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  • Crítica | Geraldinos

    Crítica | Geraldinos

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    Localizado bem próximo do campo do Maior Estádio do Mundo, com pouquíssima distância entre a torcida fanática por seu time ou seleção, se situava a lendária seção da Geral, um lugar desconfortável, apertado pela quantidade enorme de gente e repleta de paixão, alegria, folclore e tradição. Geraldinos explora essa faixa da torcida que frequentava o setor barato e popular, onde habitavam os adeptos que amavam seu objeto de culto e, claro, o patrimônio carioca resultante no Estádio Mario Filho, o Maracanã.

    Pedro Asbeg e Renato Martins voltam a atenção de suas câmeras para a parte de dentro do estádio, raramente enfoca jogadores e comissão técnica, mostrando o caráter do filme: a simplicidade do homem comum, evoluindo um pouco do conceito já mencionado no belo Democracia em Preto e Branco, dirigido pelo primeiro. Da parte dos entrevistados, há um estudo interessante sobre o perfil do homem que acompanhava seu time, assinado pelo jornalista Apolinho, que destacava a corneta feito por alguns.

    A maioria dos jogadores tinha uma estreita relação com os geraldinos, como Romário, que se permite falar que gostava de ser xingado pelos torcedores, fazendo disso combustível para superar seus próprios marcos enquanto atleta. Os frequentadores eram de diversas classes, mas normalmente muito pobres, como destaca o jornalista Lúcio de Castro, gente cujo alcance dos sonhos é muito pequeno, e que tinha naqueles momentos uma fuga de suas vidas difíceis, como se naquele curto espaço os sonhos não estivessem tão distantes.

    A troca entre torcida e jogadores envolvia uma trama de amor, ódio, cobrança e entrega, normalmente louvada pelos que adentravam o sagrado gramado do Maracanã. Pouco após os vinte minutos de exibição, se discute o papel político do estádio, desde a extinção do setor até a elitização da cidade como um todo, eliminando o caráter de reunião entre pobres e ricos no mesmo lugar, com a prática proibitiva aos que têm menos renda, movimento que começou antes das reformas recentes do campo, como dito pelo deputado estadual Marcelo Freixo e ressaltado pelos próprios torcedores, após 2005, ano do desfecho do setor.

    A realidade entre o futebol brasileiro e europeu não se reflete apenas na qualidade técnica e tática dos campeonatos, mas também da capacidade que os que tradicionalmente lotam o espetáculo têm financeiramente. Mesmo na Inglaterra, onde os ingressos são mais caros, há setores populares que foram eliminados nessa nova versão de futebol moderno implantada no Brasil, artifício que só funciona em tecnologia quando se trata de encarecer o produto, já que em termos de corrupção e amadorismo nunca houve tanta desfaçatez em exercer-se a desonestidade.

    A fala de Marcelo Frazão, que é o representante do Consórcio, que há pouco tempo o Maracanã exerce sobre a Geral, é emblemática, dizendo que visitou o lugar e o achou insalubre, vergonhoso, onde não se tinha visão do campo. De fato, a visão era prejudicada, mas não era com esse intuito necessariamente que o sujeito pagava aquelas poucas moedas que tinha para assistir a um jogo, já que os motivos variavam entre confraternizar, somente ver uma parcela do campo ou viver a adrenalina de um jogo de futebol in loco, aspectos que normalmente não seriam valorizados por um burocrata que pensa unicamente no lado monetário do esporte.

    As imagens de arquivo remetem a um tempo infelizmente morto, de uma época em que ser pobre e suburbano não era um pecado diante dos que mandavam no velho e bom Maraca. Hoje, o homem comum é relegado a acompanhar a sua paixão clubística no pay-per-view, isso quando consegue dinheiro para assinar esses pacotes, distante do projeto de cidade feita para os turistas, os mais ricos e abastados.

    A sensação de vibração e proximidade do suor e correria dos jogadores ajudava a aumentar a mística em torno do lugar, que se tornou sagrado desde a sua inauguração na Copa de 1950, a primeira ocorrida no Brasil, quando também abrigou a primeira final. A reportagem mescla imagens de um passado em preto e branco bastante distante, com o último Fla-Flu com a Geral. As histórias reais se misturam com a fantasia e alegria da contemplação participativa, em que os espectadores se enxergavam como parte integrante daquele show, e não apenas como plateia. Esse mundo mágico teve fim em 25 de abril de 2005, e a revolta se agravaria.

    Geraldinos poderia ser um ótimo filme sobre a memória afetiva do esporte. Mas seu caráter é maior que isso, sua intenção é destacar os desmandos dos mandatários e a evolução da exploração comercial do esporte bretão. O salto temporal, de 2005 para 2013 e 2014, mostra os mesmos torcedores populares tendo sua rotina de acompanhar o time em casa, ou nos bares, distante do gramado glorioso. A exposição desse terrível banimento do pobre, matando o efeito que existia, cobrando-se de 80 a 150 reais pelo espaço que há poucos anos chegava a ser um real, o lugar que era marginalizado, agora é dos grã-finos, do torcedor tipo plateia de teatro, letárgico, sem vida.

    O choro engasgado de Castro serve de símbolo da reação e indignação do povo, que é impedido de fazer sua festa. Apesar de algumas palavras positivas e otimistas, os momentos pré-créditos finais são bastante melancólicos e desesperançosos, contrariados apenas pelo belo conjunto de fotografias dos geraldinos, que eram a alma da espetacular exibição do futebol carioca nos tempos áureos, e que, insistentemente, se obrigam a ainda acompanhar seu objeto de devoção, ainda que distantes do campo dos sonhos, já inexistente.

  • Crítica | Rio Ano Zero

    Crítica | Rio Ano Zero

    O filme da francesa Aude Chevalier-Beaumel começa com uma narração em inglês. O narrador, em seu carro, observa a Cidade Maravilhosa e diz querer estar próximo da ação e do povo, e não do poder, porque esta interação é bonita, a melhor coisa que poderia ocorrer com a cidade. Rio Ano Zero varia entre os momentos em que a violência do Rio de Janeiro é exposta – seja pelas armas que os seguranças precisam carregar em seu ofício, seja pelos morros, paramentados com toda sorte de arsenal pesado – como uma das alternativas políticas, diferente demais das figuras de poder presentes na tradição governamental da antiga capital do país.

    Marcelo Freixo não é afagado pela imprensa. Logo no início, é filmado em um estúdio da CBN tendo de responder se evadiria o país novamente, uma vez que estava sendo ameaçado de morte por milicianos, cujo cerco havia se apertado graças a CPI das Milícias. Os funcionários que estavam armados serviam a si mesmos, numa exposição clara de como funciona a rotina do Rio de Janeiro e como age o poder paralelo quando encontra um desafeto.

    A intimidade do professor de história, e intenso combatente deputado estadual, é mostrada não só em seu discurso extenso contra a corrupção, mas escrutinada até em seu cotidiano, em sua casa, com a câmera passeando entre sala e escritórios, capturando cenas onde ele está inclusive trajando pijamas. O foco é obviamente as denúncias do candidato do PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) contra a criminalidade crescente no Estado do Rio, provocada por organizações de cunho mafioso, que vivem tranquilamente, habitando a mesma cidade que abrigaria a Copa do Mundo, Olimpíadas e a Jornada Mundial da Juventude. A conivência do prefeito e candidato à reeleição da eleição de 2012, Eduardo Paes, com uma chancela de vinte partidos, visava evitar o segundo turno e qualquer debate direto.

    A diferença de tempo disponibilizado no horário eleitoral era de pouco mais de um minuto para Marcelo, enquanto Paes dispunha de 16, em virtude do número de parlamentares na câmara municipal. As acusações ao mandatário da cidade prosseguem fortes e cada vez mais intensas, assim como a intensa corrida eleitoral.

    Freixo usa sua boa fala para destacar alguns pontos “a favor” da milícia, lembrando a boa aceitação desta com a opinião pública – a exemplo das falas de políticos antigos, como Cesar Maia, que afirmavam que esse sistema era a autodefesa da sociedade. Até a população geral a abraçava, graças ao modus operandi típico das organizações mafiosas pelo mundo, que apresentam um braço assistencialista e outro de terror, equilibrando caos e uma falsa atenção aos necessitados, em práticas puramente demagógicas.

    Toda a mudança na arquitetura da cidade é registrada pelas lentes, com a poluição visual e física causada pelos estandartes e santinhos, especialmente nas áreas periféricas da Zona Norte e Oeste. Como é destacado pelo próprio biografado, há um monopólio de informação, já que só há um jornalzão carioca, O Globo, do grupo de Roberto Marinho, que obviamente privilegia uma fatia de candidatos que estão na posição à direita. É neste ponto que mora o maior problema do filme, o qual repete um dos inconvenientes da esquerda, que secularmente fala a favor dos pobres e incautos, mas que não consegue ser plenamente entendida por estes, já que a sua fala é pomposa, não nem um pouco popular, emulando o traquejo de Freixo.

    As formas de comunicação utilizadas pela campanha do PSOL foram, em sua maioria, via internet, já que a massa começou a consumir o conteúdo digital. A tentativa do partido em ser pioneiro se deu não só em método político, mas também em divulgação, por meio de colaboração não comissionada. Se a ingenuidade prevalece em grande parte dos colaboradores de Marcelo, há uma estreita vontade de mudança, uma não consensual mudança, uma mudança que não prevê apoio daqueles que torturaram a máquina pública e o seu povo, que opta por revidar as injustiças que sofre há muito tempo, não com ódio, mas sim com uma tenaz esperança, que ganha corpo com a candidatura ética do deputado.

    A câmera passeia por vias laterais, mostra um lado de Freixo um pouco diferente do exibido na campanha, mas que guarda muito mais semelhanças entre rotina e discurso do que a maior parte dos políticos brasileiros, já que as causas e bandeiras populares presentes na fala do então candidato se refletem na sua privacidade, mesmo na banalidade do seu dia a dia.

    A sensação após o resultado final do primeiro turno, que sinalizava a não realização de um segundo certame, não foi abraçada pelo combatente e por seus partidários como um revés, já que a mudança da postura do povo parecia algo maior, assim como a postura da parcela mais jovem da população. As limitações e precariedades da campanha ajudaram a unir os que participaram da campanha. Abraçados pelo povo, por aqueles que se sentiram parte daquela jornada, não só por votarem naquela legenda, mas também por espalharem a mensagem de que nenhum adversário deveria ser tão respeitado e que não pudesse ser derrotado. A direção de Chevalier-Beaumel, apesar de fugir bastante do escopo fundamental ao escolher um viés um bocado utópico do pensar político, ao menos prima por um belo sentimento, focado na transparência do postulante revolucionário, que, nas últimas eleições, foi o mais votado de seu segmento no Rio de Janeiro, e que parece crescer em popularidade para uma possível candidatura à prefeitura da cidade em 2016.