Em clima noir, longa de estreia de Dan Gilroy faz análise incisiva sobre empreendedorismo amoral e sensacionalismo barato.
O que ocorre quando um pensamento corporativo sem limites e elementos de psicopatia convivem no mesmo corpo? Difícil imaginar… Até porque sabemos que respostas para perguntas hipotéticas costumam ser pouco precisas. No entanto, não seria de todo improvável que a solução para esse questionamento fosse sintetizada em Lou Bloom, protagonista de O Abutre, longa do roteirista Dan Gilroy, que estreia na direção.
Análise direta e incisiva de um “espírito empreendedor” distorcido, o filme também expõe as engrenagens que movem, por meio do sensacionalismo mais rasteiro, determinado tipo de programa televisivo – bastante popular tanto nos Estados Unidos quanto por aqui. Acredite: várias situações exploradas pelo roteiro acontecem de fato – sobretudo quando a desgraça e o sangue humanos se tornam tijolos fundamentais na construção de índices de audiência. Não se trata de jornalismo verdadeiro, mas de exploração barata.
Jake Gyllenhaal compõe um personagem tão assustador quanto verossímil. Ele personifica um empreendedorismo sem qualquer tipo de freio moral unido a uma psicopatia com delírios de grandeza. Metas devem ser estabelecidas e conquistadas – os meios para alcançá-las, seja lá quais forem, são todos aceitáveis. Sua flexibilidade de consciência é mostrada desde o início. Porém, não se trata exatamente de um vilão – classificá-lo dessa forma seria reducionista. E personagens complexos como este não devem ser minimizados ou rotulados.
Na trama, Lou Bloom, um homem pobre, de vida solitária e dono de mentalidade ambiciosa e objetividade afiada, descobre que pode lucrar bastante ao registrar situações violentas nas madrugadas da cidade – o material é vendido para uma emissora de TV que o exibe no telejornal da manhã. Uma das diretoras do canal – Rene Russo, naquele que é, disparado, o melhor papel de sua carreira – o entende e o incentiva.
A partir do ponto em que a cooperação e entendimento entre os dois personagens são criados, a linha que deveria balizar a ética profissional é apagada sem maiores preocupações.
Gilroy demonstra segurança impressionante para quem senta na cadeira de diretor pela primeira vez. A direção de atores, a condução das cenas automobilísticas em alta velocidade e – principalmente – a captação das imagens noturnas de Los Angeles, num inevitável clima noir que lembra bastante alguns enquadramentos vistos em Colateral e Drive, são belas e precisas.
Sobre esse último ponto, grande parte do mérito vai, também, para o diretor de fotografia Robert Elswit, que, em 2008, conquistou um Oscar pela concepção visual de Sangue Negro.
O Abutre é um filme de entendimento rápido – sua trama segue uma estrutura linear e a maneira como é contada é lógica -, e o roteiro é enxuto e eficiente. Porém, convém deixar claro que esta é uma obra de digestão lenta – as reflexões que ela propõe deverão ficar por dias na mente de quem assistir a ela.
Há abutres à solta em todos os lugares – afinal, a oferta de carniça é vasta. Este filme nos ajuda a enxergar esse cenário com lentes mais precisas.
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Texto de autoria de Carlos Brito.