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  • Resenha | X-Men: Grand Design – Volume 1

    Resenha | X-Men: Grand Design – Volume 1

    X-Men: Grand Design é uma revista especial, cujo formato peculiar mira recontar a cronologia das revistas mutantes da Marvel ao estilo do trabalho anterior de seu autor, Hip Hop Genealogia, dividida em dois números. Esta versão será lançada em três volumes e conta com o alto conhecimento de Ed Piskor, e seu traço peculiar, sobre as histórias dos portadores do Gene X.

    O início da historia se dá com o ser senciente conhecido como O Vigia, que grava suas palavras com um ser autômato que o auxilia em seus registros. Piskor tem total domínio sobre sua história, remete a momentos vistos nas revistas originais de Stan Lee e Jack Kirby, reunindo também os famigerados retcons, organizados como se fizessem parte das histórias desde o início.

    A gênese dos personagens mutantes cita rapidamente o príncipe submarino Namor, que por sua vez causa na humanidade o primeiro grande receio aos mutantes, e a consequente rejeição à raça como um todo. Depois aborda rapidamente a dupla que Capitão América e Wolverine formaram na Segunda Guerra Mundial, passando também pela infância de Magnus e Charles, as contrapartes de Magneto e Professor X, incluindo os problemas de perseguição nazista de um, e os muitos problemas familiares do outro.

    O modo de estabelecer a jornada é episódica. A arte cartunizada acrescenta uma inocência e ingenuidade muito bem vindas. As histórias dos X-Men abordando temas pesados como intolerância e segregação de raça e de minorias. Então, um estilo de imagem próximo aos desenhos animados antigos traz uma sensação de familiaridade que ajuda a aplacar o azedume da humanidade que insiste em perseguir o que não entende.

    O traço de Piskor é muito característico. Combina bem com os personagens tal qual era Mike Allred com X-Tatics e X-Force, embora haja claro diferenças infinitas entre os dois traços citados. As referências dos desenhos resgatam até mesmo o seriado animado de 1992 que passava na Fox Kids.

    Na versão que a Panini apresenta há uma introdução inédita do rapper Emicida, que além de fã de Piskor é também dos X-Men. Como fruto da cultura hip hop, o artista brasileiro destaca que Grand Design faz uso de samples, que são trechos no rap que reciclam partes de outras músicas, com novos significados que reúnem passado e presente em uma nova arte. Um bom resumo do espírito e caráter deste especial, que está longe de ser uma história para introdução de novos leitores, mas sim dedicada a quem já conhece a jornada dos alunos de Xavier e Lehnsherr. Um prato cheio, com homenagens lindas e muitas referências aos personagens clássicos e aos obscuros que povoavam as páginas dos mutantes.

    Das mais de 120 páginas do encadernado, a história vai até nonagésima primeira pagina. Depois aparecem escritos antigos de Piskor que revelam que aquele era o seu Projeto dos Sonhos, dada a obsessão pelos mutantes e pela cronologia da Marvel que tinha desde que era pequeno, enquanto aprendia com sua mãe a desenhar. O que se vê é muita paixão e conhecimento e embora o remanejar de fatos e pessoas não seja tão ousado em fatos inéditos, tem um propósito belo, inteligente e genial até em sua simplicidade.

  • Resenha | Jeremias: Pele

    Resenha | Jeremias: Pele

    Normalmente quando escrevo para ao site busco manter uma estrutura com uma breve introdução, sinopse, discussão sobre o quadrinho e por fim uma avaliação se vale a pena ou não a leitura da HQ. Tal como o quadrinho de Rafael Calça (roteiro) e Jefferson Costa (arte) vamos mudar tudo e fazer algo diferente: leia, simplesmente leia esse quadrinho. Que me desculpe os outros autores que participaram da MSP, e muitos com grandes histórias, mas Jeremias – Pele é, em minha opinião, o melhor título lançado pelo selo até então.

    O primeiro ponto para sustentar essa minha afirmação é que esse quadrinho transcende os seus objetivos primários, não se trata apenas de entretenimento ou mesmo de arte se levarmos a discussão para esse campo, mas de uma abordagem que faz com que a história se embrenhe por questões sociais extremamente relevantes para o nosso país, nesse caso o racismo. Não se trata aqui de falso moralismo, mas o quadrinho toca onde a ferida dói, em nossos preconceitos básicos, de enxergar o negro em funções consideradas menores dentro de uma divisão social do trabalho, de considerar que uma pessoa negra não possa ser bem sucedida a não ser em profissões pré-estabelecidas e muitas vezes caricatas.

    Pele aborda também o bullying que esse grupo social sofre diretamente, como mostrado pelos colegas de turma do Jeremias e outros de maneira indireta (num típico exemplo de racismo velado), como é o caso da professora do protagonista que distribui profissões aos seus alunos para um trabalho escolar. Se isso não fosse o bastante, o quadrinhos também destaca pontos que nos fazem refletir: por que o negro ou o pobre não tem o direito de sonhar? Por que não se pode concede a essas pessoas a possibilidade de ao menos almejarem uma melhor situação na sociedade? São questionamentos são apresentados durante a história tanto de forma direta quanto indireta.

    Não se pode esquecer também de alguns personagens coadjuvantes, principalmente os pais de Jeremias. O inconformismo do pai não se trata de raiva devido aos problemas do filho, mas uma questão geracional que ele passou e vê seu filho em uma estrutura social muito parecida, o que faz entender a explosão de nervos e como a embalagem do preconceito pode mudar, mas não o seu conteúdo. O mesmo se pode dizer da mãe e o seu relato sobre sua infância e seus cabelos e como ela passou por um processo de aceitação para ter o visual dos dias de hoje.

    Enfim, uma HQ sensacional, de uma importância tremenda para os nossos dias e que certamente, tendo em vista o alcance de Maurício de Sousa, fará um belo trabalho educacional desde a mais tenra idade até os mais marmanjos. Destaque para o trabalho de arte de Costa, que possui um traço dinâmico, e utiliza as cores em prol da narrativa, além de diversas referências espalhadas ao universo da Turma da Mônica, e claro, ao movimento negro. O álbum ainda conta com um belo texto de quarta capa do rapper Emicida. Como dito anteriormente, Jeremias – Pele transcende a própria mídia e vai além pela crítica e pelo posicionamento. Aliás, deve-se louvar uma leva de artistas e quadrinhos nacionais que tratam de questões sociais e realizam uma justa e necessária crítica ao nosso contexto atual.

    Compre: Jeremias – Pele.

    Texto de autoria de Douglas Biagio Puglia.

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  • Crítica | O Menino e o Mundo

    Crítica | O Menino e o Mundo

    O Menino e o Mundo - poster

    Após indicação ao Oscar de Melhor Animação, a produção brasileira O Menino e o Mundo, que já havia sido lançada em home video no país, obteve um novo alcance merecido. A indicação foi suficiente para expandir a popularidade do filme dirigido por Alê Abreu e conquistar novos espectadores. Uma ação necessária diante da ainda precária atenção dada às animações brasileiras em circuito, tanto por parte de uma distribuição reduzida, quanto da recepção do público, sempre atento às animações estrangeiras.

    Desenvolvido sem falas, a obra se vale do conceito clássico do cinema como símbolo visual para transmitir sua mensagem. Não bastando o estilo sem falas, que hoje causa ruptura por retomar um antigo padrão não mais vigente, os traços da animação se destacam ao se basearem em composições simples, como desenhos primitivos feitos por uma criança. São estes personagens delimitados de maneira simples que narram uma história simbólica.

    A narrativa se inicia devido a um conflito primordial na sociedade moderna: a ausência de trabalho e a migração da população para polos urbanos. À procura de um emprego diante da escassez do campo, o pai se desloca para a cidade grande, deixando memórias e tristezas no filho, a personagem principal da trama. Pela saudade, o garoto percorre o mesmo trajeto do pai para procurá-lo na cidade grande.

    O tom simbólico da trajetória se mantém devido à representação imagética apoiada nestes traços infantis. Trata-se de um mundo adulto visto sob a ótica infantil e, assim, modificando as construções reais para uma cidade simbólica, compreensível para o garoto. A agressividade da cidade é representada por objetos mecânicos antropomorfizados em animais, símbolos que dialogam com uma visão de mundo ainda pura. Ao transitar de seu espaço natural para a cidade, o local idílico da infância representado pela música e pelas boas memórias é violentado pela selva de concreto.

    Ao acompanhar temporariamente personagens desta sociedade, identificando sentimentos e situações as quais nunca havia vivido, a história tece uma crítica severa ao conceito de uma sociedade e como ela, por motivos diversos, produz cidadãos infelizes vivendo um cotidiano vazio. Há uma clara contraposição da evolução da humanidade simbolizada pelos avanços mecânicos e tecnológicos em contraste com os seres inseridos nessa própria sociedade vivendo como engrenagens invisíveis.

    A desesperança presente na história é potencializada por estes símbolos na transição do garoto, que observa sua inocência ser transformada por uma visão crua da cidade grande, reconhecendo, em escala geral, a falência da civilização e da existência como um todo. De maneira melancólica, a visão do garoto é desoladora e causa comoção pela triste constatação de que, além das cores e dos traços infantis, a realidade é composta desta maneira, sem nenhum filtro estético.

    A ousadia em promover uma obra sem falas diante de um padrão acostumado com narrativas repletas de ação promove uma ruptura, conferindo à trama maior observação. Sob o viés infantil, O Menino e o Mundo, vencedor do Annie Awards deste ano, é uma delicada obra sobre a evolução humana, equilibrada entre certa poética e amargura.

  • [Na Vitrola] Top 10 – Melhores Discos Nacionais de 2013

    NaVitrola

    2013 foi um grande ano para a música brasileira, estabelecendo um período de renovação de diversas cenas musicais, como o rap, mpb, rock e outras produções musicais em geral. Um dos anos mais férteis para a música nacional, sem sombra de dúvida. Logicamente, esse cenário não é disseminado nas rádios e TV: para conhecer um pouco do que tem ocorrido fora da grande mídia, você precisará deixar a preguiça de lado para perceber tudo isso. Afinal, se você depende das emissoras de rádio e TV para conhecer o que tem rolado na cena nacional, ou você é muito ingênuo ou está assinando seu atestado de imbecil.

    Por essas e outras, deixo logo abaixo uma lista do que mais gostei em 2013. Uma gama de artistas, de grandes gravadoras a independentes, que passam longe de fazer concessões artísticas para que um número maior de ouvintes conheça seu trabalho.

    Bixiga 70 – S/T

    bixiga-70

    O segundo álbum de estúdio do Bixiga 70 potencializa tudo o que já foi consolidado no disco de estreia. Ao longo de nove faixas, a big band esbanja versatilidade, passeando por gêneros africanos e combinando temas jazzísticos ao melhor estilo Miles Davis. O Bixiga 70 faz um álbum instrumental que certamente agradará até aqueles que não gostam do estilo. Suingado até o último segundo. Ouça:


    Phillip Long – Gratitude

    Phillip Long - Gratitude

    Paulista de Araras, Phillip Long retoma à origem folk em seu novo trabalho, Gratitude. Long inscreveu uma marca bastante pessoal neste disco, criando composições de soluções simples, mas repletas de sensibilidade. Suas canções são intimamente pensadas, estabelecendo-se um registro sincero sobre o amor, seja ele um impiedoso afeto, aproximação espiritual ou sua banalização. Tudo isso sem soar piegas. Ouça:

    Emicida – O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui

    emicida

    Ao lado de Criolo, Projota e outros nomes, Emicida alcançou uma relevância maior no cenário atual do rap e do hip-hop que se resumia apenas a uma pequena e restrita cena musical. Em seu primeiro disco, após o lançamento de uma série de mixtapes, Emicida se reinventa e conversa com outros estilos sem perder a originalidade que o tornou conhecido, algo que parece ter sido influência direta da turnê ao lado de Criolo. O disco conta ainda com uma série de participações, de Wilson das Neves a Pitty. Discaço! Ouça:

    Vespas Mandarinas – Animal Nacional

    Vespas Mandarinas - Animal Nacional

    Animal Nacional tem tudo para se tornar um clássico do rock nacional. Se ele irá se tornar, é outro assunto, o fato é que a Vespas Mandarinas, em seu primeiro álbum, entregou um disco de rock and roll muito distante daquelas bandinhas indies que brotam em cada esquina e cujos integrantes não sabem nem afinar os próprios instrumentos. Coeso, com peso na medida certa, ótimas letras e bom entrosamento entre os músicos. Se você sente falta de uma boa banda de rock nacional, Vespas Mandarinas é uma ótima dica. Ouça:


    Wado – Vazio Tropical

    Wado - Vazio Tropical

    Vazio Tropical, produzido pelo hermano Marcelo Camelo, é um trabalho que causa admiração e surpreende o ouvinte a cada audição, dado o riquíssimo trabalho melódico e harmônico de cada canção. Os menos de trinta minutos de duração do disco vão de emoções leves a densas ao longo das onze faixas. Um álbum que certamente não passará despercebido. Ouça:


    Rashid – Confundindo Sábios

    Rashid - Confundindo Sábios

    Michel Dias da Costa, ou melhor, Rashid, é mais um nome que surgiu no cenário atual do rap nacional. As comparações com Emicida de fato existem, seja pelo timbre de voz ou o compromisso do rapper com o estilo, contudo as semelhanças param por aí. O trabalho recente de Rashid é muito mais combativo que o do parceiro Emicida. Seu discurso põe o “dedo na ferida” em temas cotidianos da periferia, sem os clichês do gênero. Confundindo Sábios é um disco de um artista que tem muito a dizer. Ouça:


    Hamilton de Holanda – Trio

    Hamilton de Holanda - Trio

    Com André Vasconcellos no baixo, Thiago da Serrinha na percussão e liderado pelo virtuose Hamilton de Holanda e seu bandolim de 10 cordas, Trio é um disco intimista que reúne ótimos músicos e comprova uma entrega impressionante por parte de cada um deles, deixando de lado o vômito de notas, como é costume de alguns álbuns instrumentais. Hamilton está mais interessado na espontaneidade e beleza de cada canção do que em demonstrar sua tecnicidade a quem queira ouvir. Ainda bem. Ouça:

    Marcelo Jeneci – De Graça

    Marcelo Jeneci - De Graça

    Após o ótimo Feito Pra Acabar, de 2010, Marcelo Jeneci retorna com De Graça, seu segundo álbum solo, e novamente acerta ao entregar um trabalho repleto de canções sutis sobre sentimentos e cotidiano. As composições transitam entre baladas que tocariam facilmente em qualquer rádio e canções mais introspectivas e melancólicas. No final das contas, Jeneci comprova que ainda é possível fazer um pop de alta qualidade sem se render a padrões estabelecidos por gravadoras ou empresários. Ouça:


    Lulu Santos – Lulu Canta & Toca Roberto e Erasmo

    Lulu Santos - Lulu Canta & Toca Roberto e Erasmo

    A carreira de Lulu Santos vive de altos e baixos, contudo é um artista que vive se reinventando, e é, acima de tudo, competente naquilo a que se propõe. Algo difícil de se ver em um músico com mais de 30 anos de carreira. Observamos nesse álbum de covers que está além de uma simples releitura: Lulu vira do avesso as composições de Roberto e Erasmo Carlos, cria arranjos originais e se envereda por diversos estilos com a competência de sempre. Você pode até não gostar do cara ou a proposta deste álbum, mas a inquietude que percorre a carreira de Lulu é surpreendente. Ouça:

    Móveis Coloniais de Acaju – De lá Até Aqui

    Móveis Coloniais de Acaju - De lá Até Aqui

    O Móveis segue com seu terceiro disco e novamente temos em mãos um trabalho diferenciado de uma banda que sempre procura buscar novas inspirações e estilos. O som dos caras continua o mesmo: rock com aquele tempero regional. As influências de Beatles e do rock inglês continuam cada vez mais fortes ao mesmo tempo em que a presença do soul, marca registrada da banda pelo uso de metais, se perde um pouco neste terceiro álbum. No entanto, o amadurecimento musical da banda parece cada vez maior. Altamente recomendado. Ouça: