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  • Crítica | A Rede Social

    Crítica | A Rede Social

    A Rede Social 3

    Maior fenômeno da internet dos últimos anos, o Facebook sempre esteve envolto em controvérsias desde sua criação pelo estudante de Harvard Mark Zuckerberg em 2003. Atualmente, devido à dinâmica e velocidade da informação, entender a complexidade das relações que fazem algo tão grande existir, assim como as mudanças que tais eventos causam na sociedade, nunca é fácil. O Facebook caracteriza-se por essas mudanças. Alterou, junto com outras empresas, a dinâmica do empresariado jovem americano, além de ter mudado para sempre o comportamento e as formas de relacionamento de toda uma geração. É dentro do contexto de criação do Facebook que foi publicado, em 2009, o livro Bilionários por Acaso, escrito por Bem Mezrich, contando uma versão sobre o surgimento da rede social e as brigas judiciais pelos seus direitos criativos. O livro teve a consulta de Eduardo Saverin, o que impactará o resultado final do filme. Em 2010, o conhecido roteirista Aaron Sorkin e o diretor David Fincher adaptam o livro para o cinema, dando origem ao filme A Rede Social.

    O filme começa contando a história do jovem e complicado estudante Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) em Harvard, com um diálogo – típico das produções de Aaron Sorkin, rápido e difícil de acompanhar – com sua namorada Erica Albright (Rooney Mara). Após ser insensível e condescendente de uma forma quase brutal com ela, o namoro termina, e, com raiva, Mark retorna a seu dormitório e resolve criar, com a ajuda dos colegas de quarto Eduardo Saverin (Andrew Garfield) e Dustin Moskowitz (Joseph Mazzello), um site com um catálogo de fotos de garotas, também estudantes de Harvard, em que as pessoas poderiam entrar e dar notas a elas. Tudo isso era feito enquanto Mark escrevia a respeito em seu blog, detalhando o processo de hackeamento dos bancos de dados das páginas das fraternidades em busca das fotos. A quantidade de acessos derruba a rede de Harvard e trará consequências para o estudante.

    Após enfrentar os problemas, Mark tem contato com os irmãos gêmeos Tyler e Cameron Winklevoss (Armie Hammer), este que dá a ele a ideia de criar uma rede exclusiva para alunos de Harvard. Após aceitar a proposta, Mark desaparece por semanas até o seu site thefacebook.com estar no ar, o que enfurece os irmãos. Os acessos ao site se expandem exponencialmente em várias universidades americanas, até chamar a atenção do jovem e excêntrico empreendedor Sean Parker (Justin Timberlake), criador do polêmico Napster alguns anos antes. Parker fornece a Mark uma visão nova e diferente sobre a modernidade dos negócios e das possibilidades a respeito do Facebook, causando tantos problemas entre ele e Saverin que acabarão indo para a Justiça.

    A estrutura do filme alterna momentos do passado dos jovens e momentos nos quais estão se enfrentando nos tribunais americanos a respeito dos direitos de criação do Facebook. Em um primeiro momento, essa alternância causa uma certa confusão e estranheza no espectador, mas após alguns minutos a estrutura é reconhecida e tudo fica mais claro, favorecendo o desenvolvimento da história.

    Apesar de os diálogos de Aaron Sorkin por vezes se atrapalharem na história por conta de sua rapidez e da quantidade de termos, piadas e referências, é interessante ver sua proposta de, em momento algum, rebaixar esses diálogos para um público geralmente tão acostumado a receber tudo mastigado das produções cinematográficas. O exercício de tentar acompanhar os diálogos e compreendê-los em sua totalidade é desafiador e instigante.

    A direção de David Fincher, com sua capacidade técnica recorrente, fornece uma recriação daquele momento único na história de maneira pujante. Utilizando o frio e a escuridão do inverno de Massachusetts, o (auto?) isolamento social de Mark é sempre reforçado em sua postura corporal e posicionamento da câmera. As cores escuras, azuladas e em tons pastéis também compõem o cenário rico e ao mesmo tempo frio e distante da juventude atual, onde todos estão sempre juntos, conectados, mas afastados.

    Toda essa composição das cenas é novamente auxiliada pela fantástica trilha sonora da já conhecida dupla Trent Reznor e Atticus Ross. Os músicos, que já trabalharam com Fincher em outros projetos, atingem seu nível máximo de qualidade ao inserir em cada momento os elementos certos, ajudando a compor o tom das sequências e das atuações, ajustando-os em um encaixe perfeito com a narrativa. Ela funciona tão bem que vale a pena ouvi-la separadamente.

    Jesse Eisenberg consegue compor um Mark Zuckerberg que vai além da semelhança física. Traço marcante de suas atuações, a fala rápida e a postura de “nerd” ajudam o espectador a acreditar. a todo o instante, que aquele é o criador do Facebook. Sua falta de empatia e emoção ao lidar com amigos e pessoas que eram tão queridas vão transformando-o, pouco a pouco, em um vilão semitrágico, pois sua postura moral e seus valores estão todos inseridos nas regras de utilização da rede social: ao mesmo tempo que fotos e vídeos de violência, e páginas que propagam discursos de ódio contra minorias são permitidos, fotos expondo minimamente o corpo feminino são logo retiradas do ar, assim como conteúdos políticos que possam se opor ao establishment. Todas essas características de sua personalidade estão claras na composição de seu personagem, assim como sua arrogância e falta de conhecimento e prática em lidar com a diversidade de pensamento e de pessoas.

    Portanto, o maior mérito de A Rede Social não é a discussão judicial sobre quem teve a ideia de criar o Facebook, ou mesmo que fim levou tudo isso. Esse tema é usado como pano de fundo para se discutirem as relações humanas em épocas em que a humanidade, e seu contato real, parece ter cada vez menos valor frente a um mundo dominado pelo mercado dos valores simbólicos, no qual é mais importante parecer do que ser. É mais importante mostrar o que está se fazendo do que realmente aproveitar o momento, alterando até mesmo todo o significado da experiência humana.

    Dentro deste contexto, acompanhar a degeneração do relacionamento de Mark com todos os que o cercam é sintomático, pois vemos que alguém sem muitas noções de relacionamento com outras pessoas foi capaz de criar uma rede que une milhões de pessoas ao redor do mundo, de várias línguas e culturas. A prova definitiva de que o relacionamento virtual é um simulacro nem sempre confiável a respeito de nossa humanidade. A análise do comportamento humano é interessante, e a visão de Fincher e Sorkin sobre esse caso tão emblemático da humanidade nos auxilia não só a compreendermos um pouco mais a época e as pessoas que nela vivem, mas também ajuda a nos entendermos. Talvez um pouco mais do que gostaríamos.

    Texto de autoria de Fábio Z. Candioto.

  • Review | Websérie: Eu Mesmo – Primeiros Episódios

    Review | Websérie: Eu Mesmo – Primeiros Episódios

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    Sabe essa nossa intenção generalizada de agradar a todos? Sabe, sim. O medo de mostrar nossa autenticidade ao meio que vivemos, ou seja, nunca a sociologia foi tão fácil de aprender. Numa sociedade em que cada um precisa, deve e tem que ter suas verdades na ponta da língua, sobre qualquer verdade alheia, webséries têm sido um meio pessoal em prol de uma grande visibilidade multimídia para, ao invés de mostrar quem somos como coletivo, reproduzir sátira e alternativamente como cada um é, enxerga, prova e sente o mundo. Primeiro o interior, antes daquele que nos faz ser como somos. Meio o que o Cinema, TV e o Teatro sempre ajudaram a aprimorar, apenas com forma e plataforma mais ambiciosa, por mera excelência artística.

    Nos primeiros seis episódios distintos, dialéticos e diversos nos temas preservados através do seu único protagonista, Gregório, pode-se notar as razões para os próximos capítulos de Eu Mesmo já estarem em gestação na cidade do Rio de Janeiro. A proposta cativa não pela simplicidade envolta em análise psicológica, mas pela interatividade e metalinguagem através de diálogos e esquetes que conversam entre si, conjurando pequenos curtas-metragens que, no mural que conserva a qualidade de todos, acabam por se completar, na ânsia de ilustrar uma existência sem contornos definidos senão por ela mesma.

    Ao longo de atitudes shakespearianas e claras influências dualistas de Woody Allen no contraste particular do ser o que é, em pleno envolvimento multifacetado de se viver numa metrópole urbana do século XXI – onde o conceito de Durkheim vem à tona acerca da necessidade das sociedades orgânicas de fazer o individual se sobrepor, na aquarela das calçadas, ao público -, o primeiro sexteto de episódios de larga identificação popular é a introdução ao universo de Gregório, com argumentos sobre o futuro e o passado a partir da perspectiva de uma geração ainda em construção do seu próprio mundo; espaço novo de questionamentos além-tempo.

    De visão pessoal, evitando o egoísmo, a autocrítica, ou de ser exclusiva ao próprio umbigo, por vias onde facilmente culminaria no desinteresse inevitável, a impressão é que cada pequena história – não dependente da outra, ainda que parte do mesmo mosaico – é um relato extraído e atuado em divãs coloridos e não semelhantes, onde quem é agraciado com conclusões somos nós, diretamente, durante todas as projeções rápidas e ritmadas. Assim sendo, graças a uma montagem invisível, indutiva ao riso e ironia do conteúdo de Eu Mesmo, que tem formato de televisão, aspecto de cinema e atuações expressionistas, como montagens teatrais que valem dez reais e sempre lotam a plateia devido ao resgate do que é descomplicado, neste nosso “mundo de cada um”. Cada um avesso à total objetividade e pura clareza nas nossas inexatas relações de interesse, na maioria do tempo.

  • Resenha | Se a Vida Fosse Como a Internet

    Resenha | Se a Vida Fosse Como a Internet

    Se a Vida Fosse Como a Internet - Pablo Carranza
    Se a Vida Fosse Como a Internet
    é uma HQ de autoria de Pablo Carranza, publicada pelo selo Beleléu, de quadrinhos independentes do Rio de Janeiro, em Julho de 2012, sob licença de Creative Commons (que por si só, já é uma atitude louvável). Ela usa metáforas e analogias, como seu próprio titulo sugere, para fazer graça e refletir sobre esse “novo mundo” digital, e como ele afeta nossas vidas.

    Se a Vida Fosse Como a Internet é um álbum de tiras e algumas histórias curtas, que usa situações do nosso cotidiano – cada vez mais mixado entre o mundo real e o virtual – para extrapolar situações da vida real, e qual seria o resultado disso se agíssemos como na Internet. Tudo levado com um humor escrachado, e usando de absurdos, que nos levam a situações impensáveis e engraçadíssimas, como o submundo dos arquivos excluídos, em que um cara, querendo de volta uma foto de sua ex-namorada pelada, adentra a lixeira do seu computador, e é claro que por lá ele encontrará figuras de todos os tipos, em situações bizarras. Outro exemplo é a história em que Felix (um dos poucos personagens que tem um nome), vai para o Rehab internético, que além de criar o Facebook analógico para suprir seu vicio, entra em parafuso quando ouve a palavra Fax.

    As situações usadas por Carranza, vai dos vícios com a internet, a falta de virgulas, os memes e piadas sem graça, quase todos os “hábitos” de internet são alvo de piada, e a cereja do bolo é uma dessas manias, que segue por todo o álbum e que culmina na história final, que são as citações fora de contexto e com autores trocados. Tanto a história final, quanto as citações me fizeram “rir litros kkkkkkkkkkk” sem deixar de pensar no que aquilo significa, e a crítica realizada.

    O traço da HQ em tom descontraído, me faz arriscar a dizer que o artista tem grandes quadrinistas como referência, Robert Crumb por exemplo (nesse caso tanto na arte, como no tipo de humor). Além de uma influência das próprias tiras que fazem muito sucesso na internet, muito bem trabalhadas e bem executadas. A arte tem também muitos Easter Eggs, some a isso, o fato que vários dos personagens são “anônimos”, a obra então nos passa a impressão, é tanto parte, como fruto, daquilo que ela mesmo satiriza, que é o mundo digital. Outro aspecto que contribui para isso, é o trabalho gráfico de diagramação, feito por Stêvz, que usa as orelhas do livro como se fossem um menu iniciar do Windows. A primeira página tem uma “tela” de login e senha. E a fonte do prefácio é uma mono-espaçada típica de terminais ou MS-DOS. Entre outros exemplos.

    Se a Vida Real Fosse Como a Internet é uma ótima HQ de humor adulto, realizada com o apoio do Programa Ação Cultural 2011, da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. Altamente recomendada, em todos os pontos que posso avaliar, arte, mensagem, humor. Está disponível para compra no site da Beleléu na versão impressa, autografada e com um poster. Ou a versão digital no site do Pablo Carranza via doação. Site este, também recomendado, com várias tiras relacionadas ou não, com a obra aqui citada.