas querem trazer o regime de trabalho desregulamentado da China para o condado, que seria independente das leis americanas) não ajuda, transformando os vilões em algo cartunesco, sem profundidade, que lembra mais Pica-Pau do que uma crítica mais séria. Dá muito bem para se fazer comédia com profundidade e crítica política. Qualquer pessoa que já tenha visto os dois filmes da excelente dupla The Yes Men sabe disso.

    A partir de estabelecidas as personagens e suas motivações, o filme se repete em um tipo de humor muito comum nos EUA atualmente: o de situações que causam riso no espectador pela vergonha experimentada pelo personagem. Não há absolutamente nada de novo na proposta de humor do filme, que repete o formato das piadas durante todo o longa, em que apenas algumas cenas (e boa parte delas estão no trailer, como a cena em que Brady, bêbado, tenta escapar de um policial durante uma abordagem) conseguem tirar mais do que um sorriso envergonhado do espectador. A escalada da violência física, a perda da ingenuidade de Marty, as constantes mudanças de pensamento e comportamento dos personagens no final, tudo funciona para tornar a narrativa bastante confusa. Apesar de o ritmo se manter constante, a atenção do espectador a cada ato é sacrificada.

    Não sei o que se passa com Ferrell, mas tem escolhido produções cada vez piores para fazer e daqui a pouco estará perto de Nick Cage e Liam Neeson no quesito “perda de credibilidade”.

    Resumindo: Os Candidatos é uma tentativa fracassada de dar conteúdo a um filme de comédia, mas esqueceram de que um filme de comédia, em primeiro lugar, precisa ter graça, e falha miseravelmente nisso.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.