Tag: jornalismo

  • Dica Cultural | Podcast Memórias

    Dica Cultural | Podcast Memórias

    Dica Cultural será uma coluna, ainda sem periodicidade definida (tenham paciência), onde poderemos conversar mais franca e diretamente com o leitor e espectador, sem rodeios, sendo esse um espaço para dar dicas sobre coisas legais a serem consumidas e apreciadas por vocês.

    Para um primeiro episódio, decidi indicar um podcast, na verdade, uma série específica em um podcast: Memórias, um segmento que resgata histórias clássicas, narrada e produzida pelo jornalista e grande influenciador Rodrigo Alves, no seu não menos brilhante podcast Vida de Jornalista, veiculado na Rádio Guarda-Chuva.

    Esse é um podcast independente que trata de bastidores do jornalismo. O clima é informal, normalmente cobrindo algum grande evento ou acontecimento curioso. O diferencial é a maneira prosaica e íntima com que Rodrigo leva a conversa. Não é raro que o ouvinte se sinta parte da ação ou da conversa ao dar play em algum dos episódios.

    Na parte final de 2021, Alves reeditou os episódios antigos, melhorando a qualidade do som. No entanto, não é a forma que mais chama a atenção em Memórias, e sim o conteúdo, já que são historias absolutamente deliciosas ou angustiantes, a depender do que a pauta exige. A primeira temporada foi lançada em 2019, e tem oito episódios, com assuntos como o Césio 137 em Goiás, o caso do Ônibus 174 no Rio de Janeiro, a cobertura do Tricampeonato Mundial do Brasil, crimes “como o Caso Eloá e da Irmã Dorothy, a Epidemia de Ebola, o caso do acidente de avião da Chapecoense, e claro, o season finale sobre a Guerra do Vietnã, com José Hamilton Ribeiro.

    Conheci Rodrigo Alves como comentarista de jogos de basquete, da NBA nos canais Globo. Depois da temporada da Bolha em Orlando (2019-20), ele resolveu sair dos canais para se dedicar com exclusividade ao seu podcast solo — na época ele fazia ainda o igualmente brilhante podcast de basquete Dois Pontos, com Rafael Roque.

    Falando assim parece que Rodrigo é “apenas” um mero jornalista esportivo, dado que a classe é conhecida por ser alienada em relação ao que não envolve o campo (ou quadra, no caso do basquete) e bola. Alves foge dessa regra, se junta ao saudoso João Saldanha, aos veteranos ainda na ativa José Trajano e Juca Kfouri, e os contemporâneos de Alves, Mauro Cezar Pereira e Paulo Vinícius Coelho, o PVC. Apesar da predileção em falar sobre  esporte, é em Memórias que mora seu maior mérito.

    Dos episódios, os que mais me marcaram foram o da tragédia da Chapecoense, até por conta do lado pessoal, já que amigos jornalistas morreram na queda do avião. Outro marcante foi o Caso Eloá, que denuncia a espetacularização da violência, que resultou na morte da vítima, mas é o relato de Hamilton Ribeiro sobre a cobertura da Revista Realidade a respeito do conflito no Vietnã que chama a atenção pelos detalhes relatados.

    Capa da Realidade, com o repórter José Hamilton Ribeiro ferido

    Tudo é muito detalhado e se destaca as dificuldades mundanas das pessoas, em especial dos jornalistas. Apurar, correr atrás, conversar com fonte, investigar, tudo isso é feito por gente de carne e osso, e todos os relatos, até nos assuntos de maior frieza, se preza demais pelo relato humano.

    O podcast Vida de Jornalista está em diversas plataformas de áudio, e a série Memórias também está correndo, com uma nova temporada, que já iniciou ótima, com um episódio sobre a Chegada do Homem a Lua, Os meninos da Caverna e Casimiro e o Disco Voador, e seguirá assim, para uma nova leva de capítulos.

  • Crítica | Boa Noite

    Crítica | Boa Noite

    Clarice Saliby começa seu longa, Boa Noite, colocando Cid Moreira, seu objeto de analise, diante de um desafio que se mostra complexo: configurar a inteligência artificial de um celular para compreendê-lo. Cid tenta conversar com a Siri, a assistente inteligente da Apple. Sem sucesso, o jornalista e principal voz do Jornal Nacional tenta abrir sua vida e intimidade para a câmera, finalmente deixando de noticiar ou narrar os acontecimentos para  se tornar o alvo, tornar-se a própria notícia.

    O biografado é lúcido. Entre os VTs de seus trabalhos de narrador e âncora, mostra as agendas que guardou consigo. Cadernos antigos que davam conta de sua rotina, desde o simples dia a dia com a dieta que pratica, até detalhes diferentes como a frequência de idas ao banheiro. Além do básico, destacando os trabalhos que fez e que ainda faz. Ele narra bem seus dias, desde quando veio do interior paulista de Taubaté até os dias atuais, mais aposentado do que ativo.

    O filme é simples e se vale da boa participação de seu personagem central com a narrativa de sua trajetória, desde os jornais cinematográficos, no especial de esportes que passava na grande tela (o Canal 100  que reunia o tape de esportes populares), até a chegada da televisão com o trabalho na Tv Excelsior e, finalmente,  no Jornal Nacional da Tv Globo em que esteve por  27 anos, entrando para o livro dos Recordes como o mais longevo apresentador de um mesmo jornal diário.

    Boa Noite é emocional, se aventura a falar de questões mais polêmicas, como quando Cid se declara sem lado político, mas não se aprofunda. Como ele próprio, que se diz um mero propagador de palavras escritas por terceiros, o documentário parece apenas apresentar sua trajetória. A obra se torna um louvor a vida, a carreira e a rotina atual de um sujeito midiático que fez parte da maneira como a notícia chegava a casa das pessoas, sobretudo as mais populares do Brasil. Mesmo sem maiores aprofundamentos consegue trazer uma aura simpática ao comunicador veterano, dando lastro até para um possível novo documentário sobre o príncipe dos mistérios, o Mister M, mágico famoso no Brasil pela narração de Cid no Fantástico.

  • Resenha | Brasil: Nunca Mais – Paulo Evaristo Arns e Projeto Brasil

    Resenha | Brasil: Nunca Mais – Paulo Evaristo Arns e Projeto Brasil

    Dom Frei Paulo Evaristo Arns, falecido em 2016 aos 95 anos, organizou essa obra de pesquisa extremamente elucidativa sobre a tortura na ditadura militar brasileira (1964-1985) e sua função corroborativa na manutenção do regime instaurado nesse período.

    O Regime Militar Brasileiro, de acordo com a obra, iniciou sua caminhada ainda ao final da segunda guerra mundial, com a recente aproximação dos exércitos brasileiro e estadunidense. Essa aproximação rendeu além da mudança de estrutura galesa para a ianque no centro militar tupiniquim, uma mudança no pensamento de ordem e visão do inimigo externo, base do mundo bipolar que se instaurava, despontado mais intensamente durante a guerra da Coréia.

    Essa estrutura militar foi entre outros fatores, politico e econômicos, a ponta de lança da situação que viria a se tornar os anos de chumbo. Somando esse fator à entrada de divisas e armas diretamente nas unidades federativas brasileiras, principalmente nos governos alinhados e vendo com bons olhos os amigos americanos do norte, bem como o inicio da propaganda comunista prepararam o canteiro para que dali 15 anos toda a democracia e liberdade fosse suprimida.

    De acordo com os escritos essa parceria resultou na vinda de Daniel Mitrione, agente da CIA especializado em tortura. Esse especialista ensinou, utilizando mendigos, os agentes destinados a operar as agências de segurança interna como os futuros DOPS e DOI-CODI. Sendo um alerta em texto inicial do livro o fato de alguém torturar uma pessoa três ou quatro vezes passar a se “viciar” em tais atos, sendo o epílogo elucidativo no aspecto filosófico, apontando uma objetificação do torturado perante o carrasco.  No desenrolar das páginas fica claro que o aspecto chocante dos relatos é na verdade secundário. O que a pesquisa prova é a ligação entre a tortura e a manutenção do regime.

    Muitos dos que viveram e relatam hoje não reproduzem a visão de que essa época foi de trevas, muito pelo contrário, enaltecem os bons tempos do regime como de crescimento e melhora. Contudo, os números não mentem, como a superinflação e o arroxo salarial. Mas o que surpreende são discursos ouvidos hoje negacionistas quanto à tortura ou, pior, justificando-a como necessária, pois o Brasil estava afundado em grupos terroristas.

    A obra compilada dessa pesquisa, a qual chega até nós apenas como vislumbre, pois está resumida no livro, expõe incontáveis casos de tortura aplicadas à pessoas que não tinham relação com a resistência, muito pelo contrário, muitas vezes eram apenas usadas para encobrir crimes praticados pelas forças de repressão e/ou como bodes expiatórios justificando perseguições à estudantes e religiosos. Esses certamente os que mais sofreram, pois os movimentos sindicais, políticos e do campesinato estavam praticamente anulado já antes da tomada do poder, durante alguns anos foram minados pelo crescente financiamento  do Tio Sam nos estados brasileiros. A orquestra tocou em 1964 a marcha fúnebre, mas teve anos de ensaio para tudo sair perfeito no dia da apresentação.

    Todos os políticos que defenderam reformas de base foram processados, muitos  torturados apenas ao bel prazer, o medo instaurado mantinha uma superfície de ordem, mas ordem pelo medo. O regime não aceita criticas, trata tudo e todos como potenciais “subversivos”, para usar o termo da época.

    Brasil nunca mais não trata apenas do passado, trata do que os homens são capazes de realizar, a inquisição instaurada no Brasil naquele momento não fez distinção à idade, sexo ou raça, atacou a todos com, inclusive para a época, ilegalidade. Atos contra a própria constituição vigente, incluindo a máxima  jurídica in dubio pro reo, foram invertidas totalmente na cabeça de quem detinha o poder político, econômico e, sem sombra de dúvidas, militar.

    Compre: Brasil – Nunca Mais.

    Texto de autoria de Róbison Santos.

  • 10 Grandes Filmes Sobre Jornalismo

    10 Grandes Filmes Sobre Jornalismo

    “Jornalismo é publicar aquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade.”
    – George Orwell

    Jejum de Amor (Howard Hawks, 1940)

    Nem Howard Hawks escapou desse tema. Um dos mais versáteis cineastas era cirurgião especialista em desdobrar a falsa sanidade da América urbana, relendo-a nos viés do drama, suspense, romance e comédia, sendo a mais celebre delas a loucura bem-humorada e incansavelmente genial de dois jornalistas (Cary Grant e Rosalind Russell, perfeitos se amando e se xingando) ziguezagueando entre mil e uma loucuras. Muito, mas muito difícil imaginar uma comédia mais gostosa e inteligente que Jejum de Amor.

    Cidadão Kane (Orson Welles, 1941)

    Quando vejo alguém questionar a importância desse título entre todos, nessa altura do campeonato, quando assistimos cinema na palma da nossa mão e o fazemos com a câmera de um celular, eu percebo que esse alguém não entendeu nada, ainda. Eis o epítome do Cinema, tal como o debute mais bem-sucedido da sétima arte, em geral. O menino Orson Welles injetou a ganância humana encharcando os bastidores da mídia impressa e entrou para a história através da empreitada do mais respeitado dos mitos, presente no TOP 10 de 10 entre cada 10 listas sobre os 10 melhores filmes de todos os tempos (acompanhou?). Sim, talvez no futuro haverá algo de inédito a se falar sobre Cidadão Kane, o que é mais provável ainda se alguém entrar numa máquina do tempo e reescrever alguns dos seus mais nobres escritos desde os saudosos e modernosos idos de 1941. Todos nascemos na época errada, exceto Welles – acredite.

    A Montanha dos Sete Abutres (Billy Wilder, 1951)

    E se o Cidadão Kane fosse um maníaco à beira da psicopatia a fim de tudo para provar, a si mesmo, que o fim justifica quaisquer meios para se chegar incólume a ele? Na melhor atuação de Kirk Douglas, os maravilhosos truques de câmera são mais um complemento para mais uma obra-prima sobre a ambição, o jornalismo sensacionalista e impiedoso e o poder do acaso que habita e firma o cinema de Billy Wilder como um dos grandes – nunca suas metáforas visuais foram tão afiadas..

    A Dama de Preto (Samuel Fuller, 1952)

    Sobre as melhores intenções do indivíduo num mundo infernal; um macro ambiente caótico e encapsulado por Samuel Fuller no âmbito de uma rua onde tudo acontece. Uma ode à liberdade de imprensa e ao próprio jornalismo em si, ao direito de viver o bom combate da mídia em paralelo a quem vive a manipulação jornalística, a construção pretensiosa de fatos ao invés do ato de se construir e difundir informação de qualidade. Nos 76 anos de A Dama de Preto, vamos encará-la então como uma grande obra, ainda que 100% influenciada em tema e técnica por um tal de Cidadão Kane.

    Paixões Que Alucinam (Samuel Fuller, 1963)

    Não gostaria de assistir a nenhum retrato mais perturbador acerca de um tema que esse. Caminho sem volta que haveria de ser, a trajetória de um jornalista que topa entrar num hospício para encontrar um criminoso e extrair a verdade dele já é mindblowing o bastante. Samuel Fuller nunca fui de poupar plateias, e encontra em cenas como a inadvertida perseguição de um negro contra outro numa alusão a KKK o terreno perfeito para filmar e discutir as faces da violência social que existe em qualquer profissão.

    O Monstro na Primeira Página (Marco Bellocchio, 1972)

    Na intenção de manipular a hiper volátil opinião pública sobre um assassinato, um periódico de direita italiano não tem vergonha de acusar um jovem trabalhador de esquerda do fato, mirando na difamação indireta da esquerda para garantir a valorização da elite, pelo público, nas eleições. Uma aula magna extremamente atual sobre como a imprensa pode ser manipuladora e imoral, quando precisa atender a interesses partidários.

    Obs. Gian Maria Volonté foi um dos grandes atores desse mundo.

    Todos os Homens do Presidente (Alan J. Pakula, 1976)

    Aqui já começamos nossa descida ao mundo dos clássicos do século passado. Nos anos 70, dois jornalistas americanos do Washington Post se envolvem no escândalo midiático do Watergate, também durante o governo conturbado de Nixon nos EUA. Em meio as investigações que levavam a crer que Nixon comandava um esquema de espionagem política, e que acabaram conduzindo-o ao impeachment, Carl Bernstein (Dustin Hoffman) e Bob Woodward (Robert Redford) viraram ícones da investigação criminal.

    Rede de Intrigas (Sidney Lumet, 1976)

    Os bastidores da epifania, o retrato sádico da cacofonia do background do espetáculo das notícias – sem nenhuma maquiagem ou truques de câmera. Na busca imoral e absurda pela audiência, as personagem sambam em conflito e loucura, cada vez mais, em meio a relações fadadas ao fracasso de sua humanidade. Rede de Intrigas é um dos melhores roteiros da fantástica década de setenta, num nível de atuação coletiva soberba (destaque ao último diálogo de Peter Finch e Faye Dunaway, duelo de titãs).

    Frost/Nixon (Ron Howard, 2008)

    E se Fincher deu uma aula sobre a força dos diálogos no cinema contemporâneo com A Rede Social, o diretor Ron Howard (Han Solo: Uma História Star Wars) sugeriu isso três anos antes com o embate ideológico entre o jornalista britânico David Frost, e o super polêmico presidenciável Richard Nixon, cara a cara, numa clássica entrevista da TV americana. Frank Langella na pele de um Nixon já cansado, e doa a quem doer em suas declarações, ainda espera seu custoso Oscar por sua impecável atuação, aliás.

    Millennium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres (David Fincher, 2011)

    O melhor dos filmes recentes sobre o tema, e o integrante mais completo dessa lista sobre os fatores mais misteriosos que fazem parte do ofício, quando o profissional é submetido a trilhar uma zona de perigo. Um filme maduro, superior ao frouxo suspense sueco de 2009, dotado de uma parte técnica exemplar devido a vários elementos que David Fincher (Clube da Luta) não se esforça para dosar como ninguém.

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  • Crítica | The Post: A Guerra Secreta

    Crítica | The Post: A Guerra Secreta

    Filmes sobre feitos jornalísticos tem ganhado um peso grande recentemente. Foi assim com Spotlight – Segredos Revelados, e talvez tenha sido isso que fez Steven Spielberg pensar em finalmente trazer à luz a historia de The Post: A Guerra Secreta, onde se conta a famosa história por trás da publicação do Washington Post de um estudo encomendado pelo ex-secretário de defesa Robert McNamara a respeito da participação americana na Guerra do Vietnã.

    O filme se fundamenta dramaticamente na relação entre dois personagens, Ben Bradlee, vivido pelo antigo parceiro de Spielberg, Tom Hanks, editor do jornal, e Katharine Graham, proprietária do Washington Post – feita por uma inspirada Meryl Streep, que consegue variar entre a mulher que fica do lado de fora do jornal mas ainda assim é preocupada com o que veiculam no noticiário de sua família e a insegurança de não possuir verba suficiente para pagar todos os custos das operações do periódico. As discussões entre os dois guardam as partes mais importantes e divertidas dos filmes, e ajudam a montar o quadro de fatos, como as questões envolvendo a concorrência com outros periódicos e a dificuldade de se manter vivo apesar do boicote do então presidente Richard Nixon.

    Esse é um filme bem mais dinâmico que parte da filmografia recente do diretor, em especial Cavalo de Guerra e Lincoln, embora não seja tão envolvente emocionalmente quanto Ponte de Espiões, certamente rivaliza com esse em peso e qualidade. Há um pequeno problema de ritmo, uma vez que a primeira parte é um bocado arrastada, mas isso de certa forma conversa um pouco com o cotidiano. Além disso, duas coisas impressionam, que são os comediantes e as perucas que visam caracterizá-los. Além disso, é curioso ver o comediante David Cross fazendo um papel sério, assim como Bob Odenkirk, ainda que este esteja mais habituado com personagens dramáticos.

    A construção do quadro político dos Estados Unidos é muito bem exemplificado, sobretudo na personificação de Bob McNamara, de Bruce Greenwood, que na primeira cena demonstra ser um sujeito contra o conflito no Vietnã, contudo, em aparições públicas precisa falar a favor do embate. A forma dúbia como ele age e a falta de certeza de sua participação no vazamento de informações sigilosas para os jornais casa muito bem com o clima de paranoia que imperava durante a Guerra Fria.

    Próximo de se decidir finalmente se a coisa será publicada ou não, há enfim o apogeu do jornalismo, com Katharine decidindo seguir o conselho de seu velho amigo. Spielberg torna toda a espera e suspense sobre as possíveis punições aos responsáveis em um thriller dos 1970 – inclusive referenciando visualmente o clássico de Alan J. Pakula, Todos os Homens do Presidente – e mostra em imagens o quão bonito e idílico pode ser o jornalismo romântico, ao mesmo tempo que não esquece do pragmatismo do cotidiano vivido pelos jornalistas. O tom denunciativo de The Post: A Guerra Secreta é muito bem-vindo, em espacial ao enxergar semelhanças básicas com o que ocorre atualmente no mundo.

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  • Crítica | O Abutre

    Crítica | O Abutre

    Em clima noir, longa de estreia de Dan Gilroy faz análise incisiva sobre empreendedorismo amoral e sensacionalismo barato.

    O que ocorre quando um pensamento corporativo sem limites e elementos de psicopatia convivem no mesmo corpo? Difícil imaginar… Até porque sabemos que respostas para perguntas hipotéticas costumam ser pouco precisas. No entanto, não seria de todo improvável que a solução para esse questionamento fosse sintetizada em Lou Bloom, protagonista de O Abutre, longa do roteirista Dan Gilroy, que estreia na direção.

    Análise direta e incisiva de um “espírito empreendedor” distorcido, o filme também expõe as engrenagens que movem, por meio do sensacionalismo mais rasteiro, determinado tipo de programa televisivo – bastante popular tanto nos Estados Unidos quanto por aqui. Acredite: várias situações exploradas pelo roteiro acontecem de fato – sobretudo quando a desgraça e o sangue humanos se tornam tijolos fundamentais na construção de índices de audiência. Não se trata de jornalismo verdadeiro, mas de exploração barata.

    Jake Gyllenhaal compõe um personagem tão assustador quanto verossímil. Ele personifica um empreendedorismo sem qualquer tipo de freio moral unido a uma psicopatia com delírios de grandeza. Metas devem ser estabelecidas e conquistadas – os meios para alcançá-las, seja lá quais forem, são todos aceitáveis. Sua flexibilidade de consciência é mostrada desde o início. Porém, não se trata exatamente de um vilão – classificá-lo dessa forma seria reducionista. E personagens complexos como este não devem ser minimizados ou rotulados.

    Na trama, Lou Bloom, um homem pobre, de vida solitária e dono de mentalidade ambiciosa e objetividade afiada, descobre que pode lucrar bastante ao registrar situações violentas nas madrugadas da cidade – o material é vendido para uma emissora de TV que o exibe no telejornal da manhã. Uma das diretoras do canal – Rene Russo, naquele que é, disparado, o melhor papel de sua carreira – o entende e o incentiva.

    A partir do ponto em que a cooperação e entendimento entre os dois personagens são criados, a linha que deveria balizar a ética profissional é apagada sem maiores preocupações.

    Gilroy demonstra segurança impressionante para quem senta na cadeira de diretor pela primeira vez. A direção de atores, a condução das cenas automobilísticas em alta velocidade e – principalmente – a captação das imagens noturnas de Los Angeles, num inevitável clima noir que lembra bastante alguns enquadramentos vistos em Colateral e Drive, são belas e precisas.

    Sobre esse último ponto, grande parte do mérito vai, também, para o diretor de fotografia Robert Elswit, que, em 2008, conquistou um Oscar pela concepção visual de Sangue Negro.

    O Abutre é um filme de entendimento rápido – sua trama segue uma estrutura linear e a maneira como é contada é lógica -, e o roteiro é enxuto e eficiente. Porém, convém deixar claro que esta é uma obra de digestão lenta – as reflexões que ela propõe deverão ficar por dias na mente de quem assistir a ela.

    Há abutres à solta em todos os lugares – afinal, a oferta de carniça é vasta. Este filme nos ajuda a enxergar esse cenário com lentes mais precisas.

    Texto de autoria de Carlos Brito.

  • Crítica | Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete

    Crítica | Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete

    Fazendo da piada a sua maior pauta, tentando alcançar o público popular: este é o resumo da linha editorial do jornal Meia Hora, o tabloide do grupo comunicacional O Dia. Encabeçado por Angelo Defanti, o documentário resgata as origens da publicação desde a proposta de resgatar o cunho de populacho que a antiga publicação tinha.

    Por vezes, a editora do Meia Hora foi acusada de não ter sensibilidade. O caso da briga de Dado Dolabella e Luana Piovanni foi por este viés, com uma brincadeira de trocadilho típica do jornal. Segundo Humberto Tziolas – atual editor-chefe – e Henrique Freitas, antigo editor da publicação, são “ossos do ofício, uma vez que o chamariz era valioso. O diferencial que capturava a atenção do leitor logo de cara teria de ser inédito, e não meia-boca.

    Para o teórico Muniz Sodre, o jornal popular pode fazer troça com a notícia, pois usar uma parte engraçada para evidenciar a verdade faz parte do comunicar, ainda que isso fuja um bocado do ideal, como é o caso dos noticiários populares.

    O folhetim ficou famoso por suas notórias homenagens póstumas e obituários. O gosto, ou desgosto, pelo artifício diverge de pessoa a pessoa, e o fato disto ser polêmico faz parte do modus operandi do Meia Hora. A trajetória do O Dia variou muito: de jornal conhecido pela máxima “se espremer, sai sangue” à rival do O Globo, a gazeta praticamente se tornou o único jornalzão após a queda do Jornal do Brasil. Com a adição de O Extra, que desbancou grande parte dos órfãos leitores do O Dia, o grupo encabeçado por Gigi Carvalho resolve recontratar Eucimar de Oliveira, antigo editor-chefe do jornal e criador dos formatos de O Extra.

    Pensando em algo de baixíssimo preço e voltado para o boy, para o cozinheiro, para o garçom e para toda a classe C, nascia o Meia Hora. Apesar da máxima parecer preconceituosa, o público abraçou a publicação, com as vendas caracterizando o maior diferencial para desbancar o argumento de que o leitor é subestimado.

    A base da discussão para as capas prima por fofoca, ação policial, os quatro times grandes do Rio, prestação de serviços, como anúncios de oportunidades de emprego e, claro, fofocas de famosos; a desgraça dos famosos faz o luxo do leitor.

    Outro estratagema é o tratamento dado à morte de bandidos, em que se confunde jocoso com comemoração das mortes dos culpados pela lei. A acusação de fascismo, inclusive, é, às vezes, justificada pelos editores logo depois da edição ser publicada. O tripé “Sangue, Sexo e Futebol” garante ibope; a ética é de difícil fusão. A lógica simplista é complicada, por vezes fazendo com que o jornal assumidamente abra mão da piada. Para os editores, as capas mais importantes são as provocativas, que cobram uma postura veemente das autoridades, especialmente das polícias. Esta é a parte séria.

    A autoria da ideia por trás do Meia Hora não é assumida por parte dos comunicadores. Enquanto a ex-dona do grupo, Gigi de Carvalho diz que foi ela a responsável, Eucimar prefere deixar para os outros depoentes falarem a seu respeito. Os méritos a respeito da paternidade da matéria são valorizados pelos números das vendas do jornal.

    Segundo a teoria da comunicação, não há uma abordagem menos ou mais ética, ao menos do ponto de vista da linguagem. O que pode ocorrer é o juízo de valor vazio ou desonestamente parcial, acusação na qual a publicação não é comumente enquadrada. O modo como o tabloide se popularizou pode ser encarado de duas formas: a primeira é mais crítica, abordando a tentativa de expressar o pensamento das classes econômicas menos favorecidas de maneira fútil e sensacionalista, o que gera um pensamento preconceituoso, de fobia ao pobre. Outra alternativa é enxergar a questão como mais uma manifestação dos marginalizados, que finalmente têm um material para ler que realmente os represente, não os tratando como estranhos, tampouco ditando a eles o que pensar.  Defanti faz toda a investigação que precisa via câmera. A abordagem ainda permite ao espectador tomar partido de acordo com o próprio repertório, salientando que o coitadismo com que a maioria do público do folhetim vê é indevido, já que não é ele digno de pena ou comiseração.

  • Crítica | Vlado: 30 Anos Depois

    Crítica | Vlado: 30 Anos Depois

    vlado - 30 anos depois

    O filme de João Batista de Andrade usa a memória do dia 25 de outubro de 1975 para aplacar o sentimento da perda de um amigo e exemplificar qual seria o primeiro passo do declínio da Ditadura Militar no Brasil, apesar de não mostrar as imagens do medo, dos militares e dos aparelhos usados para reprimir seus inimigos. A narração dá um toque de perfeita pessoalidade, acompanhada do montante de fotos que ajudam a pintar a figura de Vladimir Herzog para uma geração que possivelmente não conhece a sua história.

    Os depoimentos dos entrevistados mostram uma figura fina, educada e muito cara a todos que o envolviam. Sua boa escrita ajudou não somente a falar sobre o Brasil e abordar a ética, mas também tinha a função de informar os amigos que estavam fora do país no período de recrudescimento da ditadura.

    Mais aviltante ainda é a fala do povo, que não percebe a história e currículo de Vlado, não sabendo quase nada sobre sua existência e menos ainda sobre a ditadura, ainda que alguns, munidos desse mesmo desconhecimento, hoje afirmem seu desejo de retornar a este governo. O infortúnio de Herzog seria ironicamente ligado à entropia de viajar de volta ao seu país poucos dias após a instituição do AI-5, fazendo dele uma figura bastante visada.

    A câmera passa por momentos emotivos de Vladimir, como seu casamento e seu ingresso a TV Cultura e à revista Visão. Obviamente, o foco maior é o começo dos eventos prisionais, que exibiam toda a crueldade dos militares com os seus “convidados” especiais. Num dos relatos, destaca-se o fato de que a vestimenta dos encarcerados não incluíam cadarços, linhas ou cintos, nada que pudesse produzir amarra, o que claramente desmentiria o suicídio do jornalista, em cuja foto estaria a “prova” do crime.

    A sensação de desmoronamento emocional é constante na vida dos que foram torturados; não foram percepções que permaneceram somente durante as horas em que os militantes eram maltratados. As marcas ficaram, as almas tocadas jamais foram as mesmas. Os métodos utilizados na Alemanha Nazista e no Estado Novo eram reprisados como um modo de atacar o emocional dos divergentes, numa tática nefasta e mecânica, calculada para abater sistematicamente mas que, analisada sob a visão atual, só demonstra a vergonha de quem acometeu o país e que ainda segue impune.

    Os registros do corpo de Vladimir nu, preso ao pau de arara, só não eram mais chocantes do que as falas dos torturadores aos jornalistas e amigos do militante, que saberiam, naquele momento, da morte do sujeito. A desculpa era de que Herzog atuava como agente da KGB, o que, obviamente, era uma mentira descabida.

    Um dos fatores preponderantes para a abertura do Regime foi a morte de Herzog e toda a falácia a respeito do encerramento de sua vida e do suposto suicídio, tanto para o realizador do documentário como para cada um dos mostrados pela câmera. Esse seria o principal motivo para que a morte de Vlado não fosse em vão. O Rabino Henry Sobel até decidiu localizar o túmulo do jornalista fora da área destinada aos suicidas, no Cemiterio Israelita do Butantã, ainda em 1975. No ano seguinte, inquéritos foram exigidos por meio de documentos assinados por membros do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, numa mostra de que a classe e o povo estavam ao lado de Vlado e de sua memória.

  • Crítica | Muito Além do Cidadão Kane

    Crítica | Muito Além do Cidadão Kane

    Contestatório desde o início, com falas de algumas personalidades conhecidas do grande público, a narração sensacionalista do filme foca na vivência e poderio de Roberto Marinho, idealizador do grupo Globo de Comunicação que tem na sua rede de televisão homônima o seu maior expoente. Produzido pelo Channel Four britânico, Muito Além do Cidadão Kane teve sua exibição proibida dentro do Brasil, mesmo que seu lançamento tenha sido originalmente em 1993, após a abertura política da democracia.

    O foco narrativo do início da fita centra-se na disparidade social e na quantidade exorbitante de analfabetos do país. Quase tão gritante quanto a distância financeira entre os ricos e pobres é a diferença de televisores ligados quase exclusivamente na Vênus Platinada, que até então, eram de 78% da totalidade das casas brasileiros, atingindo o grande público com anúncios publicitários luxuosos extremamente diferentes da realidade econômica dos típicos brasileiros. O consumo era apenas das imagens, já que apenas um terço dos espectadores poderiam comprar qualquer dos produtos mostrados em tela. Apesar disso, o conteúdo ideológico por trás de toda mensagem veiculada é sempre compartilhado.

    As concessões das redes de canais são denunciadas, inclusive aventando-se até a possibilidade de políticos terem poder de controlar uma empresa comunicacional no Brasil, o que obviamente vai ao encontro da maior rede televisiva. O destaque dado ao Fantástico é quase tão execrada quanto as polêmicas aquisições de filiais, criticando o otimismo exacerbado e total falta de conteúdo relevante, que encontra paralelos com a pauta atual do programa.

    A trajetória de Roberto Marinho é reconstruída, desde a fundação do jornal O Globo, feito por seu pai. Uma vez no poder, o grupo se expandiu, primeiro para o rádio e depois para a TV, ganhando concessões dos presidente Juscelino Kubitschek (apoiado por Marinho) e João Goulart (político que seria deposto antes de assumir a presidência, tendo a sua “renúncia” apoiada pelo empresário/jornalista). As falas de Armando Falcão vão muito ao encontro do pensamento do documentarista, que acreditava ser escusos os meios de obter seus licenciamentos mil.

    Em paralelo à transmissão da Copa de 70, aconteceu um boom econômico que permitia ao povo comprar televisores por meio de crédito, um artigo caríssimo, o que obviamente facilitou muito a propagação do canal da família Marinho. A audiência se dividia entre o futebol e os festivais de música, sendo o primeiro algo que fomentava a calada do regime militar, onde não se pronunciava nada sobre política, enquanto o segundo, exibido na Rede Record, mostrava a nata artística brasileira, que tentava, através de suas mensagens subliminares, falar do holocausto político que ocorria.

    Os detalhes da derrocada da Rede Excelsior e da TV Tupi são abordados. Os principais rivais pela audiência, chegando ao ponto dae causar o fim da concessão do primeiro canal, único que havia manifestado descontentamento em o assumir do Regime Militar. Mesmo os que apoiaram a Ditadura eram proibidos de noticiar qualquer situação que causasse a menor possibilidade de frisson nos que dominavam o poder e, segundo alguns dos entrevistados, a emissora ratificava a censura e perseguição a artistas supostamente condenáveis.

    Outro fator focado era a ascensão das novelas desde Selva de Pedra, que foi a primeira novela com 100% de audiência, até Gabriela, que exibia as curvas de Sônia Braga numa reimaginação do conto de Jorge Amado. A influência era tamanha que ditava moda até para aspectos comportamentais, como o advento de discotecas em cidades minúsculas, que sequer tinham tradição no consumo de música disco, mas que, por influência de Dancing Days, precisavam montar espaços assim em sua extensão territorial. Para muitos, o poder do canal se igualava ao de um Estado dentro do Estado.

    Apesar de mostrar o quão promíscuas são as inter-relações da Globo com os governos, até de interdependência dos políticos com os comunicólogos, o roteiro não toma partido de modo resoluto, nem mesmo ao exibir o modo raso como o Jornal Nacional tenciona emitir a comunicação para o Brasil inteiro, dando curtos segundos para notícias políticas, enquanto minutos preciosos são dedicados a parte de exibição de celebridades, sem qualquer cunho informativo maior.

    O cúmulo da manipulação da informação se daria nos episódios com Luiz Inácio Lula da Silva, desde a época de seus serviços com metalúrgicos e líderes sindicais, com negação de muitos dos argumentos das classes até sonegação dos mais básicos, em que se escondia até a quantidade correta de adeptos, sob a alegação de que a ordem viria de cima, da presidência militar. Semelhante a isso foi a não comunicação da eleição de Leonel Brizola, que acabava de voltar ao país e que ganharia a cadeira máxima do estado do Rio. Mais flagrante ainda seria a edição do resumo do debate de seis minutos, entre Fernando Collor e Lula, três dias antes do segundo turno, favorecendo o governador de Alagoas, onde a manipulação que se assemelhava a um informe publicitário causou um furor até dentro da rede, cuja reclamação ocorreu até de membros muito antigos da central de jornalismo como de Armando Nogueira e Wianey Pinheiro, que seriam aposentado e exonerado, respectivamente.

    Os últimos momentos do filme são pautados em mais reclames que discutem o valor da imprensa na formação da opinião pública e na moralidade de uma nação, especialmente em um órgão com tanto alcance como é com a Rede Globo, condizente com a realidade do início de suas transmissões até os anos noventa, com destaque até para o seriado Anos Rebeldes, onde se falaria sobre o hediondo regime, excluindo o papel do canal na legitimação dos anos de chumbo. A mensagem final questiona se o povo deveria se libertar dessa influência, ou ao menos contestá-la, com a trilha de Televisão, dos Titãs, que remete à burrice proveniente de quem assiste ao aparelho de vídeo. A imagem de Marinho é tomada por baratas, na expressão simbólica mais explícita da rejeição da figura do magnata das telecomunicações, por parte dos realizadores do filme.

  • Resenha | Nada Mais que a Verdade – Celso de Campos Jr., Giancarlo Lepiani, Denis Moreira e Maik Rene Lima

    Resenha | Nada Mais que a Verdade – Celso de Campos Jr., Giancarlo Lepiani, Denis Moreira e Maik Rene Lima

    Na lembrança afetiva de boa parte da população, principalmente dos habitantes da grande São Paulo, está guardado o bordão: “Espreme que sai sangue”. Os jovens adultos podem até não associar de primeira o termo à sua origem, mas basta falar do famoso Notícias Populares que tudo ganha sentido.

    O jornal popularesco, infame e ousado – que juntava as pessoas em frente a banca para espiarem suas capas que transbordavam cadáveres, lado a lado com musas em ensaios apimentados e com manchetes garrafais absurdas – ganha uma biografia rica em detalhes, que resgata os fatos e lendas que rondaram a redação por mais de 30 anos.

    A história do Notícias Populares é inseparável dos profissionais que se dedicaram a confeccionar diariamente o conteúdo diferenciado a que se propunha. Desde o começo, em 1963, posto em prática para espantar a “ameaça comunista” na sociedade, dedicou-se a dialogar com camadas desfavorecidas da sociedade. Sua fórmula era simples e objetiva: Policial, Sensual e Inusitado. Desta trinca como base, inseria nas suas diversas colunas (e bota diversas nisso) desde notas sobre política até ensaios filosóficos bem-humorados, passando por terapias sexuais até odes do RAP ao Heavy Metal.

    O livro narra os bastidores do jornal, mostrando como foi o dia a dia do vasto quadro de funcionários, década a década, manchete a manchete. Claro que é um trabalho impossível trazer à luz os milhares de casos lá expostos, mas a seletiva é de puro bom gosto, como o caso do Vampiro de Osasco; o Bebê Diabo que nasceu em São Paulo; o famoso mendigo Pelezão que foi violentado por uma psicóloga da alta sociedade e virou subcelebridade; a mulher que deu luz a uma tartaruga, e muitas outras manchetes desafiadoras.

    É interessante conhecer como funciona o pensamento da máquina midiática brasileira na sua faceta mais antiga, que é o jornal impresso, e suas mudanças repentinas para acompanhar as necessidades nem sempre facilmente detectáveis do povo. Dentro do prédio do NP vamos, junto com os repórteres, aos bairros mais perigosos, seguindo as diretrizes dos  editores, às vezes surpresos com o eco de seu próprio produto.

    O Notícias Populares ora serviu como válvula de escape para o trabalhador, ora como arma social e política, num jogo de interesses que tentou até o fim padronizar o jornal. Gerações diferentes deram sua contribuição e essa jornada nos faz entender um pouco sobre como é tênue a linha que separa a verdade da mentira. E trabalhando como equilibrista nessa linha, o Notícias Populares, de braços dados com seus leitores, caminhou a trancos e barrancos até a irremediável extinção, em janeiro de 2001.

    Leitura curiosa, divertida e obrigatória! Pra quem gosta de comunicação, pra quem gosta de um divertido realismo fantástico e pra quem gostaria de tomar uma pinga com o Bebê Atômico. Pra saber do que estou falando, vai ter que acompanhar o caso por entre as 254 páginas deste resgate, em edição revista e ampliada. Difícil de encontrar o livro, mas a busca vale muito.

    Texto de autoria de Sergio Ferrari.

  • Crítica | Todos os Homens do Presidente

    Crítica | Todos os Homens do Presidente

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    O filme começa como uma reportagem jornalística, recurso metalinguístico usado por Alan J. Pakula com narração em off, mostrando o presidente Richard Nixon diante do Congresso Nacional. O objetivo era mostrar ao público a boa condição do político antes do escândalo, intenção alcançada plenamente. Em seguida, vemos o assalto ao prédio do partido democrata e o temor do grupo em ser pego em flagrante.

    A busca de Robert Woodward (Robert Redford) pelo cerne da notícia não tem como expectativa nem a metade do tamanho e magnitude da repercussão que o caso daria em um último momento, e apesar de não explicitar tudo de uma vez, todo o trabalho de apuração é mostrado minuciosamente. No entanto, a escrita de Bob é crua e sem a substância necessária para a grandiosidade dos fatos, e Carl Bernstein (Dustin Hoffman), um repórter mais experiente e sem muitos desafios nos últimos tempos, chama sua atenção para pôr o nome de um personagem importante na matéria no 1° parágrafo, e não no 3°, em uma discussão clara ao lead (termo jornalístico que designa as primordiais informações de uma notícia ou texto de jornal). Woodward dá suas notas a Bernstein para que ele faça os retoques de forma correta, grafando que o importante era a matéria ficar boa – demonstrando um desprendimento incomum entre os geradores de conteúdo como um todo – e, para surpresa dos dois, é anunciado que ambos estavam responsáveis pelo caso.

    A cada passo dado nas investigações da dupla, há mais negações de testemunhos e mentiras escondidas vindos à tona, o que causa nos repórteres uma avidez ainda maior pela solução do mistério. A recusa da 1ª página em uma das prévias do “fato maior” é um balde de água fria sobre as pretensões dos dois, mas os jornalistas decidem mergulhar ainda mais fundo e os contatos com as fontes passam a ser realizados cada vez mais às escondidas.

    A produção e o trabalho interno nas redações são mostrados à exaustão; Pakula evidencia que o trabalho do comunicólogo é também o de apuração e discussão. Após receberem muitas portas fechadas, Bob e Carl finalmente encontram uma testemunha colaborativa, como uma agulha em um palheiro, mas logo ela se mostra um engano, fruto de uma confusão com os sobrenomes dos envolvidos. Os depoentes que têm relatos importantes para o caso são sempre retratados como pessoas inseguras e reticentes, dada a gravidade dos fatos explicitados.

    Garganta Profunda (Hal Halbrook), a testemunha chave, sempre aparece às sombras, e a câmera só consegue flagrar com exatidão os seus olhos. Ao mesmo tempo em que a escuridão predomina em suas cenas, é ele quem os traz à luz, diante dos “homens da imprensa”.

    Quando a confirmação chega através de uma fonte comprovadamente confiável, Woodward e Bernstein correm até o editor e a lente passeia triunfante junto com eles pela redação, como a volta olímpica de um time campeão. A situação toma proporções tão drásticas que Deep Throat diz que Bob e Carl correm perigo de vida, assim como os editores do Washington Post. Mesmo a contragosto do editor Ben Bradlee (Jason Robards), Woods e Bern seguem imergindo na história. Nos últimos momentos registrados, a câmera mostra a máquina tipográfica datilografando a sentença de cada um dos envolvidos em Watergate e, claro, cita a renúncia de Nixon e a posse de Gerald Ford, mostrando que os esforços dos jornalistas renderam enormes frutos. Todos os Homens do Presidente é baseado no livro homônimo de Bob Woodward e Carl Bernstein e registra a investigação de um dos maiores casos de corrupção política comprovados na história da humanidade, e só é bem executado graças à perícia do elenco e do seu realizador, Alan J. Pakula, que demonstrou uma enorme evolução desde Parallax View.

  • Review | The Newsroom – 1ª Temporada

    Review | The Newsroom – 1ª Temporada

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    The Newsroom estreou em junho desse ano na HBO americana e trouxe Aaron Sorkin de volta à televisão. O premiado roteirista de A Rede Social e O Homem que Mudou o Jogo tornou-se conhecido por seu trabalho em The West Wing e agora traz para uma série boa parte dos elementos que se tornaram sua marca.

    The Newsroom foca em Will McAvoy, um âncora de televisão tido como absolutamente inofensivo, que se vê afastado por conta de uma crise nervosa, e ao retornar ao estúdio, descobre que toda a sua equipe foi reformulada. Como chefe da nova equipe está Mackenzie MacHale, ex-namorada do protagonista, que o convence a iniciar o que ela chama de jornalismo 2.0.

    Mackenzie quer trazer os fatos, a relevância e a coragem de volta ao jornalismo. McAvoy passa a cobrir política com uma mão de ferro, e torna-se de repente o âncora mais incômodo da televisão americana.

    Os conflitos gerados por essa mudança são o motor principal da série, mas é a construção de personagens que realmente chama a atenção: eles são complexos, falhos e consideravelmente reais. Ao longo dos episódios, a personalidade de Will vai sendo construída nos mínimos detalhes, assim como sua relação com Mackenzie. O talento de Sorkin para diálogos proporciona carisma ao grupo de jovens empregados do jornal.

    São os diálogos e o realismo dos personagens que equilibram os momentos em que The Newsroom soa utópica ou piegas. Sorkin parece ter consciência de que esse jornalismo é praticamente impossível e de que sua série pode soar como uma palestra motivacional: é dito várias vezes que o projeto não vai dar certo e Mackenzie convence Will a tentar citando Don Quixote, o maior símbolo de utopia patética da literatura mundial.

    The Newsroom é uma série de Aaron Sorkin em diversos aspectos, sendo o mais gritante deles a capacidade de construir grandes momentos a partir de trivialidades, e equilibrar esses momentos com bons diálogos e personagens. A tensão e os conflitos foram bem administrados e o fim da primeira temporada inevitavelmente deixa o espectador ansioso para a segunda.

    Texto de autoria de Isadora Sinay.