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  • Resenha | Crônicas de Madureira: Das Fazendas de Açúcar ao Berço do Samba – Carlos Alberto Meda

    Resenha | Crônicas de Madureira: Das Fazendas de Açúcar ao Berço do Samba – Carlos Alberto Meda

    A identidade suburbana carioca é tema de inúmeras manifestações culturais. Cantos, músicas, letras de samba enredo já falaram demais a respeito da Zona Norte carioca e, entre elas, o bairro possivelmente mais conhecido além do mapa da Guanabara é Madureira, berço do samba, lar do maior mercado popular da América Latina e de tantos outros eventos míticos. Crônicas de Madureira: das fazendas de açúcar ao berço da samba mira contar um pouco dessa história, pelos olhos de alguém realmente apaixonado pelo lugar, o escritor Carlos Alberto Meda.

    O material é bem pessoal e a escrita que Meda mantém um formato jornalístico e também o formato literário de crônica com lamentos muito justos ao fato do bairro não receber do poder público a atenção que deveria receber, uma vez que é parte fundamental do que faz o Rio ser o que é, mesmo que não esteja nos principais cartões postais da Cidade Maravilhosa. Segundo o estudo do autor, o nome do bairro seria uma homenagem a um vaqueiro de conduta mal falada. Lourenço de Madureira era comprador de terras, arrendatário, e sua índole ruim o precedia, ao ponto de tornar confuso o motivo que fez com que fosse dele a inspiração para o nome do bairro.

    O autor mistura bem informações, dados informativos e um estilo de escrita lírico. Poetiza acontecimentos corriqueiros, burocráticos e estritamente comuns, e aborda o bairro desde os tempos imperiais, quando ocorreu a instalação do Laboratório Imperial Pirotécnico, a extensão da linha acessória de trem de Dom Pedro II, a atual Estação Central do Brasil, a fábrica de munição de Cascadura, até chegar aos tempos do século XX onde Madureira seria destaque comercial na cidade, reunindo compras de todo o território fluminense.

    O livro é curto, com pouco mais de 100 páginas e detalha historias de pessoas que deram nome as ruas do bairro, fala do adventos das linhas de ônibus, destaca brevemente a inauguração do Mercadão de Madureira e as iniciativas de pequenas autoridades locais em montar coretos para o Carnaval, que faziam concentrar o povo na festa da folia e fomentaram a fundação de agremiações como Grêmio Recreativo Escola de Samba Portela e Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, além de colégios e agremiações esportivas como o Madureira Esporte Clube, nesse ponto em específico, detalhando bem os clubes que se fundiram algumas vezes para formar o simpático Tricolor Suburbano.

    Meda associa bem a retirada de mão de obra escrava das fazendas com o processo de favelização do bairro, pois uma vez que as fazendas deixaram de ser produtivas, e sem estrutura para assalariar a mão de obra,  os alforriados e demais pessoas de renda baixa não tiveram para onde ir, com alguns ex-escravos preferindo trabalhar em troca de moradia e comida junto aos antigos patrões na época das fazendas, enquanto outros migravam para moradias perigosas, tomando posse de terras improdutivas e também subindo os morros, que não eram lugares seguros graças as chuvas e deslizamentos de barrancos.

    Entre o simples descrever de fatos notáveis ano a ano, e breves citações aos eventos únicos do bairro como a dança de origem africana acompanhada de tambores e batuques, o Jongo da Serrinha, Meda traz luz a uma época de glamour em Madureira. Não que atualmente o bairro seja tão diferente, afinal é um dos mais lembrados do cenário carioca, mas claramente não é igual a época analisada aqui. O autor tem um genuíno amor por seu terra e lugar, e registra bem os causos, lendas e mitos que fizeram Madureira ser um lugar de luta e inspiração para todos que passam, visitam ou moram no bairro.

  • Crítica | Rio Ano Zero

    Crítica | Rio Ano Zero

    O filme da francesa Aude Chevalier-Beaumel começa com uma narração em inglês. O narrador, em seu carro, observa a Cidade Maravilhosa e diz querer estar próximo da ação e do povo, e não do poder, porque esta interação é bonita, a melhor coisa que poderia ocorrer com a cidade. Rio Ano Zero varia entre os momentos em que a violência do Rio de Janeiro é exposta – seja pelas armas que os seguranças precisam carregar em seu ofício, seja pelos morros, paramentados com toda sorte de arsenal pesado – como uma das alternativas políticas, diferente demais das figuras de poder presentes na tradição governamental da antiga capital do país.

    Marcelo Freixo não é afagado pela imprensa. Logo no início, é filmado em um estúdio da CBN tendo de responder se evadiria o país novamente, uma vez que estava sendo ameaçado de morte por milicianos, cujo cerco havia se apertado graças a CPI das Milícias. Os funcionários que estavam armados serviam a si mesmos, numa exposição clara de como funciona a rotina do Rio de Janeiro e como age o poder paralelo quando encontra um desafeto.

    A intimidade do professor de história, e intenso combatente deputado estadual, é mostrada não só em seu discurso extenso contra a corrupção, mas escrutinada até em seu cotidiano, em sua casa, com a câmera passeando entre sala e escritórios, capturando cenas onde ele está inclusive trajando pijamas. O foco é obviamente as denúncias do candidato do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) contra a criminalidade crescente no Estado do Rio, provocada por organizações de cunho mafioso, que vivem tranquilamente, habitando a mesma cidade que abrigaria a Copa do Mundo, Olimpíadas e a Jornada Mundial da Juventude. A conivência do prefeito e candidato à reeleição da eleição de 2012, Eduardo Paes, com uma chancela de vinte partidos, visava evitar o segundo turno e qualquer debate direto.

    A diferença de tempo disponibilizado no horário eleitoral era de pouco mais de um minuto para Marcelo, enquanto Paes dispunha de 16, em virtude do número de parlamentares na câmara municipal. As acusações ao mandatário da cidade prosseguem fortes e cada vez mais intensas, assim como a intensa corrida eleitoral.

    Freixo usa sua boa fala para destacar alguns pontos “a favor” da milícia, lembrando a boa aceitação desta com a opinião pública – a exemplo das falas de políticos antigos, como Cesar Maia, que afirmavam que esse sistema era a autodefesa da sociedade. Até a população geral a abraçava, graças ao modus operandi típico das organizações mafiosas pelo mundo, que apresentam um braço assistencialista e outro de terror, equilibrando caos e uma falsa atenção aos necessitados, em práticas puramente demagógicas.

    Toda a mudança na arquitetura da cidade é registrada pelas lentes, com a poluição visual e física causada pelos estandartes e santinhos, especialmente nas áreas periféricas da Zona Norte e Oeste. Como é destacado pelo próprio biografado, há um monopólio de informação, já que só há um jornalzão carioca, O Globo, do grupo de Roberto Marinho, que obviamente privilegia uma fatia de candidatos que estão na posição à direita. É neste ponto que mora o maior problema do filme, o qual repete um dos inconvenientes da esquerda, que secularmente fala a favor dos pobres e incautos, mas que não consegue ser plenamente entendida por estes, já que a sua fala é pomposa, não nem um pouco popular, emulando o traquejo de Freixo.

    As formas de comunicação utilizadas pela campanha do PSOL foram, em sua maioria, via internet, já que a massa começou a consumir o conteúdo digital. A tentativa do partido em ser pioneiro se deu não só em método político, mas também em divulgação, por meio de colaboração não comissionada. Se a ingenuidade prevalece em grande parte dos colaboradores de Marcelo, há uma estreita vontade de mudança, uma não consensual mudança, uma mudança que não prevê apoio daqueles que torturaram a máquina pública e o seu povo, que opta por revidar as injustiças que sofre há muito tempo, não com ódio, mas sim com uma tenaz esperança, que ganha corpo com a candidatura ética do deputado.

    A câmera passeia por vias laterais, mostra um lado de Freixo um pouco diferente do exibido na campanha, mas que guarda muito mais semelhanças entre rotina e discurso do que a maior parte dos políticos brasileiros, já que as causas e bandeiras populares presentes na fala do então candidato se refletem na sua privacidade, mesmo na banalidade do seu dia a dia.

    A sensação após o resultado final do primeiro turno, que sinalizava a não realização de um segundo certame, não foi abraçada pelo combatente e por seus partidários como um revés, já que a mudança da postura do povo parecia algo maior, assim como a postura da parcela mais jovem da população. As limitações e precariedades da campanha ajudaram a unir os que participaram da campanha. Abraçados pelo povo, por aqueles que se sentiram parte daquela jornada, não só por votarem naquela legenda, mas também por espalharem a mensagem de que nenhum adversário deveria ser tão respeitado e que não pudesse ser derrotado. A direção de Chevalier-Beaumel, apesar de fugir bastante do escopo fundamental ao escolher um viés um bocado utópico do pensar político, ao menos prima por um belo sentimento, focado na transparência do postulante revolucionário, que, nas últimas eleições, foi o mais votado de seu segmento no Rio de Janeiro, e que parece crescer em popularidade para uma possível candidatura à prefeitura da cidade em 2016.

  • Review | Websérie: Eu Mesmo – Primeiros Episódios

    Review | Websérie: Eu Mesmo – Primeiros Episódios

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    Sabe essa nossa intenção generalizada de agradar a todos? Sabe, sim. O medo de mostrar nossa autenticidade ao meio que vivemos, ou seja, nunca a sociologia foi tão fácil de aprender. Numa sociedade em que cada um precisa, deve e tem que ter suas verdades na ponta da língua, sobre qualquer verdade alheia, webséries têm sido um meio pessoal em prol de uma grande visibilidade multimídia para, ao invés de mostrar quem somos como coletivo, reproduzir sátira e alternativamente como cada um é, enxerga, prova e sente o mundo. Primeiro o interior, antes daquele que nos faz ser como somos. Meio o que o Cinema, TV e o Teatro sempre ajudaram a aprimorar, apenas com forma e plataforma mais ambiciosa, por mera excelência artística.

    Nos primeiros seis episódios distintos, dialéticos e diversos nos temas preservados através do seu único protagonista, Gregório, pode-se notar as razões para os próximos capítulos de Eu Mesmo já estarem em gestação na cidade do Rio de Janeiro. A proposta cativa não pela simplicidade envolta em análise psicológica, mas pela interatividade e metalinguagem através de diálogos e esquetes que conversam entre si, conjurando pequenos curtas-metragens que, no mural que conserva a qualidade de todos, acabam por se completar, na ânsia de ilustrar uma existência sem contornos definidos senão por ela mesma.

    Ao longo de atitudes shakespearianas e claras influências dualistas de Woody Allen no contraste particular do ser o que é, em pleno envolvimento multifacetado de se viver numa metrópole urbana do século XXI – onde o conceito de Durkheim vem à tona acerca da necessidade das sociedades orgânicas de fazer o individual se sobrepor, na aquarela das calçadas, ao público -, o primeiro sexteto de episódios de larga identificação popular é a introdução ao universo de Gregório, com argumentos sobre o futuro e o passado a partir da perspectiva de uma geração ainda em construção do seu próprio mundo; espaço novo de questionamentos além-tempo.

    De visão pessoal, evitando o egoísmo, a autocrítica, ou de ser exclusiva ao próprio umbigo, por vias onde facilmente culminaria no desinteresse inevitável, a impressão é que cada pequena história – não dependente da outra, ainda que parte do mesmo mosaico – é um relato extraído e atuado em divãs coloridos e não semelhantes, onde quem é agraciado com conclusões somos nós, diretamente, durante todas as projeções rápidas e ritmadas. Assim sendo, graças a uma montagem invisível, indutiva ao riso e ironia do conteúdo de Eu Mesmo, que tem formato de televisão, aspecto de cinema e atuações expressionistas, como montagens teatrais que valem dez reais e sempre lotam a plateia devido ao resgate do que é descomplicado, neste nosso “mundo de cada um”. Cada um avesso à total objetividade e pura clareza nas nossas inexatas relações de interesse, na maioria do tempo.

  • Anotações na Agenda 02 | Feedback e Notícias

    Anotações na Agenda 02 | Feedback e Notícias

    Sincronizem suas Agendas. Flávio Vieira (@flaviopvieira), Levi Pedroso  (@levipedroso), Bruno Gaspar e Rafael Moreira (@_rmc) retornam para um bate-papo descontraído sobre as principais notícias da semana, além de ler os comentários e emails das edições passadas enviados pelos ouvintes.

    Duração: 48 min.
    Edição: Flávio Vieira
    Trilha Sonora: Flávio Vieira

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    Comentados na edição

    Agenda Cultural 19 – Um Morto que caminha, Hurley e Larissa Riquelme
    Agenda Cultural 20 – Nostalgia, Possessões e muita Polêmica
    Agenda Cultural 21 – O Retorno do Rei, A Canção dos Bardos e a Volta do Coronel
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    Deviantart – Bruno Gaspar
    Galeria Hentai – Bruno Gaspar
    Projeto – Graphic Novel Negrinho do Pastoreio

    Playlist da Edição

    Cyber Heart (Cybercops) – Hiroshi Nishikawa
    Jikuu Senshi Spielvan (Spielvan) – Ichiro Mizuki
    I Will Always Love You – Kenny G
    Comando Estelar Flashman (português)
    Being Held In Love (Solbrain) – Takayuki Miyauchi
    Mobile Detective Jiban (Jiban) – Akira Kushida
    Unare Jikou Shinkuu Ken (Jiraya) – Akira Kushida
    Chou-denshi Bioman (Choudenshi Bioman) – Takayuki Miyauchi
    Senda no Rider (Kamen Rider Black RX)
    Metaltex Jaspion (português) – Fred Maciel
    Shooting Star (Cybercops) – Mika Chiba
    It’s All For Loving You (Kamen Rider Black RX) – Takayuki Miyauchi
    Passion Explosion (Jiban) – Akira Kushida
    Degenki Sentai Changeman(Changeman)Hironobu Kageyama
    O Fantástico Jaspion (Português) – Fred Maciel

  • Resenha | Elite da Tropa 2 – Luiz Eduardo Soares, Rodrigo Pimentel, André Ramiro e Cláudio Ferraz

    Resenha | Elite da Tropa 2 – Luiz Eduardo Soares, Rodrigo Pimentel, André Ramiro e Cláudio Ferraz

    Elite da Tropa 2A continuação da polêmica histórica contada por Luiz Eduardo Soares (Antropólogo e ex-secretário de segurança do RJ), Rodrigo Pimentel (ex-bope) e André Ramiro (ex-bope e atual major da PM) em 2007, com o livro Elite da Tropa, retorna com seu segundo volume, acrescentando entre o time de autores, Cláudio Ferraz, delegado chefe da DRACO (Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e de Inquéritos) e peça chave no combate ao crime contra as milícias. Para aqueles que não acreditavam ser possível descer mais fundo na questão da segurança pública do que o quê já havia sido feito em Elite da Tropa, aqui nos deparamos com uma realidade muito mais cruel.

    Trazendo o dia-a-dia de uma unidade tática da polícia civil, onde ainda é possível vislumbrar profissionais honestos e que se dispõe a fazer a diferença em meio ao mar de corrupção que assola a sociedade e o governo. Sob o ponto-de-vista dessas pessoas, nos deparamos com um sistema penal e judicial desatualizado, que já escancara sinais de desgaste ao longo de todos esses anos.

    O protagonista e narrador do livro é um inspetor da policia civil da mesma unidade de Cláudio Ferraz, a DRACO, e com o início do livro sabemos que este está afastado da unidade devido a um acidente que o acabou deixando em uma cadeira de rodas. Com o desenrolar do livro, vamos nos informando a respeito do destino trágico que o levou aquilo, além de próprios comentários que ele vai postando no twitter (para quem quiser conferir o perfil, clique aqui) e estão ali para enriquecer a história, o que aliás foi uma grande sacada dos autores, independente do personagem ser ficcional. Uma pena esse tipo de ação ter se perdido, devido a exclusão e postagem dessas mensagens repetidamente.

    Já em seus capítulos iniciais, temos um relato detalhado envolvendo todo o mistério do desaparecimento de Patrícia Franco, engenheira recém-formada que desapareceu em 2008 e estampou os jornais não só do Rio de Janeiro como do Brasil. É lógico que os autores evitaram fazer referência direta ao caso e utilizaram nomes, locais e datas falsas, mas para quem se lembra do caso é inegável não relacionar, deixando evidente sobre quem estão falando. O crime foi ato de milicianos e o livro narra com riqueza de detalhes toda a sequência de acontecimentos anteriores e posteriores à morte da jovem.

    Assim como no filme, o foco do livro são as milícias do Rio de Janeiro, e temos todo um relato detalhado pelo narrador do livro de como estas começaram a se formar e toda coerção que impuseram nessas regiões, além de detalhar todo o lucro exorbitante que esta gera. A dificuldade dos policiais dispostos a combater este tipo de crime organizado fica claro no livro, seja pelos depoimentos de testemunhas, que são feitos em um dia e desfeitos no outro, devido ao medo que esse bando exerce sobre a população; seja pelo poder de influência que estas exercem sobre o poder judiciário e legislativo; ou mesmo pelo risco de contaminação que existe dentro da própria polícia, não sabendo ao certo quem é confiável o bastante para apoiar tais ações.

    Da metade para o final do livro já temos nosso inspetor como um cadeirante e não podendo dar apoio efetivo na DRACO, este passa a trabalhar no gabinete do deputado Marcelo Freitas – ou se preferirem, Marcelo Freixo, deputado estadual do Rio de Janeiro pelo PSOL – que prepara uma CPI contra as milícias. Durante este trecho do livro, temos um flashback do Marcelo Freixo (desculpem, mas fico mais a vontade chamando pelo nome real), durante a famosa rebelião ocorrida em Bangu I em 2002, liderada por líderes do Comando Vermelho, entre eles, Fernandinho Beira Mar e “Escadinha”, todos com nomes alterados, logicamente, mas que nem por isso, não torna fácil a associação.

    Durante esta rebelião, onde foram mortos quatro peças importantes de facções rivais, temos Freixo e um comandante do BOPE na época tentando apaziguar a situação sem chegar a extremos e nos deparamos com a então governadora, Benedita da Silva, após forte hesitação, ordenando uma chacina no presídio, através de um conselho de alguém do alto escalão do partido (supostamente, José Dirceu), mas que no entanto, foram descumpridas pelo então comandante do BOPE, o que acabou terminando de uma maneira menos brutal, sem um extermínio geral.

    Histórias como essas você irá encontrar no livro, que buscam acima de tudo um compromisso com a verdade, seja ela qual for. Luiz Eduardo Soares teve o papel de escrever o livro, enquanto os outros três co-autores foram os responsáveis por fornecer boa parte de toda a fonte de pesquisa para a realização do livro, sendo um material riquíssimo sobre a organização das máfias brasileiras, que não se enganem, não estão se proliferando apenas no Rio de Janeiro, como por todo o Brasil. A narrativa está muito mais fluída e rica, fator fundamental que pecava um pouco no primeiro livro, e a escolha de um personagem central para a trama ajuda bastante no envolvimento da história. Apesar de não precisar mencionar, mas a trama tem poucas semelhanças com o filme em questão, porém, compartilham as mesmas intenções, a denúncia e a conscientização.

    Elite da Tropa 2 é leitura obrigatória para entender como funcionam as engrenagens da segurança pública. Poderia defini-lo como revelador, chocante, polêmico, e outros tantos adjetivos, mas isso diminuiria o valor do livro. Leitura fundamental.

  • Resenha | Elite da Tropa – Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel

    Resenha | Elite da Tropa – Luiz Eduardo Soares, André Batista e Rodrigo Pimentel

    Elite da TropaElite da Tropa surgiu antes de todo o estardalhaço levantado com o filme do José Padilha, Tropa de Elite, e apesar de em menor escala, o livro gerou muita discussão devido aos assuntos abordados. Fruto do trabalho em equipe do Antropólogo Luiz Eduardo Soares, que escreveu o livro com base na experiência e pesquisa de trabalho dos integrantes do BOPE (Batalhão de Operações Policiais Especiais da Polícia Militar do Rio de Janeiro), André Batista e Rodrigo Pimental. Elite da Tropa traz um grande diferencial, narrar o cotidiano dos policiais sob o ponto de vista deles próprios, mostrando a realidade de cada um, doa a quem doer.

    O trabalho dos autores trouxe uma visão muito mais abrangente daquela mostrada no filme do Padilha e aqui, o buraco é mais embaixo, deixando claro que o problema de segurança do RJ não é apenas culpa da polícia que age coercitivamente no trato da criminalidade (e também com aqueles que estão à margem da sociedade) e a corrupção que já faz parte da sua rotina, muito pelo contrário, notamos que esses problemas estão profundamente arraigados nas instituições públicas, não só de segurança.

    As histórias do livro são divididas em duas partes. A primeira delas, denominada “Diários de Guerra”, vemos um relato detalhado das incursões da PM nas favelas cariocas. A violência policial é recorrente durante boa parte desses “diários”, deixando claro a forma como a polícia trabalha, usando esses meios de forma ilegal e arbitrária.

    Nessa primeira parte temos relatos não apenas do BOPE, como da PM em geral, porém, o foco maior é dedicado para a tropa de elite carioca, dando informações sobre seu treinamento, dia-adia e sua função caótica no quadro da segurança pública do Rio de Janeiro. Já em seu início, sabemos um pouco sobre o motivo do qual o BOPE é chamado de “incorruptível”. De acordo com seus membros, isso está ligado diretamente ao fato de pertencerem a um grupo pequeno e seleto de homens, que tem orgulho de fazer parte daquela elite e semeiam o sentimento de honestidade entre eles, punindo severamente os que não seguem este preceito, porém, os mesmos policiais têm plena consciência que isso só é possível pelo número pequeno de oficiais pertencentes a equipe naquele momento.

    Nesses “Diários” já é possível analisar como o indivíduo é corrompido na corporação, dividindo-os entre aqueles que se omitem, os que se tornam cúmplices. Em contrapartida, temos aqueles que estão nadando contra maré, os que caem de cabeça nessa “guerra” até o fim. Práticas de tortura, coação da população menos abastada e extermínio fazem parte do cotidiano desses homens. Por outro lado, culpar a polícia por seus atos violentos é tão ingenuo quanto acreditar que nossos políticos são honestos, ora, esse tipo de ação é aprovado a todo momento, seja por seus superiores, pelo próprio governo ou é claro, pela nossa sociedade.  Como se os policiais tivessem responsabilidade exclusiva, como se os governos e as políticas adotadas não fossem responsáveis pelo caos que a instituição herda.

    Os próprios policiais têm conhecimento que esse tipo de ação provocou apenas o aumento da violência. A política de extermínio (“Na dúvida, mate. Não corra, não morra”), aprovada pelo próprio governo do RJ, se transformou em uma guerra pessoal entre criminoso x polícia, já que as possibilidades de ser morto é maior do que a de ser preso, é “matar ou morrer”, além de que para o policial isso se torna uma vingança pessoal, contra morte de civis e outros policiais, provocada pelos atos desses delinquentes.

    “Dois anos depois: a cidade beija a lona”, segunda parte do livro, traz uma narrativa bastante diferenciada da primeira, pois é focada muito mais no aspecto político das polícias e o quão corrompido as organizações do governo estão. Uma rede de corrupção vai sendo formada aos poucos, e a leitura torna-se absurda a cada parágrafo, devido aos fatos narrados não serem mera ficção, e sim a realidade sem rodeios, beirando o irreal, dado o nível de corrupção e quão baixo um homem pode ir para alcançar seus objetivos.

    Nessa segunda parte, os criminosos do morro dão lugar a bandidos de colarinho branco, empresários e políticos se juntam aos policiais corruptos, formando uma grande rede de interesses onde são gerados acontecimentos que aos olhos da sociedade não tem co-relação, porém, tudo se junta em um objetivo maior. Uma grande conspiração vai se armando, onde apenas os que vivenciam aquele dia-a-dia conseguem conectar os pontos, já que os propósitos não são facilmente identificados e para a grande massa, o bom serviço está sendo feito.

    O maior mérito do livro são as histórias narradas pelos próprios policiais e não romancear as mesmas. A maioria delas te atinge como um soco no estômago, dado o nível de realismo e detalhes que são contadas, seja os níveis de corrupção que a segurança pública atingiu ou mesmo a brutalidade e até mesmo um certo sadismo que fazem parte de alguns policiais. Tudo isso pode não ser novidade, afinal, a corrupção e esses atos atrócitos já foram denunciados por jornalistas, militantes de defesa dos direitos humanos e entidades internacionais, o fato é que isso nunca partiu das próprias instituições de segurança pública, como o que acontece aqui.

    Ser policial no Brasil não é fácil, principalmente se ele for militar, o salário é ínfimo, assim como seu reconhecimento. Os que não se rendem a corrupção, tem de trabalhar na área de segurança privada para complementar sua renda, ficando na ilegalidade. Já o cidadão comum não tem conhecimento do verdadeiro motivo da segurança pública do Rio de Janeiro ser da forma como é, todos os dias ele é condicionado a pensar através dos noticiários.

    Ao matar o responsável pelo tráfico de determinada favela, acreditamos que com isso a taxa de criminalidade está diminuindo. Ledo engano. Ao eliminar um, rapidamente outras pessoas assumemo seu lugar. A “mão-de-obra” é grande, gera um ciclo infinito se continuar da forma que está. A estimativa de vida de um traficante é baixa e quando um cai, existem vários outros esperando sua chance para entrar para o “movimento”.

    O narcotráfico só terminará com outras políticas, o combate direto não é a solução, como o livro deixa bem claro, é necessário intervenções nos orgãos públicos, não só de segurança, do contrário não haverá mudança. Continuará existindo a limpeza social para eliminar não apenas os bandidos, mas aqueles que estão no meio desse fogo cruzado, a mazela que está a beira da sociedade, mas não se engane, a elite nunca terá o mesmo tratamento que o favelado, que o negro, o mais pobre. Essa violência não é aplicada nos filhos de empresários que financiam o tráfico, ou pior ainda, naqueles que estão atrás de sua imunidade parlamentar, aí o tratamento é outro, infelizmente, como relata um dos protagonistas.

    A narrativa é simplista, mas o grande mérito está no que já foi dito, mostrar toda a fragilidade da segurança pública que vivemos, não apenas do Rio de Janeiro, pois esta realidade está presente em todos os grandes estados brasileiros. Os autores colocam o dedo fundo na ferida e a realidade é escancarada de dentro pra fora. Um relato obrigatório para aqueles que querem entender o caos que o sistema se tornou, independente do cárater “fascistóide” que o livro direciona em alguns momentos.

    Como diria Cel. Nascimento, o sistema é foda, parceiro, e ainda vai morrer muita gente inocente.

  • Crítica | Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro

    Crítica | Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora É Outro

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    Demorei cinco “longos dias” para juntar coragem em entrar numa sala de cinema que tivesse o cartaz do novo filme de José Padilha. Tentar anestesiar o monstro da ansiedade sobre o que esse diretor traria talvez tenha sido o motivo dessa minha letargia inicial.

    Vacinado com o modismo que se apropriou, no primeiro filme do BOPE e de seu fictício capitão, não me permitia acreditar nos (até o momento deste post) mais de 2 milhões de espectadores que foram, antes de mim, dar os olhos à surpresa das novas agressões que Padilha nos traria dessa vez.

    Mais que números e toda sorte de merchandising pós-filme-febre, minha reserva em ser levado pelas massas estava direcionada à dúvida sobre como os responsáveis pelo longa desenvolveriam ainda mais uma história que, desde o documentário Ônibus 174 já estava lustrada o suficiente para mostrar outros personagens que não apenas a díade de mocinhos e bandidos: nós próprios, “cidadãos de bem”, em nossa cativa passividade. Como, nessa sequência, o BOPE poderia ser mais “dissecado” do que fora anteriormente? Haveria um novo banho de sangue? Conheceríamos um novo repertório de palavrões e frases de efeito, entre fanfarrões e pedidos para sair? O que Padilha, agora associado a Mantovani (um dos nomes por trás de Cidade de Deus) teriam preparado para nós?!

    Quando a tela do cinema focou no filme, deixando para trás toda propaganda barata e efêmera, essa que pinta uma realidade rósea, bombardeando nossos sentidos dia a dia, foi projetada uma frase, que além de contrastar com o cenário habitual e comercial descrito neste parágrafo, colocava em transe não só o que as milhões de pessoas veriam a seguir, mas o próprio contexto social e político-eleitoral latente, porta do cinema afora:

    “Qualquer semelhança com a realidade é apenas uma coincidência. Essa é uma obra de ficção.”

    Pois, a “ficção” que ali se desenrolava trazia um problema de coordenação à dinâmica de quem a assistia: pensar sem respirar.

    Refletir sobre um Estado que, ao invés de coibir a violência e todos os seus derivados, está engendrado a estimulá-la por suas próprias instituições, no filme representadas pelo Poder Judiciário, na “idônea” polícia militar fluminense (tal qual aconteceu no primeiro filme), já era mote esperado nesta sequência. Contudo, Padilha fez mais: desdobrou a corrupção aos quinhões dos Poderes Executivo (representados na figura de um Governador inexistente e de um Prefeito estético e estático) e Legislativo (capaz de acomodar as mais caricatas figuras ao corpo dirigente, de um apresentador televisivo sensacionalista a um palhaço iletrado. Opa, perdão, não há palhaço iletrado na “ficção” de Padilha).

    A trama que o roteirista e diretor fez questão de mapear como irreal mostra um período posterior à saga do primeiro filme, mas que corresponde à nossa atualidade, onde o crime na “Cidade Maravilhosa” teria sido desorganizado pelo BOPE, agora mais estruturado e com maior campo de ação no combate à criminalidade carioca. Contudo, no vácuo desse poder paralelo, então supostamente erradicado, outra fonte de poder se apossou dessas fronteiras periféricas: as milícias. Constituídas e aparelhadas por policiais e políticos, fazendo com que a elite da tropa, representada na figura do, ainda, arrogante, inflexível, bad-ass-motherfucker e, acima de todas as demais características, determinado Nascimento. Esse que, de Comandante Geral do Bope à Sub Secretário de Inteligência, percebe a complexidade do sistema corrupto que assola nosso País e sua incapacidade de modificá-lo pelas vias “legais e pacíficas”.

    Os atores que dão personalidade aos personagens “cumprem a missão dada”. Enquanto Wagner Moura ratifica o principal personagem de sua talentosa carreira, Milhem Cortaz e André Ramiro mantém a maturidade de suas interpretações e reavivam a nostalgia dicotômica de seus personagens: a volta do malandro (tipicamente brasileiro) Capitão Fábio, contrastando com a severidade e disciplina militar de André Mathias. Somando esses altos patamares, outros personagens menores recebem nomes e interpretações muito além do que se esperaria desses na trama. Destaques que faço às representações de Antré Mattos, como o típico político que temos escolhido, Seu Jorge, num “Zé Pequeno” amadurecido e Irandhir Santos, que de figura secundária conseguiu elevar seu personagem a um embate paralelo na trama com Wagner Moura: as duas facetas (ou as “Duas-Caras”) da justiça.

    O desafio de respirar (asfixiado por um saco, parágrafos atrás) foi a acrobacia que todo espectador teve de realizar para refletir enquanto era esbofeteado por uma produção cara, importada e refinada, com direito a tomadas aéreas ausentes no primeiro filme, câmera dinâmica nas cenas de ação, roteiro truncado entre quem morria, como falecia e os porquês de cada “baixa”, uma fotografia propositalmente crua, oscilando entre cores fortes nas dependências abastadas, oficiais e, claro, no sangue jorrado, contrapondo com a opacidade desbotada da miserabilidade e condição rudimentar das comunidades.

    A edição, ainda que sem ineditismo algum em relação ao primeiro filme (iniciando um pouti-porri de cenas do primeiro e sucedido por uma apresentação que, tal qual em Cidade de Deus ou no primeiro Tropa, estampava uma cena-chave complementada e explicada ao longo da história), dá ritmo aos nossos fôlegos, de forma inteligente a cada salto da atividade profissional de Nascimento, assim como a cada tropeço na relação desse com seus entes: filho, ex-esposa e Mathias.

    A trilha sonora não se mostrou impactante como no primeiro. Fixar o grupo Tihuana na música tema, ainda que em nova versão, foi um voto pela preservação de uma imagem que já fora construída, assim como optar por um repertório bem conhecido entre faixas e artistas, caso de Paralamas, Marcelo D2 etc. Ademais, os efeitos sonoros ficaram bem alinhados com as cenas de ação.

    Extasiado, vi as cenas aéreas e audaciosas (não tecnicamente) finais desse filme cru, cruel e NADA fictício, com certo otimismo. Não se tratava de esperança nos dirigentes de nosso País que, ao meu ver, já estão de “pomba-gírice” há muito tempo, mas sobre o futuro da mensagem de Padilha que, tal qual fazia Sérgio Bianchi em seus filmes, mas sem arrebatar milhões de expectadores, novamente nos coloca em xeque:

    Se nada acontecer para mudar o cenário cancerígeno de nossos sistemas político e social, fodeu para todos nós. E, parafraseando Capitão Fábio (o modelo de nossa brasilidade), se “quer me foder? Então me beija!”

    Texto de autoria de Luciano Francisco.