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  • Resenha | Homem-Aranha Noir: A Face Oculta

    Resenha | Homem-Aranha Noir: A Face Oculta

    Nos Quadrinhos mainstream, de tempos em tempos surgem linhas editoriais alternativas, como podemos perceber pelas versões 2099 e zumbis da Marvel Comics e pelos incontáveis elseworlds do multiverso da DC Comics. O sucesso dessas publicações costumeiramente resulta em continuações, com grandes oscilações nos níveis de qualidade das histórias.

    A linha Marvel Noir não foge dessa tradição, colocando os grandes personagens da Casa das Ideias em um contexto mais violento e visceral da década de 1930, durante o auge da Grande Depressão norte-americana. Em um período simultaneamente sombrio e sedutor, as possibilidades narrativas se multiplicam consideravelmente, equilibrando o drama e o mistério inerentes às narrativas policiais com a ficção científica que resulta no arquétipo dos super-heróis.

    Dentro desse contexto, o sucesso dessa linha editorial era inevitável, e a versão alternativa que obteve maior popularidade, para surpresa de zero pessoas, foi o Homem-Aranha Noir, tornando-se natural que fosse dele a primeira sequência de aventuras dentro dessa continuidade.

    Para manter a fórmula que anteriormente funcionou, o editor Alejandro Arbona não poupou esforços para contar com o retorno da equipe criativa do volume original, formada pelos roteiristas David Hine e Fabrice Sapolsky e pelo desenhista/colorista Carmine Di Giandomenico.

    Nessa nova aventura, a equipe criativa situa o herói aracnídeo em 1933, poucos meses após os eventos do arco anterior, em um momento no qual a crise econômica ainda mantém o país em uma situação delicada, mas indícios de uma retomada são sentidos através de medidas adotadas pelo recém-empossado presidente Franklin Delano Roosevelt, enquanto a sombra do Nazismo começa a tomar força em solo americano, vindo secretamente do outro lado do Atlântico.

    Se no contexto macro podem ser percebidos tímidos sinais de melhora, nas ruas de Nova York a crueldade das gangues ainda impera, com o Mestre do Crime assumindo o posto outrora ocupado por Norman Osborn, O Duende, mantendo o submundo em polvorosa e preenchendo o vácuo momentâneo nas esferas de poder da máfia.

    Envolvido com Felicia Hardy, socialite dona da boate Gata Negra, Peter Parker se vê às voltas com uma intrincada investigação jornalística, junto de seu novo amigo Robbie Robertson, que envolve os bizarros experimentos com animais realizados por um certo Otto Octavius.

    Com um subtexto social bem calibrado, que aborda o racismo da forma abjeta que merece, a história mantém um ritmo de suspense que em muito se assemelha temática e estilisticamente ao filme de Jordan Peele, Corra!, lançado alguns anos após a publicação dessa HQ. Em, que pese o tom de ficção científica, a história mantém um diálogo bem fidedigno com a maneira com a qual a população negra sempre foi vista no ocidente, sobretudo nos Estados Unidos.

    O roteiro de Hine e Sapolsky se vira muito bem ao trabalhar sua história dentro do contexto da época, adaptando os personagens do cânone do Homem-Aranha de modo que faça sentido suas presenças na história, como o agente federal Jean De Wolfe, versão da Capitã Jean DeWolff, que na época jamais conseguiria atingir tal posto, dado o machismo estrutural que impossibilitava que mulheres ocupassem postos desse tipo até então.

    A inserção do Nazismo como um elemento preponderante na ameaça central da história garante um link poderoso com a história real do século XX, algo que gera uma camada de verossimilhança nessa proposta quase metaficcional de narrativa.

    A arte do italiano Di Giandomenico não é marcante por sua sutileza, ganhando destaque através do uso de seu alto contraste e de uma coloração digital que foge um pouco da estética proposta pelo traço, gerando um certo estranhamento no desenrolar da leitura, atenuado pela dinamicidade dos enquadramentos do artista, famoso por fazer storyboards para filmes de cineastas como Martin Scorsese.

    Um ponto que merece destaque negativo é a imprecisão histórica cometida pela tradução brasileira ao final da HQ, quando um oficial nazista fala, no original, em “the national socialist vision of the future (…)”, o trecho é erroneamente traduzido como “o ideal socialista para o futuro (…)”. Esse tipo de equívoco equipara nazismo e socialismo, correntes políticas antagônicas e cuja associação se mostra, à luz dos fatos e dos estudos teóricos, completamente descabida.

    Erros de tradução à parte, Homem-Aranha Noir: A Face Oculta logra êxito ao transpor a personalidade de Peter Parker para um contexto mais bruto e violento de sociedade, apresentando um Amigão da Vizinhança não tão amigável como estamos habituados, bem mais implacável e frio, como se fosse este de fato um homem reflexo de seu tempo.

    O volume publicado pela Panini Comics em capa dura reúne as quatro edições da minissérie Spider-Man Noir: Eyes Without a Face, e contém um pequeno glossário e uma interessante galeria de capas.

    Compre: Homem-Aranha Noir – A Face Oculta.

  • Resenha | Homem-Aranha Noir

    Resenha | Homem-Aranha Noir

    Homem Aranha Noir

    Homem-Aranha Noir tinha tudo para dar errado. Criado em 2008 nos quadrinhos tendo como background histórias policiais repletas de ambiguidade e um universo apático. Posteriormente, a personagem foi utilizada no game, Spider-Man Shattered Dimensions, onde era possível jogar com a contraparte Noir, além de suas outras três versões, clássica, uniforme negro e 2099. O fato é que só após o game, a hq teve seu destaque e alcance merecido.

    Toda a história é ambientada em 1933, ano onde os Estados Unidos viveu uma grande crise financeira devido a quebra da bolsa de Nova York em 1929. A situação econômica está longe do ideal, desemprego e a miséria assolam por todo país. Se isso já não bastasse, a corrupção parece um meio de vida para as autoridades locais, cenário perfeito para o tráfico de influência exercido pela Máfia. É neste cenário onde toda história é concebida.

    Para os mais desatentos (lê-se desinformados), o gênero Noir é um estilo literário e visual associado a tramas investigativas, onde temos policiais com uma carga psicológica forte, femme fatales, personagens com uma visão de mundo apática, cínica e pessimista, e onde o bom e o mau não estão estampados para quem quiser ver. Outro fator importante do gênero é sua estética, comumente escura e com cores frias. Para quem quiser se aprofundar no gênero recomendo as obras de Dashiel Hammet e Raymond Chandler, já no cinema temos centenas de filmes sobre os gêneros, entre eles O Falcão Maltês (ou Relíquia Macabra), Pacto de Sangue, Um Retrato de Mulher, O Beijo da Morte, entre tantas outras. O resultado dessa ambientação na história do “Amigão da Vizinhança” é um universo sombrio, onde seus personagens dúbios têm muito a oferecer no sentido de conflitos morais, sociais e psicológicos.

    A história gira em torno de um jovem Peter Parker que mora com seus tios Ben e May. A primeira grande diferença são os ideais dos tios de Peter, aqui eles se mostram como militantes socialistas. A vida do jovem muda completamente quando seu tio Ben se coloca frente a opressão de um grande gangster de Nova York, Norman Osborn, e paga com sua vida por isso. Peter acaba se tornando um jovem impulsivo e com sede de vingança pelo que ocorreu, sua chance de virar a mesa ocorre ao ser picado por uma aranha africana especial (?!) e com isso descobre ter poderes capazes para fazer justiça com as próprias mãos.

    Não vou me adentrar nos detalhes da história, isso cabe ao leitor, porém, há de serem feitas as devidas ressalvas a genialidade de personagens como Norman Osborn como o grande chefe do crime organizado dos anos 30, May Parker como militante socialista é de longe sua melhor versão já realizada, o Abutre em sua versão noir é muito parecido ao clássico vampiro do cinema, Nosferatu, uma referência muito bacana. Gata Negra ganha uma versão femme fatale dona de um night club, personagem que não poderia faltar em uma trama noir. Outro ponto crucial para o roteiro é a personalidade de Ben Urich.

    O roteiro de David Hine é redondo, sua releitura de personagens consegue trazer uma nova ótica sobre eles sem alterar o principal de suas personalidades. Por último e não menos importante, a arte de Carmine Di Giandomenico encaixa perfeitamente com o roteiro de Hine, sabendo ambientar o período da depressão americana com uma Nova York suja e sombria, algo fundamental para a estética Noir que a trama pede.